O Movimento operário cubano e a revolução de 1959: o que é e para onde vai a revolução cubana
Alessandro de Moura
Introdução
De
forma geral, quando se discute Cuba, pode se encontrar pelo menos duas posições
divergentes. Uma delas afirma que Cuba é um país socialista, mas que
principalmente por conta do embargo criminoso imposto pelos EUA, o povo cubano
permanece em condição de miséria. Tal perspectiva, embora voltada para
conservação das conquistas do proletariado cubano, acaba por desconsiderar as
contradições do processo, com o regime burocrático de partido único, os privilégios das camadas
dirigentes, dos altos funcionários estatais, como no caso das FAR- Forças
Armadas Revolucionárias, uma verdadeira proto-classe em Cuba. Mas, ainda, desconsideram
a ausência de democracia proletária e todo cerceamento político e social contra
a classe trabalhadora e a ausência da democracia proletária. Nela
incluem-se desde os “socialistas de primeira viagem”, os simpáticos à imagem de
Che Guevara, até os pseudo-marxistas de tradição stalinista. Dentro desta via,
os setores da esquerda populista e
os débeis partidos stalinistas da America Latina condicionam a defesa das
conquistas da revolução à defesa incondicional da burocracia governante, com apoio
acrítico ao regime cubano, justificando todas as medidas aplicadas pelo
governo.
A segunda posição concorda
que o processo revolucionário em Cuba suas expropriações trouxeram melhores
condições de vida para o proletariado. Porém com as medidas de abertura durante
o período especial, iniciado em 1993, o capitalismo teria sido restaurado,
permanecendo somente uma ditadura no país. Para essa tendência, não haveria
mais conquistas a serem defendidas na ilha. Desconsiderando o imperialismo e sua pressão pela restauração
capitalista, defendem a ampliação das liberdades democráticas formais com um
programa para estabelecer uma democracia burguesa parlamentar na ilha com
amplas liberdades para a burguesia exilada e o imperialismo. Frente
a isso, defendem ampla liberdade de organização para todos os partidos e
tendências políticas, de direita (gusanos e as damas de branco) e de esquerda,
defendendo abertamente a restauração capitalista. Isso equivale a recriar uma classe exploradora
local e restaurar as propriedades dos gusanos de Miami.
Certamente estas posições devem agregar a maior
parte das opiniões sobre tal processo. Porém, aqui nos centraremos em outra
perspectiva.
Ha 60 anos o imperialismo norte-americano utiliza-se de todas as formas
possíveis, políticas e econômicas, para derrotar a revolução cubana. A direita
mundial segue pela mesma direção atacando diariamente a sociedade cubana e sua
revolução. Mesmo cercada por todos os lados por infinitas adversidades, a
revolução cubana continua simbolizando a vanguarda da luta contra a opressão e
a exploração em todo o continente. É ainda símbolo que estimula profundamente a
rebeldia na juventude latino-americana. Dessa forma, a defesa da revolução
cubana é parte da luta proletária do continente, tanto contra o imperialismo
internacional, como contra as burguesias locais.
A revolução cubana de 1959 foi iniciada como uma
revolução democrático-burguesa (de uma coalizão policlassista) dirigida pela
pequena-burguesia nacionalista, mas pela radicalização do processo, com
pressões e demandas do proletariado do campo e das cidades, avançou com
demandas de transição socialista. Desta forma, o proletariado insurreto
realizou importantes tarefas e medidas radicalizadas para iniciar a transição
socialista, como a expropriação da burguesia cubana, a nacionalização da maior
parte das terras e à expulsão do imperialismo e da burguesia, foram
nacionalizadas as fábricas, as usinas de açúcar, e todos os grandes meios de
produção. Estabeleceu-se o monopólio do comércio exterior, a proibição de
exploração do trabalho assalariado, o planejamento da economia, abolição dos
aluguéis etc.
Assim, cabe combater a restauração capitalista,
pois ainda predomina a propriedade nacionalizada dos meios de produção, o que não significa,
necessariamente, se colocar como defensor do regime castrista. Uma eventual
restauração capitalista em Cuba fará, certamente, o país retroceder aos
patamares de pobreza e desigualdade dos países semi-coloniais latino-americanos,
subordinados à dominação norteamericana. Essa reflexão foi desenvolvida por
trotskistas desde a revolução cubana, com destaque para Nahuel Moreno e Ernest
Mandel.
Contradições
do regime
Mesmo tendo lançado bases para iniciar um processo
de transição para o socialismo, Cuba nunca chegou a se consolidar como tal. Isso
centralmente porque não se pode desenvolver o socialismo em uma ilha só. Internamente
o processo nutria contradições, uma vez que o proletariado cubano acabou
impedido de seu exercício de autodeterminação política e a direção da revolução
acabou acoplada a URSS stalinizada. Conforme apontou Mandel (1981):
Enquanto isso, um número crescente de funcionários
da máquina estatal, da máquina partidária e das forças armadas cubanas eram
treinados e educados politicamente na URSS. Isso estimulou muito o processo de
estabelecimento do controle burocrático e sufocação da iniciativa
revolucionária de massa. A tendência nesse sentido tornou-se especialmente
clara a partir de 1967.
Controlada por uma casta militar desde a revolução
de 1959, por um partido-exército, desenvolve-se na ilha uma forma de Estado
operário deformado onde o proletariado ficou apartado do poder. De acordo com
Mandel:
Contudo, para interpretar adequadamente o
desenvolvimento recente do papel de Cuba na política mundial, outros fatores
também devem ser considerados. Em primeiro lugar, devido ao crescente
isolamento da revolução cubana na América Latina e à pressão contínua do
imperialismo americano, tanto econômica quanto militar, o Estado cubano dos
trabalhadores tornou-se cada vez mais dependente da ajuda soviética, em
especial depois da crise dos mísseis de 1962.
A dependência em relação à URSS impunha a
assimilação de elementos políticos e econômicos do stalinismo soviético, que mantinha-se
como um Estado operário degenerado. Cabe lembrar que um Estado operário
deformado não é o mesmo que um Estado operário degenerado. A URSS foi o
primeiro exemplo material de um Estado operário degenerado. A classe operária
russa, organizada em organismos de autodeterminação proletário, os sovietes
(conselhos operários), fez a primeira revolução socialista do mundo. Porém com
o isolamento da revolução, com o conseqüente desenvolvimento e fortalecimento
de frações contra-revolucionárias (Kulaks, Nepmen e burocracia), bem como,
posteriormente, o extermínio por via estatal de toda a vanguarda
revolucionária, a revolução operária estagnou-se e seguiu em processo de
declínio e degeneração.
Em Cuba o processo foi diferente, a revolução,
embora articulasse demandas proletárias, não foi dirigida pela classe operária
com organismos de autodeterminação proletária, mas sim por setores da pequena
burguesia nacionalista em uma coalizão policlassista que se apoiou no
proletariado insurreto. Destituído de um partido comunista que portasse um
programa marxista-revolucionário, como sínteses das demandas históricas e das
lutas proletárias, sem organismos proletários de poder direto, tendo a frente
um partido-exército, a revolução em Cuba nasceu totalmente deformada se
comparada à revolução russa. Esta deformação poderia ser corrigida, caso a
classe operária assumisse cada vez mais a direção do processo revolucionário,
porém não foi o que aconteceu. A direção castrista à frente do processo
revolucionário, após a tomada do poder, buscou apoio na URSS stalinizada,
cristalizando assim a deformação do estado operário nascente. Mandel apontava
que ao invés de serem corrigidas as deformações “Os privilégios materiais
surgiram e cresceram, bem como a repressão das críticas políticas, do
pluralismo cultural, da liberdade artística, etc”. (MANDEL, 1981).
Certamente uma série de nuances compõe a
problemática da direção da burocracia do M26 em sua variante castrista. Mas
destacamos que, em relação ao processo de degeneração da revolução na URSS, a
burocracia soviética foi o elemento da reação social atuando sobre as bases da
revolução, já em Cuba, a burocracia é produto direto de uma direção
pequeno-burguesa militarizada que, após tomar o poder, por pressões da base que
atraiu, foi radicalizando o conteúdo do movimento que encabeçava. O M26, no
exercício do poder, ao defender a revolução e as conquistas revolucionárias sem
democracia proletária, causou graves distorções e deformações no jovem estado
de trabalhadores. Conforme analisou Mandel:
Embora esse processo envolvesse grandes
mobilizações de massa e um esforço de educação política maciça, como raramente
se havia visto, sua fraqueza básica foi a falta de poder institucionalizado dos
trabalhadores, em outras palavras, a falta de sovietes. Os Comitês de Defesa da
Revolução poderiam ter se transformado em núcleos de sovietes autênticos, mas
não evoluíram nesse sentido. Surgiu um grande hiato entre, de um lado, a
mobilização de massa e a popularidade de Fidel e, de outro, a linha revolucionária
de Che e o exercício real do poder. (1981).
