Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O trotskismo no Brasil (1928-1964) - Osvaldo Coggiola

(In: Corações Vermelhos (os comunistas brasileiros no século XX). São Paulo: Cortez, 2003, p. 239-269.)

No final da década de 1920, quando diversas frações surgidas no interior dos partidos comunistas latino-americanos se aproximaram da Oposição de Esquerda Internacional encabeçada por Leon Trotski, teve lugar o nascimento do trotskismo no Brasil. Em 1928 houve abalos sérios no Partido Comunista do Brasil (PCB). O embrião do trotskismo provavelmente surgiu em 1928, com a rebelião da célula 13 do PCB, no Rio de Janeiro, sob liderança de João da Costa Pimenta, antigos militantes presentes ao congresso de fundação do partido, e dirigentes da Federação sindical regional do rio de Janeiro, lideraram a Oposição Sindical que terminaria por excluir-se do Partido. As divergências se situavam em torno da política sindical adotada pelo partido. Aqueles dirigentes acusavam-no de converter os sindicatos em instrumento político: “Como o partido era ilegal, a táctica da direção consistia em fazer dos sindicatos meros órgão de expressão legal de sua política. As sedes dos sindicatos dirigidos por comunistas eram transformadas em células partidárias”. (Pedrosa, 1947). Segundo esses dirigentes, a orientação podia revestir de aspectos grotescos: “Nessa época, a palavra de ordem do partido em qualquer greve era sempre ´libertação de Thaelmann´. Imagine: os operários tinham que gritar isso”. (Mario Pedrosa, in Maia 1980)”.
Por outro lado, um grupo de intelectuais, descontentes com a orientação geral do partido, com o que consideravam excesso de nacionalismo, e também discordando da proposta de aproximação com a Coluna Prestes, rompeu com a liderança do partido. Eram nomes de destaque, entre eles Lívio Xavier, Flúvio Abramo e Rodolfo Coutinho. O primeiro era escritor e aderira ao Partido Comunista no ano anterior, segundo Dulles, tinha contato com a oposição anti-stalinista do partido comunista francês. Rodolfo Coutinho era nome influente no partido, membro do CC, tinha sido membro suplente da Comissão Central Executiva (CCE) eleita no Congresso de Fundação do PCB, em 1922. Ambos tinham muita influencia na Juventude Comunista e atraiam para suas posições Hilcar Leite, então com dezesseis anos, e Aristide Lobo. Segundo Leandro Konder, “ecos das concepções de Trotski poderiam ser identificadas nas criticas feitas à linha de Astrojildo [Pereira] por Rodolfo Coutinho, Lívio Xavier, e outros” (Konder, 1981). Rodolfo Coutinho, à época, já tinha conhecimento (ainda que precário) das teses da Oposição de Esquerda. Delegado do PCB no V Congresso da Terceira Internacional, em 1924 – quando o partido obteve seu reconhecimento -, demorou-se na Alemanha até 1927, entrando em contato ali com militantes oposicionistas. De volta ao Brasil, reintegrou-se à CCE, para a qual havia sido eleito suplente no I Congresso do PCB. Foi então encarregado da organização dos trabalhadores rurais do Rio de Janeiro e escrevia para o jornal A nação, controlado pelo PCB. Com os acontecimentos do ano de 1928 Rodolfo Coutinho demitiu-se da CCE no dia 27 de abril e se afastou do partido em 8 de maio. Por outro lado, sua influencia na Juventude Comunista (JC) acabou fazendo com que a crise também a atingisse e logo no seu nascedouro. Aristides Lobo, que trabalhava pela organização da JC em São Paulo, passou para a Oposição, e quatro membros da CCE da JC romperam com a direção, entre os quais Hilcar Leite.
A dimensão do impacto na vida partidária dessas cisões pode ser avaliada pela decisão da CCE de editar uma revista destinada ao debate das questões levantadas. Em um documento interno, era assim apresentada:

“A CCE declara aberta a discussão interna, entre os membros do partido, acerca das questões de ordem política, sindical orgânicas, e outras, de interesse do partido e que possam constituir material de estudo para o III Congresso [do PCB]. Para este fim, a CCE decide criar um órgão especial de discussão, a ser divulgado exclusivamente entre os membros  do partido, até a reunião do III Congresso” (Pereira, A., 1979? 131).

Da revista Auto-Critica se publicaram oito números: Astrojildo Pereira, no texto citado, atribuiu a decisão da CCE ao acúmulo de criticas e divergências, e ao surgimento de um “movimento de oposição organizada abrangendo algumas dezenas de membros do partido”. De nenhum dos dois grupos restou uma organização, fora ou dentro do partido (Astrojildo Pereira, 1976:159), que fala das “oposições”, mas não as vincula ao trotskismo, relatou que “o novo Comitê Central ficou encarregado de examinar a questão da readmissão ao partido na base de declarações individuais”), mas foi entre esses elementos que os documentos da Oposição de Esquerda Internacional obtiveram repercussão. Eles foram enviados, da Europa, por Mario Pedrosa. Edgard Carone refere-se a este, junto com Lívio Xavier, Leôncio Basbaum e Mário Grazini, como membros da primeira geração de formação marxista do PCB. Sua posição de destaque no partido, na época, era ilustrada pelo fato de se encontrar, em 1929, na Alemanha, a caminho de Moscou, para estudar no Instituto Marx-Engels-Lenin. Tendo entrado em contato com os documentos (e os militantes) da oposição de esquerda na própria Alemanha, desistiu da viagem e rumou para Paris. De lá enviou documentos e publicações para o Brasil, onde Lívio Xavier, Hilcar Leite e Rodolfo Coutinho, entre outros, aderiram às posições dos já chamados “trotskistas”. Quando voltou da Europa, Mario Pedrosa trazia consigo o programa dos oposicionistas de esquerda:

“Mandado pelo PCB, em 1928, para a escola Leninista de Moscou, Mário Pedrosa, ao chegar na Alemanha, adoeceu, ficando sem condições de seguir imediatamente para a Rússia. Estagiou em Berlin, militando no PC alemão, e participou dos combates de rua contra os nazistas. Vai a Paris, onde trava contato com Benjamin Péret, Pierre Naville, e outros escritores integrantes do movimento surrealista. De volta a Berlin, correspondeu-se com Naville (então diretor da revista Clarité) e ligou-se aos oposicionistas alemães. Tomando o partido de Trotski, resolveu abandonar definitivamente o projeto de estudar em Moscou” (Pedrosa, in: Marie, 1981:7).

Regressando ao Brasil em fins de 1929, foi expulso do PCB devido às suas “ligações europeias”. Começou-se a trabalhar então para estabelecer vínculos entre a oposição brasileira e o movimento internacional.
Pedrosa logrou reunir elementos daqueles dois grupos na formação do Grupo Comunista Lênin, que a partir de maio de 1930 aditou o jornal A Luta de Classe, no Rio de Janeiro. O grupo agia com a mesma orientação dos agrupamentos semelhantes em outros países; voltava-se para os “elementos de vanguarda” da classe operária e propunha-se a alterar a linha política do PCB, conforme se vê no editorial do primeiro número de A Luta de Classe, onde se afirma que o jornal não visa combater o PCB, mas reintegrá-lo “na linha que se traçou por ocasião de sua fundação.” É só em janeiro do ano seguinte, no dia 21  e “comemorando a data de morte de Lênin” que se formaliza a existência da Liga Comunista Internacionalista (oposição leninista do Partido Comunista do Brasil – Seção Brasileira da Oposição de Esquerda Internacional). Além do jornal A Luta de Classe editavam o Boletim da Oposição, que tinha por função “estreitar a ligação entre o proletariado revolucionário e a Oposição Internacional, fração de esquerda da IC”.
A nova organização, com base no Rio de Janeiro e em São Paulo, vive por toda a primeira metade da década de 1930 e exerce considerável influencia nos sindicatos, chegando a controlar a União dos Trabalhadores Gráficos (que tinha sido fundada por João da Costa Pimenta, membro fundador da Liga) e por meio da Federação dos Sindicatos, em várias categorias: marceneiros, metalúrgicos, comerciários, tecelões. A influencia dos trotskistas em vários e importantes sindicatos paulistas fica confirmada pelo comentário publicado em 31 de agosto pelo órgão da Internacional Sindical Vermelha:

“Os trotskistas apoderaram-se da liderança de muitos sindicatos – não apenas os pequenos, mas também de algumas importantes organizações, como a recém-formada união dos trabalhadores em estações elétricas e transportes com milhares de membros – e o velho sindicato revolucionário dos gráficos. Também ganharam definida influencia no Sindicato dos trabalhadores Têxteis de São Paulo”.

Desde o seu início, a Liga alertou para o perigo representado pela política varguista para o movimento operário:
“O Ministério do Trabalho foi criado especialmente para exercer um trabalho contínuo de mistificação entre os operários. A policia política não poderia realizar a tarefa do Ministério do Trabalho, mas este não é menos infame do que aquela, e está a merecer a hostilidade permanente do proletariado. Não há sindicato em São Paulo e no Rio que não tenha sentido claramente quais os verdadeiros objetivos desse órgão ‘técnico’ da administração burguesa ‘revolucionária’.”

Pierre Broué informa sobre a atividade de Plínio Gomes de Mello,

“jornalista, organizador das Juventudes Comunistas, membro do partido em 1927, enviado ao Rio Grande do Sul para ser candidato do Bloco operário e Camponês. Detido e golpeado, fugiu para Montevidéu, onde participou em maio de 1930 na reunião do Boreau Latino-Americano da Internacional Comunista. Excluído por sua posição política do ‘Terceiro Período’, reorganizou legalmente o PCB em São Paulo em novembro de 1930, o que lhe valeu a acusação de ‘renegado’ e ‘trotskista’. Aderiu à Oposição de Esquerda em 1931, e dirigiu em São Paulo a grande greve da Light & Power, sendo detido pela policia. Nos anos seguintes foi um dos dirigente do Sindicato dos Jornalistas”.

Datam dessa época os contatos que Aristides Lobo e depois Mário Pedrosa buscaram manter com Luis Carlos Prestes. Aristides Lobo foi enviado em 1930 a Buenos Aires para discutir com Prestes, tentando convencê-lo tanto a ingressar no PCB, como a defender no seio deste as orientações da Oposição de Esquerda. De acordo com Michel Lowy (in Sader, 1980: 28).

