Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Manifesto de fundação

Grupo Livre de Estudos Marxistas revolucionários



Manifesto de fundação
Março de 2010

Aos que se interessam por Marx, Marxismo e pelas revoluções proletárias

Neutralidade, imparcialidade e frieza. São esses os valores que tenta nos transmitir a ciência positivista burguesa, em todas as suas nuances e colorações. Mas antes de aceitá-los temos que nos perguntar: A quem serve estes valores? Quem pode afirmar que são eles os valores científicos que podem conduzir a sociedade a emancipação humana?

E esta suposta neutralidade axiológica não esta legada apenas aos setores conservadores, profundamente comprometidos com a ordem burguesa, e assim com a manutenção das desigualdades sócio-materiais, políticas, de status e classe. Mesmo setores ligados a um expresso marxismo academicista castrado de poder de transformação social repetem a mesma ladainha. Separando a teoria da atividade prática-cotidiana. Desta forma o marxismo funciona apenas como uma muleta “já sou marxista, não preciso me engajar em lutas sociais”, com isso negam todo conteúdo do marxismo revolucionário. A luta pelo socialismo é reduzida a guerra de posição e esta ainda é reduzida a luta por cadeiras em departamentos. Nós jovens marxistas revolucionários, não queremos ser reduzidos a isso.

Assim este setor, na maior parte dos casos com os pés no stalinismo, de forma explicita ou não, toma a defesa da tragédia chamada “socialismo num pais só” e da torrente de crimes processos contra-revolucionários desencadeada pelos PCs pelo mundo afora. Ao mesmo tempo condenam, ou se abstém da luta direta contra o Estado, a burguesia, o patronato, a propriedade privada, bem como a luta reforma agrária, por cotas raciais, por igualdade de gênero e o movimento GLBTT. Não conseguem articular as lutas por emancipação política a luta pela emancipação humana, o programa mínimo e o programa máximo.

A ideologia acadêmica, expressão de determinados interesses, tenta afastar o conhecimento da realidade, torna-lo impotente e castrado, e a isto chama de ciência. “Não tome posição! Se afaste da política!”, são os conselhos que os guardiões da tradição acadêmica nos transmitem. Como se fosse possível falar sobre o mundo sem sobre ele tomar uma posição.

O máximo de crítica permitido, para fazer parte do pretenso novo oráculo, é a crítica fragmentada, abstrata, niilista e domesticada.

“Abaixo ao atual estado de coisas!”

O conhecimento não deve ser pura especulação vazia sobre o mundo, mas, antes, uma arma para sua transformação!

Para isso tem que necessariamente deixar de servir aos antigos interesses, tem que deixar de servir a reação, deixar de servir os exploradores.

Deve passar estar a lado da luta pela emancipação humana, apontar para a criação do novo, superando a mesmice, a caretice, a baixeza.

Só pode fazê-lo se estiver ligado a classe que por seu ser social, por sua posição, pode realizá-lo.

Isso significa não menos, mas mais sofisticação, não menor, mas maior complexidade teórica.

Pois se “os filósofos tem que buscar transformar o mundo, e não apenas interpretá-lo”, o pensamento crítico é arma quando nas mãos dos oprimidos.

Chamamos tod@s @s interessad@s em discutir a obra de Marx e de marxistas e processos revolucionários a somarem-se conosco neste projeto.

Por uma ciência transformadora, crítica e revolucionária!

Sobre as reuniões de 2010 - Grupo Livre de Estudos Marxistas Revolucionários

Sobre as reuniões de 2010

O “Grupo Livre de Estudos Marxistas Revolucionários” foi constituído a partir da necessidade colocada por estudantes marxistas revolucionários de se diferenciar dos stalinistas, colocando a necessidade de um marxismo não acadêmico, voltado para transformação da realidade e não apenas para a compreensão dos escritos de Marx, mas que a partir da leitura imanente da obra de Marx, Engels, Lênin e Trotsky, tome partido da lutas de classes na sociedade contemporânea. Foi neste intuito que lançamos nosso manifesto de fundação (http://glem-r.blogspot.com/2010/04/manifesto-de-fundacao.html).

No inicio de 2010 chamamos uma reunião de reorganização, foi colocada a necessidade de discutirmos outros autores além de Marx, principalmente Lenin e Trotsky, teóricos, dirigentes e revolucionários continuadores de Marx. Colocamo-nos a tarefa de buscarmos atingir novos estudantes. Com tal intuito propomos discutir dois textos de Marx, o Manifesto do Partido Comunista e como complementar o texto de Trotsky Quarenta anos do Manifesto do Partido Comunista.

Chamamos uma nova reunião, fizemos cartazes, blog e email do grupo, passamos nas salas de aulas chamando os estudantes de Sociais, Pedagogia e Filosofia. Na reunião, realizada no dia 09 de abril, compareceram 23 estudantes. A discussão muito qualitativa.

Para reunião seguinte foi proposto o texto Manuscritos econômico-filosóficos de Marx, e como complementar o texto “O imperialismo, fase superior do capitalismo” de Lenin. Na reunião, realizada no dia 24 de abril, estavam presentes 35 estudantes. Na abertura do seminário foi feita uma apresentação sobre os processos na Europa e as lutas de classe em desenvolvimento no Brasil. Não conseguimos discutir o texto “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, por fim propomos discutir no próximo encontro o Imperialismo, juntamente com “Princípios básicos do Comunismo” de Engels, para com isso trabalharmos alguns conceitos.

No final da reunião decidimos fazer também uma mesa de debate que discuta a crise econômica e política na Europa, convidaremos para a mesa de debate uma companheira que estuda Relações Internacionais na PUC, mais duas pessoas do campus. Discutimos ainda a necessidade de uma política financeira para custear as passagens da camarada, todos os presentes tiveram acordo.

domingo, 25 de abril de 2010

Princípios Básicos do Comunismo

Friedrich Engels
Novembro de 1847

1.ª Pergunta: Que é o comunismo?
Resposta: O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado.

2.ª P[ergunta]: Que é o proletariado?
R[esposta]: O proletariado é aquela classe da sociedade que tira o seu sustento única e somente da venda do seu trabalho e não do lucro de qualquer capital; [aquela classe] cujo bem e cujo sofrimento, cuja vida e cuja morte, cuja total existência dependem da procura do trabalho e, portanto, da alternância dos bons e dos maus tempos para o negócio, das flutuações de uma concorrência desenfreada. Numa palavra, o proletariado ou a classe dos proletários é a classe trabalhadora do século XIX.

3.ª P[ergunta]: Portanto, nem sempre houve proletários?
R[esposta]: Não. Classes pobres e trabalhadoras sempre houve; e as classes trabalhadoras eram, na maioria dos casos, pobres. Mas nem sempre houve estes pobres, estes operários vivendo nas condições que acabamos de assinalar, portanto, [nem sempre houve] proletários, do mesmo modo que a concorrência nem sempre foi livre e desenfreada.

4.ª P[ergunta]: Como é que apareceu o proletariado?
R[esposta]: O proletariado apareceu com a revolução industrial, que se processou em Inglaterra na segunda metade do século passado e que, desde então, se repetiu em todos os países civilizados do mundo. Esta revolução industrial foi ocasionada pela invenção da máquina a vapor, das várias máquinas de fiar, do tear mecânico e de toda uma série de outros aparelhos mecânicos. Estas máquinas, que eram muito caras e, portanto, só podiam ser adquiridas pelos grandes capitalistas, transformaram todo o modo de produção anterior e suplantaram os antigos operários, na medida em que as máquinas forneciam mercadorias mais baratas e melhores do que as que os operários podiam produzir com as suas rodas de fiar e teares imperfeitos. Estas máquinas colocaram, assim, a indústria totalmente nas mãos dos grandes capitalistas e tornaram a escassa propriedade dos operários (ferramentas, teares, etc.) completamente sem valor, de tal modo que, em breve, os capitalistas tomaram tudo nas suas mãos e os operários ficaram sem nada. Assim se instaurou na confecção de tecidos o sistema fabril. Uma vez dado o impulso para a introdução da maquinaria e do sistema fabril, este sistema foi também muito rapidamente aplicado a todos os restantes ramos da indústria, nomeadamente, à estampagem de tecido e à impressão de livros, à olaria, à indústria metalúrgica. O trabalho foi cada vez mais dividido entre cada um dos operários, de tal modo que o operário que anteriormente fizera toda uma peça de trabalho agora passou a fazer apenas uma parte dessa peça. Esta divisão do trabalho tornou possível que os produtos fossem fornecidos mais depressa e, portanto, mais baratos. Ela reduziu a actividade de cada operário a um gesto mecânico muito simples, repetido mecanicamente a cada instante, o qual podia ser feito por uma máquina não apenas tão bem, mas ainda muito melhor. Deste modo, todos estes ramos da indústria caíram, um após outro, sob o domínio da força do vapor, da maquinaria e do sistema fabril, da mesma maneira que a fiação e a tecelagem.

Mas por este facto elas caíram, ao mesmo tempo, completamente nas mãos dos grandes capitalistas e aos operários foi assim retirado também o último resto de independência. Pouco a pouco, para além da própria manufactura, também o artesanato caiu cada vez mais sob o domínio do sistema fabril, uma vez que, aqui também, os grandes capitalistas suplantaram os pequenos mestres por meio da montagem de grandes oficinas, com as quais muitos custos eram poupados e o trabalho podia igualmente ser dividido. Chegámos assim a que, nos países civilizados, quase todos os ramos de trabalho são explorados segundo o modelo fabril e, em quase todos os ramos de trabalho, o artesanato e a manufactura foram suplantados pela grande indústria.

Por isso, a antiga classe média, em especial os pequenos mestres artesãos, fica cada vez mais arruinada, a anterior situação dos operários fica completamente transformada e constituem-se duas novas classes, que a pouco e pouco absorvem todas as restantes, a saber:

A classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência e das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de existência; Esta é a classe dos burgueses, ou a burguesia.
A classe dos que nada possuem, os quais, em virtude disso, estão obrigados a vender o seu trabalho aos burgueses a fim de obter em troca os meios de existência necessários ao seu sustento. Esta classe chama-se a classe dos proletários, ou o proletariado.
5.ª P[ergunta]: Em que condições tem lugar esta venda do trabalho dos proletários aos burgueses?
R[esposta]: O trabalho é uma mercadoria como qualquer outra, e daí que o seu preço seja determinado precisamente pelas mesmas leis que o de qualquer outra mercadoria. O preço de uma mercadoria, sob o domínio da grande indústria ou da livre concorrência – o que, como veremos, vem a dar ao mesmo -, é, porém, em média, sempre igual aos custos de produção dessa mercadoria. O preço do trabalho é, portanto, também igual aos custos de produção do trabalho. Os custos de produção do trabalho consistem, porém, precisamente, em tantos meios de existência quantos os [que são] necessários para manter os operários em condições de continuar a trabalhar e para não deixar extinguir-se a classe operária. O operário não obterá, portanto, pelo seu trabalho mais do que aquilo que é necessário para esse fim; o preço do trabalho, ou o salário, será, portanto, o mais baixo possível, o mínimo que é necessário para o sustento. Pelo facto de que, porém, os tempos ora são piores, ora são melhores, para o negócio, o operário ora receberá mais, ora receberá menos, tal como o fabricante receberá ora mais, ora menos, pela sua mercadoria. Do mesmo modo, porém, que o fabricante, na média dos tempos bons e dos [tempos] maus para o negócio, não obtém pela sua mercadoria nem mais nem menos do que os seus custos de produção, também o operário, em média, não receberá nem mais nem menos do que aquele mesmo mínimo. Esta lei económica do salário realizar-se-á tanto mais rigorosamente quanto mais a grande indústria se for apoderando de todos os ramos do trabalho.

6.ª P[ergunta]: Que classes de trabalhadores houve antes da revolução industrial?
R[esposta]: Consoante as diversas etapas de desenvolvimento da sociedade, assim as classes trabalhadoras viveram em condições diversas e tiveram posições diversas relativamente às classes proprietárias e dominantes. Na Antiguidade, os trabalhadores eram escravos dos proprietários, como ainda o são em muitos países atrasados e, inclusiva mente, na parte sul dos Estados Unidos. Na Idade Média eram servos dos nobres proprietários de terras, como ainda o são na Hungria, na Polónia e na Rússia. Na Idade Média, e até à revolução industrial, houve ainda, além disso, nas cidades, oficiais artesãos que trabalhavam ao serviço de mestres pequeno-burgueses e, a pouco e pouco, com o desenvolvimento da manufactura, apareceram os operários das manufacturas que eram já empregados por grandes capitalistas.

