Educação em Marx: formação da consciência, escola e luta
de classes
Alessandro de Moura
No presente ensaio, abordamos a compreensão elaborada
por Marx sobre a formação da consciência e a partir disso, evidenciamos suas
ideias sobre educação escolar e ensino público. Dentro desse contexto,
relacionamos suas contribuições com as de Vygotsky e Gramsci. Por fim, para
além da educação pública e gratuita, apontamos as dificuldades estruturais enfrentadas
pela escola na sociedade de classes.
A formação social da consciência
em Marx
Para Karl Marx, a formação do pensamento está
totalmente relacionada ao meio externo, com as interações que se estabelecem ao
longo da existência humana compreendida como processos de subjetivação e
objetivação. Tal aspecto pode ser observado desde os textos da juventude até os
últimos escritos do autor. No Manuscritos
econômico-filosóficos, de 1844, Marx já denotava a inseparável relação
entre realidade material e a formação da consciência:
(...) Assim como plantas, animais, pedras, ar, luz
etc., formam teoricamente uma parte da consciência humana, em parte como
abjetos da consciência natural, em parte como objetos da arte - sua natureza
inorgânica, meios de vida espirituais, que ele tem de preparar prioritariamente
para a fruição e para a digestão -, formam também praticamente uma parte da
vida humana e da atividade humana. (...). (MARX, 2004, p. 84).
Em outro trecho, aprofunda o
caráter social na formação da percepção e da aprendizagem humana:
(...) O homem se apropria da sua essência omnilateral
de uma maneira omnilateral, portanto como um homem total. Cada uma das suas
relações humanas com o mundo, ver,
ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo,
amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade, assim como os órgãos que
são imediatamente em sua forma como órgãos comunitários, são no seu
comportamento objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a
apropriação do mesmo, a apropriação da efetividade humana; seu comportamento para com o objeto é o acionamento da efetividade humana (por
isso ela é precisamente tão multíplice (vielfach)
quanto multíplices são as determinações
essenciais e atividades humanas),
eficiência humana e sofrimento
humano, pois o sofrimento, humanamente apreendido, é uma autofruição do ser
humano. (Idem, p. 108).
O que cada geração apreende e
acumula de substantivo, como ganho social, é incorporado como cultura
sócio-histórica e transmitido às novas gerações, como afirma o autor: “os
sentidos e o espírito do outro homem se tornaram a minha própria apropriação. Além destes órgãos imediatos formam-se, por
isso, órgãos sociais, na forma da sociedade, logo, por exemplo, a
atividade em imediata sociedade com outros etc., tornou-se um órgão da minha externação de vida e um modo da apropriação da vida humana”. (MARX, 2004, p. 109). Em outro parágrafo, enfatiza que:
“(...) não só os cinco sentidos, mas também os assim chamados sentidos
espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa palavra o sentido humano, a humanidade dos sentidos,
vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto, pela natureza humanizada”. (MARX, 2004, p. 110). De
tal maneira, “A natureza é o corpo inorgânico do homem”. (Idem, p. 84). Por
fim, complementa que: “A formação dos
cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui”. (MARX,
2004, p. 110). Nesse sentido, na inter-relação de singularidades e
universalidades, a cultura é compreendida como parte da natureza de cada
indivíduo.
Desde o início da vida, o ser
humano entra em contato com o meio exterior, com uma realidade estruturada,
pré-estabelecida. Nesse processo, aprende a decifrá-la enquanto constrói
explicações e organização mental para todo o existente fora de si, ao mesmo
tempo em que se localiza como sujeito de ação e com isso, molda sua estrutura
interna de sentimentos, pensamentos e atividades. Para o autor, conforme afirma
na terceira tese ad Feuerbach, os
seres humanos, frutos do meio em que vivem, são também os seres que modificam
estes meios de vida, constroem-no e o transformam de acordo com suas
necessidades sociais e históricas.
Assim, o mundo exterior ao sujeito
é compreendido como base de todo pensamento e atuação, a realidade material é a
plataforma de onde deriva toda compreensão e ação humana. E com isso, a própria
filosofia é parte do desdobramento da intervenção sobre o mundo, é fruto de uma
dinâmica concreta da relação entre a humanidade atuante sobre a natureza
interna e externa. Conforme destacou Marx n’A
ideologia alemã: “(...) Desde o início, portanto, a consciência já é um
produto social e continuará sendo enquanto existirem homens”. (2007, p. 35). Em
síntese, o ser humano, em qualquer meio que viva, absorve e elabora saberes
sobre a realidade material e espiritual para atuar sobre a realidade externa:
A produção de ideias, de representações, da
consciência, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade
material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real.
O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda aparecem,
aqui, como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo vale para a
produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da política, das
leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens são os
produtores de suas representações, de suas ideias e assim por diante, mas os
homens reais, ativos, tal como são condicionados por um determinado
desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele
corresponde, até chegar às suas formações mais desenvolvidas. A consciência não
pode jamais ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser consciente dos
homens é o seu processo de vida real. (...). (MARX, 2007, p. 94).