Nessa análise, Mandel indicou a "incapacidade
das massas em manifestar sua mobilização através de órgãos democráticos de
poder dos trabalhadores". (1981). Apesar dos progressos iniciais,
mostrando a imensa superioridade da economia nacionalizada, o parasitismo da
burocracia e sua direção (com a utopia de "construção do socialismo em uma
ilha"), inevitavelmente, levou a repetidos fracassos e à perpetuação do
atraso tecnológico, o que desembocou, sobretudo após o fim da URSS, em enormes
desequilíbrios na economia e na crescente insatisfação das necessidades das
massas, bloqueando a possibilidade de avanços do poder proletário.
Imperialismo estadunidense em Cuba
Imperialismo estadunidense em Cuba
No final do século XIX foi travada a Guerra pela
independência de Cuba contra a Espanha. Em 1895, o poeta e jornalista José
Martí fundou o Partido Revolucionário Cubano e o Exército de Libertação. Martí
morreu no campo de batalha em 1898. A independência de Cuba acontece apenas em
1901, porém será evidente a natureza frágil de suas classes dominantes, bem
como a debilidade do nascente “Estado soberano” cubano, aspecto característico
das democracias latino-americanas.
Os EUA, durante o processo de guerra pela
independência, com argumento de que um de seus navios de guerra, ancorado na ilha,
havia sido atacado, ocuparam a ilha; depois, mesmo com a derrota da Espanha, os
EUA mantiveram seu aparato militar em Cuba. Com o argumento de assegurar seus
interesses no país, implementaram na Carta Constitucional de Cuba a Emenda
Platti. Por meio desta os Estados
Unidos asseguravam a si próprio o direito de intervir nos assuntos internos de Cuba a
qualquer momento em que entendessem que seus interesses fossem ameaçados.
Assim, em 1898 Cuba tornou-se independente da Espanha, mas caiu sob o julgo do imperialismo
americano, que ocuparia militarmente a ilha até 1902 e continuaria
influenciando a política e a economia do país até a revolução de 1959. A
dominação estadunidense sobre a ilha foi um dos elementos que fomentou uma
série de movimentos sociais, principalmente em relação a Emenda Platti. De 1925
a 1933 o país viverá sobre a ditadura do General Gerardo Machado, que também
era um aliado do governo americano.
Ditadura e revolução em 1933:
greve geral com embriões de sovietes locais
A intensa subordinação internacional fazia de Cuba,
na prática, uma espécie de colônia americana. O governo cubano subalternizado aos
EUA indignava setores da população. Movimentos insurrecionais eclodiam no país.
Em 1933 o ditador Gerardo Machado será derrubado por uma insurreição popular, o
autoritarismo do governo articulado com a subsunção imperialista, somado a uma
profunda crise econômica, criou condições para a eclosão de uma greve
geral. O movimento de
trabalhadores, articulado com camponeses e pequena burguesia urbana,
rebelados contra a ditadura, tomam o país. Em 12 de agosto de 1933, Machado fugiu
da ilha, derrotado pela greve geral e a insurreição popular. O ascenso
proletário derrubou presidente atrás de presidente, foram derrubados seis
presidentes em dois anos (de 1934 a 1936). A classe trabalhadora
rebelada contra o ditador chegou a criar embriões de conselhos operários
(sovietes) na cidade de Santiago.
Desde o início de suas ações, o levante operário
foi boicotado pelo Partido socialista cubano (Partido Popular Socialista) que
era aliado as stalinismo da URSS. Este partido, em sua atuação política,
boicotava a organização do proletariado, contribuindo assim para quebrar a
unidade do movimento insurrecional. Desta forma, a política do PC cubano (PPS)
colaborou em larga escala para que a classe trabalhadora não desenvolvesse uma
política revolucionária e independente das frações das classes dominantes.
Ainda pior, na década de 1940 o Partido Popular Socialista apoiou ativamente a
ditadura militar-burguesa.
Embora a insurreição de 1933 tenha derrubado a
ditadura de Geraldo Machado, ela não foi capaz de criar um governo de
trabalhadores. A derrota da insurreição de 1933 pode ser explicada pela
combinação de dois elementos substanciais: a falta de autonomia da classe
operária em relação às frações da burguesia, fomentada em grande medida pelo
partido stalinista cubano durante décadas, e agravada pela orientação
ultra-esquerdista do "terceiro período" do stalinismo (no início dos
anos 1930). Estes dois elementos combinados contribuíram grandemente para
impedir o proletariado cubano de resolver em seu favor e das massas camponesas
o processo revolucionário aberto em 1933.
Articulados com o PC
russo, os partidos stalinistas defendiam, para Cuba e o restante da América
Latina, a mesma receita contra-revolucionária e anti-soviética levada a cabo na
Rússia a partir da segunda metade da década de 1920. De
acordo com o esquema praticado pelos partidos stalinistas na América Latina,
nos países coloniais e semicoloniais devia-se ter como objetivo a superação do
feudalismo por meio da realização de tarefas democráticas apoiadas pela
burguesia nacional, e não a resolução destas tarefas democráticas pelas massas
sob a direção do proletariado de forma independente das frações da classe
dominante.
Seguindo o “modelo” stalinista, o PC cubano, em
meio à aguda crise política e econômica em Cuba, compõe aliança com o militar
Fulgêncio Batista, um ex-sargento do exército apoiado pelo governo americano,
que chegou à presidência do país em 1940. Mesmo após o término de seu mandato
em 1944, Batista continuava a exercer grande influência no governo e nas
sucessões presidenciais. Até que, em março de 1952, quando seriam realizadas
novas eleições, prevendo a derrota eleitoral de seu candidato para o partido de
Fidel Castro (jovem advogado, ativista cubano, que disputava eleições para
deputado pelo Partido do Povo Cubano), Fulgêncio Batista toma o poder através
de um golpe de Estado. Contando com o apoio dos EUA, instala uma sangrenta
ditadura que durou sete anos (de 1952 a 1959).
O golpe de Estado desencadeado por Batista, o
“madrugazo” como ficou conhecido, fora levado a cabo para impedir a vitória
eleitoral de Roberto Agramonte do Partido Popular (ortodoxos) sobre o candidato
apoiado por Batista. O golpe teve o forte apoio de setores do Exército e da
burguesia que enfrentava o descontentamento popular em relação à situação
econômica. A crise econômica do país agravou-se no período por conta da queda
da demanda de açúcar cubano no mercado internacional, principalmente depois do
segundo pós-guerra, trazendo desemprego em massa no campo e na indústria. A
ditadura Batista deveria conter os levantes proletários. Conforme
caracterização de Nahuel Moreno, o exército de Batista era “estruturado de tal
maneira que todos eram cúmplices na exploração da cidade, desde o último
soldado até o general mais elevado. Era um exército mercenário completo, e
isso dava certa coesão ao aparato repressivo”. (MORENO, 1964).
Porém, os segmentos do movimento estudantil,
sensíveis as crises sociais, decidem opor-se à ditadura e se enfrentaram com o
governo. Com base neste setor, em seguida, um dos líderes do Partido ortodoxo,
Fidel Castro, tentou provocar um assalto insurrecional sobre um importante o
quartel de Batista.
Com a consolidação do golpe de Estado, Fidel
Castro, contando com apoio de parte do Partido do Povo Cubano, organizou de um
grupo armado para derrubar a ditadura Militar-burguesa articulando-se com mais
124 ativistas estudantis. No dia 26 de julho de 1953, o grupo decidiu empreender
um ataque ao segundo quartel mais importante de Cuba, o Quartel Moncada,
localizado a 20 km de Santiago, esperava-se com isso forçar uma revolta
popular. No entanto, o ataque não fora bem sucedido, segundo análise de Che
Guevara, no texto O Socialismo e o Homem em Cuba de
1965, “O ataque foi um fracasso, o fracasso se transformou em desastre e
os sobreviventes foram parar na prisão, para reiniciar, logo depois de terem
sido anistiados, a luta revolucionária”.
O exército de Batista estava mais do que preparado
para responder ao ataque, assim derrotou com certa facilidade a insurreição
estudantil. Muitos dos militantes foram mortos, Fidel Castro sobreviveu, mas
também foi preso. O fracasso do ataque ao Quartel Moncada marcou o início
de uma violenta oposição armada à ditadura Batista.
Ainda, sob impacto dessa ação e a alegação de sua
defesa no julgamento conhecida como “A História me absolverá”, Fidel tornou-se
figura pública. As ações do Movimento Estudantil aprofundaram-se em uma
onda de protestos, os estudantes saem às ruas em oposição à ditadura
Batista, sendo violentamente reprimidos. Entre as demandas do movimento estava
a reivindicação da restauração das liberdades democráticas no país e anistia
aos presos políticos. A pressão popular, que agudizava a crise social,
acabou por obrigar Fulgêncio Batista a anistiar seus presos políticos em maio
de 1955.
Em liberdade, Fidel Castro insistiu nos
empreendimentos militares, exilado no México a organizou uma nova fração
militar. Também foi no México que Fidel Castro conheceu o jovem médico Ernesto
Che Guevara, que decidiu compor as fileiras do grupo insurrecional
armado. Com isso, Fidel e seus aliados em 1955, criaram no México o
Movimento 26 de julho (M26), formado centralmente por jovens universitários,
tinha como centro de suas ideias o nacionalismo burguês, com reivindicações de “maior
democracia e justiça social” dentro da ordem burguesa. Seu programa era democrático-burguês, defesa de uma
“revolução democrática” em conciliação com a burguesia nacional. Reivindicavam
a retomada da Constituição de 1940, com uma restrita agrária enunciada naquele
documento e participação dos trabalhadores nos lucros das empresas estrangeiras.