7.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do escravo?
R[esposta]: O escravo está vendido de uma vez para sempre; o proletário tem de se vender a si próprio diariamente e hora a hora. O indivíduo escravo, propriedade de um senhor, tem uma existência assegurada, por muito miserável que seja, em virtude do interesse do senhor; o indivíduo proletário – propriedade, por assim dizer, de toda a classe burguesa -, a quem o trabalho só é comprado quando alguém dele precisa, não tem a existência assegurada. Esta existência está apenas assegurada a toda a classe dos proletários. O escravo está fora da concorrência, o proletário está dentro dela e sente todas as suas flutuações. O escravo vale como uma coisa, não como um membro da sociedade civil; o proletário é reconhecido como pessoa, como membro da sociedade civil. O escravo pode, portanto, levar uma existência melhor do que a do proletário, mas o proletário pertence a uma etapa superior do desenvolvimento da sociedade e está ele próprio numa etapa superior à do escravo. O escravo liberta-se ao abolir, de entre todas as relações de propriedade privada, apenas a relação de escravatura e ao tornar-se, assim, ele próprio proletário; o proletário só pode libertar-se ao abolir a propriedade privada em geral.

8.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do servo?
R[esposta]: O servo tem a posse e o usufruto de um instrumento de produção, de uma porção de terra, contra a entrega de uma parte do produto, ou contra a prestação de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos de produção de outrem por conta desse outrem, contra o recebimento de uma parte do produto. O servo entrega, o proletário recebe. O servo tem uma existência assegurada, o proletário não a tem. O servo está fora da concorrência, o proletário está dentro dela. O servo liberta-se fugindo para as cidades e tornando-se aí artesão, ou dando ao seu amo dinheiro, em vez de trabalho e produtos, e tornando-se rendeiro livre, ou expulsando o senhor feudal e tornando-se ele próprio proprietário: em suma, entrando, de uma ou de outra maneira, na classe proprietária e na concorrência. O proletário liberta-se abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas as diferenças de classes.

9.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do artesão?
R[esposta]: (1)

10.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do operário manufactureiro?
R[esposta]: O operário manufactureiro dos séculos XVI a XVIII ainda tinha quase sempre na sua posse um instrumento de produção: o seu tear, as rodas de fiar para a família, um pequeno terreno que cultivava nas horas vagas. O proletário não tem nada disso. O operário manufactureiro vive quase sempre no campo e em relações mais ou menos patriarcais com o seu amo ou patrão; o proletário vive, na maioria dos casos, em grandes cidades e está numa pura relação de dinheiro com o seu patrão. O operário manufactureiro é arrancado das suas relações patriarcais pela grande indústria, perde a propriedade que ainda possuía e só então se torna ele próprio proletário.

11.ª P[ergunta]: Quais foram as consequências imediatas da revolução industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?
R[esposta]: Em primeiro lugar, em todos os países do mundo, o velho sistema da manufactura ou da indústria assente na trabalho manual foi completamente destruído pelo facto de os preços dos artigos industriais se tornarem cada vez mais baratos em consequência do trabalho das máquinas. Todos os países semibárbaros, os quais, até então, tinham permanecido mais ou menos alheios ao desenvolvimento histórico, e cuja indústria, até então, assentara na manufactura, foram, desta forma, violentamente arrancados ao seu isolamento. Compraram as mercadorias mais baratas dos Ingleses e deixaram arruinar os seus próprios operários manufactureiros. Assim, países que há milénios não faziam qualquer progresso, como por exemplo a Índia, foram revolucionados de uma ponta a outra, e a própria China caminha agora para uma revolução. As coisas chegaram a tal ponto que uma nova máquina hoje inventada na Inglaterra deixa sem pão, no espaço de um ano, milhões de operários na China. Deste modo, a grande indústria colocou em relação uns com os outros todos os povos da Terra, juntou todos os pequenos mercados locais no mercado mundial, preparou, por toda a parte, o terreno para a civilização e o progresso, de modo que tudo aquilo que acontece nos países civilizados tem de repercutir-se em todos os outros países. De tal modo, que se agora em Inglaterra ou em França, os operários se libertarem, isso terá de arrastar consigo revoluções em todos os países, as quais, mais tarde ou mais cedo, conduzirão igualmente à libertação dos operários locais.

Em segundo lugar, em toda a parte em que a grande indústria substituiu a manufactura, a burguesia desenvolveu, no mais alto grau, a sua riqueza e o seu poder, e tornou-se a primeira classe do país. A consequência disto foi que, em toda a parte onde isso aconteceu, a burguesia tomou nas suas mãos o poder político e desalojou as classes até então dominantes: a aristocracia, os burgueses das corporações e a monarquia absoluta que os representava a ambos. A burguesia aniquilou o poder da aristocracia, da nobreza, ao abolir os morgadios ou a inalienabilidade da propriedade fundiária e todos os privilégios da nobreza. Destruiu o poder dos burgueses das corporações, ao abolir as corporações e os privilégios dos artesãos. A ambos substituiu pela livre concorrência, isto é, o estado da sociedade em que cada um tem o direito de explorar qualquer ramo da indústria e em que nada o pode impedir da exploração do mesmo a não ser a falta do capital para tanto necessário. A introdução da livre concorrência e, portanto, a declaração pública de que, daí em diante, os membros da sociedade são apenas desiguais na medida em que os seus capitais são desiguais, de que o capital se tornou o poder decisivo e [de que], com isso, os capitalistas, os burgueses [se tornaram] a primeira classe da sociedade. A livre concorrência é, porém, necessária para o começo da grande indústria, porque é o único estado da sociedade em que a grande indústria pode crescer. A burguesia, depois de ter aniquilado por esta forma o poder social da nobreza e dos burgueses das corporações, aniquilou-lhes também o poder político. Assim como na sociedade se elevou a primeira classe, proclamou-se também como primeira classe politicamente. Fê-lo com a introdução do sistema representativo, que assenta na igualdade burguesa perante a lei, no reconhecimento legal da livre concorrência, e que nos países europeus foi instaurado sob a forma da monarquia constitucional. Nestas monarquias constitucionais são apenas eleitores aqueles que possuem um certo capital, ou seja, apenas os burgueses elegem os deputados, e estes deputados burgueses, por meio do direito de recusar impostos, elegem um governo burguês.

Em terceiro lugar, ela [a revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o proletariado na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os burgueses se tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os proletários somente por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a multiplicação do proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num mesmo lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais, como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação do proletariado cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma revolução da sociedade pelo proletariado.

12.ª P[ergunta]: Que outras consequências teve a revolução industrial?
R[esposta]: A grande indústria criou, com a máquina a vapor e as outras máquinas, os meios para multiplicar até ao infinito a produção industrial num tempo curto e com poucos custos. Sendo a produção tão fácil, a livre concorrência necessariamente decorrente desta grande indústria muito depressa assumiu um carácter extremamente intenso; um grande número de capitalistas lançou-se na indústria e, a breve trecho, produzia-se mais do que podia ser consumido. A consequência disso foi que as mercadorias fabricadas não podiam ser vendidas e sobreveio uma chamada crise comercial. As fábricas tiveram de ficar paradas, os fabricantes caíram na bancarrota e os operários ficaram sem pão. Por toda a parte sobreveio a maior miséria. Depois de algum tempo foram-se vendendo os produtos em excesso, as fábricas voltaram a trabalhar, o salário subiu e, pouco a pouco, os negócios passaram a ir melhor do que nunca. Mas não por muito tempo, já que de novo voltaram a produzir-se mercadorias em excesso e sobreveio uma nova crise, que seguiu precisamente o mesmo curso que a anterior. Assim, desde o começo deste século, a situação da indústria tem oscilado continuamente entre épocas de prosperidade e épocas de crise, e quase regularmente, de cinco em cinco anos, ou de sete em sete anos, sobreveio uma destas crises, de todas as vezes conjugada com a maior miséria dos operários, com uma agitação revolucionária geral e com o maior perigo para toda a ordem vigente.

13ª P[ergunta]: o que é que resulta destas crises comerciais que se repetem regularmente?
R[esposta]: Em primeiro lugar, que a grande indústria, apesar de na sua primeira época de desenvolvimento ter ela própria dado origem à livre concorrência, está agora, contudo, a abandonar a livre concorrência; que a concorrência e, em geral, a exploração da produção industrial por singulares se tomou para ela um grilhão que tem de quebrar e quebrará; que a grande indústria, enquanto for empreendida na base actual, somente se pode manter por meio de uma perturbação geral repetida de sete em sete anos, a qual ameaça, de cada vez, toda a civilização, e não só faz cair os proletários na miséria como também arruína um grande número de burgueses; que, portanto, ou a própria grande indústria tem de ser completamente abandonada – o que é uma absoluta impossibilidade -, ou então ela torna absolutamente necessária uma organização totalmente nova da sociedade, na qual já não são os fabricantes individuais, em concorrência entre si, mas toda a sociedade, de acordo com um plano estabelecido e segundo as necessidades de todos, quem dirige a produção industrial.

Em segundo lugar, que a grande indústria e a expansão da produção até ao infinito por ela tornada possível, tornam possível um estado da sociedade em que é produzido tanto de tudo o que é necessário à vida que cada membro da sociedade ficará por esse facto em condições de desenvolver e de pôr em prática todas as suas forças e aptidões em completa liberdade. De tal modo que precisamente aquela qualidade da grande indústria que dá origem, na sociedade de hoje, a toda a miséria e a todas as crises comerciais, é a mesma que, numa outra organização social, acabará com essa miséria e com essas oscilações que causam tanta infelicidade.

De tal modo que fica provado da maneira mais clara:

que de agora em diante todos estes males são de imputar à ordem social que já não se adequa às condições existentes, e
que já existem os meios para eliminar completamente estes males por meio de uma nova ordem social.
14.ª P[ergunta]: De que tipo terá de ser esta nova ordem social?
R[esposta]: Antes do mais, ela tirará a exploração da indústria e de todos os ramos da produção em geral das mãos de cada um dos indivíduos singulares em concorrência uns com os outros e, em vez disso, terá de fazer explorar todos esses ramos da produção por toda a sociedade, isto é, por conta da comunidade, segundo um plano da comunidade e com a participação de todos os membros da sociedade. Abolirá, portanto, a concorrência e estabelecerá, em lugar dela, a associação. Uma vez que a exploração da indústria por singulares tinha como consequência necessária a propriedade privada, e que a concorrência não é mais do que o modo da exploração da indústria pelos proprietários privados individuais, a propriedade privada não pode ser separada da exploração individual da indústria nem da concorrência. A propriedade privada terá, portanto, igualmente de ser abolida e, em seu lugar, estabelecer-se-á a utilização comum de todos os instrumentos de produção e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum, ou a chamada comunidade dos bens. A abolição da propriedade privada é mesmo a expressão mais breve e mais característica desta transformação de toda a ordem social necessariamente resultante do desenvolvimento da indústria, e por isso é com razão avançada pelos comunistas como reivindicação principal.

15.ª P[ergunta]: Então a abolição da propriedade privada não era possível anteriormente?
R[esposta]: Não. Todas as transformações da ordem social, todas as revoluções nas relações de propriedade, têm sido consequência necessária da criação de novas forças produtivas que já não se iam adequar às antigas relações de propriedade. Foi assim que a própria propriedade privada surgiu. Porque a propriedade privada nem sempre existiu; quando, nos finais da Idade Média, foi criado na manufactura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à propriedade feudal e corporativa da altura, é que esta manufactura, que já não cabia dentro das antigas relações de propriedade, deu, então, origem a uma nova forma de propriedade. Para a manufactura e para a primeira etapa do desenvolvimento da grande indústria não era possível, porém, qualquer outra forma de propriedade a não ser a propriedade privada. Enquanto não puder ser produzido tanto que seja não só suficiente para todos, mas que também fique um excedente de produtos para aumento do capital social e para a formação de mais forças produtivas, terá sempre de haver uma classe dominante, dispondo das forças produtivas da sociedade, e uma classe pobre e oprimida. A maneira como estas classes serão constituídas dependerá da etapa de desenvolvimento da produção. A Idade Média, dependente do cultivo da terra, dá-nos o barão e o servo; as cidades da baixa Idade Média mostram-nos o mestre da corporação, o oficial e o jornaleiro; o século XVII tem o proprietário da manufactura e o operário manufactureiro; o século XIX – o grande fabricante e o proletário. É claro que até aqui as forças produtivas não estavam ainda tão desenvolvidas ao ponto de se poder produzir o suficiente para todos e de a propriedade privada se ter tornado para essas forças produtivas um grilhão e um entrave. Hoje, porém, quando, pelo desenvolvimento da grande indústria se criaram, em primeiro lugar, capitais e forças produtivas numa quantidade nunca antes conhecida e existem meios para, num curto lapso de tempo, multiplicar essas forças produtivas até ao infinito; quando, em segundo lugar, essas forças produtivas estão concentradas nas mãos de poucos burgueses, enquanto a grande massa do povo se converte cada vez mais em proletários, enquanto a sua situação se torna mais miserável e insuportável, na mesma proporção em que se multiplicam as riquezas dos burgueses; quando, em terceiro lugar, estas forças produtivas poderosas e que se multiplicam facilmente ultrapassaram de tal maneira a propriedade privada e os burgueses que provocam a cada momento as mais violentas perturbações na ordem social – agora a abolição da propriedade privada não se tornou apenas possível, tornou-se inteiramente necessária.