Também em O capital, publicado em 1867, Marx reafirmou que todo o ser humano
é um ser que aprende e se desenvolve intelectualmente por meio da relação com o
meio que lhe é exterior:
(...) o homem se espelha primeiramente num outro
homem. É apenas por intermédio da relação com Paulo como seu igual que Pedro se
relaciona consigo mesmo como ser humano. Além disso, no entanto, Paulo também
vale para ele, em carne e osso, em sua corporeidade paulina, como forma de
manifestação do gênero humano. (MARX, 2013, p. 129).
Como as formas de pensamento,
derivadas das múltiplas relações, são exteriorizadas e se objetivam em práticas
sociais, a própria essência do ser humano é social, histórica e processual.
Segundo o pedagogo Lev Vygotsky (1896-1934):
(...) o processo de internalização consiste numa série
de transformações. (...) a) Uma operação que inicialmente representa uma
atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. (...) b) Um
processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. (...). A
transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o
resultado de uma longa série de eventos ocorrido ao longo do desenvolvimento.
(...). (VYGOTSKI, 2003, p. 75).
Foi nesse sentido que Gramsci, no Caderno do cárcere (n.º 11), afirmou que
todos os seres humanos são filósofos, mesmo que nem todos o exerçam
conscientemente: “(...) todos são filósofos, ainda que a seu modo,
inconscientemente - já que, até mesmo na mais simples manifestação de uma
atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada
concepção do mundo (...)”. (GRAMSCI, 2001, p. 93). Ou, no mesmo sentido, todos
os homens são intelectuais, ainda que poucos o tomem de forma profissional,
conforme apontou no caderno 12 da mesma obra:
Por isso, seria possível dizer que todos os homens são
intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais
(assim, o fato de que alguém possa, em determinado momento, fritar dois ovos ou
costurar um rasgão no paletó não significa que todos sejam cozinheiros ou
alfaiates). Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o
exercício da função intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos
sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos sociais mais importantes, e
sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social
dominante. (...). (GRAMSCI, 2001, pp. 18-19).
A história da humanidade tem sua
dinâmica diretamente influenciada pelas formas como se desdobram os processos
sociais e interativos e, consequentemente, por suas ações sobre a realidade. Ou
seja, a realidade, fruto das ações humanas, transforma-se de acordo com as
interações dos sujeitos e tais interações constituem a interação social. Neste
processo de interação entre os seres humanos e natureza, como produção de seus
meios de subsistência, o ser humano acaba por produzir a si mesmo e a própria
vida material coletiva, e desta forma, faz-se como um ser que se autoproduz em
um movimento contínuo e infinito.
Marx denota que as novas gerações
recebem um mundo já estruturado pelas gerações que a precederam, no entanto,
essas mesmas gerações, atuando no presente prático, social e político, têm em
suas mãos a capacidade de transformação da realidade social e política.
Conforme podemos ler em A ideologia alemã:
(...) cada geração recebe da geração passada, uma
massa de forças produtivas, capitais e circunstâncias que, embora seja, por um
lado, modificada pela nova geração, por outro lado prescreve a esta última suas
próprias condições de vida e lhe confere um desenvolvimento determinado, um
caráter especial - que portanto, as circunstâncias fazem os homens, assim com
os homens fazem as circunstâncias. Essa soma de forças de produção, capitais e
formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e cada geração encontram como
algo dado, é o fundamento real [reale]
daquilo que os filósofos representam como "substância" e
"essência do homem", aquilo que eles apoteosam e combateram (...).
(MARX, 2007, p. 43).
No entanto, segundo a perspectiva
de Marx, embora todo ser humano seja dotado de capacidades de elaboração
intelectual complexa sobre o mundo, as condições de difusão de seu produto e
das formas de compreensão não são homogêneas. A interpretação da realidade
sócio-material é disputada por variados grupos e corporações que compõem a
totalidade sociocultural humana, envolvendo capital público e privado. Os
grupos hegemônicos lutam pela difusão de sua própria visão de mundo e
interesses, e assim, a produção de sentido sobre a realidade social se dá em
níveis muito desiguais. Determinados grupos podem obter condições mais
propícias para difusão de sua perspectiva de mundo e construir hegemonia social
sobre determinadas perspectivas:
(...) A classe que tem à sua disposição os meios de
produção materiais dispõem também dos meios de produção espiritual, de modo que
a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles
aos quais faltam os meios de produção espiritual. As ideias dominantes não são
nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes
apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de
uma classe a classe dominante, são as ideias da dominação. (...). (MARX, 2007, p.
47).
Desta forma, para Marx, as classes
sociais que monopolizam os meios de produção material da vida, monopolizam
também os meios de produção de discurso e de difusão de padrões, de forma de
vida, modelos educacionais, conteúdos ministrados nos centros de ensino, nas
escolas e universidades. A classe dominante busca forjar consensos que
favoreçam a manutenção da ordem socioeconômica posta. Por isso, já no Manifesto comunista, publicado em 1848,
Marx e Engels afirmavam que: “Os comunistas não inventaram a intromissão da
sociedade na educação; apenas procuram modificar seu caráter arrancando a
educação da influência da classe dominante”. (MARX: ENGELS, 2005, p. 55).