A estratégia para derrubada da ditadura era a combinação de um assalto armado
com greves gerais urbanas. Não previam a guerrilha a partir do campo. Também não
reivindicavam um programa socialista ou marxista, como coletivizações ou
expropriação da burguesia latifundiária ou industrial, nem tampouco um estado
operário baseado no auto-governo das massas através de órgãos de tipo
soviético. Entre 1955e 1956, Castro e os dirigentes do M26
buscaram auxilio financeiro de setores da burguesia americana e cubana que se
opunham ao regime, o M26 formou um grande bloco de oposição burguesa
nacionalista contra a ditadura de Batista.
Com tal plataforma política e seus aliados, o M26
representava a ala
esquerda do nacionalismo pequeno burguês, vendo obstruído todo espaço legal de
participação político-eleitoral, depois de derrotado o movimento operário da
década de 1930, voltaram-se à luta armada contra a ditadura de Batista.
A maioria dos seus dirigentes provinha da pequena burguesia urbana e do
movimento estudantil. Como pode se observar pelas consignas, seu programa não
era um programa revolucionário de caráter socialista, consistia em uma mistura
de reformas políticas e sociais, com traços nacionalistas. Em suma, sua
estratégia sustentava-se sob perspectiva policlassista, com uma coalização
formada por setores burgueses, pequena burguesia rural, classe média urbana e
trabalhadores do campo e das cidades. Para o M26, que se tornou um partido-exército pequeno burguês, a
revolução deveria terminar com a ditadura de Batista e impor a democracia
burguesa em Cuba pela força das armas.
A crise política na década de 1950 foi agravada pela
crise econômica gerada pela queda constante do preço do açúcar. Em 1955 os
trabalhadores do açúcar na cidade de Santiago, Camagüey e Las Villas
deflagraram uma forte greve que terminou por enfrentar-se contra a ditadura.
O que começou como uma greve com reivindicações
salariais logo se tornou um movimento radical encabeçado pelos trabalhadores
das usinas de açúcar que articularam-se com os operários das fábricas, com os
desempregados e estudantes nas cidades. Com isso a classe trabalhadora cuba
fortalece sua articulação e a onda de protestos contra o governo e sua política
econômica. A classe trabalhadora será novamente sujeito político central na
luta contra a ditadura. Durante todo este processo produziram-se profundas
experiências em setores de trabalhadores que estabelecem as bases para a
derrubada do governo e superação da burocracia sindical que impedia os levantes
operários. Como resposta, a ditadura intensificou os operativos militares para
reprimir o proletariado.
No dia 24 de novembro de 1956, na cidade mexicana
Tuxpán, o grupo com 82 guerrilheiros, incluindo Fidel e Che Guevara, a bordo do
barco Granma chegou à costa cubana para um novo ataque contra
o exército de Batista. Porém os guerrilheiros foram surpreendidos por um
ataque aéreo e terrestre das forças ditatoriais que desencadeou mais um
massacre, apenas 14 guerrilheiros sobreviveram, dentre eles,
Fidel e Che, que conseguiram se esconder nas montanhas de Havana (Sierra
Maestra). Isolados de sua base universitária, em Sierra Maestra, o M26 buscou
captar militantes entre o proletariado agrícola, semi-proletários e pequenos
produtores locais para empreender novas investidas contra a ditadura de
Batista. Só a partir desse momento passa a desenvolver-se no M26 a estratégia
da guerrilha rural.
A onda de greves em 1957
Com altos e baixos, a classe operária continuou em
mobilização durante a década de 1950. As mobilizações operárias e as ações do
M26 foram alvo de intensa repressão ditatorial.
Em 1957 um popular militante do M26 foi assassinado por forças
governamentais. Com o assassinato do dirigente, a classe operária desencadeou
uma nova onda de greves. Na cidade de Santiago expande-se a greve geral em
1957.
O alto grau de mobilização e combatividade do
proletariado urbano e das massas trabalhadoras foi respondido com a militarização
da cidade e intensa repressão, com isso abriu-se o início de uma ruptura de um
setor importante da burguesia cubana com a ditadura Batista. Enquanto
isso, na Sierra Maestra, Fidel e seus companheiros estavam formando uma base
social no movimento camponês e parcialmente formalizavam uma política de
alianças com outras forças da oposição, o mais importante ficou conhecido como
“Pacto de Caracas”.
Embrenhados nas montanhas, o grupo M26 buscou apoio
dos camponeses pobres de Sierra Maestra. Discutindo as desigualdades em Cuba e
a necessidade de uma reforma agrária no País, o exército guerrilheiro
nacionalista, dirigido por Fidel e Che, conseguiu conquistar o apoio dos
camponeses pobres, muitos destes se tornariam novos militantes e quadros
dirigentes da luta armada. Com isso o exército guerrilheiro ampliava-se, o
pequeno foco de guerrilheiros sobreviventes, aos poucos, converteu-se num
exército de camponeses armados. Segundo análise de Che
Chegou a etapa da luta
guerrilheira. Esta se desenvolveu em dois ambientes diferentes: o povo, massa
ainda adormecida que precisava ser mobilizada, e sua vanguarda, a guerrilha,
motor impulsor do movimento, gerador de consciência revolucionária e de
entusiasmo combativo. Esta vanguarda foi o agente catalisador, aquele que criou
as condições subjetivas necessárias à vitória. Na vanguarda também, no interior
do processo de proletarização do nosso pensamento, da revolução que se
processava em nossos hábitos e nossas mentes, o indivíduo foi o fator
fundamental. Cada um dos combatentes da Sierra Maestra que alcançou algum grau
superior nas forças revolucionárias tem em seu haver uma história de fatos
notáveis. Era em função destes fatos que ele conseguia seus galões. (CHE,
1965).
Para selar aliança com os camponeses, o M26
assimilou demanda da luta pela terra, a luta pela divisão do latifúndio e a
reforma agrária radical. Em 1957 o M26 criou uma rádio clandestina que colocava
os revolucionários em contato com as principais cidades cubanas.
A articulação entre o proletariado urbano o
proletariado do campo, com levantes e insurreições constantes, encurralava a
ditadura de Batista. O exército de Batista, executando uma onda de terror, subiu
as montanhas de Havana para uma caçada aos guerrilheiros. Os combates foram
intensos, após dois anos de investida e combates na Sierra Maestra, o exército
de Batista sofreu importantes baixas, acumulou derrotas, perdeu apoio popular
na pequena burguesia urbana e nas classes medias mais conservadoras. A guerra
revolucionária, adotando a tática de guerra de guerrilhas, evoluiu para a
guerra convencional. No final de 1958, após dias de greve geral que forçaram o deslocamento do Estado burguês, as
colunas do Exército Rebelde lideradas por Che Guevara e Camilo Cienfuegos
derrotaram o exército de Batista na batalha de Santa Clara, acelerando a
decomposição do governo.
Greve
geral, o bloco policlassista na revolução e suas contradições
Os revolucionários avançaram. Após cinco dias de
greve geral o Exército Rebelde entra em Havana. Nas cidades, greves gerais
eram organizadas em apoio à guerrilha. Batista abdicou fugindo em 30 de
dezembro de 1958 para a República Dominicana. O exército e o governo
Batista ficaram completamente destruídos. Os insurgentes vão tomando
cidade após cidade e chegam, em 1º de janeiro de 1959 em Havana, ocupando a
capital.
A derrubada insurrecional da ditadura Batista
constituía uma grande conquista para o proletariado do campo e das cidades,
incluindo ainda os semi-proletários e pequena burguesia do campo. Este governo
tinha semeado o terror, levando as massas à pobreza e à degradação do país em
prol dos grandes latifundiários. Porém, embora tenha se derrubado o governo
ditatorial da burguesia, a revolução não culminou na ditadura do proletariado. Conforme
apontamos, o processo revolucionário tinha sido levado a cabo por meio de uma
aliança policlassista, que englobava o campesinato, o proletariado semi-rural,
a classe trabalhadora urbana, a pequena burguesia e até mesmo setores da
burguesia cubana. Conforme analisou Nahuel Moreno:
A revolução foi feita por
uma frente única de todas as classes, instituições e partidos não diretamente
ligados ao regime de Batista. Insistimos: todas as classes, instituições e
partidos. A vanguarda dessa revolução foi um grande partido e líder das
massas pequeno-burguesas, em 14 de julho e Fidel Castro, herdeiro e discípulo
de outro grande movimento e líder pequeno-burguês, o movimento Chibás. (MORENO,
1964).