“durante certa fase, Prestes parece atraído pelas teses trotskistas, e é possível que Aristides Lobo tenha influenciado alguns dos textos que o ‘Cavaleiro da Esperança’ publicará no decorrer de 1930, particularmente o Manifesto de Agosto no qual anuncia a criação de uma organização, a Liga de Ação Revolucionária (LAR), que se propõe a dirigir a insurreição proletária e camponesa, numa frente única com o PCB. Nesse documento, Prestes já reconhece a necessidade da hegemonia do proletariado, para que a revolução não conheça uma derrota como na China e no México. Em artigo autobiográfico publicado em 1973, Prestes afirma que esse manifesto continha opiniões ‘tipicamente trotskistas’, de fato, o texto corresponde ao período de maior aproximação entre Prestes e o trotskismo. O PCB rejeitará a LAR como empresa ‘confusionista’, e a nova organização não conseguirá implantar-se no país, limitando-se a um círculo de amigos de Prestes no exílio.”

Preste deu ouvidos a Lobo no inicio, fazendo-o seu conselheiro político. Existem versões que atribuem à pena de Lobo o famoso Manifesto de Agosto de Prestes, conclamando a uma insurreição nacional antiimperialista: Lobo chegou a ser, junto com o ‘tenente’ Siqueira Campos, um dos quatro dirigentes da LAR criada por Prestes para os fins enunciados no manifesto. Os rivais stalinistas da LCI aproveitaram, aparentemente, uma ausência de Lobo, enviado por Prestes a estudar a situação no Rio Grande do Sul, para convencer Prestes de unir-se ao PCB, não sem antes criticar o “Manifesto”, repudiar o “trotskismo” e dissolver a LAR.
Ainda em 1930, circulou o Boletim Internacional da Oposição de Esquerda da Terceira Internacional, registrando a convocação e adesão de dezessete organizações de diferentes países – entre elas o grupo brasileiro – para um encontro que lançaria a Oposição Internacional, o que acaba acontecendo em abril desse ano, em Paris, com a criação de um bureau e de um secretariado (Marie, 1975:6). Foi, na verdade, em conseqüência desse fato que o Grupo Comunista Lênin, em São Paulo, transformou-se em Liga Comunista Internacionalista: no ato de fundação estavam presentes Aristides Lobo, João Mateus, Manuel Medeiros, Mario Pedrosa, Benjamim Péret (poeta surrealista francês que se encontrava a época no Brasil), Lívio Xavier e outros. Posteriormente, deu-se o mesmo no Rio de Janeiro, com participação, entre outros, de Rodolfo Coutinho, João Dalla Dea, Otavio du Pin Galvão e José Neves, assim como Salvador Pintaude (diretor da Editora Unitas, responsável pelas primeiras traduções de livros de Trotski para o português). O jornal A Luta de Classe transformou-se em seu órgão teórico e, além dele, a Liga passou a editar, como foi dito, o Boletim da Oposição. No seu primeiro número em janeiro de 1931, o Boletim da Oposição apresentou sua análise sobre a revolução de 1930 e sobre o movimento comunista internacional. Fiel aos princípios da Oposição trotskista, declarava-se em luta pela regeneração do PCB. Em fins de 1933 os trotskistas criaram a Coligação dos Sindicatos proletários, organização que procurava unificar o movimento sindical em São Paulo, segundo Robert Alexander, os trotskistas tinham nessa época mais influencia sindical que o PCB. Confirmando, Prestes acusava “a traição dos chefes trotskistas e anarcosindicalistas, que não souberam conduzir o proletariado à vitória nas greves de 1931 e 1932” (Prestes, 1935).
A diferença do PCB, a LCI realizou uma verdadeira análise da revolução de 1930: “a economia nacional exprimiu-se, pela primeira vez, sob uma forma bastante nítida, em outubro de 1930, com a revolta de suas forças produtivas contra a hegemonia da economia cafeeira... Sem cair no erro da direção burocrática do PCB (que identifica) cada um dos grupos políticos em luta com os dois grupos Imperialista, que agem como um fator externo à luta de classes no Interior do País, o processo de diferenciação política das classes, que decorreu do movimento, reagiu por sua vez sobre a própria base social, alargando-a e preparando ocasiões para a intervenção independente do proletariado na luta partidária”. Após uma análise do problema da unidade nacional do Brasil, a LCI colocou a reivindicação de Assembléia Constituinte, o que lhes valeu a qualificação de “lacaios do imperialismo” por parte do PCB (que teriam recebido ainda que dissessem outra coisa). Para a LCI, as reivindicações democráticas decorriam da estrutura mesma do país: “o desenvolvimento combinado da nação que se industrializa, no quadro da economia colonial, impede que as formas de dominação política da burguesia se façam nos quadros normais da democracia, isto é, as palavras de ordem democráticas transformam-se em arma na mão do partido do Proletariado, que congrega assim as massas oprimidas”. O PCB, como se sabe, considerou a revolução de 1930 um simples episódio da luta interimperialista, o que isolou totalmente o partido da situação política e provocou uma crise nas suas fileiras (Leôncio Basbaum, entre outros, criticou o primarismo e esquematismo da análise do PCB).
A LCI defendia uma Assembléia Constituinte a partir da análise que fazia da formação histórica brasileira e das tarefas políticas decorrentes no período contemporâneo, ou seja, do entendimento que o proletariado deveria possuir da Constituinte e da pratica daí derivada. Para a Liga, seria uma espécie de Constituinte do proletariado, a se diferenciar da Constituinte da burguesia e da pequena burguesia. Como isso seria possível? Lutando, o proletariado e o PCB, pela formação de soviets (conselhos) paralelamente á Constituinte, e por autonomia municipal, possibilitando a gestão direta do povo. O quadro social e político pós 1930, no entender da Liga Comunista Internacionalista, dava certos contornos que possibilitavam a compreensão de alguns possíveis desdobramentos não interessantes ao proletariado, a não ser que o PCB realizasse uma guinada na sua política. Se para a Liga Comunista, os acontecimentos de 1932 diziam respeito à unidade política do País no âmbito da própria classe dirigente, a unidade nacional efetiva somente poderia ser realizada pelo proletariado.

“As forças produtivas do Brasil não podem mais desenvolver-se, na escala nacional, sob controle da burguesia e a tutela opressora do imperialismo. Só a ditadura do proletariado poderá, libertando o Brasil das garras do imperialismo, conservar a unidade nacional, de modo a garantir o desenvolvimento harmonioso das forças produtivas em todo o país, e o melhoramento sistemático das condições de vida das massas exploradas. A luta pela unidade nacional é assim uma luta direta contra o imperialismo e contra a burguesia secessionista”.

A colonização imposta pela metrópole portuguesa tinha impedido uma organização econômica estruturada da pequena propriedade, por não ter florescido em seu propósito a ideia de territórios livres, de colonos livres: “A classe dos pequenos proprietários, fator da pequena produção geralmente anterior ao regime capitalista, e cuja expropriação e um dos fatores determinantes deste, não pôde se desenvolver na formação econômica do Brasil. O Estado brasileiro se caracterizou sempre por um esquematismo de classe”. Esse regime de produção, que gerou a escravidão no Brasil, em outro momento do seu desenvolvimento a superou, abrindo um espaço específico para suas relações com o capitalismo europeu, sobretudo o inglês. A burguesia brasileira, à diferença da européia, tinha sua origem no campo, não no meio urbano:

“O formidável desenvolvimento da cultura cafeeira é tipicamente um desenvolvimento capitalista. A investigação da produção cafeeeira permite deslindar os segredos do capitalismo brasileiro, suas já ditadas especialidades com a escravidão, e sua ruptura qualitativa com a imigração do trabalhador assalariado. Resolvida a contradição escravo/produção propriamente capitalista, com a geração do valor possibilitada agora pela presença do trabalhador assalariado, todas as condições necessárias para a grande exploração estavam reunidas: terras virgens, ausência de rendas fundiárias, possibilidades de monocultura. Assim, o cafeicultor faz convergir, simultaneamente, todos os seus meios de produção para um único objetivo e, por conseguinte, obtém benéficos até desconhecidos. O tipo da exploração determinou, portanto, prosperidade de favorável ao desenvolvimento do capitalismo sob todas as suas formas. Desse modo, o sistema de crédito, o crescimento da dívida hipotecária, o comércio nos portos de exploração, tudo ajudava a preparar uma base capitalista nacional. Os braços que faltavam foram importado. A imigração adquiriu, a partir daí, caráter de empresa industrial.”