A
formação social da mente em Vygotsky
Para Marx, a educação deve ter,
como objetivo central, o desenvolvimento das múltiplas capacidades humanas
latentes. Nos primeiros anos de vida, a criança apreende
e elabora uma grande diversidade de signos, significados e sentidos e, nesse
processo, imerso em relações variadas com os adultos, na convivência familiar e
comunitária, compõem-se as bases da socialização, como apontou Vygotsky:
É por meio de outros, por intermédio do adulto que a
criança se envolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no comportamento da
criança está fundido, enraizado no social. [...] Assim, as relações da criança
com a realidade são, desde o início, relações sociais. Neste sentido,
poder-se-ia dizer que o bebê é um ser social no mais elevado grau. (VYGOTSKY,
2010, p. 16).
Nesse sentido, Gramsci, no caderno
12, também denotava que as crianças refletem o meio social de sua convivência,
de suas experiências sociais:
(...) Mas a consciência da criança não é algo
“individual” (e muito menos individualizado): é o reflexo da fração de
sociedade civil da qual a criança participa, das relações sociais tais como se
aninham na família, na vizinhança, na aldeia, etc. A consciência individual da
esmagadora maioria das crianças reflete relações civis e culturais diversas e
antagônicas às que são refletidas pelos programas escolares. (...). (GRAMSCI,
2001, p. 44).
Para Vygotsky, a socialização da
criança pressupõe a transformação de fenômenos e compreensões sociais
(interpsíquicos) com estímulos externos, em fenômenos intrapsíquicos. De tal
maneira, fenômenos e ferramentas socioculturais são incorporados e
interiorizados de forma individualizada, particularizada. Interiorizam-se as
estruturas de pensamento e ação. Ou seja, todo o desenvolvimento humano tem origem nas relações
sociais e históricas exteriores, que por sua vez, desencadeiam processos
interiores: “Através dos outros constituímo-nos. Em forma puramente lógica a
essência do processo do desenvolvimento cultural consiste exatamente nisso”.
(Vygotsky, 2000, p. 24). Ainda, segundo o autor:
(...) todas
as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do
desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas
atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas
atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou
seja, como funções intrapsíquicas. (VYGOTSKY,
2010, p. 97- grifado no original).
Nesse processo, cada nova geração é, desde a mais tenra idade, socializada
com as formas de existência de cada período que lhe é correspondente, com seus
avanços contínuos e com a base técnica produtiva vigente. A partir disso, fica
claro o ponto de partida segundo o qual “(...) a aprendizagem da criança
começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte
do zero. Toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história”.
(VYGOTSKY, 2010, p. 93). Apoiando-se em formulações centrais de Marx, Vygotsky também considerou
que, ao nascer, o ser humano defronta-se com uma estruturação social posta, uma
totalidade concreta composta de instituições sociais, valores, normas, leis
etc. É nesta interação sócio-histórica produz a própria personalidade humana.
A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em
si, através daquilo que ela antes manifesta como seu em si para os outros. Este
é o processo de constituição da personalidade. Daí está claro, porque
necessariamente tudo o que é interno nas funções superiores ter sido externo:
isto é, ter sido para os outros, aquilo que agora é para si. Isto é o centro de
todo o problema do interno e do externo. (VYGOTSKY, 2000, p. 24).
Diante
disso, todos os elementos que a mente humana processa e desenvolve estão
diretamente relacionados à realidade exterior, vivida, percebida e compartilhada.
Segundo o autor:
(...) falar sobre processo externo significa falar do
social. Qualquer função psicológica superior foi externa – significa que ela
foi social; antes de se tornar função, ela foi uma relação social entre duas
pessoas. Meios de influência sobre si – inicialmente meio de influência sobre
os outros e dos outros sobre a personalidade. (VYGOTSKY, 2000, pp. 24-25).
É em
consequência disso que se pode afirmar que tudo o que é mental é fruto de
relações sociais, segundo Vygotsky: “Em forma geral: a relação entre as funções
psicológicas superiores foi outrora relação real entre pessoas. Eu me relaciono
comigo tal como as pessoas relacionaram-se comigo”. (Idem, p. 25). Assim:
Todas as formas da comunicação verbal do adulto com a
criança tornam-se mais tarde funções psicológicas. Lei geral: qualquer função
no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois
planos – primeiro no social, depois no psicológico, primeiro entre as pessoas
como categoria interpsicológica, depois – dentro da criança. (VYGOTSKY, 2000,
p. 26).
Então, “Por trás de todas as funções superiores e suas
relações estão relações geneticamente sociais, relações reais das pessoas”. (VYGOTSKY,
2000, p. 26). Segundo o autor, não se trata apenas de assimilação da ordem
externa, mas de uma interação dialética, ativa na formação da própria
personalidade individual: “O mais básico consiste em que a pessoa não somente
se desenvolve, mas também constrói a si”. (Idem, p. 33).