Para selar tal aliança, que incluía desde a igreja
católica até a maçonaria rotariana, estabeleceu-se um governo provisório de
coalizão, tendo como presidente Manuel Urrutia Lleó, que, em fevereiro de 1959,
nomeou Fidel Castro como Primeiro Ministro. O governo foi legitimado pelos EUA
e apoiado pelas frações da burguesia cubana anti-Batista, que financiava o M26,
incluindo-se banqueiros e industriais descontentes com o regime de Batista. Como admitia Che Guevara: “Em janeiro de 1959,
o governo revolucionário se estabeleceu com a participação de vários membros da
burguesia entreguista”. (CHE, 1965).
Coerente com seus princípios iniciais, o M26
analisando que importantes setores da burguesia cubana e do imperialismo
estavam contra Batista, manteve as prerrogativas da aliança policlassista para
sustentar sua base de apoio. Assim, Fidel Castro, em seu discurso de 19 de
fevereiro de 1959, um mês depois de tomar o poder, anunciou um projeto
democrático-burguês para tranqüilizar seus aliados na burguesia: “Nós vamos
para uma grande campanha para convencer os cubanos a comprar produtos cubanos.
Assim, os industriais serão felizes com a gente, mesmo que venhamos com algumas
leis revolucionárias”. Desta pretensão de Fidel nada ficou em pé, pois durante o
desdobramento do processo revolucionário, a ampla aliança rapidamente se
esfacelou e rompeu-se o governo de coalizão. O proletariado rural queria uma
reforma agrária radical, os latifundiários anti-batista não aceitavam, o
proletariado urbano exigia a coletivização de meios de produção, incluindo aí a
indústria do açúcar e de petróleo. As frações que compunham o bloco
policlassista voltaram-se umas contra as outras, opuseram-se as frações da
burguesia ao proletariado e os camponeses pobres aos camponeses ricos e a
burguesia das cidades.
Revolução
sem hegemonia proletária
O fato de a classe operária não desempenhar o papel
de dirigente da revolução, colocará importantes obstáculos para o avanço do
socialismo no País. A classe trabalhadora cubana chega à revolução como um
componente a mais do bloco de forças sociais hegemonizado pela
pequena-burguesia. Seus sindicatos eram controlados por uma burocracia corrupta
e funcionários da ditadura, o chamado Mujalismo, e o partido que falava em nome
do proletariado era o stalinizado Partido Popular Socialista, extensão do poder
patronal e de frações da “burguesia nacional”. Defendendo a revolução por
etapas e o socialismo num só país, o Partido Popular Socialista era um entrave à
organização autônoma do proletariado. Impedir que a classe operária se
organizasse em um partido marxista revolucionário independente.
Mesmo em um governo de coalizão, o novo governo,
nucleado no M26 conquistou apoio na milícia do Exército Rebelde, composto por
trabalhadores rurais, operários e camponeses. Enquanto isso, as medidas
revolucionárias foram tomadas para atender às demandas sociais colocadas pelo
proletariado insurreto. Por conta da pressão do proletariado organizado a
revolução foi radicalizada e aprofundada, iniciando o caminho que conduziu à
expropriação da burguesia. A frente-única policlassista rompeu-se, puxada pelos
diferentes interesses de classe, pela pressão do imperialismo e pela ação dos
trabalhadores e camponeses. Esta tensão implode a orientação original
democrático-burguesa do M26, deixando sem apoio o seu programa de reformas
sociais e democráticas. O mesmo foi ultrapassado pela velocidade dos
acontecimentos com a radicalização proletária. A liderança da guerrilha de
repente encontrou-se com a deserção e hostilidade da burguesia cubana. Fidel
Castro e seu movimento, que até então tentava atuar como árbitro entre as
classes, percebeu-se sujeito à maré da revolução.
Em contraposição, as frações da burguesia que até
então apoiavam a revolução com objetivo de derrubar a ditadura de Batista para
estabelecer um governo burguês com maiores contrapartidas, agrupou-se
rapidamente na articulação de uma frente contra-revolucionária anti-popular.
Assim, abriu-se a dinâmica de contra-golpe burguês contra o proletariado. Porém
o proletariado não estava nada disposto a aceitar a reposição das relações de
dominação que acabavam atirar por terra. Os trabalhadores se opunham a cada passo
da burguesia, dos latifundiários, do patronato e do imperialismo; a mobilização
defensiva e progressiva dos trabalhadores e camponeses expressou o interesse
genuíno pela revolução.
Intensificam-se as divergências e atritos no seio
do novo governo, em relação aos interesses do imperialismo com a redução da
renda, das taxas e abolição da Constituição reacionária de 1940. As disputas de
classe serão ainda mais tensas a partir de 17 de maio de 1959, quando se
promulgou a Lei da Reforma Agrária para todo território cubano. Frações da
burguesia nacional voltaram-se contra o governo. Castro reagiu violentamente atacando
os críticos da Reforma, chamando-os de traidores e apelando para a formação da
Milícia Nacional Revolucionária, composta pelos trabalhadores e camponeses.
Este foi o ponto de não retorno que indica a ruptura final com a burguesia e a
origem de um governo composto por operários e camponeses.
A questão da reforma agrária, que resgatava a
Constituição de 1940 e estabelecia limites aos latifúndios, além de determinar
expropriações com indenizações, levantou a posição latifundiária. O próprio M26
se dividiu entre favoráveis e contrários à reforma. A ala favorável a reforma,
apoiada pelos guerrilheiros do campo, venceu a disputa e Urrutia foi deposto
para garantir a reforma. Em julho de 1959 ele foi expulso do comando do
exército de Fidel. A autoridade exclusiva de direção do processo passava
inteiramente ao Exército Rebelde, que governava sobre as bases radicalizadas da
luta proletária. Nas palavras de Che Guevara “ocorreram contradições sérias,
resolvidas em primeira instância em fevereiro de 1959, quando Fidel Castro
assumiu a chefia do governo no cargo de Primeiro Ministro. O processo culminava
com a renúncia do presidente Urrutia diante da pressão das massas em julho do
mesmo ano”. (CHE, 1965).
Os
moinhos de cana formam os “161 baluartes da revolução”
Conforme se radicalizava a revolução, mais os EUA
se opunha a ela. A situação se agravou quando foram estabelecidos os primeiros
acordos de Cuba como a URSS em novembro de 1959. Houve retaliação americana aos acordos. A
indústria de combustíveis estadunidense em Cuba: Texaco, Esso e Shell, se
recusaram a refinar o petróleo de origem soviética. Em julho de 1960 o governo
dos EUA reduziu em 95% a importação de açúcar cubano. Sem apoio comercial
americano, Cuba voltava-se cada vez mais à aliança com a URSS. Naturalmente,
atitude da burguesia e do imperialismo era evidentemente hostil frente à
radicalização crescente da Revolução. Isso motivava ataques
contrarrevolucionários e toda ordem de sabotagem, que contava com apoio da CIA.
As massas, por sua vez, assumem papel central na
radicalização da revolução. Isto ficou expresso na importância objetiva que o
proletariado passa a cumprir com a ocupação de refinarias e usinas de açúcar,
para evitar o boicote patronal, burguês e imperialista. O proletariado das
refinarias de açúcar forma as milícias operárias para defender a revolução. As milícias
revolucionárias transformaram os 161 moinhos de açúcar da ilha em “161
baluartes da revolução”. Estas milícias protegeram seu próprio local de
trabalho da sabotagem criminosa e investidas da contra-revolução. Nas refinarias
de petróleo o operariado aplicou a mesma forma de autodefesa. Assim, as
milícias nos locais de trabalho se faziam alertas e vigilantes. Em um processo
de auto-organização, com apoio de técnicos e engenheiros cubanos, começaram a
colocá-los em funcionamento autogestionário.
A contra-revolução chocava-se com a mobilização das
massas que encontrou sua própria dinâmica e que pressiona o governo a romper
com a burguesia e o imperialismo. Nas palavras de Che Guevara “Neste momento
aparecia na história da revolução cubana, com características bem nítidas, um
personagem que de agora em diante estará sistematicamente presente: a massa”.
(CHE, 1965). Ou seja, confirmava-se a dinâmica da revolução como ação
organizada das massas revolucionárias.
A dinâmica da revolução cubana evidencia como as
tendências conservadoras se tornaram sujeitos ativos da reação apoiadas pelo imperialismo
na tentativa de esmagar a revolução proletária. Isto produziu uma mudança
radical do antigo bloco social que tomara o poder: por um lado a burguesia,
subordinada internacionalmente, e a pequena burguesia acomodada tentaram
limitar a revolução para mudar o regime político e manter a subordinação do
proletariado cubano à burguesia nacional e ao imperialismo americano. Por
outro, uma base popular, de trabalhadores e camponeses pobres, apoiados numa
fração da intelectualidade, intensificam a luta para alcançar os objetivos das
massas.
A revolução política, direcionada contra uma forma
de gestão governamental, é aprofundada enormemente se tornando um meio de
revolução social com possibilidade de transformação profunda da estruturação
sócio-econômica, por intermédio da ação viva e progressiva das classes
exploradas. Estas são as forças dinâmicas que sinalizam a natureza permanente
desta revolução.