16.ª P[ergunta]: Será possível a abolição da propriedade privada por via pacífica?
R[esposta]: Seria de desejar que isso pudesse acontecer, e os comunistas seriam certamente os últimos que contra tal se insurgiriam. Os comunistas sabem muitíssimo bem que todas as conspirações são não apenas inúteis, como mesmo prejudiciais. Eles sabem muitíssimo bem que as revoluções não são feitas propositada nem arbitrariamente, mas que, em qualquer tempo e em qualquer lugar, elas foram a consequência necessária de circunstâncias inteiramente independentes da vontade e da direcção deste ou daquele partido e de classes inteiras. Mas eles também vêem que o desenvolvimento do proletariado em quase todos os países civilizados é violentamente reprimido e que, deste modo, os adversários dos comunistas estão a contribuir com toda a força para uma revolução. Acabando assim o proletariado oprimido por ser empurrado para uma revolução, nós, os comunistas, defenderemos nos actos, tão bem como agora com as palavras, a causa dos proletários.

17.ª P[ergunta]: Será possível abolir a propriedade privada de um só golpe?
R[esposta]: Não, do mesmo modo que não se podem fazer aumentar de um só golpe as forças produtivas já existentes tanto quanto é necessário para a edificação da comunidade (2). Por isso a revolução do proletariado, que com toda a naturalidade se vai aproximando, só a pouco e pouco poderá, portanto, transformar a sociedade actual, e somente poderá abolir a propriedade privada quando estiver criada a massa de meios de produção necessária para isso.

18ª P[ergunta]: Que curso de desenvolvimento tomará essa revolução?
R[esposta]: Ela estabelecerá, antes do mais, uma Constituição democrática do Estado, e com ela, directa ou indirectamente, o domínio político do proletariado. Directamente, em Inglaterra, onde os proletários constituem já a maioria do povo. Indirectamente, em França e na Alemanha, onde a maioria do povo não consiste apenas em proletários mas também em pequenos camponeses e pequenos burgueses, os quais começam a estar envolvidas no processo de passagem ao proletariado, se tornam cada vez mais dependentes deste em todos os seus interesses políticos e, portanto, têm de se acomodar em breve às reivindicações do proletariado. Isto custará, talvez, uma segunda luta, a qual, porém, só pode terminar com a vitória do proletariado.

A democracia seria totalmente inútil para o proletariado se ela não fosse utilizada imediatamente como meio para a obtenção de outras medidas que ataquem directamente a propriedade privada e assegurem a existência do proletariado. As medidas principais, tal como decorrem, já agora, como consequência necessária, das condições existentes, são as seguintes:

Restrição da propriedade privada por meio de impostos progressivos, altos impostos sobre heranças, abolição da herança por parte das linhas colaterais (irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos forçados, etc.
Expropriação gradual dos latifundiários, fabricantes, proprietários de caminhos-de-ferro e armadores de navios, em parte pela concorrência da indústria estatizada, em parte, directamente, contra indemnização em papéis do Estado.
Confiscação dos bens de todos os emigrantes (3) e rebeldes contra a maioria do povo.
Organização do trabalho ou ocupação dos proletários em herdades nacionais, fábricas e oficinas, pela qual se elimina a concorrência dos operários entre si e os fabricantes são obrigados, enquanto ainda subsistirem, a pagar o mesmo salário elevado que o Estado.
Igual obrigação de trabalho para todos os membros da sociedade até à completa abolição da propriedade privada Formação de exércitos industriais, sobretudo, para a agricultura.
Centralização do sistema de crédito e da banca nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e repressão de todos os bancos privados e banqueiros.
Multiplicação do número de fábricas, oficinas, caminhos-de-ferro e navios nacionais, cultivo de todas as terras e melhoramento das já cultivadas, na mesma proporção em que se multiplicarem os capitais e os operários que se encontram à disposição da nação.
Educação de todas as crianças, a partir do momento em que podem passar sem os cuidados maternos, em estabelecimentos nacionais e a expensas do Estado. Combinar a educação e o trabalho fabril.
Construção de grandes palácios nas herdades nacionais para habitações colectivas das comunidades de cidadãos que se dedicam tanto à indústria como à agricultura, e que reúnam em si tanto as vantagens da vida citadina como as da rural, sem partilhar da unilateralidade e dos defeitos de ambos os modos de vida.
Destruição de todas as habitações e bairros insalubres e mal construídos.
Igualdade de direito de herança para os filhos ilegítimos e legítimos.
Concentração de todo o sistema de transportes nas mãos da nação.
Naturalmente, nem todas estas medidas podem ser empreendidas de uma só vez. Porém, uma arrasta sempre atrás de si a outra. Uma vez realizado o primeiro ataque radical contra a propriedade privada, o proletariado ver-se-á obrigado a seguir sempre para diante, a concentrar cada vez mais nas mãos do Estado todo o capital, toda a agricultura, toda a indústria, todo o transporte, toda a troca. É para aí que todas estas medidas apontam; e elas tornar-se-ão aplicáveis e desenvolverão as suas consequências centralizadoras na precisa medida em que as forças produtivas do país sejam multiplicadas pelo trabalho do proletariado. Finalmente, quando todo o capital, toda a produção e toda a troca estiverem concentrados nas mãos da nação, a propriedade privada desaparecerá por si própria, o dinheiro tornar-se-á supérfluo e a produção aumentará tanto e os homens transformar-se-ão tanto, que poderão igualmente tombar as últimas formas de intercâmbio [N7] da antiga sociedade.

19.ª P[ergunta]: Poderá esta revolução realizar-se apenas num único país?
R[esposta]: Não. A grande indústria, pelo facto de ter criado o mercado mundial, levou todos os povos da terra – e, nomeadamente, os civilizados – a uma tal ligação uns com os outros que cada povo está dependente daquilo que acontece a outro. Além disso, em todos os países civilizados ela igualou de tal maneira o desenvolvimento social, que em todos esses países a burguesia e o proletariado se tornaram as duas classes decisivas da sociedade e a luta entre elas a luta principal dos nossos dias. A revolução comunista não será, portanto, uma revolução simplesmente nacional; será uma revolução que se realizará simultaneamente em todos os países civilizados, isto é, pelo menos em Inglaterra, na América, em França e na Alemanha [N14]. Ela desenvolver-se-á em cada um destes países mais rápida ou mais lentamente, consoante um ou outro país possuir uma indústria mais avançada, uma maior riqueza, uma massa mais significativa de forças produtivas. Na Alemanha ela será efectuada, portanto, mais lenta e dificilmente, em Inglaterra mais rápida e facilmente. Ela terá igualmente uma repercussão significativa nos restantes países do mundo, transformará totalmente e acelerará muito o seu actual modo de desenvolvimento. Ela é uma revolução universal e terá, portanto, também um âmbito universal.

20.ª P[ergunta]: Quais são as consequências da abolição final da propriedade privada?
R[esposta]: Pelo facto de a sociedade retirar das mãos dos capitalistas privados o usufruto de todas as forças produtivas e meios de comunicação, assim como a troca e a repartição dos produtos, e os administrar segundo um plano resultante dos meios disponíveis e das necessidades de toda a sociedade, serão eliminadas, antes do mais, todas as consequências nefastas que agora ainda se encontram ligadas à exploração da grande indústria. As crises desaparecerão; a produção alargada que, para a ordem actual da sociedade, é uma sobreprodução e uma causa tão poderosa da miséria, já não será então suficiente e terá de ser alargada ainda muito mais. Em vez de ocasionar a miséria, a sobreprodução assegurará, para além das necessidades imediatas da sociedade, a satisfação das necessidades de todos, e criará novas necessidades e, ao mesmo tempo, os meios para as satisfazer. Ela será condição e motivo de novos progressos, e realizará estes progressos sem que, por esse facto, como sempre até aqui, a ordem social seja perturbada. A grande indústria, liberta da pressão da propriedade privada, desenvolver-se-á numa tal extensão que, comparado com ela, o seu actual desenvolvimento parecerá tão pequeno como o da manufactura comparada com a grande indústria dos nossos dias. Este desenvolvimento da indústria colocará à disposição da sociedade uma massa suficiente de produtos para com eles satisfazer as necessidades de todos. Do mesmo modo, a agricultura, que também em virtude da pressão da propriedade privada e do parcelamento tem sido impedida de apropriar os aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos científicos já realizados, conhecerá um ascenso totalmente novo e colocará à disposição da sociedade uma quantidade plenamente suficiente de produtos. Desta maneira, a sociedade produzirá produtos bastantes para poder organizar de tal modo a repartição que as necessidades de todos os membros sejam satisfeitas. A separação da sociedade em diversas classes opostas umas às outras tornar-se-á, assim, supérflua. Ela não se tornará, porém, apenas supérflua; será mesmo incompatível com a nova ordem social. A existência de classes proveio da divisão do trabalho, e a divisão do trabalho, no seu modo actual, desaparecerá totalmente. É que para trazer a produção industrial e agrícola até ao nível descrito, não bastam apenas os meios auxiliares mecânicos e químicos; as capacidades dos homens que põem em movimento esses meios auxiliares têm igualmente de ser desenvolvidas em medida correspondente. Assim como os camponeses e os operários manufactureiros do século passado transformaram todo o seu modo de vida e se tornaram eles próprios homens completamente diferentes quando foram incorporados na grande indústria, do mesmo modo também a exploração comum da produção por toda a sociedade e o novo desenvolvimento da produção dela decorrente necessitarão de, e também criarão, homens completamente diferentes. A exploração comum da produção não pode ser levada a cabo por homens como os de hoje, que estão subordinados, acorrentados, a um único ramo da produção, que são por ele explorados, homens que desenvolveram apenas uma das suas aptidões em detrimento de todas as outras, que conhecem apenas um ramo ou apenas um ramo de um ramo da produção total. Já a indústria actual precisa cada vez menos destes homens. A indústria explorada em comum, e em conformidade com um plano, por toda a sociedade pressupõe inteiramente homens cujas aptidões estejam integralmente desenvolvidas e que estejam em condições de abarcar todo o sistema da produção. A divisão do trabalho, minada já hoje pelas máquinas, que faz de um camponês, do outro sapateiro, do terceiro operário fabril, do quarto especulador de bolsa, desaparecerá, portanto, totalmente. A educação permitirá aos jovens passar rapidamente por todo o sistema de produção; colocá-los-á em condições de passar sucessivamente de um ramo de produção para outro, conforme o proporcionem as necessidades da sociedade ou as suas próprias inclinações. Retirar-lhes-á, portanto, o carácter unilateral que a actual divisão do trabalho impõe a cada um deles. Deste modo, a sociedade organizada numa base comunista dará aos seus membros oportunidade de porem em acção, integralmente, as suas aptidões integralmente desenvolvidas. Com isso, porém, desaparecerão também necessariamente as diversas classes. De tal maneira que, por um lado, a sociedade organizada numa base comunista é incompatível com a existência de classes e, por outro lado, a edificação dessa sociedade fornece ela própria os meios para suprimir essas diferenças de classes.

Decorre daqui, por conseguinte, que a oposição entre cidade e campo desaparecerá igualmente. A exploração da agricultura e da indústria pelos mesmos homens, em vez de por duas classes diferentes, é já, por causas totalmente materiais, uma condição necessária da associação comunista. A dispersão da população rural pelo campo, a par da concentração da população industrial nas grandes cidades, é uma situação que apenas corresponde a um estádio ainda não desenvolvido da agricultura e da indústria, um impedimento já hoje muito sensível para todo o desenvolvimento ulterior.