A importância da educação
escolar para o desenvolvimento
A escola
funde-se no processo de formação social da mente, ampliando e direcionando
curiosidades, estimulando a multilateralidade do conhecimento para além da vida
imediata de cada criança, amplia as possibilidades de incorporação de sistemas
conceituais. A vida escolar coloca as crianças e jovens em contato com uma
série de conteúdos universais organizados, sistemáticos, ministrados de forma
didática sequencializada, que desenvolverão suas capacidades potenciais.
Estimula a imaginação, propõe novos desafios, metas e problematizações. Segundo
Vygotsky, “Cada matéria escolar tem uma relação própria com o curso do
desenvolvimento da criança, relação que muda com a passagem da criança de uma
etapa para outra. (...)”. (VYGOTSKY, 2010, p. 100). Esse
processo possibilita a amplificação na aquisição de novas sínteses elaboradas. Ainda
de acordo com o autor: “(...) A relação entre pensamento e linguagem
modifica-se no processo de desenvolvimento tanto no sentido quantitativo quanto
qualitativo” (...). (Idem, p. 43).
Vygotsky
destaca a importância de se verificar o conhecimento que o estudante já possuí,
seu nível de desenvolvimento real. O educador parte desta base de conhecimentos
já acumulada pelo estudante, estabelecendo pontes entre o conteúdo já adquirido
em outros processos de aprendizagem (a partir das relações com outros
indivíduos e ambientes sociais); e o novo conteúdo inicial que o estudante já
está elaborando na zona proximal de forma embrionária, relacionando-os com
aqueles que o estudante é capaz de internalizar, ou seja, seu nível de
desenvolvimento potencial. (VIGOTSKY, 2000). Os novos conteúdos assimilados e
as novas funções cerebrais desenvolvidas interagem constantemente em novos
processos, qualitativamente mais complexos. Assim, criam-se bases para associar
novos conhecimentos de uma nova ordem de complexidade. Sempre que se cria um
novo estímulo que envolve o sujeito, lança-se uma nova base para novas reações,
interações e interpretações e, assim, para o desenvolvimento intelectual
progressivo.
Destaca-se que a educação escolar,
com equipes especializadas e contínuos processos de aprendizagem e
desenvolvimento, estabelece mediações dentro de uma
base social e intelectual estabelecida pela própria sociedade, com demandas do
presente e tendências futuras. Como apontou o autor: “(...) devemos
esperar de antemão que, em linhas gerais, o próprio tipo de desenvolvimento
histórico do comportamento venha a estar na dependência direta das leis gerais
do desenvolvimento histórico da sociedade humana. (...)” (VYGOTSKY, 2010, p. 46).
O
direito à educação universal, gratuita e de qualidade
Além
dessa importância fundamental no desenvolvimento da mente, posteriormente, no
mercado de trabalho, a falta da educação escolar formal será também um elemento
de diferenciação na distribuição dos empregos e na remuneração salarial para os
adultos. Aqui, a baixa frequência escolar, além de limitar o contato das
crianças com os conteúdos oferecidos nas instituições educacionais, é utilizada
como argumento para se pagar piores salários nos trabalhos mais intensos,
precários e com menos direitos trabalhistas.
Centralmente,
foi refletindo sobre o desenvolvimento humano múltiplo que Marx reafirmou
a necessidade de se abolir o trabalho infantil que impede a socialização
necessária e o ensino socialmente demandado. Do ponto de vista de Marx, o
trabalho só pode ser permitido na adolescência em caráter restrito, como
atividade pedagógica, como forma de estágio remunerado e com poucas horas
diárias. (MARX, 1866).
Desde o Manifesto de 1848, Marx já
defendia a “Educação pública e gratuita a todas as crianças; abolição do
trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da
educação com a produção material etc.”. (MARX: ENGELS, 2005, p. 58). No entanto,
para se garantir o acesso universal à educação escolar, é necessário que se
garanta que toda a estrutura material esteja à disposição da classe
trabalhadora. Por isso, Marx destacou que na Comuna de Paris, em 1871 (em que
se praticou a primeira experiência de poder operário), se “(...) ordenou que
todos os materiais didáticos, como livros, mapas, papel etc., fossem dados
gratuitamente aos professores, que doravante passam a recebê-lo das respectivas
mairies [prefeituras] às quais
pertencem. (MARX, 2019, p. 117). Outro ponto que mereceu destaque na comuna foi
a implantação de uma educação laica e sem ensino religioso:
Uma vez livre do exército permanente e da polícia – os elementos da
força física do antigo governo –, a Comuna ansiava por quebrar a força espiritual
de repressão, o “poder paroquial”, pela desoficialização [disestablishment]
e expropriação de todas as igrejas como corporações proprietárias. Os padres foram devolvidos ao retiro da vida privada,
para lá viver das esmolas dos fiéis, imitando seus predecessores, os apóstolos.
Todas as instituições de ensino foram abertas ao povo gratuitamente e ao mesmo
tempo purificadas de toda interferência da Igreja e do Estado. Assim, não
somente a educação se tornava acessível a todos, mas a própria ciência se
libertava dos grilhões criados pelo preconceito de classe e pelo poder
governamental. (MARX, 2019, p. 57).