Portanto, a produção cafeeira redefine também a política econômica com o capital financeiro, internacional e internamente, quando – e por conseqüência – certas regiões se desenvolveram mais do que outras. A estagnação e incorporação de determinadas áreas a esse desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro impediu o entendimento dessa enorme diferenciação como formadora de dois “Brasis”, ou seja, uma interpretação dualista: “Mas o processo econômico estendeu-se pouco a pouco a todo o território brasileiro, e o capitalismo penetrou todo o Brasil transformando as bases econômicas mais retardatárias. À medida que progride economicamente, o Brasil integra-se cada vez mais á economia mundial, e entra na esfera de atração imperialista”. A burguesia nacional dependia de um executivo forte, de um Estado estruturado, com burocracia e ministérios cúmplices com o tipo de industrialização capitalista: “Além disso, as exigências do desenvolvimento industrial obtêm, como condição essencial, o apoio direto do Estado: a indústria nasce ligada ao Estado pelo cordão umbilical”. Assim, a Federação que se instituiu com a proclamação da república em 1989 era escamoteada na prática, com a centralização do poder político, imposta por um Estado comprometido com os anseios de uma burguesia nascente. Para Pedrosa e Xavier, esse quadro explicava por que os governadores eram dependentes do poder central, e não o contrário: “Os representantes parlamentares dos estados secundários tornaram-se representantes do poder central nos estados, ao invés de – segundo a ficção constitucional – representarem os estados junto ao poder central”. A instabilidade política, a explicitação de suas contradições quase que á tona da sociedade civil eram explicáveis por um desenvolvimento econômico que se alterava constantemente, jogando avant-la-banque, como diria Marx, sem controle por partes da burguesia nacional, que pôde, enfim, dispensar partidos políticos nacionais.
No terreno sindical, a LCI desenvolvia a linha da frente Única, chegando a ter forças bem superiores ás do PCB, como constatou Robert Alexander, em São Paulo, onde a LCI concentrou suas forças, por considerá-lo o centro operário do Brasil. Foi fundamental a atividade de João da Costa Pimenta na direção do sindicato dos gráficos, mas os trotskistas possuíam também bastante força nos sindicatos dos tecelões, ferroviários e bancários. Junto aos anarquistas, puseram em pé a Coligação dos Sindicatos, em 1934. No mesmo ano, foi graças à impulsão dos trotskistas que surgiu a Coligação das Esquerdas, reunindo também os anarquistas, os socialistas, os grupos operários estrangeiros e inclusive o Comitê São Paulo do PCB, dirigido por “Paulo” (Hermínio Sacchetta), para lutar contra o fascismo “camisa-verde”: o Integralismo. Este seria o principal feito da LCI. Vários trotskistas (como Mario Pedrosa e Flúvio Abramo) já vinham participando da redação de um jornal democrático antifascista – O Homem Livre -, onde Pedrosa tinha realizado, de modo pioneiro, uma análise do fascismo a partir do filme de Howard Hawks. Scarface (isto é, uma analogia entre o fascismo e a máfia, uma espécie de lumpemproletariado que toma conta do Estado como beneplácito das classes dominantes, para se livrar de um perigo revolucionário). Juntamente com a Coligação dos Sindicatos e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a LCI participou da chamada Coligação das Esquerdas ou Proletária, que se formou visando as eleições para Constituinte estadual paulista e para a Câmara Federal. A LCI apresentou para essa frente um programa de 42 pontos, dividido em três partes: reivindicações políticas e democráticas )extensão do direito ao voto, milícias antifascistas, instituição do divórcio, reconhecimento da URSS), reivindicações econômicas imediatas (redução da jornada de trabalho, alteração na legislação trabalhista, aumento dos salários, salário mínimo com base em escala móvel, etc); reivindicações econômicas em benefício das massas em geral e dos camponeses em especial (nacionalização, desconhecimento da dívida externa, organização de fazendas geridas pelos sindicatos rurais). A Coligação das Esquerdas, com pequena votação em relação aos grandes partidos, ficou à frente da Ação Integralista Brasileira e do PCB, que se apresentou como União Operária e Camponesa. O PCB obteve 1716 votos para deputado federal e 1709 para deputado estadual, enquanto a coligação das Esquerdas obteve, respectivamente, 8.508 e 8289 votos (Carone, 1974: 246).
Os trotskistas participaram também da luta antifascista. Um momento significativo dessa luta foi o 1o de maio de 1934, manifestação pública contra os integralistas, organizada pela Liga, pelo PSB e pelos anarquistas. Nesse dia, Mario Pedrosa lançou, pela primeira vez no Brasil, a necessidade de construção da Quarta Internacional, depois da capitulação sem luta do PC alemão em 1933, abrindo o caminho para Hitler. De acordo com Mário Pedrosa, “para concretizar a frente antifascista, a campanha se desenrolou durante o ano de 1934, a LCI, os anarquistas e os socialistas lançaram um jornal chamado O Homem Livre. O PCB não participava da Frente Única. Preferia levar a campanha à parte. Somente participou da grande luta contra os integralistas, a 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé”.
As esquerdas unidas convocaram uma contramanifestação em oposição a uma reunião convocada pelos integralistas em 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé. Flúvio Abramo (então fazendo “entrismo” trotskista no PSB) foi o orador da esquerda: pouco pôde dizer, pois explodiu uma batalha campal, inclusive com o uso de armas de fogo. Um estudante comunista morreu, Mário Pedrosa levou um tiro nas nádegas, mas os integralistas também sofreram perdas e se retiraram, semeando as ruas de São Paulo de camisas-verdes apavorados diante da reação antifascista das organizações operárias. Pouco tempo depois, o PCB lançaria a ANL (Aliança Nacional Libertadora), que finalizaria deflagrando um putsch militar, a partir de Natal (Rio Grande do Norte) quase exatamente um ano depois, em novembro de 1935. O fracasso do putsch de 1935, em que o PCB pretendeu organizar um levante nacional com um programa burguês, deu um golpe mortal ao curso ascendente do movimento operário, cujo ponto mais alto tinha sido justamente a batalha antifascista protagonizada pelo operariado paulista na Praça da Sé, quando as colunas operárias transformaram a marcha triunfal do fascismo “camisa-verde” no que a imprensa chamou “a revoada das galinhas verdes”: os pequeno-burgueses mussolinianos de Plínio Salgado abandonaram até as camisas na fuga. No ano seguinte, os trotskistas combateram o “aventureirismo” do PCB, o que não lhes poupou, da mesma maneira que o resto da esquerda, a repressão consecutiva ao fracasso do levante da ANL: seus dirigentes foram parar na prisão da Ilha Maria Zélia (onde morreu o dirigente operário trotskista Manuel Medeiros, em condições atrozes) ou no exílio (Mario Pedrosas conseguiu fugir do país, assim como Flúvio Abramo, que se exilou na Bolívia, junto com Mariano e Inês Besouchet, onde passaria vários anos e acompanharia os primeiros passos do POR, Partido Obrero Revolucionário). Sua batalha política, contudo, teria repercussões na posterior adesão de uma importante fração do PCB (a maioria do Comitê de São Paulo, como Hermínio Sacchetta e a poetisa Pagú, Patrícia Galvão) ao trotskismo, o que garantiria a continuidade do trotskismo sob o Estado Novo, com o Partido Socialista Revolucionário.
Mas, antes disso, em conseqüência da insurreição de 1935, o movimento operário sofreu uma repressão brutal, os trotskistas tiveram sua organização desmantelada:

“A LCI cindiu-se em 1935. Sacchetta publicou em A Classe Operária um artigo intitulado ‘A liga se desliga’. Em outro artigo chamou Aristides Lobo de ‘velho gagá, de cujo cérebro escorre pus’. Os dois terminaram amicíssimos. Quase que diariamente estavam juntos na redação do Shopping News, onde Aristides, ao sair do trabalho na Folha de S. Paulo, indo para casa, parava para conversar com Sacchetta. Encontrei-o lá muitas vezes, nos anos entre 1965 e 1967, quando morei em São Paulo, ao voltar do exílio no Uruguai”.

Os quadros remanescentes da LCI, buscando articular-se, fundaram, em 1936, no Rio de Janeiro, o Partido Operário Leninista (POL) que, no entanto, não se consolidaria. Ainda assim, em julho desse ano fizeram circular a revista Sob Nova Bandeira. A LCI, na verdade, tinha entrado também em crise política, desagregando-se: houve uma cisão política, em que alguns militantes (Aristides Lobo, a futura romancista Rachel de Queiroz, Vitor Azevedo) objetivaram o “aventureirismo” e o “militarismo” da LCI. O POL, num documento público, tentou fazer um balanço rigoroso da derrota de 1935:

“O proletariado, que não chegou a tomar parte no golpe aliancista de novembro, sofreu porém todas as conseqüências da derrota. O movimento ascendente das massas trabalhadoras que se vinha assinalando desde 1934 (vaga de greves) foi quebrado. A pequena Burguesia, que se vinha deixando arrastar á esquerda, recuou, voltando a abrigar-se sob as asas do governo, ou caindo no velho indiferencismo político, quando não correu simplesmente para o seio do integralismo. A derrota, porém, será apenas uma etapa do caminho – e uma etapa progressista – se a vanguarda revolucionária souber tirar todas as lições da mesma”.
“Os acontecimentos de novembro deslocaram o debate sobre o caráter de classe da revolução no Brasil do campo abstrato da teoria para o terreno da prática. Nesse fato reside a sua grande importância histórica. Antes do golpe, o debate se travava entre duas concepções opostas: a da IC burocratizada e a dos marxistas revolucionários. Segundo a primeira, o caráter das revoluções nos países semi-coloniais, coloniais, dependentes, se mede por uma escala muito complicada, em que cada um dos seus graus representa uma revolução diferente e separada da outra. O primeiro grau representa a ‘revolução agrária e antiimperialista’, o ultimo a revolução proletária socialista. De cada vez só se pode andar um degrau. Desde a formação da ANL e das Frentes Populares (1935) o comunismo oficial achou acrescentar ainda um grau na extremidade inferior da escala, a ‘revolução popular nacional’, cujo caráter de classe é um mistério. A esse esquema abstrato, fora da realidade, era oposta à verdadeira concepção marxista: a luta revolucionária é um processo permanente que, uma vez iniciado, ocorre sem parar todos os graus da escala (não detendo diante de operações escolásticas traçadas de antemão no papel. Essa concepção, formulada inicialmente por dedução teórica, foi confirmada pela experiência das revoluções de 1905 e 1917 na Rússia, e posteriormente pelos acontecimentos revolucionários da china (1925-28) e da Espanha. E, finalmente, em novembro de 1935, teve em nosso país a sua principal experimentação prática com o fracasso político da ANL e do PCB.
Na realidade, quais as causas da derrota de novembro? De um lado, a importância em mobilizar os trabalhadores exclusivamente com palavras de ordem democráticas vulgares. De outro lado, a hostilidade, não só da burguesia, como até mesmo da maior parte da pequena burguesia para com a ANL e seu golpe. Grandes e pequenos burgueses não viram nem as palavras de ordem oportunistas, nem as tranquilizações, nem as concessões que lhe faziam os aliancistas e prestistas. Eles só tinham olhos para enxergar soldados, operários e militantes tidos e havidos como comunistas, de armas na mão; só tinham ouvidos para ouvir os apelos insistentes às massas exploradas que os insurretos, tangidos por uma contradição insuperável, eram obrigados a lançar para obter o apoio dos trabalhadores”.