A associação geral de todos os membros da sociedade para a exploração comum e planificada das forças de produção, a expansão da produção num grau tal que satisfaça as necessidades de todos, a liquidação da situação em que as necessidades de uns são satisfeitas à custa dos outros, a aniquilação total das classes e dos seus antagonismos, o desenvolvimento integral das capacidades de todos os membros da sociedade por meio da eliminação da divisão do trabalho até agora vigente, por meio da educação industrial, por meio da troca de actividades, por meio da participação de todos nos prazeres criados por todos, por meio da fusão da cidade e do campo – eis os resultados principais da abolição da propriedade privada.

21.ª P[ergunta]: Que influência exercerá a ordem social comunista sobre a família?
R[esposta]: Ela fará da relação de ambos os sexos uma pura relação privada, que diz respeito apenas às pessoas que nela participam e em que a sociedade não tem de imiscuir-se.

Ela pode fazê-lo, uma vez que aboliu a propriedade privada e educa as crianças comunitariamente e, por este facto, anula as duas bases fundamentais do actual matrimónio: a dependência, por intermédio da propriedade privada, da mulher relativamente ao homem e dos filhos relativamente aos pais. Aqui se encontra também a resposta à gritaria tão moralista dos filisteus contra a comunidade comunista das mulheres. A comunidade das mulheres é uma relação que pertence totalmente à sociedade burguesa e hoje em dia reside inteiramente na prostituição. A prostituição repousa, porém, sobre a propriedade privada, e cai com ela. Portanto, a organização comunista, em vez de introduzir a comunidade das mulheres, muito pelo contrário, suprime-a.

22.ª P[ergunta]: Qual será a atitude da organização comunista face às nacionalidades existentes?
- fica [N37]

23.ª P[ergunta]: Qual será a sua atitude face às religiões existentes?
- fica

24.ª P[ergunta]: Como se diferenciam os comunistas dos socialistas?
R[esposta]: Os chamados socialistas dividem-se em três classes.

A primeira classe consiste nos partidários da sociedade feudal e patriarcal que foi aniquilada, e que continua ainda a ser diariamente aniquilada, pela grande indústria, pelo comércio mundial e pela sociedade burguesa por ambos criada. Esta classe tira dos males da sociedade actual a conclusão de que a sociedade feudal e patriarcal teria de ser restabelecida, porque estava livre destes males. Todas as suas propostas se dirigem, por caminhos direitos ou tortuosos, para este objectivo. Esta classe de socialistas reaccionários, apesar da sua pretensa compaixão e das suas lágrimas ardentes pela miséria do proletariado, será, todavia, contínua e energicamente combatida pelos comunistas, porque:

se esforça por atingir algo de puramente impossível;
procura restabelecer o domínio da aristocracia, dos mestres das corporações e dos proprietários de manufacturas, com o seu cortejo de reis absolutos ou feudais, de funcionários, de soldados e de padres, uma sociedade que, por certo, estava livre dos males da sociedade actual, mas que, em contrapartida, trazia consigo, pelo menos, outros tantos males e não oferecia a perspectiva de libertação dos operários oprimidos por meio de uma organização comunista;
ela mostra os seus verdadeiros desígnios quando o proletariado se torna revolucionário e comunista, aliando-se então imediatamente com a burguesia contra os proletários.
A segunda classe consiste nos partidários da sociedade actual aos quais os males dela necessariamente decorrentes provocaram apreensões quanto à subsistência desta sociedade. Eles procuram, por conseguinte, conservar a sociedade actual, mas eliminar os males que a ela estão ligados. Com este objectivo, propõem, uns, simples medidas de beneficência, outros, grandiosos sistemas de reformas que, sob o pretexto de reorganizarem a sociedade, querem conservar as bases da sociedade actual e, com elas, a sociedade actual. Estes socialistas burgueses terão igualmente de ser combatidos constantemente pelos comunistas, uma vez que eles trabalham para os inimigos dos comunistas e defendem a sociedade que os comunistas querem precisamente derrubar.

A terceira classe consiste, finalmente, nos socialistas democráticos que, pela mesma via que os comunistas, querem uma parte das medidas indicadas na pergunta...(4); porém, não como meio de transição para o comunismo, mas como medidas que são suficientes para abolir a miséria e fazer desaparecer os males da sociedade actual. Estes socialistas democráticos ou são proletários que ainda não estão suficientemente esclarecidos acerca das condições da libertação da sua classe; ou são representantes dos pequenos burgueses, uma classe que, até à conquista da democracia e das medidas socialistas dela decorrentes, sob muitos aspectos tem os mesmos interesses que os proletários. Por isso, os comunistas entender-se-ão, nos momentos de acção, com esses socialistas democráticos e em geral terão de seguir com eles, de momento, uma política o mais possível comum, desde que esses socialistas não se ponham ao serviço da burguesia dominante e não ataquem os comunistas. É claro que este modo de acção comum não exclui a discussão das divergências com eles.

25.ª P[ergunta]: Qual a atitude dos comunistas face aos restantes partidos políticos do nosso tempo?
R[esposta]: Esta atitude é diversa nos diversos países.

Na Inglaterra, na França e na Bélgica, onde a burguesia domina, os comunistas têm, por enquanto, um interesse comum com os diversos partidos democráticos e, na realidade, um interesse tanto maior quanto mais os democratas se aproximam do objectivo dos comunistas com as medidas socialistas agora por toda a parte por eles defendidas, isto é, quanto mais clara e determinantemente eles defendem os interesses do proletariado e quanto mais se apoiam no proletariado. Na Inglaterra, por exemplo, os cartistas [N38], integrados por operários, estão infinitamente mais próximos dos comunistas do que os pequenos burgueses democráticos ou os chamados radicais.

Na América, onde foi introduzida a constituição democrática, os comunistas têm de apoiar o partido que quer voltar essa constituição contra a burguesia e utilizá-la no interesse do proletariado, isto é, os reformadores agrários nacionais.

Na Suíça, os radicais, apesar de serem eles próprios ainda um partido muito heterogéneo, são, todavia, os únicos com os quais os comunistas se podem entender, e entre estes radicais os mais progressistas são, por sua vez, os valdenses e os de Genebra.

Na Alemanha, finalmente, só agora está iminente a luta decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta. Como, porém, os comunistas não podem contar com uma luta decisiva entre eles próprios e a burguesia antes de que a burguesia domine, o interesse dos comunistas é ajudar a levar os burgueses ao poder tão depressa quanto o possível, para, por sua vez, os derrubar o mais depressa possível. Os comunistas têm, portanto, de continuamente tomar partido pelos burgueses liberais face aos governos e apenas de se precaver de partilhar as auto-ilusões dos burgueses ou de dar crédito às suas afirmações sedutoras sobre as consequências benéficas da vitória da burguesia para o proletariado. As únicas vantagens que a vitória da burguesia trará aos comunistas consistirão:

em diversas concessões que facilitarão aos comunistas a defesa, discussão e propagação dos seus princípios e, com isso, a união do proletariado numa classe estreitamente coesa, preparada para a luta e organizada;
na certeza de que, no dia em que os governos absolutos caírem, chegará a hora da luta entre os burgueses e os proletários. Desse dia em diante, a política partidária dos comunistas será a mesma que naqueles países em que agora domina já a burguesia.
Início da página


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Notas:

(1) Para a resposta que falta, Engels deixou em branco meia página do manuscrito. (retornar ao texto)

(2) Comunidade (Gemeinschaft), entenda-se: a sociedade comunista. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3) Latifundiários e capitalistas, em geral, fugidos para o estrangeiro, sabotando a economia. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4) O manuscrito está aqui em branco; trata-se, porém, da pergunta 18. (retornar ao texto)



http://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm

sábado, 24 de abril de 2010

Sobre os Manuscritos Economico-filosóficos - A Práxis como conceito fundamental do marxismo.

A Práxis como conceito fundamental do marxismo.
Santhiago Amélio Marimbondo

O trabalho como essência da práxis, mais a práxis não sendo reduzida ao trabalho.

A práxis como conceito fundante e fundamental do marxismo.

A partir do conceito de práxis é que se é possível pela primeira vez na história uma apreensão materialista (a concepção materialista como realização de uma concepção científica da realidade, como apreendendo sua objetividade, Lênin e o Materialismo e Empiriocriticismo, a impossibilidade de uma ciência burguesa efetiva, tanto na natureza quanto na história, posto esta classe ter que mascarar a realidade, a ciência como ideologia) tanto da natureza quanto da sociedade.

Através do conceito de práxis Marx começa a delinear uma ontologia do ser social, uma epistemologia e uma ontologia das ciências sociais. Diferente da sociologia burguesa essa nova concepção de mundo não isola o homem de suas relações com a natureza.

A economia como ciência social por excelência, postos que é na economia que se expressa a relação social através da qual os homens se apropriam de seu ambiente natural.

Diferença entre os manuscritos econômicos filosóficos e o capital: no primeiro esta se construindo uma epistemologia e uma ontologia da economia política, enquanto no segundo esta se construindo uma economia política crítica.

O conceito de Práxis na antiguidade

O conceito de práxis permeia a história da filosofia. Já na antiguidade clássica os filosofos gregos tinham desenvolvido um conceito de práxis, mas este era limitado por suas condições sociais. Dado o total afastamento das classes dominantes do trabalho prático, material, o fato de este trabalho material ser exercido por escravos, considerados não humanos, ou menos humanos, a conseqüente desvalorização do trabalho manual, a estaticidade da sociedade, a praticamente não existente mobilidade social, que faz com que as relações sociais sejam entendidas como algo dado, natural, o conceito de práxis como sendo deformado.

O demiurgo platônico como expressão deste conceito de práxis deformado.

A influencia da teoria das quatro causas e da concepção de teleologia no trabalho de Aristóteles como altamente influentes na concepção de práxis e de trabalho em Marx.
A extensão do conceito de teleologia e de práxis à natureza em Aristóteles, e em certa medida em Platão, base para a concepção metafísica da natureza.

Mudanças no conceito de práxis com a ascensão da burguesia

A burguesia como classe mais imediatamente ligada à produção material.
A burguesia como classe que dissolve as antigas relações sociais legadas pela idade media, sua posição social aparece como fruto de sua atividade de seu trabalho, não como algo dado, como natural: a ética protestante.

A entrada do homem como objeto da especulação filosófica e científica, a realidade social não é mais fruto da vontade divina, ou algo dado pela natureza, mas fruto da ação humana.
As diferentes maneiras como o conceito de práxis se desenvolve nos principais países da Europa são expressão de como vai se dar a luta da burguesia com sua respectiva aristocracia ao longo se sua luta por emancipação econômica e política.

Práxis e economia política

A revolução inglesa é a primeira grande revolução burguesa na Europa, ela acontece ainda com um burguesia pouco desenvolvida, incapaz de formular seus interesses de classe de maneira clara e coerente, se da, portanto, no marco de uma luta religiosa, de uma luta pela liberdade de credo.

Pelo fato de seu poço desenvolvimento a vitória da burguesia não é completa e não lhe da todo o poder político, ela ainda tem que dividi-lo com a antiga aristocracia, no marco de uma monarquia constitucional.

A economia política inglesa surge então como arma ideológica da burguesia em sua luta contra a aristocracia.

Os economistas tentam mostrar que toda a riqueza (entre os economistas clássicos, Smith e Ricardo, não há uma separação entre riqueza e valor) é criada pelo trabalho e tentam desembaraçar este trabalho de todas as suas amarras, permitindo a ele desenvolver o máximo de riqueza possível.

Tentam assim descobrir as leis que regulam a produção e distribuição da riqueza social (salário, lucro e renda da terra) e tentam eliminar todos os gastos que possam ser vistos como improdutivos, gastos com despesas públicas, com a manutenção de uma classe ou estamento de ocioso, etc.

Apesar do caráter cientifico de sua obra no momento histórico em que esta inserido, pelo fato de mostrar a superioridade do sistema de produção burguês em relação ao feudal, com o desenvolvimento das contradições da sociedade burguesa a economia perde cada vez mais seu caráter científico ainda estando nos marcos do regime burguês. Ao colocar o ponto de vista burguês como insuperável ela tem que mascarar as contradições da sociedade burguesa, não a aprende em sua objetividade.

Esboço de uma concepção materialista da história na teoria moral de Smirth.
A maior coerência lógica de Ricardo em relação a Smith (ex: a relação da lei do valor e dos preços de produção) ao preço de uma restrição dos objetos de estudo.

Práxis e o pensamento político francês

A burguesia francesa faz sua revolução num estagio muito mais avançado de seu desenvolvimento do que a inglesa, alem de ter a revolução gloriosa como exemplo histórico.

A França não passa por uma efetiva reforma religiosa.

Isso dará a revolução francesa um caráter mais radical, mais político, impossibilitara uma aliança entre burguesia e aristocracia na forma de uma monarquia constitucional.