Para Marx, “ao remover dela o
elemento religioso e clerical, a Comuna tomou a iniciativa da emancipação
mental do povo”. (MARX, 2019, p. 117). A religião difunde uma visão mística da
totalidade social e política, e ainda, ao mesmo tempo, o alto escalão das
variadas instituições religiosas se atrela aos altos núcleos de poder
empresarial, de dominação, controle e repressão sobre a classe trabalhadora. Nesse
aspecto, a religião é utilizada para forjar a domesticação nas multidões
humanas aos grupos dominantes, sendo uma força repressiva ocultada pela sua
forma sacramental. (c.f. Sobre a questão
judaica). Gramsci, no Caderno do
cárcere (n.º 11), afirmava: “(...) A escola — em todos os seus níveis — e a
Igreja são as duas maiores organizações culturais em todos os países, graças ao
número de pessoas que utilizam”. (GRAMSCI, 2001, p. 122).
As reflexões sobre o caráter
público da educação e a luta social a ser travada por ela foi refletida por
Marx em diversos momentos. Em 1866, quando finalizava o Livro I d’O capital, Marx escreveu também algumas
orientações sobre educação para a Primeira
Internacional, documento que recebeu o título de “Instruções para os Delegados
do Conselho Geral Provisório...”. Esse texto dialoga diretamente com os itens 3
e 9 do capítulo 13 d’O capital, em
que se discute educação e trabalho juvenil. No referido texto da Internacional, Marx, defensor de uma
legislação universal para “proteção física e espiritual da classe
trabalhadora”, reafirma, dentro de tal espectro, a importância de se garantir
uma educação universal. (MARX, 1866).
Se
existe um exército de mão de obra formado por milhões de homens adultos, por
que o empresariado insiste em empregar crianças ao invés de seus pais?
Certamente porque se pode pagar salários exageradamente mais baixos, abusando
da exploração e repressão nos locais de trabalho. No capítulo 13 d’O capital, Marx, por meio de relatórios
oficiais parlamentares, expõe como o empresariado tenta burlar de variadas
formas os limites para se empregar crianças e forçá-las a regimes de trabalho
com altíssimos níveis de exploração e baixos salários. Nesse capítulo, Marx
enfatizou que o capital avança para submeter ao seu domínio, e à produção de
lucros, todos os membros das famílias trabalhadoras. Faz isso de formas
ilegais, inclusive, infringindo as regras que a própria sociedade burguesa
criou. Isso se torna especialmente grave em relação às crianças, pois lhes é
roubado o espaço e o tempo de recreação, aprendizagem e desenvolvimento. (MARX,
2015, p. 468).
O
trabalho prematuro aparta as crianças dos múltiplos processos de formação e
aprendizagem para aprisioná-las às tarefas assalariadas unilaterais,
forçando-as a trabalhar como adultos. Faz com que as crianças e adolescentes se
desgastem física e psicologicamente, exploradas até a exaustão, prejudicando
inclusive seus processos de socialização, aprendizagem e formação. Prejuízos
físico-intelectuais que podem ter efeitos deletérios duradouros. A sociedade se
recente de tais crueldades contra as crianças e adolescentes, por isso cobra
medidas protetivas. Neste sentido, Marx aponta que a demanda por regulamentação
de proteção trabalhista é uma forma de “reação consciente e planejada da
sociedade”. (MARX, 2015, p. 551).
Marx aponta que, como os pais não
receberem salários suficientes para sustentar seus filhos, acabam sofrendo pressões
constantes que empurram as crianças para o mercado de trabalho. Outro elemento
a se considerar é o caráter de formação profissional: como não podem pagar por
escolas técnicas que preparem os filhos para profissões futuras, os pais acabam
entregando seus filhos aos cuidados dos patrões para que tenham uma “formação
profissionalizante”. Por tais perspectivas, o trabalho infantil é imposto às
famílias trabalhadoras por determinações estruturais. Conforme escreveu n’O capital:
Não foi, no entanto, o abuso da autoridade paterna que
criou a exploração direta ou indireta de forças de trabalho imaturas pelo
capital, mas, ao contrário, foi o modo capitalista de exploração que,
suprimindo a base econômica correspondente à autoridade paterna, converteu esta
última num abuso. (...). (MARX, 2015, p. 560).
Então, para se enfrentar
essas contradições, é necessário atender reivindicações salariais dos
trabalhadores adultos, para que possam arcar com as despesas do lar de maneira
satisfatória. Também é preciso criar novos postos de trabalho, diminuindo as
horas diárias, para que todos possam trabalhar e, consequentemente, diminuir
também o exército de reserva de mão de obra. Por outro lado, é preciso criar um
número adequado de escolas técnicas gratuitas e com remuneração pela produção,
escolas que sejam acessíveis a todos, assegurando ainda uma ampla proteção social
das crianças e da juventude. Para isso, é fundamental a criação,
aperfeiçoamento e manutenção de políticas públicas de proteção às crianças que,
além de garantir educação gratuita, assegure ajuda de custo aos estudantes
(transporte, material escolar, vestimenta, alimentação e serviço de saúde
etc.).