A
revolução radicaliza o M26 e impõe a expropriação da burguesia
Os trabalhadores e camponeses tinham pressa em
fazer justiça contra a burguesia cubana e seus aliados, intensificam-se as
greves de protesto que reivindicavam a divisão imediata dos latifúndios. Seis
mil trabalhadores da Companhia Elétrica de Cuba saem em greve por aumento dos
salários, os operários da Shell Oil, e também de 21 usinas de açúcar, seguem o
mesmo caminho. Também houve conflitos importantes de trabalhadores ferroviários
e operários da construção civil. Em 29 de junho de 1960 novas estatizações
envolvem a Texaco e em 1º de Julho Esso e Shell.
Os EUA, no início deste mês, suspenderam a compra
de açúcar de Cuba como forma de exercer pressão econômica direta. O M26 se viu
novamente obrigado pelas massas trabalhadoras a abandonar seu programa original
democrático-burguês perante a pressão combinada do imperialismo e das massas
mobilizadas. Viu-se
obrigado a expropriar o capital norteamericano, outubro de 1960 todas as
empresas privadas estrangeiras são expropriadas sem indenizações. Também foi
expropriado os
latifundiários e a burguesia, estabelecido o monopólio do comércio exterior, e uma
economia de transição ainda que burocraticamente planificada via
partido-exército.
Desta forma, a revolução de 1959 foi marcada por um
aprofundamento permanente, que permitiu atingir os objetivos da revolução
democrático-burguesa, justamente porque a ruptura armada, imposta contra a
burguesia e o imperialismo, abriu um curso para a revolução socialista, mesmo
antes de a classe trabalhadora ter estendido sua hegemonia sobre a maioria das
classes oprimidas e exploradas, o que levou a que se confiasse às mãos de uma
ala radical da pequena-burguesia (o M26), a tarefa de constituir um novo governo
revolucionário, impedido as massas de exercerem seu próprio programa político
de democracia operária pela base (sovietes).
O M26, que representava uma ala radical da pequena
burguesia, não pôde limitar-e ao seu genérico programa de “maior democracia e
justiça social”, foi obrigado no curso da luta revolucionária a incorporar as
demandas sociais de camponeses pobres e do proletariado urbano em armas. A
tentativa de atingir seus objetivos dentro da ordem burguesa fracassou frente à
mobilização popular e a reação burguesa. Castro e o M26 tornaram-se agentes
excepcionais, imprevistos, do processo histórico e se converteram em parte de
um movimento de massa.
Na esteira do movimento proletário insurgente,
profundamente radicalizado, a política do M26 buscava apoio do proletariado
para responder às incursões da contra-revolução e do imperialismo. O M26
aprendeu que a mobilização proletária era a chave da resistência
revolucionária. As massas eram orientadas para a defesa do governo em que
identificam os interesses da revolução. Em agosto forma nacionalizadas todas as
empresas americanas nos setores de petróleo, açúcar, telefone e elétrica. Em
setembro organizou-se os batalhões da milícia (e os Comitês de Defesa da
Revolução, em cidades), subordinado ao Exército Rebelde. Em outubro,
nacionalizaram os bancos (nacionais e estrangeiros) e cerca de 400 grandes
empresas (fábricas de açúcar, fábricas, estradas de ferro), sancionou a Lei de
Reforma Urbana, eliminando os aluguéis e dando a posse de sua casa a milhares
de inquilinos.
Conforme vimos, a queda da ditadura não foi o
produto direto de uma revolução dirigida pelos trabalhadores, com um programa
proletário, mas sim realizada por uma composição política policlassista. Ainda,
destacamos que a expropriação da burguesia não era parte do programa do M26,
então as expropriações não foram a coroação do programa castrista. A classe
trabalhadora afirmou-se como principal sujeito deste processo à revelia de
Castro e do M26, na verdade, mesmo que sem direção de um partido operário
marxista revolucionário (como foi na Rússia), a dinâmica da revolução em marcha
terminou impondo um Estado operário, que por não portar um programa proletário
já faz com que este Estado operário nasça deformado pela ausência do poder
proletário. Ou seja, nasce deformado por que não é dirigido diretamente pelo
proletariado organizado em organismos de autodeterminação que controlasse a
forma estatal nascente. Esta debilidade organizativa das massas explica em
grande parte o protagonismo político do grupo de Fidel Castro, que acabou por
manter o movimento insurrecional sob seu controle militar. Ao chegar ao poder
Fidel e seus consortes se tornaram os dirigentes isolados do governo cubano.
Os EUA continuam pressionando Cuba em todas
as frentes, que por sua vez, começou a inclinar-se na busca pelo apoio do
governo da União Soviética. Em resposta à radicalização do processo
revolucionário, em 3 de janeiro de 1961, os EUA rompem relações com Cuba
decretando posteriormente o bloqueio comercial à ilha. Organizam ainda uma
invasão à ilha por meio da Baía dos Porcos, com objetivo de derrubar o governo
revolucionário, restaurar a burguesia e estabelecer um governo pró-americano.
Os soldados para tal empreitada eram na sua maioria exilados cubanos, e também
mercenários norte-americanos. Porém, no dia 16 de abril de 1961, quando os
golpistas desembarcam na baía dos Porcos, as milícias revolucionárias e o povo
cubano organizam-se rapidamente e derrotaram a invasão restauracionista em
72 horas.
A invasão contou com o apoio e financiamento de
grandes empresas cubanas que haviam sido estatizadas, e também com apoio da CIA
e do Pentágono americano. A derrota da invasão pelas milícias populares
desembocou na crise dos mísseis (1962) o que leva ao agravamento da situação
econômica e aprofundamento do processo de expropriações. Frente à ofensiva
estadunidense apoiada na burguesia cubana, o governo aliou-se à URSS
stalinizada. A direção do M26 pressionada, em conjunto, pelo imperialismo e
pelas massas armadas, se viu forçada, pelo curso dos acontecimentos, a obedecer
ao novo equilíbrio de poder determinado pelas massas insurretas e a assumir
como seu o programa da classe trabalhadora. No 1º de Maio de 1961, Fidel
Castro proclamou, na Praça da Revolução que Cuba se tornava um “Estado socialista”. Assim, o Estado operário cubano já
nasceu burocraticamente deformado, sem órgãos de democracia operária e
estritamente controlado pelo aparato do Exército Rebelde e do M26, que em 1965
adotou o nome de Partido Comunista Cubano. Uma história muito distinta do
Partido Bolchevique Russo, que se preparou durante 20 anos para a tomada do
poder em 1917, tendo a democracia operária como raiz programática (soviete e
partido marxistarevolucionário).
Desde 1965 o PCC assumiu o monopólio do Estado, governando
com uma ditadura bonapartista, adotada do modelo de partido único da burocracia
stalinista, bem como a defesa do “socialismo em um só país”. Assim, controlava toda
forma de organização na ilha, desde a sindical, social ou política. Ficou
proibida qualquer organização que não passasse pelo Estado. Impôs uma estrita
vigilância ideológica e política sobre toda a população, por meio dos CDR
(Comitês de Defesa da Revolução), verdadeiros órgãos tutelares.
É
claro que o M26 e sua base de influência direta não eram homogêneos, mesmo Che
Guevara tivera uma série de atritos com a direção do M26, como em
1961 quando foi criado o Partido Unido da Revolução Socialista, parte dos dirigentes
de partidos defendia a manutenção da hierarquia anterior, ou seja, os
dirigentes da revolução tornar-se-iam dirigentes do Partido Unido. Che
contrapõe a esta forma organizativa, a proposta de criação das ORIs
(Organizações Revolucionárias Integradas) que deveriam ser compostas a partir
dos locais de trabalho e comitês de defesa. Che defendia votações a partir
das assembléias de trabalhadores ao invés das indicações diretas das
lideranças. Também no caso dos Comitês de Defesa da Revolução (CDRs), que para
Guevara, ao invés de ferramentas para a construção de novas formas de
sociabilidade, seriam na verdade instrumentos que contribuiriam para isolar
direção e a base proletária cubana. Assim com também se opunha à militarização
(e fuzilamentos) que tornaram-se contínuas na vida cotidiana após a tomada do poder.Também
no chamado “grande debate
econômico” de 1963-1964 (do qual participou Ernest Mandel), Che defendeu a
centralização e a planificação da economia com industrialização do país como
forma superar a dependência da economia cubana baseada na monocultura. Como
sabemos, em 1965 Guevara renunciou a todos os seus cargos e partiu de Cuba expandir
a revolução internacionalmente, seu programa não era desenvolver a democracia
operária baseada em conselhos de operários, camponeses e soldados, mas sim a
ação de guerrilhas e de exércitos populares chefiados pelos partidos-exércitos,
primeiro no Congo e logo na Bolívia, onde foi executado pelas tropas do
exército local e pelos Rangers norte-americanos.
Sem buscar consolidar-se
por meio de uma revolução internacional, a ajuda da então URSS foi de
fundamental importância para o governo cubano. No auge do bloqueio, Cuba só
mantinha relações com o México. Foi expulsa da Organização dos Estados
Americanos (OEA) em 1962, instituição hegemonizada pelos EUA. No entanto, Cuba ingressou em 1972 no CAME (Conselho de Ajuda
Mútua Econômica), reforçando a estrutura produtiva baseada na monocultura da
cana de açúcar como base de sua economia, tornando-se altamente dependente dos
subsídios que recebia da ex-URSS e do comércio benéfico com os países
pertencentes ao CAME.