Não permitirá também que esta revolução se de no marco da ilusão ideológica da reforma religiosa, lhe dará uma marca claramente política, de luta contra as antigas relações sociais e políticas e a formação de novas.

O homem é o criador das instituições políticas.

Práxis e o idealismo alemão

Os ecos da revolução francesa chegarão numa Alemanha ainda muito atrasada, o mais atrasado dos países da Europa ocidental.

Assim, o que para os franceses eram problemas práticos, a serem resolvidos com uma ação política efetiva virá para os alemãos problemas abstratos, a serem resolvidos pela força da abstração filosófica. Os problemas práticos se tornam problemas da razão pratica.

A práxis passa a ser entendida como ação moral, através da qual a realidade se concilia com as exigências da razão pura.

Conceito de práxis em Kant como atividade moral, a razão pratica como chamada a resolver as contradições da razão pura. A antinomia entre sujeito e objeto, entre fenômeno e coisa em si superada e conciliada pelas necessidades morais, ‘praticas’, a prova da existência de Deus, da liberdade, como necessidades da razão pratica.

A "Crítica da Razão Pura" (Kritik der reinen Vernunft), publicada inicialmente em 1781
Publicada em 1788, a "Crítica da Razão Prática",


A Crítica do Julgamento, ou Crítica do Juízo, (em alemão, Kritik der Urteilskraft) é um livro escrito pelo filósofo Immanuel Kant, em 1790.

No idealismo subjetivo de Fitch novamente a práxis é entendida como ação moral, mas não mais limitada pela objetividade do sujeito trancendental kantiano. Sua filosofia é expressão do período revolucionário, jacobino, da revolução francesa, sua principal obra é de 1792.
"a vontade humana é livre, e a felicidade não é o fim do nosso ser, mas a dignidade de ser feliz”

Hegel, dialética e práxis.

A filosofia hegeliana representa a consolidação do poder da burguesia na revolução francesa representada pela ascensão de Napoleão, em 1798, sua proclamação como imperador, a restauração do cristianismo como religião oficial do estado.

Sua primeira obra publicada data de 1801 e é uma critica a filosofia de Fitich, a seu aspecto revolucionário.

Mas, contraditoriamente, por seu caráter conservador a filosofia de Hegel vai se desenvolver num caráter proto-materialista, como colocará Lênin em seus cadernos filosóficos, e neste sentido será um desenvolvimento do conceito de práxis.

Esta deixa de ser entendida como atividade puramente moral, mas como atividade contemplativa através da qual o homem conhece a realiade, entendida de maneira mistificada como espírito absoluto.

Esta atividade pratica ainda não é meramente especulativa, mas efetivamente pratica, através de sua atividade sobre o ambiente, natural e social, o homem conhece e desenvolve o espírito, a fenomenologia do espírito, ciência do conhecimento, da expressão e desenvolvimento do espírito, não é puramente especulativa, mas também pratica, a dialética do senhor e do escravo, o senhor como dependente da ação do escravo, que transfoema efetivamente o mundo.

Mas apesar deste desenvolvimento o conceito de práxis em Hegel ainda é deformado, a práxis efetiva, com maior valor ontológico é a práxis do senhor, atividade através da qual ele reconhece as leis do desenvolvimento do espírito como leis do pensamento, onde se da a conciliação entre a realidade natural e a social.

A filosofia hegeliana como primeira grande síntese na modernidade do conceito de práxis.
Seu caráter conservador se da pelo fato de tentar conciliar de maneira imediata realidade e pensamento.

Em sua filosofia a realidade tal como aparece no pensamento é imediatamente a realidade em si, a superação da contradição proposta por Kant entre uma realidade em si e uma realidade para si se da pela negação da contradição. As leis lógicas, as leis da aprensão subjetiva da realidade são expressão imediata da própria realidade.

A realidade objetiva é entendida como processo de desenvolvimento e reconhecimento da própria subjetividade, cada momento da história da cultura é um momento do espírito que conhece a si mesmo.

Diferente da dialética materialista, que vê na própria dialética uma expressão subjetiva, portanto distorcida e limitada da realidade material, concreta, objetiva, a dialética idealista se vê como reconhecimento particular do movimento próprio, inerente, da realidade, não existe distância entre a expressão subjetiva e a realidade objetiva do movimento do espírito.
Daí seu caráter conservador: a história é entendida como processo através do qual o espírito reconhece a si mesmo, a histórica passa a ter um caráter místico, quando em seu processo de desenvolvimento o espírito chega a este reconhecimento de si, ou seja, quando reconhece a realidade como expressão de seu desenvolvimento, chega-se ao fim do processo histórico, a história passa a ter uma finalidade.

A dialética idealista é mais simples que a materialista, posto que pode substituir pela descoberta das mediações efetiva através do qual se desenvolve a realidade, mediações mistificadas, ideais.

A perspectiva de uma dialética idealista leva ao conservadorismo porque no processo de reconhecimento de si do espírito realidade e pensamento, ser e dever ser, se reconciliam.

Feuerbach e práxis especulativa.

O pensamento de Feurebach é expressão de um primeiro acenso da classe trabalhadora na Europa, o movimento cartista inglês, as lutas políticas do proletariado francês, ao mesmo tempo expressão dos primeiros movimentos da burguesia alemã no seu processo de emancipação política.

É também expressão das limitações destes processos.

O conceito de práxis em Feuerbach como mais superficial que em Hegel, a práxis entendida como ação moral e especulativa novamente.

O materialismo dele como algo puramente contemplativo.

A concepção de materialismo de Feuerbach como a-histórica, o materialismo como ‘verdadeira’ relação subjetiva do homem com a natureza.

A essência humana em Feuerbach como algo a-histórico, a diferença do homem e dos animais sendo entendida como genérico-especulativa, o homem contempla a si mesmo como gênero, através da religião, da filosofia, o animal simplesmente vive de maneira imediata essa generalidade.


Práxis e essência humana

Em Marx a práxis é entendida de maneira nova, como atividade através da qual o homem transforma seu ambiente e nesta ação transforma a si mesmo.

Práxis criativa e reiterativa.

A práxis como atividade inerentemente criativa, onde o homem cria o ambiente natural como ambiente humano, a práxis reiterativa como deformação desta criatividade inerente a práxis.

Práxis e alienação

A práxis reiterativa como expressão da alienação desta práxis, a práxis cria uma realidade objetiva exterior aos indivíduos, tanto materiais quanto relações sociais, estas passam a se contrapor aos indivíduos, uma realidade humanamente criada passa a se colocar como algo independente dos homens e que os controla, o capital como sua expressão mais genuína.

Práxis e estranhamento.

Esta alienação passa e gerar um sentimento de estranhamento do trabalhador em relação ao seu produto, tanto os materiais quanto as relações sociais.

Práxis e eticidade

Através de sua atividade prática o homem passa a compreender não só o mundo natural exterior a si, mas passa a compreender a si mesmo como individuo e a relações sociais engendradas por sua práxis, passa a poder julgar a legitimidade ou não das relações sociais, já que elas são fruto da ação humana por que não poderiam os homens construí-las diferentes do que são?

Passa-se a entender a relações sociais como expressão das relações que os homens estabelecem entre si para se apropriar de seu ambiente, relações que tem base na economia, mas que sobre esta base constroem toda uma gama de superestruturas pisicológicas, ideais.
Através do conhecimento da necessidade ou não das relações sociais engendradas pelos homens para se apropriar de seu ambiente estes podem julgar a legitimidade das superestruturas morais que a justificam, ou seja, analisar a eticidade ou não de certas regras morais.

Práxis como elemento constitutivo da consciência de si dos homen, é em sua atividade que o homem se torna consciente de si, nas relações de trabalho o homem tem que aprender a se controlar, controlar seus impulsos, tem que comunicar suas descobertas aos outros homens, etc. Neste sentido a práxis é base da consciência dos homens. s

A moral deles e a nossa.

Quando a burguesia entra em seu processo de declineo, ela tenta mostrar a impossibilidade de qualquer eticidade, qualquer ação moral, neste sentido teria para ela o mesmo valor. Criticando o conceito de homem, ou de essência humana, dentro de uma linha niilista, seus ideólogos tentam mostrar que não a ação desumana, posto não existir um homem para ser tomado como parâmetro.

Assim ela justifica de maneira negativa as maiores atrocidades que ela passa cometer, da exploração mais desenfreada dos trabalhadores, mulheres crianças, sua sujeição a condição de coisa, até a barbárie nazista, por exemplo, estas ações não seriam desumanas, antiéticas, pois não há um ideal de homem ao qual se reportar.

“Se deus não existe tudo é permitido” para o ideólogo burguês. Desencantamento do mundo.
O homem não é um ideal a-histórico, mas uma realidade concreta. É concreto que seja desumano um individuo ter que catar comida no lixão enquanto existe uma superprodução de alimentos e grande parte destes sejam queimados.

A eticidade das regras morais são, portanto, históricas.

A vida como valor como atividade pratica.

A ética só é possível se partimos do pressuposto da vida como valor. A legitimidade de uma forma de agir em contraposição a outras só se da quando se julga que uma forma é afirmadora da vida enquanto outra não.

Mas a vida humana não é um valor natural, biológico, mas social. A vida é a ser vivida, porque existe a poesia, a filosofia, o esporte, e mesmo as coisas naturais que fazem da vida um valor são humanamente construídas, o sexo para os homens e mulheres tem uma significação distinta, o por do sol é belo para aquele que tem sensibilidade estética para apreciá-lo.

Práxis e revolução

A práxis é atividade eminentemente revolucionária, pois parte da realidade como tal, a apreende em sua objetividade tendo como pressuposto a necessidade de sua superação, a realidade só pode ser compreendida objetivamente através da ação pratica do sujeito, ação que só pode se dar transformando esta realidade.

Um ente só é um ente objetivo quando age objetivamente sobre outros entes e quando é atingido de maneira objetiva por estes. O homem portanto é um ser objetivo por ter necessidades, por ser um ente sensível, por sofrer uma ação da realidade que lhe é exterior, e por agir sobre esta realidade de maneira transformadora, por lhe impingir sua marca, por fazer dela algo humano, algo que só poderia existir como fruto de sua ação, de sua práxis.

A revolução é feita por homens?

Uma das principais justificações dos arrivistas, reformistas e pelegos de todas as nuances, dos stalinistas aos social-democratas num sentido mais clássico, para suas posições é a colocação de que as transformações sociais obedecem a leis objetivas, exteriores a ação e vontade dos indivíduos. Não se pode negar a objetividade das leis que regem o movimento da sociedade, a sua efetividade, concreticidade, materialidade, e, portanto, o fato de elas serem independentes da vontade individual. Mas isto de maneira alguma quer dizer, como querem nos fazer crer estes filisteus, que as revoluções acontecem independendemente da ação dos indivíduos, acontecem por razões objetivas, das quais os indivíduos, dotados de consciência e vontade, não fariam parte. Os indivíduos fazem a história dentro de relações concretas, determinadas, exteriores a sua vontade e a sua consciência, mas fazem a história, com vontade e consciência. Como já colocava Hegel: ‘nada na história é feito sem paixão’. Há uma interação múltipla entre a realidade objetiva e a ação subjetiva, que no seu próprio processo se torna objetiva, daqueles que são atingidos por essa objetividade.
A história não é feita simplesmente pela contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, ou por um ser social ontologicamente determinado e abstrato, mas por homens reais, que em suas condições de vida concretas sofrem os efeitos das crescentes contradições entre os meios materiais de produção e as relações sociais por ele engendradas, sofrem de maneira ontologicamente determinada, e por serem indivíduos reais, concretos, efetivos, dotados de sensibilidade, vontade e consciência, apreendem subjetivamente estas crescentes contradições e vêem a necessidade de superá-las através de sua ação real, concreta, efetiva, material.

A concepção materialista de história nada tem a ver com um determinismo, que apreende as transformações na história como expressão mecânica das contradições econômicas, nem nada tem a ver com um voluntarismo utópico-idealista, que vê na vontade do indivíduo, ou numa vanguarda de indivíduos, os fatores pra a mudança.

Suprassume (afhebung), na verdade, estas duas concepções unilaterais, e, portanto, reducionistas, do processo histórico, reconhecendo uma realidade objetiva, material, que determina, em última instância, as possibilidades da ação histórica, tanto de maneira objetiva quanto subjetiva. A necessidade objetiva e subjetiva da transformação, suas possibilidades, suas metas, são determinadas pelos problemas efetivos, concretos, que os homens de um determinado momento histórico enfrentam. Mas, apesar dos problemas e limites de uma dada formação econômico-social serem objetivos, e também o serem as possibilidades de sua resolução, a superação desta sociedade não se dá de uma maneira objetiva-passiva, mas, antes, através de uma objetividade na qual esta contida a ação subjetiva, que em seu processo se torna objetiva, dos homens que enfrentam as contradições desta sociedade.