Ainda
por meio do documento da Internacional,
Marx apontou que as demandas educacionais da classe trabalhadora só podem ser
atendidas através da ação coletiva, de pressão direta, que obrigue à criação e
manutenção de políticas públicas direcionadas, sobretudo porque é muito mais
difícil que cada trabalhador individualmente possa arcar com os custos da vida
escolar de cada filho. Para o autor: “(...) Isto só poderá ser efetuado
convertendo a razão social em força social e,
em dadas circunstâncias, não existe outro método de o fazer senão através
de leis gerais impostas pelo poder do Estado”. (MARX, 1866).
As lutas sociais
articuladas pela classe trabalhadora adulta é imprescindível para se garantir
tais demandas: “O direito das crianças e dos jovens tem de ser
feito valer. Eles não são capazes de agir por si próprios. É, no entanto, dever
da sociedade agir em nome deles”. (MARX, 1886). Para Marx, a educação pública é
uma demanda histórica da própria classe trabalhadora:
(...) a parte mais esclarecida da classe
operária compreende inteiramente que o futuro da sua classe, e, por
conseguinte, da humanidade, depende completamente da formação da geração
operária nascente. Eles sabem, antes de tudo o mais, que as crianças e os
jovens trabalhadores têm de ser salvos dos efeitos esmagadores do presente
sistema. (MARX, 1886).
Outro aspecto importante para
Marx, é pensar uma forma de educação que não se limite às bases teóricas, mas
que tenha um tripé formado por “educação mental”, “educação física” e
“instrução tecnológica”. Compreende então que “A
combinação de trabalho produtivo pago, educação mental, exercício físico e
instrução politécnica, elevará a classe operária bastante acima do nível das
classes superior e média”. (MARX, 1866). Para isso, propõe que durante a
adolescência sejam introduzas duas horas de trabalho assistidas e que se
aumente essas horas ao passar dos anos. Só após a maioridade se poderia integrar
os jovens ao mercado de trabalho com jornada de trabalho adulta. Com isso, na
última fase da aprendizagem escolar, por meio de estágios remunerados, os
estudantes já terão passado por experiências práticas que complementam e
completam a sua própria formação teórico-prática.
Essa
mesma problematização foi tomada por Gramsci nos Cadernos do cárcere, (principalmente no caderno 12), em que o autor
debate o problema de se ter uma escola essencialmente teórico-abstrata, por um
lado, e por outro, uma escola técnica profissionalizante. Para o autor italiano,
tratava-se de pensar uma “escola unitária” que unificasse o ensino técnico e
científico, estimulando a curiosidade dos estudantes, bem como a introdução à
pesquisa. (GRAMSCI, 2001). Todos os custos e despesas deveriam ser assumidos
pelo Estado, como forma de desonerar as famílias trabalhadoras. Segundo o
autor:
A escola unitária requer que o Estado possa assumir as
despesas que hoje estão a cargo da família no que toca à manutenção dos
escolares, isto é, requer que seja completamente transformado o orçamento do
ministério da educação nacional, ampliando-o enormemente e tornando-o mais
complexo: a inteira função de educação e formação das novas gerações deixa de
ser privada e torna-se pública, pois somente assim ela pode abarcar todas as
gerações, sem divisões de grupos ou castas. (...). (GRAMSCI, 2001, p. 36).
A escola na sociedade de classes é essencialmente desigual
Outro elemento a se considerar é
que, mesmo com uma rede de escolas públicas e gratuitas, as desigualdades
persistem na sociedade capitalista. Foi nesse sentido que o sociólogo Georg
Snyders no livro Escola, classes e luta
de classes, enfatizou que é necessário “compreender como participa a escola
na luta de classes”. (SNYDERS, 2005, p. 13). Embora composta de uma ampla gama
de potencialidades, a escola tende a ser uma forma de reafirmação das
estruturas de classe:
(...) a burguesia proporciona exatamente aos
trabalhadores tanta cultura quanto o seu próprio interesse exige. E não é
muita. Escola de classes porque as lutas sociais não se detêm respeitosamente
no limiar do recinto escolar. Não é a educação também determinada pela
sociedade? Escola que não deixará de ser escola de classe senão pela revolução
social, condição da revolução escolar (...). (SNYDERS, 2005, p. 30).
A escola não cria as
desigualdades, mas, sendo ela organizada de acordo com os interesses da classe
dominante, acaba reafirmando os mesmos mecanismos de dominação de classe. Para
o autor: “(...) A burguesia esforça-se, na medida do possível, por
submeter a escola aos seus próprios objetivos de classe, por impedir acima de
tudo que ela possa contribuir para a emancipação do proletariado (...). (Idem,
p. 30). Nesse sentido, o autor critica à ideia de
ascensão social por meio da educação como forma antissistema:
Existe um determinado número de casos de mobilidade
social - e todos os professores citam o exemplo de determinado aluno vindo de
muito baixo, que graças ao seu
trabalho, ao seu zelo e aos seus dotes,
conseguiu tão brilhante situação. Mas, na realidade, a classe dominante
conserva ciosamente nas suas mãos o controle desta seleção, que não faz perigar
de forma alguma o conjunto das hierarquias estabelecidas. Precisamente por se
tratar de casos, esses poucos vão ser
absorvidos pelo meio ambiente, modelar-se segundo regras constituídas, arriscam-se
mesmo a ficar fortemente algemados a um sistema que lhe permitiu vencer,
sair-se bem. (SNYDERS, 2005, p. 23).