Algumas conseqüências da
ausência de um partido marxista revolucionário
Conforme destacamos até aqui, mesmo tomando parte
ativamente no processo revolucionário, constituindo a principal força para a
derrubada do poder ditatorial, o proletariado não era a classe dirigente da
revolução. A dinâmica da revolução permanente elaborada por Trotski, que encara
a tomada do poder como apenas 1/10 da revolução, destacando que “A revolução socialista começa no
terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e completa-se na arena
mundial”, não foi dada sob a direção efetiva do proletariado e de seu
partido comunista com a vanguarda revolucionária organizada, mas através de uma
situação e com atores extraordinários, dando origem a uma dialética do processo
vivo da luta de classes, onde a derrota da burguesia se antecipa à construção
de uma nova hegemonia da classe operária expressa em conselhos e outros
organismos de auto-organização. A ausência de direção do operariado acabou
resultando no bloqueio estratégico da dinâmica da revolução permanente, que
entendendo que a tomada do poder é apenas o início da revolução, conduziria ao
aprofundamento contínuo do processo revolucionário interno, aliado a uma
política de revolução internacional.
Estabeleceu-se no poder centralizado um controle
burocrático que sufocava a iniciativa revolucionária de massa. Na casta
dirigente surgiram privilégios materiais ao mesmo tempo em que se reprimiam
oposições políticas. Faltavam os órgãos de autodeterminação de poder proletário
institucionalizados. (C.f. Mandel, 1981).
Com argumento de defender a revolução ameaçada,
Fidel Castro, baseado em seu grande prestígio, conseguiu impor a reorganização
dos sindicatos desde a cúpula do novo Estado, nomeando para direção da
Confederação de Trabalhadores de Cuba Revolucionária (CTC-R) os stalinistas do
Partido Socialista Popular. Esta fração, a partir de então, se voltou para
arregimentar o movimento operário e impedir a sua auto-organização no
desenvolvimento da luta revolucionária, fortalecendo as via burocráticas. A
classe trabalhadora foi tão revolucionária quanto pôde, desprovida de autonomia
política e independência de suas organizações, da falta de hegemonia sobre o
conjunto do movimento revolucionário e das classes exploradas.
Sob a égide de Fidel Castro e do M26, não se
permitiu que os operários e camponeses constituíssem seus organismos de
auto-determinação, os Conselhos Operários e de camponeses pobres, como órgão
máximos de organização social. O M26, como já dissemos, não era um partido
marxista revolucionário, era um movimento da pequena-burguesia, policlassista,
de ideologia difusa, nacionalista inspirado em José Martí (líder nas lutas de
independência contra a colonização espanhola). Nutria-se da tradição rebelde,
“jacobina” da pequena-burguesia cubana. Foi m meio ás pressões da revolução
política contra Batista que o M26 passou a radicalizar-se. Até determinado
momento a guerrilha da Sierra Maestra desempenhava um papel jacobino,
dinamizador e ativo na luta política.
Desta forma, o que se desdobrou da revolução cubana
não foi certamente o fator consciente para impulso contínuo da revolução
latino-americana, mas a direção cubana, aliada à URSS, acabou por consolidar-se
como uma nova mediação que se levanta contra a extensão da revolução proletária
na América Latina. Em lugar da luta pela revolução proletária lutava-se ainda
pelo desenvolvimento da democracia sob égide da pequena burguesia progressista.
Por esta via a teoria da revolução permanente confirma-se em sua negação, pois
a revolução cubana encontra um novo limite em uma tendência conservadora que
procura cristalizar os ganhos do processo social em uma nova burocracia
estatal, em detrimento das tendências socialistas, à auto-determinação das massas
e da unidade latino-americana em um processo revolucionário e mundial.
Assim, apesar de suas gigantescas realizações, a
revolução cubana não significou a criação de um Estado-comuna, que para Lênin
em O Estado e a revolução, deveria ser baseado na democracia direta e contínua
dos conselhos de operários, camponeses e soldados, com a participação de todas
as tendências revolucionárias, que teve em suas mãos na construção do
socialismo e incentivo para a luta de classes continental e internacionalmente.
Pelo contrário, a revolução deu origem ao Estado operário deformado.
Nos Estados operários deformados não é estritamente
uma classe que detém o domínio, mas um grupo social, ou “casta”, que consegue
impedir o exercício direto do poder pela classe trabalhadora. Foram revoluções
que, embora expropriassem e nacionalizassem a propriedade privada, acabaram por
estabelecer um regime de controle estrito e repressivo contra os
trabalhadores. O caráter do Estado operário deformado tem em
seu topo uma burocracia que impede o exercício direto do poder pelos
operários e camponeses, dando privilégios para a direção do Estado, que atua
como um fator conservador da ordem social no campo da luta de classes,
continental e internacional. Fortalecendo esta via, constatou-se que durante o
processo revolucionário houve crescente verticalização da direção do processo
sobre a onda revolucionária popular, que restringiu as suas tendências à
auto-determinação.
O
bonapartismo caribenho do M26 e do castrismo
Desde o início a liderança Castro era bonapartista
utilizando-se de plebiscitos e métodos paternalistas. Em um primeiro momento, com
o triunfo da revolução, o M26 e o Exército Rebelde se transformam no árbitro de
toda a situação, resultado da derrota das velhas forças armadas, tentando impor
este papel entre os vários atores e buscando um equilíbrio frente aos mesmos. A
ruptura com a burguesia o obrigou a se basear sobre o apoio popular, dando
origem a um governo operário e camponês, que inicia um curso anticapitalista.
Apoiado sobre a vanguarda militar e nas conquistas
da revolução proletária, Fidel Castro incorporou um novo tipo de bonapartismo,
uma forma de bonapartismo caribenho para sustenta-se sobre alas da
burocracia do exército e sobre o proletariado, que era consultado por meio de
referendos e plebiscitos. Com seu bonapartismo
caribenho, Fidel transforma o ritmo e o conteúdo social do processo
revolucionário.
A partir da segunda fase do processo
revolucionário, com sua conseqüente radicalização, o novo governo viu obrigado
a tomar iniciativas mais radicalizadas, como forma de manter o controle sobre a
situação e proporcionar um canal para ações. O M26, como uma força política,
adquiriu temporariamente um curso centrista (oscilando entre medidas reformistas
e revolucionárias). Produziu-se uma transformação em seu interior, enquanto
Fidel Castro busca garantir que as massas não saíssem de controle, os
trabalhadores e camponeses, vêem neste movimento o instrumento político para
empurrar sua revolução para frente. Tratou-se de um tipo específico de
bonapartismo porque expressava a tendência mais geral, comum a todos os
governos de países semicoloniais, desempenhando também um papel de árbitro
entre o imperialismo, mas internamente, sustenta-se por meio da oscilação entre
o interesse da burocracia militar, o proletariado e demais as classes
exploradas.
Ausente a burguesia nacional, que fora derrotada e
expulsa do país, o governo de Fidel fica amparado exclusivamente sobre as
classes populares e o exército, com isso avançou ganhando posições no
proletariado. Ao se tratar de um governo surgido da revolução que avança na
mudança de regime de propriedade e no caráter do Estado, há um salto
qualitativo na forma que estabelece as condições para a sua arbitragem.
Como líder de uma classe à qual não pertence, com
um programa em prática que não era seu, mas do proletariado, Fidel Castro e o M26
acabaram por redirecionar a revolução, que deu origem a um Estado operário
deformado. A sua transformação na direção deste processo não implica uma mudança
em seu caráter bonapartista mais geral, mas em seu conteúdo social e, portanto,
na natureza das novas contradições que se apresentam: por um lado, a oposição
ao imperialismo e da contra-revolução interna, por outro lado, as massas
mobilizadas e a sua própria ala esquerda dentro do M 26, e os que jogam cada
vez mais um papel dominante e decisivo na figura da burocracia de Moscou e dos
stalinistas cubanos. Este bonapartismo será uma condição da natureza deformada
do novo Estado que, após o refluxo da maré revolucionária e com uma relação
mais forte com Moscou permitirá a stalinização do regime político.
Os eventos que descrevemos levaram à ruptura do M26
e a imposição final das frações mais radicais de Fidel e Guevara. O tempo de
jacobinismo pequeno burguês e da revolução política democrática foi superado, e
uma vez postas em movimento as classes exploradas, a ascensão da revolução
cubana assumiu uma dinâmica que não pode ser contida dentro dos limites
democrático-burgueses. O novo bonapartismo incorporado por Fidel Castro
incorpora-se a onda revolucionária para canalizá-la e controlá-la. Seu
compromisso ideológico com o “socialismo” é funcional, mas tem que manter-se
para estabelecer aliança com a URSS mediada por setores do Partido Socialista
Popular, que consolidam-se como uma fração conservadora no interior do Estado.
Sob a tutela da URSS, formarão a base de uma nova burocracia caribenha.