Práxis e revolução permanente.

A práxis é inerentemente revolucionária por ser um processo teleológico. Parte da realidade imediata, em sua objetividade, para colocar em seu processo de ação sobre ela uma finalidade que ainda não existe e não poderia existir sem esta ação. É criadora do novo.

Para justificar a necessidade do socialismo num único país os stalinistas em geral usam um argumento falacioso, sofistico, trabalhando com as contradições do conceito de teleologia.

Para agir sobre seu ambiente, tanto natural quanto social, é necessário que os homens reflitam em seus cérebros o movimento próprio da realidade, as relações causais em que ele se dá. A partir da apreensão deste movimento, a transformação da causalidade natural em uma causalidade compreendida, formulam em suas mentes uma idéia que medeia e guia sua ação sobre o ambiente (previa ideação). Ao confrontar essa ideação com a realidade tem sempre que submetê-la ao limites efetivos e concretos para sua realização, que sempre existirão. Os stalinistas, em sua apreensão deste movimento, só podem ir até aqui, mas não compreendem, ou não querem entender por interesse, que até aqui não ultrapassam o ponto de vista idealista hegeliano, “o ponto de vista da economia política”. Se o movimento prático através do qual o homem transforma seu ambiente tivesse que parar na subsunção da ideação a realidade haveria necessariamente a reconciliação entre real e racional preconizada por Hegel.
O argumento dos stalinistas é desenvolvido no seguinte sentido: ao agir de maneira revolucionária em 1917 os bolcheviques apreenderam a realidade e, a partir daí, produziram uma idéia que mediou e guiou sua ação, a necessidade de uma revolução na Rússia. Ao realizarem esta revolução seu ideal, a necessidade de uma revolução mundial, se chocou com a realidade, a falta de condições objetivas pra tal revolução mundial, tiveram, portanto, que conciliar seu ideal com esta realidade objetiva, portanto se formula a teoria da necessidade da construção do socialismo num pais isolado, idéia e realidade se reconciliam.
A falácia e sofistica de tal argumento esta colocada pelo fato de que o processo prático através do qual a ação humana, mediada por uma previa ideação, transforma seu ambiente não termina com o choque entre a idéia e a realidade que limita sua ação. Ao enfrentar o limite da realização de sua idéia na realidade objetiva o homem, através de sua atividade prática, apreende novamente esta realidade e busca solucionar os problemas, os limites de sua ação, que não permitiram sua realização efetiva, esta nova prática enfrentará novos limites, que serão resolvidos novamente de maneira pratica, e, assim, de maneira permanente, numa sempre nova revolução dos métodos e da realidade.
Ao enfrentar, portanto, os problemas da não realização da revolução mundial por eles esperada, o não acontecimento da revolução na Alemanha, por exemplo, os bolcheviques não submetem sua posições a esta nova realidade de maneira imediata, mas apreendem esta nova objetividade e formulam respostas para sua superação.


Práxis e crise de direção.

Como colocado acima a práxis é ação humana, mediada pela consciência e vontade, pressupõe, portanto, seres humanos conscientes e voluntariosos. A revolução é uma forma de práxis, talvez sua forma mais essencial, mais efetiva. Pressupõe, e então, homens dotados de consciência e vontade revolucionárias. Na falta destes homens uma revolução não pode acontecer. As revoluções não acontecem simplesmente por causas objetivas exteriores aos indivíduos, mas porque estes indivíduos sentem estas causas como objetivamente revolucionárias.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Resenha "Manuscritos Economico-filosoficos"

Alessandro de Moura
Trata-se ainda de um rascunho para um resenha. O texto "Manuscritos Economico-filosoficos" foi escrito no início de 1844, nunca fora publicado pelo autor, embora várias passagens do texto podem ser observadas em outras obras do autor, como por exemplo, no livro 1 do capital. Sabe-se hoje que era hábito de Marx consultar seus manuscritos antes de escrever uma obra. O texto foi encontrado quando a família de Marx (filha e genro) enviaram todos seus textos para a união soviética, para o museu “Marx-Engels”, Ryazenov trabalhou na tradução e publicação dos escrito até a intervenção de Stalin. Os manuscritos de Paris, como também é comum a referência pode ser dividido em três partes: Manuscrito 1, Manuscrito 2, Manuscrito 3. Aqui nos detemos a análise do Manuscrito 1. O autor faz critica profundas e estruturais a economia política, destacando esta como substrato teórico do capitalismo, como uma das mais importantes expoentes do status quo burguês.

No capitalismo, com a separação do trabalhador dos meios de produção, estabelece-se uma relação de dependência entre trabalhador e capitalista, que beneficia largamente o capitalista e aprisiona o trabalhador em uma forma de vida unilateral. O emprego no capitalismo torna-se “apenas” um meio de vida do trabalhador. Mas o capitalista ainda pode, de maneiras qualitativamente distintas, nos diferentes períodos de desenvolvimento do capitalismo impor-se como herói, que oferece trabalho e meios de existência ao trabalhador.

Por conta de tal relação em períodos de crise, os trabalhadores são levados a enxergar ao capitalista como parceiro e a outros trabalhadores, depossuidos de produção como ele mesmo, como adversários, com isso deixa de lado a dominação do capital sobre o trabalho. Isso dificulta sobremaneira as possibilidades de desenvolvimento de solidariedade entre os trabalhadores e a agir como classe, principalmente em períodos de crise do capitalismo. Desta forma os períodos de crise econômica não podem ser colocados mecanicamente como períodos revolucionários. Já, por outro lado, o capitalista sempre age como classe, e ainda, tenta impedir que os trabalhadores façam o mesmo.

O capitalista aproveita-se da luta entre os trabalhadores, para que a concorrência entre eles faça baixar os salários e aumentar os lucros. Com isso, o capitalista tenta pagar os menores salários possíveis. Desta forma, quanto mais trabalho disponível existir, mais o capitalista se beneficia, pois pode, com maior tranqüilidade, baixar os salários dos trabalhadores que é encarada como a taxa que o capitalista tem que pagar para utilizar-se das capacidades produtivas de outros seres humanos.

O trabalho não pode sobreviver sem objetos
Analisando as elaborações de Smith, Ricardo e Say, Karl Marx evidencia que o trabalhador foi convertido em mercadoria que produz mais mercadorias a baixo custo. Destaca que o trabalhador nunca recebe o valor integral do produto de seu trabalho. E que, nesse sentido, o trabalhador sempre entrará em uma relação de prejuízo com o capitalista proprietário de meios de produção e fornecedor de empregos e de misérias.

Marx destaca que é justamente por estar em condição de ser humano expropriado de meios de produção, que durante toda vida o trabalhador se vê obrigado e condicionado a engajar-se em luta dupla; 1º) pela manutenção de suas necessidades física-corpóreas básicas, e 2º) no sistema capitalista este trabalhador depossuido de meios próprios de produção deve lutar para manter-se empregado para alguém que possua meios de produção. Por intermédio da negação destas formas sociais que negam a realização humana, Marx conduz-nos a pensar a possibilidade de que todo ser humano possa ter livre acesso aos meios de produção para a satisfação das necessidades sócio-humanas.

Marx aponta que o trabalhador, despojado de meios de produção, tende a ser subsumido no interior da ordenação social do sistema capitalista. Isso tanto nos períodos de grande prosperidade social (como na hipótese do pleno emprego, na acepção de Keynes), como nos períodos de estabilidade (ou estagnação econômica) e principalmente nos períodos de crise econômica.

Marx destaca que os ciclos econômicos têm distintos impactos sobre as distintas classes sociais. Embora o trabalhador sempre entre em relação de prejuízo com o capitalista, não que dizer que tal relação seja estática, pois para o autor esta relação se altera historicamente de forma qualitativa, Marx destaca três tipos de situações recorrentes no capitalismo: a miséria crescente, miséria em diminuição e a situação de miséria estacionária. Nos períodos de miséria crescente (ou de crise) não apenas a multidão de trabalhadores quem sofre. O capitalista também recebe seus impactos, sofrendo economicamente em sua existência como investidor, proprietário de meios de produção, de mercadoria e como agente econômico. O trabalhador, por outro lado, sofre em sua existência física-material objetiva, ou seja, enquanto ser orgânico-natural, que é privado do essencial à manutenção de sua existência física cotidiana. Desta forma, na relação imediata com o capitalista o trabalhador sempre perde (mais valia), mas em momentos de crise perde mais ainda, pois arrisca gravemente a continuidade de sua vida. Nesse sentido, Marx define o emprego na sociedade capitalista como o intermediário entre o ser humano despossuído de meios de produção e a realização de suas necessidades naturais, sua própria existência física.

Mas se em momentos de crise, de intensificação dos monopólios, e de expropriação dos pequenos capitalista pelos grandes capitalistas, o trabalhador sob dominação da burguesia tem sua existência arriscada, em momentos de prosperidade produtiva e desenvolvimento social geral essa possibilidade não é superada, mas apenas atenua-se.

Em momentos de grande prosperidade social, que pode conduzir a uma situação de falta de mão-de-obra disponível (matéria prima do capital) para ser explorada, pode haver aumentos salariais, mas estes não se efetivam sem contrapartidas, pois com salários mais altos os trabalhadores têm que produzir mais em grau de intensidade de trabalho e dedicação intensificado. Com isso faz-se com que o trabalhador aliene maior parte de suas capacidade e energias para a produção de mercadorias para terceiros, donde se desdobram três elementos importantes:

1º O trabalhador desgasta-se mais com maior rapidez, trabalha como máquina e diminui seu tempo de vida útil a produção de mercadorias/valores (entre os sintomas deste desgaste podemos destacar a ler-dort.

2º O trabalhador é privado ainda mais de suas liberdades e do livre emprego de suas capacidades física-psíquicas, bem como é apartado do convívio social.

3º O trabalhador, proporcionalmente, quanto mais produz menos retém para si mesmo, e mais aliena para outro que não ele . O aumento da produção não é revertido necessariamente em aumentos salariais ou benefícios diretos aos trabalhadores.

Além disso, pode-se destacar também, a utilização das capacidades humanas para produzir em troca do que comer, subalterniza-se os trabalhadores aos interesses dos possuidores de meios de produção, faz com que o ser humano consiga o sustento apenas por meio de uma atividade compulsória, contrária a seus interesses sócio-individuais. Ou seja, para conseguir ter acesso a alimentos, roupas e moradia o trabalhador, despojado de meios de produção vê-se obrigado a sujeitar-se a realização dos desejos e demandas do empregador possuidor de meios de produção. Este é apartado de sua liberdade genérica, que inclui produzir para além de sua subsistência imediata. Faz com que o trabalhador, convertido em empregado trabalhe como se fosse uma máquina qualquer a serviço do capitalista alugador de mão-de-obra, poder se escolha e de decisão, os trabalhadores são sempre os últimos na hierarquia social.

E, por outro lado, mesmo que o trabalhador esteja praticando uma atividade que lhe proporcione determinada satisfação, em períodos de aumento de demanda e pressão por maior produtividade, para que se realizem mais vendas e a empresa alcance maiores lucros, o trabalhador terá, quase que compulsoriamente que ceder a convocação da empresa. Desta forma, mesmo desenvolvendo uma função que lhe proporciona determinado prazer, o trabalhador ainda não está livre para exercê-la de acordo com sua vontade, pois não tem o controle sobre sua própria jornada de trabalho, mesmo na profissão que escolheu, se trabalha para outrem, não pode exercê-la com liberdade, de acordo com seu próprio ritmo ou individualidade, pois na condição de empregado sua atividade está sob controle de outro que não ele, entregue aos sabores do mercado, que faz também da atividade escolhida mesmo que livremente, uma atividade unilateral e compulsória.

Mesmo em tais condições, no trabalho, o trabalhador é considerado sempre como um apêndice da máquina, como um predicado da mercadoria que ele mesmo produz. Marx ainda destaca que tal contradição não se restringe ao local de trabalho, pois fora do trabalhão o trabalhador também é baixado a condição de um componente fabril.