O documento concluía com uma caracterização histórica da configuração política do Brasil contemporâneo, do maior interesse:

“Só agora, depois que o proletariado brasileiro deu provas de capacidade de luta independente (greves, movimento sindical) e de consciência política (formação do PCB, manifestações de massa) é que apareceu afinal, pela primeira vez, um partido de âmbito nacional. E, coincidência decisiva, este partido foi o integralismo, um fascismo nacional, montado e pago pelos capitalistas para esmagar o proletariado brasileiro e sua futura revolução. Por sua vez, em contraposição ao atraso e covardia da burguesia nacional, o proletariado foi, no Brasil, a primeira classe que se organizou nacionalmente e constituiu seu partido político. E, coincidência decisiva, este partido foi o PC, seção brasileira da III Internacional. Isto significa que, no Brasil, não existem outras tradições políticas ‘esquerdistas’ ou democráticas além das que se formam ou formaram no seio das massas, já sob influencia do comunismo, da revolução russa e do anarquismo. Essa ausência de tradições propriamente pequeno-burguesas é o que explica, em grande parte, o fato da ANL ter saído de um conchavo entre dirigentes do PC e alguns militares e políticos pequeno-burgueses, não ter tido outra vida senão a que lhe soprava o próprio PC. A ANL nunca teve existência própria. Sua base era constituída sobretudo de militantes de vanguarda, de simpatizantes do comunismo e entusiastas da URSS, pequeno-burgueses e operários adiantados. Sua ação se fazia sentir principalmente nas esferas já mais ou menos influenciadas pelo comunismo, os seus sucessos foram alcançados sobretudo nos setores mais avançados das massas trabalhadoras das cidades. Mas foram tão exagerados que os dirigentes aliancistas chegaram a se convencer que já haviam conquistado as massas profundas do proletariado e do campesinato de todo país. Aos olhos dos chefes, esses êxitos foram interpretados como confirmação da justeza de sua política, como a prova da falta de caráter de classe do movimento aliancista. Entretanto, o que as massas aclamavam nos comícios aliancistas era, na realidade, a bandeira do comunismo, e não a da ANL. A derrota de novembro destroçou a vanguarda, atirando uma parte nas masmorras e ilhas getulistas e dispersando a outra. É preciso reuni-la, mas desta vez sob nova bandeira. Chegou a hora de reconstruir o instrumento indispensável à vitória e à emancipação das massas trabalhadoras do Brasil. O novo reagrupamento de vanguarda não será uma invenção de meia dúzia de descontentes, mas o resultado da experiência do movimento operário no passado até o putsch aliancista de novembro. Visto sob ângulo histórico, o atual PCB não terá sido o partido da revolução vitoriosa – o partido bolchevique do Brasil -. Mas um precursor de um mesmo modo que o movimento anarquista... O seu atual desvio para a direita é definitivo, e ele não poderá voltar mais às suas antigas posições de classe. A sua linha direitista de agora foi traçada não por ele mesmo, mas pelo próprio Congresso da IC (1935), do qual se pode dizer que foi o Congresso de dissolução da III Internacional como partido mundial da revolução proletária”.

O POL realizou, à diferença dos outros partidos, e inclusive da historiografia atual, uma análise do programa do levantamento da ANL como causa do seu fracasso (e não somente da sua ‘inoportunidade militar’):

“Em Recife, alguns elementos de massa chegaram a participar do levante, aceitando as armas que lhes eram oferecidas; não se mostraram, contudo, dispostos a uma luta a fundo... Em Natal, cidade tipicamente pequeno-burguesa, apesar dos boletins do Comitê Revolucionário pretenderem que as forças revolucionárias se manteriam na maior fidelidade e respeito à propriedade e o lar, os ‘senhores comerciantes’ não quiseram saber de nada, e conservaram suas portas fechadas. Nas mãos dos soldados e trabalhadores em armas, o esquema aliancista-pretista de revolução popular nacional não conseguiu apagar as contradições de classe e não serviu para abrir-lhes as portas da burguesia.”

Sob Nova Bandeira, o órgão do POL, fez também uma reavaliação do integralismo:

“[na Europa] o movimento fascista não poderia deixar de se operar com inteira autonomia dos governos, não podia se colocar na dependência direta do aparelho de Estado sem se condenar a um isolamento inevitável. Aqui se passa precisamente o oposto. O Integralismo tem sido ultimamente apenas uma renovação do velho e arquiconhecido cravo vermelho, que teve sua glória no quadriênio Bernardes. Sem as camisas, os gestos e passeatas e discusseiras, esses auxiliares de segunda ordem da polícia, esses delatores profissionais, capangas de poderosos e empreiteiros de manifestações, já teriam sido há muito tempo identificados como simples agentes pagos de políticos sem popularidade. As teses do POL estabelecem suas escassas possibilidades de chegar ao poder pelas próprias forças.”