O desenvolvimento da revolução se efetivou a cada
passo adiante das massas contra o imperialismo e a burguesia, tomando a forma
de uma luta de contra-golpe do governo revolucionário. A relação estabelecida
pela direção com o povo se dava através das manifestações de massa, onde Fidel
continha o seu protagonismo, tentando deste modo subsumir a sua iniciativa.
Após o momento mais crítico da revolução, Fidel
apelou para a criação do Partido Único da Revolução, como forma de
institucionalizar o processo, liquidando a liberdade de tendências que existia
até então no meio das massas. Isto foi feito para impedir os trabalhadores e
camponeses de expressar sua autonomia diante dos 27 comandantes, transformados
pelo discurso oficial castrista em mitos e portadores exclusivos da revolução.
Esta foi uma forma ideológica com que uma nova burocracia governante expropriava
politicamente os ganhos de um novo Estado das massas.
A crescente subordinação da direção castrista à
Moscou, que levou a debates ferozes e lutas políticas dentro da liderança
cubana sobre a política externa da revolução e a discussão sobre a orientação
econômica, mostrou a necessidade da nova casta dirigente de reforçar o seu
controle enfatizando seu caráter bonapartista. Estes são os limites que uma
direção desta natureza impõe ao triunfo revolucionário, reforçado pelo fato de
se tratar de um país da periferia semicolonial. É a forma que tomou a reação
interna frente ao impulso revolucionário para agir como um freio no interior da
ilha. Isso também se refletia em sua política externa. A aliança com o aparato
stalinista internacional empurrava a estabelecer uma estreita colaboração com
as burguesias nacionais latino-americanas. Isto não foi feito sem crise, o
próprio Guevara, que se opôs progressivamente a aspectos da política de Moscou
a respeito da economia e da coexistência pacífica, Guevara foi derrotado, e os
seus apoiadores foram discretamente deslocados do alto comando do Estado.
É certo que por um tempo, e sob a inspiração
central de Ernesto Che Guevara, o governo cubano incentivava o desenvolvimento
dos movimentos de guerrilha e a idéia de revolução na América Latina. Aqueles
eram os tempos da Tricontinental, as “ondas” Latino Americanas (OLAS) e as
chamadas para fazer de toda a Cordilheira dos Andes uma nova Sierra Maestra. No
entanto, ao longo do tempo e sob a influência crescente do Kremlin, Castro
terminou jogando um claro papel de contenção dos processos revolucionários na
América Central e do Cone Sul. No início dos anos 1970 ele apoiou abertamente o
caminho pacífico para o socialismo de Salvador Allende no Chile, que culminou
com a sangrenta derrota pelas mãos de Pinochet.
Desempenhou papel semelhante em El Salvador como
promotor dos acordos de paz para conter o proletariado. Mas, além disso, a
aliança estratégica de Cuba com o Kremlin, que determinava que Cuba deveria
fornecer açúcar à URSS, aprofundava o caráter monocultor da ilha. Che Guevara
era contra esta determinação de monocultura, Che defendia a necessidade de
industrialização da ilha por meio de uma planificação centralizada. A
dependência de Cuba em relação à URSS colocou a ilha na beira de um colapso depois
da queda da URSS em 1991.
A aliança com o Kremlin comprometia o impulso
internacional da revolução oferecido pela vitória das massas cubanas;
aliando-se ao bloco stalinista, Cuba configurava-se desde logo como um Estado
operário deformado e defensor do socialismo num só país. Nesse sentido,
colaborou com o papel desempenhado pelas burocracias stalinistas na Europa
Oriental e na ex-URSS. Exemplo disso foi que Fidel Castro se manifestou contra
os protestos dos trabalhadores e camponeses que desencadeavam processo de
revolução política contra os governos stalinizados.
Fidel Castro também condenou a Primavera de Praga,
protagonizada por trabalhadores e estudantes na Tchecoslováquia em 1968, tachando-a
como uma “rebelião contra-revolucionária” liderada pela CIA. Fidel apoiou o
golpe de Jaruzelsky. Condenou a insurreição dos trabalhadores na Polônia, que
se revoltavam contra a burocracia stalinista. Em 1989 Fidel Castro apoiou a
repressão da burocracia chinesa contra os trabalhadores e estudantes na Praça
Tian An Men. Também manteve seu apoio, até o último minuto, à ditadura
stalinista de Eric Honecker na ex-República Democrática Alemã (RDA).
Ao invés da defesa de uma estratégia revolucionária
que apoiasse a derrubada das burocracias stalinistas encasteladas nos governos
contra os trabalhadores, Castro tomou invariavelmente a defesa intransigente
dos seus pares stalinistas, mesmo quando estes tiveram de exercer enorme
violência contra as massas e desmascararem-se como burocracias
contra-revolucionárias.
Ainda hoje, a política de aliança internacional
proposta pelo regime Castro está em desacordo profundo com a defesa da
revolução, apelando para a burguesia nacional, em vez de as massas de
trabalhadores e camponeses da América Latina. Enquanto o governo exige sacrifícios
e disciplina do povo cubano para enfrentar o bloqueio, o regime, por exemplo,
permite o investimento privado no setor de turismo e outras áreas para obter
divisas estrangeiras, além disso, ainda é negado aos trabalhadores, camponeses
e soldados o direito de participar ativamente das decisões importantes, para se
auto-organizarem para combater a especulação e os privilégios e as
desigualdades a que esta situação conduz, são impedidos de decidir livremente
em todas as esferas da vida econômica, política, cultural e social.
A chamada "batalha de idéias", proposta
por Castro em 2003, caiu no âmbito desta linha de colaboração de classe e de
apoio aos nacionalistas burgueses experimentando fracasso há muito no nosso
continente, dando legitimidade ao discurso do populismo ao estilo “socialismo
do século XXI”, juntamente empresários e os monopólios capitalistas, como
Chávez na Venezuela e Correa no Equador.
Balanços e perspectivas sobre a revolução ilhada
Com todas suas nuances, a revolução cubana, desde a
tomada do poder até as expropriações, ainda é um exemplo para os povos da
América Latina, principalmente frente o cenário atual de crise global. A
revolução cubana, dada a intensa e radical luta para destruir a burguesia e os
latifundiários, seu poder militar e econômico, para conseguir a
libertação nacional e atingir uma melhoria na vida das massas, pode
seguramente ser tomada como exemplo do potencial da revolução socialista. Nesse
sentido, cabe aos marxistas revolucionários defender as conquistas da revolução
de 1959 ao mesmo tempo que denuncia o autoritarismo e a corrupção da burocracia
castrista e defende o poder proletário. Ainda, a esta defesa deve ser somada a
estratégia revolucionária na América Latina e da revolução socialista
internacional no século XXI, recuperando o Estado dos trabalhadores cubanos
como uma trincheira da revolução internacional de luta contra a burocracia e os
seus privilégios e impondo a regra dos conselhos de operários, camponeses e
soldados.
Para pôr cobro a qualquer tentativa de avançar em
um caminho anticapitalista, é necessário que se faça claro que só os
trabalhadores, agricultores e o povo cubano podem travar luta intensa contra o
imperialismo e as tentativas da burocracia restauracionista através de uma
revolução política que ponha fim aos privilégios e à opressão política da
burocracia restauracionista sobre o proletariado cubano. É necessário lutar
intensamente pelos direitos à livre associação e organização política dos
trabalhadores e do povo cubano, assim como pela liberdade dos partidos para
defender as conquistas da revolução. Esta é a única maneira de reverter as
desigualdades e contradições, redirecionando Cuba ao caminho da revolução dos
trabalhadores socialistas. Trata-se de expandir profundamente as
liberdades da classe trabalhadora, liberdade sindical e de organização de
partidos revolucionários, ao mesmo tempo em que se diminui profundamente as
liberdades da burguesia internacional, da burocracia castrista e demais frações
restauracionistas.
Assim, para nós a saída para a crise atual
instalada em Cuba está intimamente ligada à retomada das atividades
revolucionárias. A auto-democracia do proletariado organizado é uma condição
para derrotar qualquer tentativa de restauração capitalista vinda de fora, de
potencias capitalistas internacionais, mas também setores da burocracia em Cuba
ansiosos para avançar pela estrada da restauração capitalista. As necessidades
de defesa das conquistas revolucionárias da iniciativa criadora das massas, a
sua liberdade de se organizar em sindicatos e conselhos, a liberdade de todos
os partidos e movimentos políticos que são fiéis partidários da revolução
cubana. A outra condição, essencialmente para defender a revolução cubana é
quebrar o seu isolamento, através do desenvolvimento da luta de classes na
América Latina e no restante do globo.
A defesa da revolução não pode ser deixada para
qualquer burocracia como tem sido feito constante pelo regime castrista. A
direção deve ser exercitada pelos trabalhadores e camponeses da América Latina
e do proletariado internacional.
Não se pode aceitar que sejam entregues as
conquistas do povo cubano para a burguesia, como se deu na URSS, China e
Alemanha Oriental. A restauração capitalista em Cuba significaria não somente
maiores padecimentos para o povo cubano, como também uma derrota de grande
magnitude para os trabalhadores e as massas da América Latina. É necessário
apelar à solidariedade ativa dos milhões de operários, trabalhadores e
camponeses da América Latina e dos oprimidos do mundo, contra o imperialismo e
em defesa das conquistas da revolução.