Agrava a situação o fato de a escolha do emprego de acordo com a vocação está restrita a uma minoria. Desta forma a inevitabilidade emprego aos despossuidos de meios de produção, faz com que o emprego imponha-se como compulsório e sofrível, considerando que o ser humano, mesmo na mais ferrenha situação de subalternização continua ainda animal teleológico, ser insaciável.
A despossessão de meios de subsistência, e por conseqüência o entregar-se ao emprego, reduz o ser humano um ser que trabalha em troca da subsistência, este afirma-se como a mercadoria mais frágil do universo social e da imensa coleção de mercadorias que é a sociedade capitalista. É uma mercadoria sensível, consciente de sua liberdade potencial, de sua capacidade teleológica, mas quando está no trabalho não está para si, tal atividade compulsória faz-se sofrível sempre, pois contraria suas perspectivas (aspirações e planos) de objetivação de sua interioridade.

Essa subalternização no local de trabalho ao dono dos meios de produção, reproduz-se também fora da esfera do trabalho, pois o capitalista, que secreta e administra trabalho acumulado, adquire também imenso poder político-social. É claro que este só se faz poderoso porque fez-se possuidor de capital, e como ele, possuidor de poder de compra (e de mando). Poder este que, no capitalismo, nada pode se opor. O possuidor de capitais, com poder de mando e governo, acaba por administrar o trabalho social, criando para isso, sempre em favor próprio, um sistema social, jurídico, político e ideológico.

Marx destaca também que os capitalistas não são homogêneos, não se trata de um bloco social harmônico. Existem os grandes, os médios e os pequenos capitalistas, com poder de mando e influências hierarquizadas. As alianças estabelecidas entre este três extratos sociais são múltiplas (e por vezes voláteis). Os grandes capitalistas, como mais capital acumulado (que é trabalho não pago) é que têm maio poder social, estes têm vantagens não apenas sobre os trabalhadores de quem exploram mais valia, mas também sobre os médios e pequenos capitalistas. De forma geral, a partir do texto, pode-se dizer que: trabalhadores, pequenos e médios capitalistas são subordinados aos interesses dos grandes capitalistas.

Marx chama atenção para outro fator interessante a ser considerado ao analisa as relações de poder no capitalismo. Para o autor, os interesses dos capitalistas em grande medida subalternizam não apenas os trabalhadores, mas também, em diferentes medidas os pequenos e médios capitalistas. Então a ação social dos capitalistas está sempre em posição hostil à da maior parcela da sociedade. O poder dos grandes capitalistas, além de ser anti-proletário, é também anti-social e anti-democrático.

Nesse sentido, o capitalista estabelece sempre relação parasitária e utilitarista para com o restante da sociedade, da mesma forma como estabelece relações parasitárias e utilitaristas com a terra, seus produtos e da natureza de forma geral, o capitalismo, sobre a égide do burguês converteu tudo a valor de troca, tudo em mercadoria.

Marx reafirma ainda que sua contribuição para a compreensão desta realidade tem certa restrição, pois a propriedade privada, a separação entre trabalho, capital e terra, bem como entre o salário e o lucro do capital e a miséria do trabalhador são pressupostos já evidenciado pelos pressupostos da economia política.

Já sobre tais pressupostos, afirma Marx, é possível constatar que o trabalhador receberá sempre a menos parte do produto total, apenas o suficiente para manter-se vivo como trabalhador, e não como ser humano, desta forma se não trabalha não receberá o que comer. Situação esta agravada pela disputa entre os capitalistas, nestas condições os possuidores de meios de produção cada vez mais, guerreiam também entre si (e não apenas contra os trabalhadores), até expropriarem uns aos outros, estás disputas têm seu ônus maior sobre os trabalhadores, pois estes são os últimos na hierarquia social, assim recebem todos os impactos e efeitos das disputas econômicas-políticas.

Nesse movimento a “classe” dos trabalhadores aumenta e os capitalistas concentram-se em grupos menores, até que se expanda o mercado, abrindo novos ciclos produtivos e de acumulação, com períodos de pleno emprego dos fatores de produção. Marx acentua que nesse processo é possível distinguir claramente duas “classes” com interesses e poder social-político distintos e verticalizados, a “classe” dos proprietários e a “classe” dos trabalhadores despossuídos de meios de produção.

Também a economia política pôde fazer tal constatação, porém, segundo o autor, ela esquivou-se de explicar como se desenvolveu este processo social, por isso a burguesia e proletariado figuram como constituições mágica-abstratas sobrenaturais. Utilizando-se de fórmulas abstratas e leis gerais, a economia política deixa de lado, como dogmas incontest, a origem e essência da propriedade privada, da separação entre trabalho, capital e terra, assim como o faz em relação ao salário, lucro, capital e a miséria do trabalhador. Afirma o autor que a economia nacional “não nos dá esclarecimento algum a respeito do fundamento (Grund) da divisão entre trabalho e capital e terra” (p. 79). A concorrência, a ganância e o egoísmo são os princípios explicativos da desigualdade entre os seres humanos.

Sempre que há um aumento salarial conduzido pelas leis de mercado ocorre também um aumento de trabalho (absoluto ou relativo). Soma-se a isso que sempre que há um aumento salarial ocorre também um processo de diminuição (relativa ou absoluta) de restrição das liberdades humanas (um exemplo aumento de renda do trabalhador por meio do salário por peça). Com a intensificação e extensão da jornada de trabalho, mesmo que se tenha certo aumento salarial, acaba-se por encurtar o tempo de vida do trabalhador.

Nesse sentido, uma parte da classe trabalhadora acaba por engajar-se em extinguir-se a uma parte de si mesma. O que embora diminua o tempo de vida, acaba por fazer, sofrivelmente com que se libere postos de trabalho para outros proletários em situação de não-emprego e não-salário, por meio de tal reflexão, Marx constata que a classe trabalhadora sob dominação burguesa necessita “sempre de sacrificar uma parte de si mesma, para não perecer totalmente”. (p. 26).

Para que uma sociedade progrida é necessário que se tenham muitos seres humanos trabalhando, e muita mais-valia sendo convertida em capital. Sempre que se moderniza o processo produtivo aumenta a quantidade de trabalho não pago. A divisão do trabalho aumenta relativamente o número de trabalhadores disponíveis.

A divisão do trabalho aumenta a extração de mais-valia. E nessa relação os trabalhadores tornam-se cada vez mais dependentes de emprego, que é para Marx nos Manuscritos de Paris uma forma de trabalho muito unilateral e maquinal. O emprego tende a reduzir o ser humano a uma atividade abstrata e des-subjetivadora, restrita carente de sentido realizador, o ser humano dotado de capacidades e potencialidades múltiplas é reduzido à busca por alimentos, a trabalhar em troca do que comer. É forçado, por condições objetivas imposta homens (concentradores de meios de produção) a dedicar toda sua potencialidade à busca de meios para suprir as necessidades de sua barriga, é reduzido à busca da realização de necessidades naturais objetivas que se põe frente a este como compulsórias. Além disso, o ser humano despossuido de meios de produção, atirado ao mercado empregatício e ao salariato, torna-se também vitima principal das oscilações do movimento do capital e da economia do País onde vive, ao passo que esta é determinada pela especulação e dos interesses dos grandes e médios possuidores de capital, renda e terra.

Nesse sentido, o ser humano - trabalhador empregado – é obrigado a abdicar de autonomia e do controle de sua própria vida, abrindo mão de parte considerável de seu tempo de vida, de seu corpo, sua criatividade em beneficio de outro que não é o trabalhador. O ser humano despojado de meios de produção fica privado de uma infinidade de possibilidades de fruição e do não-emprego

Com o aumento populacional e o conseqüente aumento da mão-de-obra disponível para ser empregada e explorada, aumenta também a desvalorização do ser humano, principalmente dos que vivem da venda de sua própria capacidade de produzir coisas. Com o aumento do número de seres humanos exploráveis desvaloriza-se o próprio valor do aluguel das capacidades humanas, caem os salários e faltam empregos. Desta forma, estabelecesse uma relação de inversão, pois sempre quando há aumento populacional é possível verificar o declínio dos salários e a pauperização das condições de vida dos seres humanos que só possui a força de trabalho como meio de troca. O ápice desta relação é o sistema produtivo fabril seriado, que ao potencializar a capacidade produtiva humana, faz também, por outro lado, aumentar a mão-de-obra excedente, disponível para ser explorada, o que por sua vez também conduz a um declínio dos salários.

O autor também destaca que mesmo em período de grande prosperidade social, ou desenvolvimento progressivo, períodos em que pode haver aumento da população assalariada ou aumentos salariais, não são os trabalhadores os maiores beneficiários, a regra geral do capitalismo determina que o trabalhador não pode ser o beneficiado no sistema capitalista. O trabalhador entre sempre numa relação ganha-perde. A estruturação do capitalismo não o permite que o trabalhador seja o maior beneficiado com o capitalismo, mas este processo não pode ser simplificado.

Em períodos de grande prosperidade social os capitalistas são quem ganham mais. Porém nestes períodos, em que há concentração maior de capital e riquezas (terras, máquinas, tecnologias e especulação), desenvolve-se também como conseqüência factível, um processo em que capitalistas expropriam outros capitalistas (e não ‘apenas’ trabalhadores), com isso, uma parte dos pequenos capitalistas acabam por se arruinar, e ainda, terminam por baixar à condição material-objetiva da classe trabalhadora, diminuem sua influência, status, poder de consumo e influencia no sistema produtivo-regulatório e logo, de dominação.

Estes pequenos capitalistas que se arruínam e baixam á classe trabalhadora vão disputar cargos com trabalhadores despossuidos de meios de produção. O que por sua vez faz aumentar o contingente de trabalhadores disponíveis a exploração, e este aumento de contingente na “classe” faz novamente com que caiam os salários dos trabalhadores e deflagre-se processos de demissões e eliminação de postos de trabalho e. E no processo total, de forma mais ampla, poucos e grandes capitalistas obtêm maiores lucros e também maior controle social. Ao passo que aumenta a pobreza e outros males que assolam os despojados de meios de produção.

Também, quanto mais trabalhadores disponíveis ao capital, menor é a concorrência entre capital e trabalho, considerando que o número de capitalistas diminui objetivamente (numericamente). Antes disso, nesses períodos excesso de mão-de-obra disponível ao capital e falta de empregos, intensifica-se a luta entre os próprios trabalhadores. Esta faz também agudizar podendo assumir inclusive formas de manifestação violentas (pode-se aumentar os roubos, seqüestros, extorsão, assaltos e assassinatos, abrem-se períodos de intensa disputa em que o pobre projeta-se contra o pobre. Nesses processos “uma parte da classe trabalhadora (Arbiterstand) cai, assim, necessariamente na classe dos miseráveis ou mortos de fome (Bettel-oder verhungerungstand), tal como uma parte dos capitalistas médios [decai] na classe trabalhadora”. (p. 27).

Entre as frações da burguesia também intensificam-se as disputas, estas são expressas também pelo aumento dos crimes de colarinho branco, mais comum a tal fração social, pode-se observar então o aumento das falências fraudulentas, lock-aut, disseminação do golpes políticos, corrupção, estelionato, chantagens, desvios de recursos, superfaturamentos, etc.

Por outro lado, em períodos de riqueza progressiva, período em que podem decorrer aumentos salariais como forma de fazer com que os despossuidos de meios de produção engajem-se com ímpeto na produção, pode-se fazer com que desperte objetivamente no também no trabalhador um modo de ser característico do capitalista, no trabalhador também desenvolve o desejo de acumular por meio do trabalho extenuante, da avareza ou poupança exacerbada. Nos termos de Marx “(...) desperta a obsessão do enriquecimento [típica] do capitalista”. (p. 27). Porém para dar vasão a tais desejos, o trabalhador despossuido de meios de produção necessita sacrificar seu corpo e seu espírito, engaja-se ativamente na destruição e perecimento de seu próprio corpo, de seu espírito e de suas relações sociais, que passam a ser centradas predominantemente nas relações de produção.

Nesse sentido, o trabalhador acaba por colaborar par o fortalecimento do capitalistas e do mundo exterior que o defronta hostilmente, pois há de se considerar que nos períodos de riqueza social progressiva só são concedidos aumentos salariais por que foi verificado aumento produtivo, aumento dos lucros e principalmente falta de mão-de-obra disponível para ser explorada, que possa trabalhar a baixos preços, com isso, por outro lado, aumenta a acumulação do capitalista e a concentração de renda. Fortalece-se o mundo das coisas que se volta contra os despossuidos de meios de produção.