Ainda,
como a escola está inserida na sociedade de classes, profundamente desigual, é
impossível que possa oferecer condições de aprendizagem iguais para todas as
classes e frações de classe: “(...) Enquanto existir uma sociedade de
classes, a escola será inevitavelmente escola de classes. A burguesia tenta
transformar a escola de massas em instrumento capaz de subjugar os
trabalhadores”. (Idem, pp. 31-32).
Mesmo que se trate apenas dos
estudantes oriundos da classe trabalhadora, é necessário considerar também que
tal classe é composta por diversas clivagens sociais. A classe trabalhadora é
múltipla, engloba desde os setores mais precarizados, exército de mão de obra
de reserva, subproletariado, setores com empregos estáveis e até setores que
vivem com salários acima da renda média nacional. (Confira: O capital, livro I, cap. 13). As
crianças oriundas das distintas camadas da classe trabalhadora se encontram na
mesma escola pública, na sala de aula. Neste entremeio, quanto mais
precarizadas as condições de trabalho e de vida de determinados setores da
classe trabalhadora, mais dificuldades seus filhos tendem a enfrentar em sua
trajetória escolar. A origem social desigual influencia diretamente os
processos de aprendizagem e desenvolvimento. Ou seja, a escola trabalha em cima
de habilidades e dificuldades já instituídas, atuando de forma limitada na
reversão de tal quadro, e isso, por si, já impede uma educação igualitária.
Segundo o autor:
A ação da escola exerce-se sobre crianças cujo modo de
vida, educação familiar, primeira educação, são extremamente diversos: a
cultura das classes privilegiadas aproxima-se da cultura escolar, os seus
hábitos assemelham-se aos hábitos e aos ritos escolares - e preparam-nas, pois,
diretamente, para as aprendizagens escolares. Os seus filhos vão assimilar a
contribuição da escola à maneira de uma herança, é-lhes familiar, faz parte do
seu elemento natural. (SNYDERS, 2005, p. 23).
Também Gramsci, no já referido
caderno 12, apontava no mesmo sentido:
Decerto, a criança de uma família
tradicional de intelectuais supera mais facilmente o processo de adaptação
psicofísico; quando entra na sala de aula pela primeira vez, já tem vários
pontos de vantagem sobre seus colegas, possui uma orientação já adquirida por
hábitos familiares: concentra a atenção com mais facilidade, pois tem o hábito
da contenção física, etc. (GRAMSCI, 2001, p. 52).
Em relação a tais bases
pré-escolares, Snyders destaca que: “aqueles que não se beneficiam dele bem
cedo ficam desarmados, desamparados perante a cultura escolar”. (SNYDERS, 2005,
p. 24). Desta forma, para que se avance na melhora do sistema educacional é
necessário admitir-se a extrema desigualdade social, que por sua vez impõe a
desigualdade de condições nas salas de aula. Snyders aponta que é hipocrisia
argumentar que a educação oferece condições iguais a todos os estudantes:
Daí a hipocrisia da ideologia igualitária, quando
finge ignorar tudo que se passa fora da escola e como dentro dela as
disparidades têm livre curso: omitindo proporcionar a todos o que alguns devem
à sua família, o sistema escolar perpetua e sanciona as desigualdades iniciais.
Ainda mais: ele duplica-as na medida
em que as consagra através de resultados escolares, pois estes depressa se
transformam em apreciação da pessoa em si: ele
não é inteligente... visto que não triunfou na escola. (Idem, p. 24-25).
A desigualdade no acesso à
educação e nos processos de aprendizagem e desenvolvimento tende a ser
negligenciada pelas classes dominantes, isso porque é funcional que se tenha
uma massa de trabalhadores com poucos anos escolares e com baixa qualificação,
para que exerçam atividades simples com baixos salários e ausência de direitos.
Uma parte da juventude deverá ser direcionada diretamente para o exército de
reserva do mercado de trabalho: “(...) os excluídos do ensino, os que são
recusados pela escola, pouca esperança têm de acesso a situações de interesse;
em breve terão dificuldade em encontrar trabalho, a não ser que se alistem no
exército da reserva de mão de obra ocasional e precária”. (SNYDERS, 2005, p.
29).