A única forma de evitar a perspectiva da
restauração capitalista, contra a estratégia da “revolução democrática”, que
significaria um enorme retrocesso, é uma revolução política, encabeçada pelos operários
e os camponeses pobres que parta da luta contra o imperialismo e seu bloqueio,
e da defesa da propriedade nacionalizada e das conquistas da revolução que
ainda se conservam. Que termine com os privilégios da burocracia governante e o
reacionário regime de partido único imposto pelo Partido Comunista Cubano e
assente as bases de um estado operário revolucionário com base em conselhos de
operários, camponeses e soldados e no armamento geral da população, em que
tenham legalidade todos os partidos que defendam a revolução. Esta revolução
política terá efeitos sociais; diminuirá as crescentes desigualdades sociais e
exercerá uma planificação democrática da economia de acordo com os interesses
dos trabalhadores e dos camponeses, e desta forma assentará as bases para a
construção de um estado operário revolucionário e para a luta pelo socialismo
na América Latina.
Em qualquer análise do processo cubano, deve-se
levar em conta o fato crucial que é o das condições de vida da revolução. Cuba
continua a ser um Estado dos trabalhadores, embora profundamente distorcido e
enfraquecido. As conquistas fundamentais da revolução estão sendo corroídas,
mas ainda não foram destruídas. O núcleo da economia permanece nas mãos do
Estado. Há enormes obstáculos para o processo de restauração com base nas
conquistas herdadas da revolução, nas relações de poder entre as classes, na
consciência "igualitária" e anti-imperialista das massas. Na densa
rede de relações sociais e regulamentos institucionais construída em cinco
décadas e em que os movimentos da burocracia afastaram o proletariado da
possibilidade de autodeterminação. Em resumo, em Cuba não há possibilidade de
uma absorção "pacífica" do capitalismo através de reformas econômicas
graduais.
O proletariado precisará de liberdade para se
organizar para livrar-se da burocracia castrista e derrotar o bloco
restauracionista. O primeiro componente deste bloco está localizado no campo
emergente de investimentos estrangeiros. O segundo componente seria composto
por dirigentes de empresas estatais que alcançaram posições de vantagem no
mercado global e, portanto, as taxas mais elevadas para a autonomia. Um
terceiro componente (potenciais) deste bloco é representado pelos camponeses
(ricos, intermediários comerciais, prestadores de serviços, etc), que
acumularam grandes somas de dinheiro e outros bens através da especulação do
mercado negro, muitas vezes à custa de recursos públicos.
O conteúdo social desse processo é a rápida
formação dos elementos de um bloco em torno de setores abertamente
pró-capitalistas da alta burocracia do Partido, do Estado e da FAR.
Referimo-nos ao “bloco empresarial tecnocrático”, proveniente da própria
burocracia, e novos ricos que prosperam no mercado negro, com a economia do
dólar, etc.
Embora não exista uma burguesia nacional em Cuba, e
continue a haver grandes obstáculos jurídicos, econômicos, sociais e políticos
para sua consolidação, temos visto como o resultado social da política de
"período especial" tem sido o desenvolvimento de setores, cada vez mais
poderosos que são alimentados pela própria burocracia.
Na verdade, a política marca uma viragem histórica
da política de colaboração de classe internacional em nome da
"coexistência pacífica" que passou para a "colaboração" com
o capital estrangeiro e do "mercado" na mesma Cuba. Embora
essa mudança seja combinada com uma política de resistência para a maioria das
reivindicações agressivas do imperialismo e um discurso de "defesa do
socialismo", o conteúdo é, objetivamente, a preparação de um ponto de viragem
na correlação de forças em favor de tendências
abertamente pró-capitalistas.
A estratégia estadunidense de subordinar o mundo
através de uma política baseada no poderio militar com imposição de um controle
político direto, que significa um salto no processo de recolonização da América
Latina, ataca diretamente a existência estado operário deformado cubano, que já
está em processo de decomposição. Este Estado operário é considerado por
diversos líderes norte-americana como um obstáculo aos seus planos regionais.
Neste sentido, a estrangular a revolução cubana é uma prioridade estratégica
para os E.U.A.
Os trabalhadores precisam retomar o pleno direito de
greve, a autonomia sindical e o direito de criar novos sindicatos, comitês de
fábrica ou de outras formas que eles quiserem. Plena liberdade de discussão,
reunião e de imprensa para oposição. Incluindo o direito democrático básico das
fileiras de militantes do PC cubano e UJC para organizar e discutir as
tendências políticas ou frações. A juventude, tão sensível para a atmosfera de
opressão política, deve ter a mais ampla liberdade política, cultural e
organizacional.
É necessário dizer não a armadilha colocada pelo VI
congresso, que se realizará em 2011. Trata-se de criar organismo que assegurem
a democracia direta dos trabalhadores. A burocracia bonapartista com as suas
instituições como a Assembléia Nacional deve ser substituída por uma verdadeira
democracia dos trabalhadores e órgãos do poder revolucionário dos
trabalhadores, organizado democraticamente de baixo para cima, com
representantes eleitos diretamente e da base de longo prazo que pode ser
revogada a qualquer tempo e não ganhar mais do que o que percebe um trabalhador
qualificado.
A política externa de Cuba deve ser baseada em um
internacionalismo operário genuíno, sem busca por “convivência pacífica” com o
imperialismo e a burguesia mundial. Hoje, mais do que nunca, o destino da
revolução cubana está ligado ao desenvolvimento da luta de classes na América
Latina e do mundo. O maior obstáculo no caminho é o regime de Fidel Castro e
seus aliados stalinistas e reformistas no continente, atendendo a sua
colaboração estratégica com a burguesia que prostituem a bandeira do
internacionalismo proletário.
O PC cubano e o sistema instituído não pode
autoreformar-se. É possível que, antes da crise econômica, a agressão
imperialista ou a pressão das massas alguns setores do PC cubano, a UJC ou os
militares e a burocracia estatal, vire à esquerda, mas a única garantia de
conquistar os melhores elementos estão no papel político independente da classe
trabalhadora.
Considerações finais
Com todas as peculiaridades, a Revolução Cubana
continua sendo até agora a única revolução socialista triunfante em nosso
continente. A derrota da ditadura de Fulgêncio Batista, a expropriação da
burguesia e dos latifundiários, foram processos extraordinários que inspiraram
uma geração de lutadores operários e populares a lutar contra o imperialismo e
pela revolução social.
Ao analisar o processo cubano e seus
desdobramentos, devemos evitar dois caminhos equivocados: 1) A defesa da
burocracia autoritária castrista. 2) A defesa da restauração
capitalista. É claro que não podemos confundir a defesa das conquistas da
revolução com a defesa da casta governante do PC cubano, como fazem as
organizações stalinistas e populistas. Também não podemos negar a existência de
conquista da revolução que devem ser defendidos.
Baseando-se em uma análise histórica, é necessário
considerar que, desde a revolução, Cuba se constituiu como uma sociedade em
transição em que o capital local e estrangeiro foram expropriados e se
nacionalizaram os principais meios de produção. Cuba têm um caráter dual,
combinando elementos que compõem a base para a transição ao socialismo e
elementos que pressionam no sentido capitalista. Desta forma, em seu seio atuam
permanentemente forças sociais que empurram à restauração das relações
capitalistas, entre eles a própria burocracia que, ao não ser uma “nova classe”
social, tende a se transformar em burguesia, ou seja, proprietária dos médios
de produção.
A direção guerrilheira do M26 de Fidel Castro
instituiu um estado operário que, sem basear-se em organismos de
autodeterminação dos trabalhadores, assumiu um caráter deformado, concretizado
no regime bonapartista que segue existindo e que está decompondo as conquistas
da revolução. É necessário considerar estas contradições para constituição de
um programa que ao mesmo tempo em que defenda as conquistas da revolução, lute
para acabar com os privilégios da burocracia castrista.
Nesse sentido, trata-se de tomar a defesa das
liberdades democráticas que signifiquem liberdade de organização dos
trabalhadores, e a legalização dos partidos que defendam as conquistas da
revolução. Junto a um programa que responda aos problemas concretos para o
proletariado cubano, defendendo a constituição de conselhos operários de
produtores e consumidores que dirijam a planificação da economia, a manutenção
da propriedade estatal, a restauração do monopólio do comércio exterior pelo
Estado, pela reversão da Política de Plano Especial. Certamente, tal plataforma
não pode se dar por fora de um combate da classe trabalhadora e do povo cubano
para acabar com os privilégios da burocracia castrista, para reverter sua
política. Os trabalhadores e o povo cubano necessitam se unir com outras lutas
dos trabalhadores latinoamericanos, europeus e norte-americanos. Ainda, para
todas essas tarefas é fundamental colocar de pé em Cuba um partido
revolucionário quartainternacionalista que seja uma alternativa a todas as
variantes populistas, nacionalistas ou centristas, que por seu caráter
conciliador e vacilante, só podem levar à derrota do proletariado.
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