Em novembro de 1937, foi instaurado o Estado novo: Mário pedrosa seguiu então para a França, onde trabalharia com antigos conhecidos da sua viagem de 1928 para preparar o congresso de fundação da Quarta Internacional de setembro de 1938, do qual participou (sob o codinome Lebrun) e no qual foi indicado para integrar o Comitê Executivo (CEI) da nova organização internacional, como representante da América Latina. Nesse mesmo ano, Pedrosa se deslocou para os EUA, seguindo a transferência da sede do CEI, em decorrência da sede do CEI, em decorrência da guerra (Alexandre, 1973: 76). Em 1937, além disso, teve início no Brasil a campanha das eleições presidenciais (depois canceladas), a repressão amainou um pouco: alguns prisioneiros foram soltos, e o PCB conseguiu reorganizar-se. Sob a direção de Bangu (Lauro Reginaldo da Rocha), uma fração do partido resolveu apoiar o candidato semi-oficial José Américo de Almeida, mas encontrou resistência, sobretudo no Comitê Regional de São Paulo, favorável ao lançamento da candidatura de Luis Carlos Prestes, que se encontrava preso (cf. Karepovs, 1995).
O apoio direto do Comitern (por meio de conclamação de apoio emitida nas transmissões da Rádio Moscou para o Brasil) permitiu a Bangu vencer a fração opositora e, em seguida, excluí-la do partido. Esse grupo saiu do partido com a maioria do Comitê estadual de São Paulo, a organização comunista do Paraná e fragmentos do partido de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco (cf. Chilcote, 1982: 87). Seu líder era o já mencionado Hermínio Sacchetta, então um dos principais redatores de A Classe Operária, órgão oficial do PCB, e dirigente do Comitê Estadual de São Paulo. O grupo de Sacchetta, denominando-se Dissidência Pro-Reagrupamento da Vanguarda, negou-se em principio, mas aproximou-se depois do trotskismo. Juntando-se ao POL, formou com ele o Comitê Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária do Brasil (Flúvio Abramo desaconselha o POL a realizar essa fusão, pois achava que o POL seria “engolido” pelo superativismo de Sacchetta, a quem definia como “um vulcão”). A fusão definida se daria em agosto 1939, por ocasião da Primeira Conferencia de Militantes da Quarta Internacional, sendo então constituído o Partido Socialista Revolucionário (PSR), ao qual enviara sua adesão, desde a prisão, a poeta Pagú, e que também, no inicio da década de 1940, a adesão de um jovem assistente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, núcleo-matriz da Universidade de São Paulo, chamado Florestan Fernandes; tendo conhecido Sacchetta, lhe atraiu “a maior complexidade do debate intelectual” existente no interior do grupo trotskista. Florestan se afastaria do PSR no final da década de 1940, não sem antes participar da Coligação democrática radical, “setor” de atividade legal do PSR. Este afastamento provocaria uma crise de consciência em Florestan, que tinha recebido a proposta de uma bolsa de estudos no exterior (ele foi aconselhado, na ocasião, pelo seu amigo Antônio Cândido), crise à qual ele referiu, ulteriormente e de modo indireto, ao caracterizar sua intensa atividade intelectual como “autopunitiva”.
Durante a crise, em 1939, no Socialist Worers’ Party (SWP), seção norte-americana da IV Internacional, decorrente da política de “defesa incondicional da URSS”, defendida por Trotski e a maioria do CEI (cf, Trotski, s.d.), Mário pedrosa apoiaria a fração, encabeçada por Marx Schatchman, que acabaria por abandonar o SWP e a IV Internacional. Na reorganização do Secretariado Internacional, operada por Trotski no ano seguinte, Pedrosa foi excluído (“Ele pouca ou nenhuma influência teve na formação da IV Internacional no Brasil, que resultou na cisão no PCB, dirigida por Hermínio Sacchetta, acompanhada pelo velho Alberto Moniz da Rocha Barros, que usava o pseudônimo de Cintra”, nos disse Luiz Alberto Moniz Bandeira). Em 1940, Pedrosa fez uma turnê pela América Latina, visitando entre outras cidades, Buenos Aires, angariando adeptos para a fração internacional chamada de “antidefensista” (em Buenos Aires, conquistou adesão de Pedro Milessi, operário e um dos pioneiros do trotskismo argentino, mas foi “esnobado” por outro trotskista importante, Liborio Justo, filho do presidente argentino (1932-28), Augustin P. Justo). Em Lima, chegou a realizar uma reunião latino-americana da nova e efêmera corrente política, na casa do dirigente do Aspra (Acción Popular Revolucionária Americana) Victor Raúl de la Torre, que lhe facilitara a ocasião. Depois Pedrosa também se afastaria de Schatchman e, influenciado pelas idéias do social-democrata norte-americano Norman Thomas, retornaria ao Brasil em 1941, disposto a criar um Partido Socialista “independente”. A empreitada culminaria, junto a outros ex-militantes da LCI, já desligados do trotskismo, na fundação do periódico Vanguarda Socialista em 1945 (cf. Loureiro, 1984).
O PSR, por sua vez, estreitou relações com a Quarta Internacional, a partir de 1943 (foi reconhecido como “seção brasileira” pelo II Congresso Mundial da Quarta Internacional, em 1948). Depois da queda de Vargas, na “redemocratização”, o PSR criticou, nas páginas de Vanguarda Socialista, a posição de Pedrosa, defendida por Arnaldo Pedroso d’Horta, no sentido de apoiar a candidatura presidencial de Eduardo Gomes (o PSR defendia uma candidatura de classe ou voto nulo, tal como tinha feito o Comitê São Paulo do PCB em 1937: o grupo de Sacchetta foi o percussor de uma posição que seria um dos centros do debate da esquerda diante da ditadura militar de 1964).  Em outubro de 1946, o PSR começou a publicar seu próprio jornal, Orientação Socialista, onde Sacchetta publicou uma série de artigos (“Prestes e o problema agrário”) atacando a raiz da concepção “etapista” do PCB. O PSR tinha por centro São Paulo, onde chegou a controlar o Sindicato dos Jornalistas, e também no Sindicato dos Vidreiros, onde seu militante Domingos Taveira exercia a presidência, possuía, ainda, bases no Rio de Janeiro e no Paraná. José Stacchini, depois destacado jornalista de O Estado de S. Paulo, também fez parte das suas fileira.
Em 1946, o problema político central era a passagem do regime ditatorial de Vargas para uma “democratização” que não provocasse um transbordamento revolucionário para os interesses das classes dominantes. Os trotskistas entenderam nesse momento a política de alianças com o capital, propostas pelo PCB, como produto das influências stalinistas e das suas interpretações sobre a realidade brasileira. O colaboracionismo classista rondava o projeto de “revolução democrática” defendido pelo PCB. Segundo o Cavaleiro da Esperança, “para transformar a possibilidade em uma realidade precisa-se de toda uma série de condições, entre as quais a linha do partido e sua justa aplicação não deixam de ser das menos importantes” (prestes, 1984: 201). E a linha justa passava por certa observação do programa agrário no Brasil. A confiscação da terra proposta pelo PCB não revela o caráter da transformação que se quer operar na estrutura do campo brasileiro. De um lado, porque o campesinato poderia intensificar o antagonismo contra o capital, inviabilizando a aliança com a burguesia nacional-industrial (defendida pelo PCB). De outro, porque se ignorava como se extraía a renda da terra, com a questão do semifeudalismo”. Para o PCB, a burguesia nacional-industrial estava interessada na derrota dos representantes do semifeudalismo na formação social brasileira. Os grandes proprietários de terra representam, segundo o partido, uma forma de realização do imperialismo em países como o Brasil. O pressuposto da confiscação das terras para os camponeses, defendido pelo PCB, não esclarece se se busca instituir um preço de produção na agricultura, que seja exatamente a diferença entre o preço individual de produção e o mais elevado. No final dos duros anos de repressão da ditadura varguista, que desorganizaram o movimento sindical e atingiram frontalmente as organizações de esquerda, o PCB (desde 1943 com a Conferência da Mantiqueira) propõe a “unidade nacional e a luta contra o fascismo” – unidade em torno de Vargas: “Não há, pois, União Nacional, sem a continua e permanente movimentação da opinião pública e das forças de todo o povo em torno dos problemas nacionais ligados à guerra, da compreensão e solução desses problemas. Evidentemente, essa união há de realizar-se em torno do governo do presidente Vargas” (apud Carone, 1981: 14).
Com essa lógica, a linha justa que se opõe às deflagrações de greves do proletariado seria a que se afirmaria. O PCB arrolou a tese da participação nacional como condição de combate ao fascismo. Na visão dos pecebistas, o êxtase de um país em conciliação nacional devia ser vivido também pelo proletariado, principalmente por ele saber que qualquer esforço social da sua parte contribuía para a derrota do inimigo maior: o fascismo. Prestes chegou a dizer que, vencido o nazi-fascismo, o imperialismo desapareceria e, finalmente, o capital estrangeiro até poderia contribuir para com o desenvolvimento nacional, caso fossem observados os acordos internacionais (principalmente a Carta do Atlântico). Como será possível? Vencendo o “feudalismo”, desenvolvendo uma burguesia nacional, varrendo da cena política a aristocrática feudal. Ditada em momento de soma de esforços materiais e militares contra o fascismo, a anistia dos presos políticos e conseqüentemente, dos comunistas, no final da ditadura varguista, a “linha justa” conduziu o PCB a fortalecer a luta pela sua legalidade e por algumas reformas burguesas. Já no “queremismo”, a burguesia nacional e internacional (as investidas do embaixador norte-americano para a queda de Getúlio Vargas), intranqüilizada pela aliança dos pecebistas com o ditador, num momento de greves do proletariado, impõe resistência a esse projeto do PCB. Este respira aliviado após o 29 de outubro. Mas o governo Linhares lhe reserva algumas visitas em seu escritório. A elas o PCB se refere como “fruto da esperança de alguns fascistas em importantes pontos do governo”. A anistia, a legalidade conquistada, a expressiva votação na primeira eleição pós-ditadura Vargas empolgam o PCB, fazendo-o mais resoluto ainda na defesa da unidade nacional, mas a democracia burguesa logo esgota se ciclo com a coalizão partidária PSD-UDN-PR. A cassação do registro do PCB em 1947, foi seu resultado: esta questão foi denunciada na própria Tribuna Popular por Pedro Motta Lima, em 10 de novembro de 1945.
A “política popular” do PCB não esclarecia o proletariado. Os trotskistas nunca deram a “revolução democrática para o Brasil, país de capitalismo retardatário com um proletariado atuante, que não podia ser visto como semifeudal. O movimento operário não devei contentar-e com uma possível revolução nacional, dado que as contradições do regime social de produção já tinham alcançado níveis que não podiam retroagir. O PSR pretendia lutar contra o imperialismo, porém não com medidas capitalistas. O capitalismo no Brasil preservava modos distintos de acumulação, encontrando no Estado a possibilidade de se evitar o antagonismo profundo entre eles. Mas a distinção não obstaculizava o imbricamento desses modos de acumulação de capital. Na crítica às “teses antiimperialistas” do PCB, Orientação Socialista evidenciava a falta de concretização na realidade social do feudalismo brasileiro. Não seria preciso um grande esforço intelectual para se distinguir latifúndio de feudalismo. E nem cabia comparar o latifúndio no Brasil com o feudo na Europa. A tese da feudalidade brasileira, defendida pelo PCB, era uma espécie de crença que projetava a possibilidade de um capitalismo progressista no Brasil. A análise do PSR sobre a industrialização capitalista no Brasil procurava acentuar os possíveis elos  entre aquela e o capitalismo internacional. Esse entendimento passava anteriormente pela identificação das formas de acumulação existentes na economia brasileira: quais as reais relações entre a agricultura e a indústria
? Assim, o PSR esforçou-se para compreender a produção no latifúndio a partir da produção capitalista propriamente dita. O desenvolvimento desigual e combinado da produção brasileira impunha a verificação das forças de acumulação de caspital, suas especificidade. Não se podia pensar em torno de uma paridade entre elas, senão o “desigual” seria improcedente. Escapando da dualidade de “novo” e “atrasado” supunha-se uma síntese dessas diferenças sob a hegemonia do capital financeiro. O capitalismo internacional impunha limites à produção, mesmo em períodos favoráveis a uma maior capacidade de importar, como no caso da conjuntura do pós-guerra: o ritmo do desenvolvimento da indústria de bens de capital, lento, era determinado pelos interesses do imperialismo. Entretanto, para os trotskistas, a revogação da “lei Malaia”, o problema de transferência de tecnologia, principalmente em um país sem muitos recursos financeiros na iniciativa privada, não condicionavam linearmente antagonismos radicais entre a burguesia industrial nacional e o capital internacional.
Para o PSR o capitalismo tardio estava sob o bordão da crise geral do sistema social da produção burguesa, crise que se manifestava de várias formas: o fascismo fora uma delas, não a ultima. Contrariando o PCB, Orientação Socialista expunha a impossibilidade de democracia formal burguesa em um capitalismo tardio, como o brasileiro. Não se tratava de uma questão conjuntural, mas de uma crise institucional endêmica: a burguesia não conseguia criar mecanismos mais ou menos duradouros para enfrentar o proletariado na arena social e política, devido à estrutura do capitalismo no Brasil. Era delírio do PCB crer em um jacobinismo retardatário. O legislativo no Brasil do imediato pós-guerra não podia abrir espaços para acomodar as contradições entre capital e trabalho. Ficava a impressão de que o executivo e Legislativo atuavam quase que monoliticamente. A democracia decretada (por meio dos decretos-leis de Dutra) era a ante-sala para a constituinte de 1946. As greves do proletariado aterrorizavam o capital: a burguesia nacional exigia do governo Dutra o fim do movimento paredista. Finalmente, em nome do capitalismo progressista, o próprio PCB condena as greves do proletariado. O PCB adotava um projeto de revolução para o Brasil baseado nas teses dimitrovistas do VII Congresso Mundial da IC, realizado em 1935, a via das Frentes Populares. E por fim, adota também inimigos, a luta contra “os inimigos da URSS”, os trotskistas.
A tática da frente Popular era mais consentânea com a concepção da revolução democrática burguesa, já que devia contar com a burguesia nacional. Segundo Orientação Socialista se, na Europa, a Frente Popular era um engano tático, no Brasil era uma “dialética do absurdo”, haja vista a repressão ao movimento operário desencadeada em 1946, prova inconteste da impossibilidade histórica de uma aliança entre a burguesia nacional, pequena burguesia, o proletariado e o campesinato. Com o colaboracionismo entre as classes sociais, o PCB confundia o proletariado entregando-o desarmado ao capital. Assim a burguesia nacional sentia-se mais á vontade para recusar qualquer política social que viesse ao encontro dos interesses do proletariado. A política da Frente Popular levava a uma perda do caráter do proletariado do PCB, transformando-o em instrumento de descaracterização proletária no âmbito da pequena burguesia. Distante da “unidade nacional”, o que se processava era a intensificação do conflito entre capital e trabalho. Para das expressão a esse conflito, o PSR propôs a frente única dos operários trabalhadores que pressupunha um arco de alianças que não ultrapassava a constituição da própria classe operária. Na conjuntura, não se via uma burguesia jacobina, mas sim burgueses “liberais” conservadores. A defesa da frente Única dos trabalhadores vem na esteira da concepção de organização política nos locais de trabalho: é bom lembrar que várias greves desencadeadas em 1946 partiram de operários organizados em comissões de fábricas. A frente única, para o PSR, não era porém um substituto do partido revolucionário.
Os êxitos eleitorais do PCB no imediato pós-guerra ocorreram diante de uma burguesia mais ou menos desorientada, mais ou menos desorganizada. Depois, a burguesia reconstituiu seu domínio, com recessão, destruindo uma parte da economia. Dutra combatia a inflação com desemprego e com o fechamento de algumas fábricas. Orientação Socialista propôs que essas fábricas fosse reabertas (por exemplo, as de tecido) e que o proletariado tivesse uma jornada de trabalho menor, recebendo o mesmo salário. Daí a defesa da escala móvel de horas de trabalho e de salários. O proletariado não podia pagar pela crise do capitalismo. Para esse momento, Orientação Socialista apresentou suas reivindicações mínimas: Liberdade e autonomia sindicais, extinção da polícia política e dos órgãos de repressão, direito de organização, reunião, manifestação escrita e oral, reconhecimento legal dos comitês de fábrica, escala móvel de salários e horas de trabalho, abolição do segredo comercial, expropriação dos bancos comerciais (particulares), sistema de crédito em mãos do estado, expropriação sem indenização dos monopólios e trustes estrangeiros, expropriação das fortunas adquiridas em exercício de cargos públicos, centraslização das aposentadorias e benefícios em único instituto (Previdência Social) sob controle dos contribuintes, taxação com impostos diretos para os ricos e abolição de impostos indiretos para o povo, imposto de renda crescente aos ricos, abolição desse imposto para os assalariados, nacionalização da terra, reforma completa da lei eleitoral, direito ao voto estendido aos soldados, marinheiros e analfabetos. A lei eleitoral devia garantir efetivamente registros de candidatos avulsos e de organizações proletárias socialistas.
Fiz Pedro Roberto Ferreira (1991b):

“O objetivo é traçar uma política que possa refletir os anseios do movimento social e fazer avançar, em alguns aspectos, certos elementos nitidamente revolucionários já manifestos neste ultimo. Os trotskistas não conseguiram organizar um grande partido, mas deixaram uma grande contribuição para o movimento operário. Orientação Socialista representou um momento anti-ilusionista no movimento operário, denunciou a farsa das propostas do capital, aparentemente tão sedutoras, a uma sociedade que almejava sua redemocratização. O governo Dutra, de unidade e de pacificação nacional, reprimiu, como de hábito, o proletariado, sobretudo quando ele se organizava politicamente para sustentar suas reivindicações, seus direitos, etc. estava em jogo a possibilidade de autonomia política dos operários e trabalhadores brasileiros. O discurso de Orientação Socialista ensejou essa possibilidade”.