Nestas condições o trabalhador é reduzido à condição de máquina (e esta torna-se então sua concorrente direta). O que problematiza tais períodos de riqueza social progressiva é que estes no capitalismo sempre gestam no interior de seu processo os períodos de crise, recessão e desemprego em larga escala. Com a prosperidade social crescente, aumenta também o desejo capitalista de domínio dos mercados para potencialização dos lucros pessoais e de maior concentração de capitais. Soma-se a isso que ao constatar a falta de mão-de-obra e o encarecimento desta mercadoria, segue-se a introdução de máquinas e tecnologias, como forma de poupar trabalho e aumentar a extração de mais valia e sair na frente de outros capitalistas. Aumenta-se com isso o desemprego e baixa-se os salários, além disso, geram-se cisões no seio da “classe” trabalhadora.

A situação de desenvolvimento social progressivo, de crescimento econômico e “pleno emprego dos fatores de produção” é em curto prazo menos prejudicial ao trabalhador, pois são períodos marcados pela miséria estacionária do trabalhador (p. 30), a fome é controlada, mas tal quadro é sempre conjuntural (1850 – 1870, 1940 - 1970), sendo que em longo prazo sempre perde mais o trabalhador, pois haverá sempre, nestas situações, além da degradação acelerada dos trabalhadores (física e espiritual), tem-se também maior concentração de capitais, o que por sua vez leva a intensificação da concorrência entre capitalistas e a introdução de técnicas e tecnologias que poupam trabalho, dispensam trabalhadores e aumenta o contingente de seres humanos desempregados que não tem com manter-se vivos, o que é agravado pela quantidade de pequenos capitalistas arruinados que baixam a condição da classe trabalhadora e lhes “tomam” os postos de trabalho.

Segue-se a tais períodos a degradação das condições de vida da população que vive da venda de sua força de trabalho, com possível esgarçamento das relações sociais, com aumento da mendicância, indigência, e da mortalidade infantil e de idosos, com possível diminuição da taxa de natalidade. Também pode ser que se verifique em tais conjunturas aumento de roubos, assaltos, com processos de intensa disputa por alimentos e por manter-se vivo a todo custo, em que trabalhadores (desempregados) e sem renda projetam-se contra o pobre, ou se entregam a toda sorte de trabalhos degradantes e arriscados em troca de ‘um prato de comida’.

Na sociedade em situação regressiva, com taxa de natalidade negativa, com conseqüente falta de mão-de-obra disponível, aumenta-se os salários, porém o trabalhador tem que trabalhar e produzir em larga escala, dobrando, triplicando resultados, desta forma expande-se a miserabilidade das condições de vida, de ser no mundo (Dasein), do ser humano em condição de trabalhador.

Na sociedade em situação progressiva, com aumento populacional acima do necessário a ocupação dos postos de trabalho, baixa-se os salários, aumenta a concorrência entre os trabalhadores. Também aumentam a miséria, a fome, os saques a violência policial, e também a violência dentro da própria classe, enquanto, por outro lado, o capitalista enriquece.

Na sociedade estacionária, situação de pleno emprego dos fatores de produção, tem-se certo controle da miséria, fome, desemprego. (p. 28). Os capitalistas vêem-se obrigados a pagar maiores salários para assegurar que a produção e a extração de mais valia se efetive, para que assim as vendas e os lucros se realizem. Os salários aumentam em situação de falta de mão-de-obra posta objetivamente. Mas o capitalista sempre busca assegurar a extração de mais valia, assim em troca de um reajuste salarial exige-se a multiplicação dos ‘resultados do trabalho’, o que por sua vez tende a fazer aumentar a miserabilidade objetiva dos que necessitam vender sua força de trabalho para sobreviver, o esgotamento do empregado no ato da produção torna-se uma imposição do capitalista sobre o trabalhador, aumenta-se substancialmente a miséria humana. Sobem os salários, mas sobem também os preços das mercadorias, tudo é comprado com trabalho, mas justamente o trabalhador despossuido de meios de produção, mesmo sendo a fonte finita de trabalho, só pode comprar o mínimo para sua existência animal-natural.

O trabalhador embora em condição de subalternização é também sujeito ativo no processo de coisificação de si mesmo. Para Marx o ser humano é sempre sujeito em suas múltiplas relações sociais, mesmo que esteja em condição de subalternização. Este é protagonista central na produção de um mundo objetivo social geral, como síntese de múltiplas determinações e externalizações, que se voltam contra o trabalhador despossuido, realidade estranha que se fortalece cada dia mais, a cada ato do seres humanos não-proprietário, mas que trabalham durante toda sua vida. No capitalismo acontece uma forma de apropriação (e usufruto) individual da mais-valia produzida socialmente. Desta forma, o trabalhador produz uma série de objetos dos quais não pode apropria-se e fazer uso, pois produz em beneficio de outro que não ele.

O trabalhador ao conferir materialidade humanizada e útil aos produtos, ao empregar seu saber fazer em forma vendáveis, em fim, ao objetivar seu trabalho em troca de sua existência física-natural como trabalho eminentemente humano, como o faz para outro, alienando-se qualitativamente e quantitativamente dos resultados, torna-se dependente e servo do produto originário de seu trabalho. A ‘criatura’ constituída por habilidades humanas fixou em si objetivações humanas (mercadoria), e agora sob domínio de outro que não o trabalhador, sobrepõe-se ao seu ‘criador’. O trabalhador produz objetos que não pode adquirir e consumir, não pode usufruir os frutos de seu próprio trabalho. Produz então para outro que não ele mesmo.

Tanto esses produtos voltam-se contra o trabalhador, como criaturas estranhas, que em várias circunstâncias e períodos histórico-sociais o trabalhador é privado inclusive da apropriação de produtos imprescindíveis a manutenção de sua vida como ser natural, compromete-se sua existência física-natural. Este é o ápice da objetivação que se impõe como perda do objeto. “A objetivação tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é despojado dos objetos mais necessários não somente á vida, mas também dos objetos do trabalho”. (p. 81).

O trabalhador é apartado não apenas dos objetos necessários ao exercício de seu trabalho, mas também, ao mesmo tempo, de sua capacidade física-corpórea adquirida, de produzir coisas, que no ato empregatório, em troca de salário, passa a pertencer a outro fora de si. O trabalhador torna-se um objeto expropriado do sujeito que trabalha, uma vez que suas capacidades no ato da produção não lhe pertencem. (Coloca-se a questão o que fazer para que os produtos de meu trabalhão me pertençam de fato?).

Por meio de tal problematização, Marx destaca no 1º manuscrito de Paris que quanto mais o trabalhador produz, mais tem que se entregar ao capital, e alienar-se de capacidades naturalmente suas, entrega-as ao possuidor de meios de produção. Estes produtos, em posse do capitalista (comercializador), passam a ser cerceados por lojas, catálogos, vitrines e embalagens, comerciai e crediários, faz-se com que todos estes produtos da industriozidade humana encenem no mundo social de forma independente do trabalhador, são apresentados como produtos oriundos de marcas e slogans, e não de trabalho humano, fantasia-se a forma produto sem os produtores, produtos com origem mistificada que hostilizam seres humanos destituídos de poder de compra. Mesmo que se tenha poder produtivo-fabricador não se tem o poder de aquisição necessário para a fruição.

Ora, então em período de ‘pleno emprego dos fatores de produção’ e de prosperidade social, em que os trabalhadores produzem em grandes quantidades não figura como momento de maior liberdade e felicidade para o trabalhador, nem no ato da produção e nem como consumidores, pois quanto mais se produz menos se poderá comprar, mais poderoso se torna o mundo das coisas e mais pobre se torna o ser humano, e a inda nesse processo social complexo o trabalhador pertence cada vez menos a si mesmo. O mundo alheio e ofensivo é criado, recriado e expandido pelo próprio trabalhador subalternizado aos desejos e necessidades dos detentores dos meios de produção e do domínio social.

Assim, quanto mais necessita de um emprego para manter-se vivo, mais dependente do burguês o trabalhador se torna. O trabalhador torna-se cada vez mais pobre, cada vez menos dono de seu corpo, de suas vontades, e da realização de suas múltiplas necessidades. É empobrecido objetivamente, pois foi apartado do produto de sua objetivação, e também é empobrecido por não poder utilizar suas capacidades industriosas para si mesmo da forma como deseja e necessita. Esta capacidade no capitalismo não lhe pertence, foi-lhe roubada, suas capacidades pertencem a outro que não ele.

O trabalhador dedica sua vida, sua existência a produção de objetos que ficam sob poder de outro, produz milhares de carros ao longo de sua vida, mas não pode possuir nenhum, produz palácios e mansões, mas é forçado a morar em favelas e COHABs, ao longo de uma vida de trabalho continua cotidianamente a receber em troca de seu trabalho apenas o indispensável a manutenção de sua vida; para que coma beba e procrie, com isso uma multiplicidade de seus desejos e necessidades sócio-históricas são frustradas. Porém a culpa de tal participação nos resultados do que produz recai apenas sob o trabalhador, e não sob a divisão social do trabalho e sob as formas de apropriação dos frutos do trabalho social.

Perde o produto acabado, e com ele perde também todo o trabalho objetivado que se vai junto com a mercadoria. Uma vez objetivado o produto do trabalho entra na esfera da circulação e do comércio assume formas fantasmagóricas, autônomas em relação ao produtor, autonomia sempre hostil que se volta contra o trabalhador. O trabalhador é despossuido de capital necessário para fruir dos produtos produzidos socialmente o trabalhador trabalha, mas não acumula trabalho, quem acumula trabalho em forma de capital é o capitalista, que se torna cada vez mais proprietário das capacidades produtivas do trabalhadores.

A mercadoria, em posse do capitalista, passa a existir fora do trabalhador e independente dele e de suas vontades, desejos e necessidades. A mercadoria torna-se uma potencia social autônoma diante dos despossuidos de capitais. Esta figura atua como forma de existência independente que vem se relacionar com os seres humanos. A esfera da produção e do consumo são hierarquizadas, os trabalhadores mesmo produzindo produtos de primeiro escalão (bens de consumo duráveis e bens de produção) não podem consumi-los, adentram a esfera de consumo de forma subalternizada.

A economia política desconsidera que o trabalhador trabalha para realizar desejos e necessidades humano-sociais históricas e múltiplas, concebendo como natural e funcional que o trabalhador satisfaça por meio do aluguel de suas capacidades e de sua vida, apenas o essencial a sua existência animal-natural, ou seja, apenas enquanto produtor de mercadorias. A Economia Política entende o trabalho humano como produto da produção e não do trabalhador.

O ser que se apropria do trabalho objetivado é outro ser humano estranho ao trabalhador, relaciona-se com ele como inimigo, poderoso, independente dele, é senhor do objeto e de seu produtor (o ser humano que vive da venda de sua força de trabalho). Esta põem-se como “atividade não-livre (...) atividade a serviço de, sob domínio, a violência e julgo de outro homem”. (p. 87). A produção e reprodução da vida põem-se como castigo histórico hereditário e imutável na ordenação do capital, uma repetição cansativa e monótona.

Ainda, o produto do trabalho que se volta contra o ser humano é apenas o resumo do processo produtivo, fora este tem-se ainda uma série de outras conseqüências negativas da produção capitalista, sendo a principal o estranhamento (entfremdung) . Este não se restringe ao objeto (sujeito-objeto) produzido ou ao ato da produção, mas se estende também as relações sociometabólicas, outros seres humanos passam também a ser vistos como estranhos, como inimigos a seres subalternizados (p. 87).

Porém para Marx é verdadeiro afirmar que todas as formas de opressão social têm por base a opressão no local de trabalho, o mandonismo do capitalista sob o trabalhador, tais relações difundem-se na sociedade do salariato, para o trabalho e para o não-trabalho e para as formas de lazer. As formas de opressão geral são projeções e extensões desta que se desenvolvem e se disseminam a partir das relações fundamentais primeiras, ou seja, a base de todas as formas de opressão são as quatro formas de estranhamento.

O possuidor de meios de produção (o não-trabalhador) “faz contra o trabalhador tudo o que o trabalhador faz contra si mesmo”. Nesse sentido o possuidor é co-autor da miséria sócio-histórica do trabalhador despossuido dos meios de produção. Porem, o possuidor de meios de produção, o burguês, acaba também, em determinada medida, ficando relativamente exposto aos elementos da barbárie social que ele mesmo cria, uma vez que se trata do mesmo mundo social de classes. Uma totalidade social que se estranha.

Porém, o capitalista, “não faz contra si mesmo o que faz contra o trabalhador” (p. 90). O capitalista não é, como no caso do trabalhador, totalmente privado de desenvolver suas potencialidades, não é obrigado a uma forma de desenvolvimento social determinada, muito unilateral e maquinal, também não é reduzido às carências de sua barriga e a uma atividade abstrata que lhe consome a maior parte de seu tempo de vida.

 
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