Por outro lado, o autor assevera
que as dificuldades que acercam a escola na sociedade de classes não significam
que as classes dominantes detêm controle absoluto da escola e de tudo o que se
passa de experiências em seu convívio diário. Todas as contradições sociais que
se expressam na sociedade também estão presentes na realidade escolar. Segundo
o autor:
A escola não é um feudo da classe dominante; ela é
terreno da luta entre a classe dominante e a classe explorada; ela é o terreno
em que se defrontam as forças do progresso e as forças conservadoras. O que lá
se passa reflete a exploração e a luta contra a exploração. A escola é,
simultaneamente, reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão
da ideologia oficial, domesticação - mas também ameaça à ordem estabelecida e
possibilidade de libertação. O seu aspecto reprodutivo não a reduz a zero: pelo
contrário, marca o tipo de combate a ser travado, a possibilidade desse combate
que já foi desencadeado e que é preciso continuar. É esta dualidade,
característica da luta de classes, que institui a possibilidade objetiva da
luta. (SNYDERS, 2005, pp. 102-103).
Mas, confluindo com a perspectiva
de Marx, Snyders também destaca que, como a escola é parte de uma totalidade
social maior, suas determinações não podem ser revolucionadas apenas a partir
das suas próprias internalidades. Portanto, as pautas por transformações na
escola devem ser somadas às lutas sociais:
A luta pela escola nunca pode estar separada das lutas
sociais no seu conjunto, da luta das classes na sociedade total, da luta contra
a divisão em classes. Certamente, não cabe à pedagogia fazer a revolução; com
toda a certeza só haverá uma sã pedagogia numa sociedade sã - e a nossa não o
é. (...) uma escola progressista tem
necessidade de ser apoiada pelo conjunto de uma sociedade progressista. (...).
(SNYDERS, 2005, pp. 104-105).
Snyders é enfático em relação à
necessidade de combinar as lutas escolares com as lutas sociais que envolvam
amplos contingentes: “(...) Repetiremos que a solução da crise da pedagogia não
virá da pedagogia; mas acrescentaremos que também não há avanço pedagógico sem
progresso no próprio seio da escola, lutas pedagógicas, sindicais e,
finalmente, também políticas”. (SNYDERS, p. 106).
Ao analisarmos os escritos de
Marx e Vygotsky, ficou claro o pressuposto de que o ser humano é um ser ativo
na produção da própria subjetividade no meio coletivo. Desde o início da vida,
ele aprende a partir da própria experiência com a realidade material e com as
relações sociais com os adultos. Apesar do ser humano aprender e se desenvolver
independentemente das instituições escolares, essas proporcionam um salto na
sua capacidade cognitiva, na aprendizagem e no desenvolvimento de sínteses
elaboradas. Por isso, Marx e diversos outros autores tomaram como central a
luta social pela educação pública, gratuita e de qualidade, que proporcione o desenvolvimento
de múltiplas capacidades humanas. Snyders, retomando tal fio de análise, relembra
que mesmo com o acesso universal à educação, a estratificação social
determinada pela sociedade de classes impõe desigualdade no ensino e
aprendizagem, por isso as lutas travadas nas escolas precisam ser combinadas
com as lutas sociais gerais em prol da emancipação social e política da classe
trabalhadora.
Referências
JUQUIM, P. Propostas para a reconstrução da escola. Seara nova. 1975.
LUKÁCS, G. As
bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. Temas de Ciências
Humanas. 1975.
LURIA, A.
R. Pensamento e linguagem. Porto alegre. Artes Médicas. 1986.
MARX, K. A
guerra civil na França. São Paulo, Boitempo, 2019.
______. O
capital - crítica da economia política. Boitempo, 2013.
______. Sobre a questão judaica.
Editora Boitempo: São Paulo, 2010.
______. A
Ideologia Alemã. Boitempo. 2007.
______.
Manuscritos Econômico-Filosóficos. São
Paulo: Editora Boitempo. 2004.
______. Diferença
entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Boitempo. 2018.
______. Crítica
da filosofia do direito de Hegel. Editora Boitempo: São Paulo, 2005.
MARX, K.:
ENGELS, F. Manifesto comunista. Boitempo. 2005.
______. Instruções para os Delegados do Conselho
Geral Provisório. 1866.
MONACORDA. Marx e a pedagogia moderna. Alínea
editora. 2010.
MOURA, A. A ruptura de Marx com Hegel: Crítica da
filosofia do direito de Hegel. In: Filosofia
política, conhecimento e educação. CHAGAS, F. et ali. Editora Fi, 2020. pp.
30-59.
PEREIRA, L.:
FORACCHI, M. Educação e sociedade. Editora Nacional. 1979
PONCE, A. Educação
e luta de classes. Editora Cortez. 2003.
ROSSI, W. Capitalismo e educação. Editora Moraes.
1986.
SAVIANI,
D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez. 1982.
SNYDERS,
G. Escola, classes e luta de classes. Editora Centauro. São Paulo.
2005.
TEDESCO, J.
C. A sociologia da educação. Autores associados. 1995.
VIGOTSKI, L.
S. Escritos sobre educação. Coleção
educadores. Ed. Massangana. 2010.
______. A
formação social da mente: o desenvolvimento de processos psicológicos
superiores. São Paulo: Martins Fontes. 2003.
______. Pensamento
e linguagem. São Paulo. Martins Fontes. 2001.
______.
Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71,
Julho/2000.