Segundo depoimento de Luiz Alberto Moniz bandeira:

“Em 1938, o trotskismo no Rio de Janeiro era representado pelo Partido Operário Leninista (POL), do qual participava Edmundo Moniz, mas não integrou a IV Internacional. A posição do POL com respeito ao estado Novo, de Vargas, era divergente a posição do PSR, seção brasileira da IV Internacional. Enquanto o PSR considerava fascista a ditadura de Vargas, o POL qualificava-a como ditadura bonapartista, policial militar. Eu tenho ainda os documentos escritos por Cintra (Alberto Luiz da Rocha Barros [pai]) e Edmundo Moniz no quais se pode ver a divergência de conceitos. No Rio de Janeiro, os trotskistas, como Edmundo Moniz. Ilkar Leite, Cursino Raposo e outros, acompanharam, na sua maioria, a posição de Mario Pedrosa. Em 1945, eles formavam a União Socialista Popular (USP), participando da Esquerda Democrática, que integrava a UDN, e editoravam o jornal Vanguarda Socialista, cuja coleção eu possuía, assim como Orientação Socialista, órgão do PSR, editado por Sacchetta. A Vanguarda Socialista defendia a tese de que a URSS era um capitalismo de Estado e passou depois a ser editado pelo Partido Socialista Brasileiro, fundado em 1947, com adesão de Mario Pedrosa e do seu grupo. Edmundo Moniz e outros divergiam e não entraram no PSB. Em 1954 Mário Pedrosa apoiou a candidatura de Juarez Távora, da UDN, e foi depois expulso do PSB por ‘desvios direita’. Se a memória não me falha, ele participou até da Ação Democrática e do Movimento pela Liberdade da Cultura, que Julian Gorkin (um ex-militante do POUM espanhol), tentou estender ao Brasil, e que depois se soube serem iniciativas da CIA. A IV Internacional, no Rio de Janeiro, estava então reduzida a não mais que uns três ou quatro militantes (conheci dois deles). Os outros chamados trotskistas que acompanhavam Mario Pedrosa, ou estavam no PSB oi, como Edmundo Moniz e outros, não mais participavam de qualquer organização. Em uma vez que Edmundo Moniz escrevia artigos no Correio da Manhã, de Paulo Bittencourt, que era casado com sua prima e cunhada de Niomar Moniz Sodré, também minha tia, Prestes atacava-o, chamando de o ‘canalha trotskista do Correio da Manhã. Mario Pedrosa, creio que em 1956 ou 1957, foi expulso com direitista do PSB, juntamente com Ilkar Leite e outros que haviam sido trotskistas”.

Sacchetta, por sua vez, romperia com a IV Internacional, e o PSR se dissolveria em 1952, “no bojo das divergências que dividem de forma irremediável o movimento trotskista a nível internacional” (Lima, 1986). A trajetória política de Sacchetta (que chegou a ser chefe da redação de O Estado de S. Paulo) continuaria até a sua morte em 1982. Só dez anos depois de seu falecimento, pela primeira vez, e reparando uma longa injustiça, seus escritos políticos foram compilados em um volume, com diversos trabalhos daquele que foi uma das figuras mais significativas da história da esquerda brasileira, sem dúvida o principal dirigente trotskista brasileiro do período (ainda mais depois que Mário Pedrosa rompeu com a IV Internacional em 1940), fundador e dirigente de outros grupos de esquerda ativos na década de 1960 (a LSI e, depois, o MCI), e importante jornalista ao longo de quase meio século. A escolha dos textos incluídos no volume, embora muito representativa, ressente-se da penumbra em que foi mantido o autor, não só pela academia, mas inclusive papel própria esquerda. Não há, sem dúvida, como negar a importância de seu principal texto de polemica no PCB *Sacchetta chegou a fazer parte do boreau político), de 1937, no qual recusava a etiqueta de “trotskista” (que  assumiria no ano seguinte, na prisão, vítima da perseguição do regime varguista), atribuindo os erros do partido ao “banguzismo” (de Bangu, codinome do secretário geral do PCB), e não ao stalinismo, que em 1937 Sacchetta ainda defendia. Em nada esclarece a polêmica a apresentação do texto que fez Heitor Ferreira Lima (posteriormente assessor da Fiesp), um “histórico” do PCB o qual diz, a respeito dos fatos que levaram o banimento do Comitê de São Paulo do PCB, que (Sacchetta) foi o responsável  pelos acontecimentos então ocorridos que creio nunca tê-lo compreendido”. Ferreira  Lima, não menciona que sacchetta foi o único membro  do Comitê Executivo de São Paulo, rompido com o partido stalinista (depois de um período que tentou disputar com a fração stalinista a representação da Internacional Comunista, que lhe foi negada pela própria Rádio Moscou) a aderir ao trotskismo.
Também é mito importante o artigo “Jorge Amado e o porões da decência”, no qual Sacchetta se defendeu das calúnias do escritor baiano na sua obra Os subterrâneos da liberdade, em que aparece como personagem “traidor, cínico, corrupto e... trotskista”. Amado, na época (anos 1940) se identificava com Stalin/Zdanov e seu “realismo socialista”. Sacchetta o gratificou com o qualificativo de “analfabeto semiletrado”. O melhor do livro é, sem dúvida, o artigo “Trotskismo”, texto de uma conferencia de 1946, em que são expostas com raro brilho as bases do pensamento político do líder da Revolução de Outubro, sua filiação marxista, sua coincidência objetiva e subjetiva com Lênin, e sua aptidão pra compreender e transformar o mundo contemporâneo: só esse texto já situa Sacchetta num plano teórico superior, no nosso entender, ao de Mario Pedrosa (que deve seu prestígio mais às suas qualidades de crítico de arte do que à sua atuação política). Inclui-se também um texto inconcluso que dá seu título ao volume (O caldeirão das bruxas), tentativa de romancear a ruptura de sacchetta com o PCB, que demonstra no máximo que sacchetta carecia de virtudes de romancista, assim com depoimentos acerca de Sacchetta de figuras intelectuais e políticas (como o já citado Heitor Ferreira Lima, Florestan Fernandes, Michael Lowy, Cláudio Abramo, Jacob Gorender – este, de longe, o mais interessante – e Mauricio Tratenberg). Nada haveria a objetar à inclusão desses textos e não fosse notável a exclusão de qualquer texto de Sacchetta entre 1938-1952, ou seja, quando era dirigente brasileiro da IV Internacional (à exceção do já citado “Trotskismo”). Não são incluídos, portanto, textos essenciais para a compreensão da sua trajetória política, como os publicados em Orientação Socialista (em especial a já mencionada série de artigos “Prestes e o problema agrário”, critica às posições do PCB sobre a questão agrária), órgão do PSR na década de 1940; ou as discussões contra Mario Pedrosa e Arnaldo pedroso d’Horta publicados em Vanguarda Socialista na mesma época, em defesa da independência de classe e contra o voto em Eduardo Gomes, o candidato “progressista” na redemocratização”, defendido pelos ex-trotskistas, transformados em “socialistas” tout court.
Por que Sacchetta rompeu com a IV Internacional e dissolveu o PSR? Michael Lowy, evocando sua relação pessoal, refere-se à ausência de manifestação de Sacchetta sobre o assunto. Alberto Luiz Rocha de Barros, filho do seu companheiro da década de 1930 (advogado trabalhista Albeto da Rocha Barros) e se próprio camarada de militância na década de 1950 e 1960, confiou-nos a desilusão de sacchetta com as resoluções do III congresso Mundial da IV Internacional, em 1951, quando adotou-se a linha “pablista” de apoio crítico à burocracia soviética e de “entrismo sui generes” nos partidos comunistas. É provável que Saccheta tenha visto nessa linha não um revisionismo total do trotskismo e do próprio marxismo, mas uma manifestação inesperada do trotskismo. Só Jacob Gorender se refere a um texto de Sacchetta (não incluído no volume), o “Relatório sobre questões da política organizatória no domínio socialista”, escrito “provavelmente naquela época (em que ) salienta-se a análise do fracasso do trotskismo”. Desiludido Sacchetta passaria para o “luxemburguismo” (ideologia que presidia a PSI, Liga Socialista Independente, e o MCI, Movimento Comunista internacionalista, organizado por Sacchetta na década de 1960. Em qualquer hipótese, esse “luxemburguismo” era politicamente diferenciado do “trotskismo” pablista defendido pelo grupo brasileiro do Birô Latino-Americano da IV Internacional, liderado pó J. Posadas (codinome do argentino Homero Cristalli), o POR, Partido Operário Revolucionário. A LSI defendeu intransigentemente a independência de classe contra os restos do “varguismo” e contra a orientação do PCB, enquanto o POR chamava o PCB a fazer revolução, tendo chegado a apoiar (chamou a votar) Jânio Quadros “pelo se programa nacionalista” (esmiuçado por Sacchetta no artigo “Nem Lott, nem Jânio, por uma política de classe”).
Quais eram as limitações da LSI (que nunca ultrapassou algumas dezenas de militantes) e, depois, do MCI? Os textos do volume correspondente aos anos 1960 permitem apreciá-las. Do ponto de vista dos princípios gerais, havia a defesa da independência de classe, a critica da revolução por etapas e do apoio à “burguesia progressista”. A lua contra o imperialismo (e contra a ditadura militar) era uma luta anticapitalista, que só poderá ser vitoriosa com a instauração de um governo operário e camponês. O problema é a tradução desses princípios numa política correspondente, o que demonstra que não bastavam formulações gerais. A proposta política central era a da “frente única proletária”, dirigida às “organizações marxistas” e aos “socialistas de diversas doutrinas”. A tática da “frente única proletária” tinha sido lançada pela Internacional comunista para os países de capitalismo desenvolvido. Para os países de capitalismo atrasado, coloniais ou semi coloniais, oprimidos pelo imperialismo, a tática da “frente única antiimperialista” era a que, levando em conta as relações políticas objetivas entre as classes, permitia lutar pela direção proletária da luta democrática e antiimperialista, ou seja, pela chefia operária da nação oprimida. As organizações socialistas e “marxistas” que surgiram nos anos 1960 eram menos a expressão da radicalização proletária (que expressavam de modo muito deformado) do que a expressão da paulatina decomposição do PCB, e secundariamente os remanescentes das fracassadas tentativas de se organizar um partido social-democrata. A ruptura com o stalinismo foi, em geral, totalmente empírica, como o demonstra que boa parte delas enveredasse pelo foquismo, fazendo da luta armada, elevada ao nível da estratégia, p eixo de diferenciação com o PCB (o qual, diante da sua crise, chegou a flertar com o foquismo.
Sacchetta, como marxista, tinha elementos de sobra para criticar o terrorismo isolado da evolução das massas (e o fez), mas seus posicionamentos por vezes não deixavam de refletir a pressão exercida pelo foquismo, a procura de um “terreno comum” com as organizações guerrilheiras: “preparemo-nos para a luta armada, desde já, mas num processo dialético que encare a realidade como ela se apresenta”. A “frente única proletária”, portanto apenas poderia ter expressão como frente de “viúvas” do PCB (e, secundariamente, do socialismo reformista) e não como frente dos trabalhadores avançados que, rompendo com o nacionalismo e o stalinismo, enfrentavam o impasse da “democracia populista” e, logo, a repressão antioperária da ditadura militar. Somente a luta por um partido operário independente poderia ter dado expressão política àquela tendência, que explodiu a céu aberto com o processo grevista do ABC em 1979-1980. A “frente única”, por outro lado, era colocada (antes do golpe de abril de 1964) na perspectiva política de “ampliação, em seus limites máximos, das atuais instituições democráticas”. Já sobe o governo militar, a “frente única” seria posta sob um programa de “objetivos imediatos” (táticos) acrescido de outro de “objetivos estratégicos” (Sacchetta, 1992: 106-33 e 133-40): isto significava colocar a “frente única” como ala extrema esquerda da democracia burguesa, não como agente da organização independente do proletariado.
Para o trotskismo, os “objetivos táticos” não sem esgotam em si mesmos: na medida em que as reivindicações imediatas são colocadas tal qual alavanca da constituição do proletariado como classe independente, elas se transformam em reivindicações de transição. Estas palavras de ordem permitem que a luta pelas reivindicações vitais se transforme numa preparação para a luta pelos objetivos estratégicos (isto é, pelo poder operário) num processo permanente, ou seja, não separado por duas etapas históricas diferenciadas. O grande ausente, no pensamento político se Sacchetta, era o programa de transição, justamente um dos últimos grande documentos políticos de Trotski, com o qual armou a vanguarda revolucionária nucleada na IV Internacional. No último documento do volume, um dos últimos da vida de Sacchetta, produzido em meio à crise da ditadura militar e da emergência operária (1979), esta concepção era reafirmada com relação à reivindicação de Assembléia Constituinte:

“Cabe às forças populares organizadas, com o proletariado à frente, conquistar os segmentos da população menos consciente de suas prerrogativas políticas para a obra de inserção na futura lei básica, vale na Constituição, dos direitos fundamentais dos trabalhadores, em especial no âmbito político. E aos trabalhadores cabe fazer cumpri-los, por pressão contínua, com todos os recursos que dispõe... Por esse caminho, o povo deverá participar, por meio de seus representantes, da promulgação das leis e, por conseqüência, da condução dos negócios públicos”.

Eis a Constituinte como alicerce de um regime democratizante, e não como palavra de ordem de transição, na luta pela qual os órgãos do poder operário poderiam e deveriam surgir. Dessa maneira, Sacchetta expressou até suas última conseqüências as contradições que puseram em tensão toda a trajetória intelectual e política, as quais ilustram concentradamente as dificuldades para construir a seção brasileira da IV Internacional ao longo de quatro décadas. Sacchetta, portanto, não foi apenas um dos principais jornalistas deste século.
Luiz Alberto Moniz Bandeira, em depoimento, assim nos descreveu a situação criada e desenvolvida depois da dissolução do PSR:

“A IV Internacional, fundada em 1938, praticamente desapareceu quando, por volta de 1952, Sacchetta rompeu com Pablo, sendo um dos motivos da divergência a política do ‘entrismo’ e evoluiu para a tese de que a URSS era um capitalismo de Estado. Aliás, ele passou a ver o bolchevismo – e a responsabilizá-lo – as origens do stalinismo. Por volta de 1953/1954, havendo a IV Internacional praticamente desaparecido no Brasil, o BLA (Boureau Latino-Americano) mandou gente tratar de reorganizá-la, o que foi feito com José Maria Crispin, que promovera uma dissidência no PCB, do qual fora expulso, creio que em 1951-1952. Aí foi organizado o POR e em começo de 1955 estava no Brasil Manuel (esse era seu codinome e creio que ele era argentino), como representante do BLA. No inicio de 1956 foram presos no Rio, Leôncio Martins Rodrigues, Marimbondo (esqueço o primeiro nome), José barroso e Leon (um operário, remanescente do PSR, de Sacchetta). O fato foi noticiado por O Globo. Nessa época, Manuel procurou Edmundo Moniz, em cujo apartamento eu morava, eu vim com ele para São Paulo, onde então me reuni com Crispim, os irmãos fausto (Boris, Rui e um outro). Mas nem eu nem Sacchetta nem Alberto Luiz [da Rocha Barros] aceitamos a conceituação da URSS como Estado operário degenerado, nem as posições que considerávamos muito sectárias dessa pessoa. E por isso decidimos criar a Liga Socialista Independente (eu escrevi o programa e Alberto Luiz os estatutos). Lembro-me de Ottaviano De Fiore, que era também trotskista e militava na faculdade de Filosofia, na Maria Antônia. Mas algum tempo de pois, em fins fé 1956, encontrei Eric Sachs , um austríaco, que dizia haver sido discípulo de [Heinrich] Brandler [ex-dirigente do PC alemão], e resolver tomar uma iniciativa mais ampla e abrangente, organizando a Juventude Socialista, no Rio de Janeiro e na Bahia, onde em 1954 (eu tinha dezoito anos e ainda morava entre Rio e Salvador) organizava com mais três colegas uma Liga Socialista Revolucionária. Em 1957, veio para o Brasil, como representando do BLA, um uruguaio, Estrada (parece que o nome real dele era Labat) e o POR absorveu militantes da UJC (um deles, Boris, que hoje é médico nos EUA), que fora dissolvida, em função da dissidência de Agildo Barata, após o 20o Congresso do PCUS. Na juventude Socialista, editamos o jornal Esquerda Socialista. Fizemos muitas reuniões conjuntas com o pessoal do Agildo, Liga socialista Independente, POR, ai em São Paulo. Nessas reuniões estavam Almino Afonso, Paul Singer e muitos outros. Quando vinha ao Rio, Crispim ficava hospedado no meu apartamento, apesar de que eu não fosse da IV Internacional. A revista Novos Tempos, editada por Oswaldo Peralva e o grupo de Agildo Barata, no Rio de Janeiro, abriu suas páginas para nós e ai eu publiquei artigos, um dos quais sobre Trotski, respondendo a um stalinista, Calvino, que detinha a propriedade do título e o tomou”.

De fato, o Brasil foi um dos principais terrenos de ação do BLA (Birò Latino-Americano da IV Internacional), dirigido por Posadas, que depois conformaria “sua” Internacional, a IV Internacional posadista, cuja seção mais importante, a da Argentina, teve bastante força entre meados das décadas 1950 e 1960. No Brasil, o POR (Partido Operário Revolucionário) incorporava em 1956 uma fração dissidente do PCB, encabeçada pelo deputado José Maria Crispim. O POR teve influência nas lutas metalúrgicas de São Paulo e participou da organização dos sindicatos agrários do Nordeste, onde foi um de seus militantes, “Jeremias” (codinome de Paulo Roberto Pinto) foi assassinado pelos jagunços dos latifundiários em 1963, quando organizava os trabalhadores agrários de Também (no estado de Pernambuco). Durante as décadas de 1950 e 1960. O POR também publicou com bastante regularidade seu jornal Frente Operária, este legalmente sob a direção do depois conhecido sociólogo Leôncio Martins Rodrigues. As suas elaborações teórico-políticas, que passavam obrigatoriamente pelo filtro autoritário, e depois delirante, do endeusado “líder mundial” J. Posadas, apresentam muito menos interesse do que as realizadas previamente pela LCI, POL e o PSR.
Já sob a ditadura militar, o POR sofreria o assassinato do metalúrgico Olavo Hansen, em 1970. Durante a “democracia populista” quando o POR fora a única expressão do trotskismo organizado no Brasil, a sua linha foi de apoio aos setores nacionalistas, chegando a apoiar, como vimos, Jânio Quadros em 1953, “pelo seu programa antiimprialista”. As elaborações dos “posadistas” sofriam então influência do principal dirigente do Secretariado Internacional da IV Internacional, Michel Pablo, caracterizadas como “objetivistas” por desprezar o peso dos obstáculos subjetivos para a revolução. O POR afirmava, em 1959, no seu jornal Frente Operária, que “já se pode descartar como praticamente impossível uma inversão da situação, uma derrota efetiva as massas e o restabelecimento da normalidade capitalista”, ou, em 1960, que “a burguesia não tem força para submeter o movimento dos sargentos...”.
Se o POR foi a escola para militantes que teriam destaque em décadas posteriores, não teve o monopólio da matéria na década de 1960. Em suas lembranças, Luiz Alberto Bandeira pondera:

“Ai fundamos a revista Movimento Socialista, da qual saíram dois números. E em janeiro de 1961, no Congresso de Jundiaí, reuniram-se os militantes da Juventude Socialista, Mocidade Trabalhista, juventude do PTB (Teotônio dos Santos, Ruy Mauro Marine) de Minas Gerais, da Liga Socialista Independente e do POR. Nesse Congresso foi que se criou a Polop – Política Operária -, mas o POR decidiu não integrar a organização, assim como Sacchetta e mais uns dois ou três militantes da Liga Socialista Independente, que foi dissolvida. Os irmãos Sader (Emir e Eder) e Michael Lowy eram muito jovens e haviam entrado na LSI muito tempo depois de sua fundação. E aí lançamos a revista Política Operária, da qual fui diretor e que depois se transformou em jornal semanário, nos primeiros meses de 1964. Nessa época, houve a cisão na IV Internacional, com Posadas a dominar o BLA. Crispim foi expulso do POR, porque aderira ao nacionalismo de Agildo Barata (tenho muitas histórias engraçadas desse período). E, curiosamente, apesar de todo o sectarismo posadista, o POR cresceu no Brasil. Foram militantes Tullo Vigevani, Maria Hermínia Tavares de Almeida, entre outros.”

Com o golpe de 1964 e a repressão militar, o POR foi perdendo expressão. Durante a ditadura foi mais notável a atuação do POC (Partido Operário Comunista). O POC surgiu em 1968, a partir do que restou de uma cisão da Polop, resto que se fundiu com a dissidência do PCB, no Rio Grande do Sul. As outras organizações que emergiram do racha da Polop foram a VPR, Var Palmares e Colina. Outros militantes entraram na ANL, de Marighella. Estas organizações também sofreriam desagregação até dar lugar, no período de abertura política, a novas organizações, constituídas com base nas correntes trotskistas internacionais: a Convergência Socialista (Fundada no Chile, em 1973, como “Ponto de Partida”), a OSI (Organização Socialista Internacionalista, fundada em 1975 sobre a base da fusão de grupos preexistentes e que se tornaria conhecida pela sua tendência estudantil a “Libelú”, e seu jornal O Trabalho), a democracia Socialista, que recolheu os restos do POC e da Polop, e outros grupos “foquistas”. Mas isto pertence a outra etapa política, e até histórica, do Brasil.
Durante mais de três década o trotskismo brasileiro envidou esforços para a construção de organizações revolucionárias, inclusive durante períodos políticos muito difíceis e repressivos. Os resultados obtidos atingiram alguma importância, mas sempre efêmera e, como corrente política, o trotskismo brasileiro se caracterizou pela descontinuidade, além das já conhecidas divisões, as mais das vezes refletindo debates internacionais (que provocavam divisões e cisões também dessa escala). O trotskismo, por outro lado, foi uma referência mais que notável para a intelectualidade revolucionária, a ponto de vários dos mais destacados intelectuais de esquerda dessas quatro décadas (1930 até 1960), como Mario Pedrosa, Hermínio Sacchetta, Pagú, Lívio Xavier, Rodolfo Coutinho, Florestan Fernandes, Moniz Bandeira, Edmundo Moniz e outros também mencionados acima, terem no trotskismo e na IV Internacional u quadro fundamental das suas experiências e elaborações teórico-politicas. Mas estas mal e mal conseguiram se estabelecer com “tradição teórica”, provavelmente devido à própria descontinuidade político-organizativa do quadro partidário que lhe servia de referência estratégica. O resgate dessa tradição, que com certeza inclui boa parte do que melhor produziu o pensamento marxista brasileiro, implica porém, para ser completa e crítica, a reconstrução da trajetória política que lhe forneceu o seu leito histórico.

NOTAS

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O Outubro Alemão: A revolução perdida de 1923


Peter Schwarz
Em 1923, uma situação revolucionária extremamente favorável desenvolveu-se na Alemanha. Em 21 de dezembro, o Partido Comunista Alemão (KPD), em estreita colaboração com a Internacional Comunista (Comintern ou, ainda, III Internacional), preparou uma insurreição e cancelou-a no último minuto. Trotsky, depois, falou de "um clássico exemplo de como é possível perder uma situação revolucionária excepcional de importância histórica e mundial". [1]
A derrota alemã de 1923 teve conseqüências de longo alcance. Graças a ela, a burguesia alemã consolidou seu domínio e estabilizou a situação por seis anos. Quando a próxima grande crise irrompeu, em 1929, a classe trabalhadora foi totalmente desorientada pela direção stalinista do KPD. Isso levou diretamente aos eventos fatais que culminaram na ascensão de Hitler ao poder. A nível mundial, a derrota do Outubro Alemão aprofundou o isolamento da União Soviética e constituiu, portanto, um importante fator psicológico e material que fortaleceu a ascensão da burocracia stalinista.
A palestra de hoje irá se concentrar nas lições estratégicas e táticas do Outubro Alemão, lições que se transformaram rapidamente em um assunto polêmico de disputa entre a Oposição de Esquerda e a Troika liderada por Stalin, Zinoviev e Kamenev. Antes de tratarmos desses assuntos, faz-se necessário relatar os eventos de 1923.
A Alemanha em 1923
Todas as questões básicas que empurraram o imperialismo à Primeira Guerra Mundial em 1914 — acesso a mercados e matéria-prima para sua indústria dinâmica e a reorganização da Europa sob sua hegemonia — continuaram sem solução em 1923. Além de terem perdido a guerra com um tremendo custo de vidas humanas e recursos materiais, a Alemanha foi obrigada pelo acordo de Versalhes a pagar quantias imensas em reparação ao seu maior rival, a França, assim como a outras potências imperialistas.
Os anos imediatamente após a Guerra, de 1918 a 1921, caracterizaram-se por uma série de levantes revolucionários que somente foram abafados pelos esforços conjuntos da Social-Democracia e das forças paramilitares de direita. Em 11 de janeiro de 1923, as tropas francesas e belgas ocuparam o Ruhr e reascenderam a crise social e política na Alemanha.
O governo francês justificou a ocupação militar do centro da indústria alemã de aço e carvão declarando que a Alemanha não havia cumprido com suas obrigações de pagar as reparações de guerra. O governo alemão — um regime de extrema direita liderado pelo industrialista Wilhelm Cuno e tolerado pelo Partido Social-Democrata — reagiu chamando resistência pacífica. Na prática, isso significou o boicote das forças de ocupação pelas as autoridades locais e as companhias do Ruhr. O governo continuou a pagar os salários da administração local e ofereceu subsídios aos barões do carvão e do aço para compensar suas perdas.
O resultado desses enormes gastos e da ausência de carvão e aço do Ruhr, produtos de extrema necessidade, foi o colapso completo da moeda alemã. O marco, já altamente inflado, era negociado a 21.000 por dólar no início do ano. Ao final do ano, quando a inflação alcançou seu ápice, a taxa de câmbio chegou a quase 6 trilhões de marcos por dólar — um número com 12 casas decimais!
O impacto social e político da hiperinflação foi explosivo. A sociedade alemã foi polarizada de forma jamais vista. Para os trabalhadores, a inflação era uma ameaça à vida. Quando recebiam seus salários ao final da semana, estes mal cobriam o valor do papel sobre o qual as enormes somas eram impressas. As esposas aguardavam nos portões das fábricas para correrem ao mercado mais próximo e comprarem algo antes que o dinheiro perdesse seu valor no dia seguinte.
Só para dar um exemplo: um ovo custava 300 marcos no dia 3 de fevereiro. Em 5 de agosto, custava 12.000 marcos e, três dias depois, 30.000 marcos. Mesmo sendo os salários ajustados com a inflação, o salário médio calculado em dólares caía 50% ao longo de 6 meses. Ao mesmo tempo, o número de desempregados inflava — de menos que 100.000 ao início do ano a 3,5 milhões de desempregados e 2,3 milhões de trabalhadores em empregos a curto-prazo ao final do ano.
Mas os trabalhadores não eram os únicos arruinados pela hiperinflação. Aqueles que viviam em pensões perderam todos os seus meios de subsistência. Aqueles que haviam economizado um pouco de dinheiro perdiam tudo da noite para o dia. Para sobreviver, muitos tinham que vender suas casas, jóias e tudo mais que houvessem guardado durante toda a vida, apenas para descobrirem, no dia seguinte, que o rendimento não valia mais nada.
Arthur Rosenberg, que escreveu a primeira história oficial da república de Weimar, em 1928, afirmou: "A expropriação sistemática das classes médias alemãs, não por um governo socialista, mas por um Estado burguês dedicado à defesa da propriedade privada, foi um dos maiores roubos da história mundial". [2]
Do outro lado do abismo social estava um grupo de especuladores, aproveitadores e industrialistas que fizeram enorme fortuna com a inflação. Qualquer um que obtivesse acesso a moedas estrangeiras ou a ouro poderia exportar mercadorias alemãs ao exterior e colher lucros enormes, devido aos baixos salários. Essas eram as forças por detrás do governo Cuno. O mais famoso deles foi Hugo Stinnes, que comprou 1.300 fábricas e fez bilhões nesse período. Stinnes também foi, nos bastidores, um grande articulador político.
A polarização social e a falência das classes médias fez surgir uma aguda polarização política.
O Partido Social-Democrata Alemão (SPD) perdeu rapidamente tanto membros quanto eleitores e desintegrou-se. Desde a derrubada do Kaiser pela Revolução de Novembro de 1918, ele havia se aliado ao alto comando militar e às forças paramilitares de direita, as Freikorps, para reprimir a revolução proletária e assassinar seus líderes mais destacados — Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
O SPD era o único partido na Alemanha que defendia a república de Weimer incondicionalmente. Todos os outros partidos burgueses preferiram uma forma mais autoritária de dominação. Friedrich Ebert, líder do SPD, foi o primeiro presidente da República de Weimer. Ele ocupou o gabinete presidencial até sua morte, em 1925, isto é, durante todo o período do qual tratamos nesta palestra.
O papel contra-revolucionário do SPD afastou muitos trabalhadores e levou-os ao Partido Comunista Alemão, o KPD. Mas, no início de 1923, os sindicatos e camadas de trabalhadores mais conservadoras ainda apoiavam o SPD. Com o impacto da inflação, isso mudou rapidamente.   
O historiador Rosenberg, membro dirigente do KPD em 1923 (mais tarde Rosenberg juntou-se ao SPD), escreve: "Durante o ano de 1923, o SPD perdeu forças de forma constante... Os sindicatos, em especial, que sempre haviam sido o principal pilar de influência do SPD, estavam em total desintegração... Milhões de trabalhadores alemães não queriam mais ouvir ou falar das velhas táticas sindicais e abanaram as associações... A desintegração dos sindicatos era sinônimo da paralisia do SPD". [3]
Enquanto o SPD se desintegrava, trabalhadores social-democratas ouviam atentamente o que os comunistas tinham para dizer. Dentro do SPD desenvolveu-se uma ala esquerda pronta para colaborar com o KPD. Como veremos, governos de coalizão da esquerda do SPD e KPD foram formados na Saxônia e Turíngia por um breve período de outubro. Enquanto o número de filiados do SPD diminuía, a influência do KPD crescia. Seus filiados cresceram de 225 mil para 295 mil dentro de um ano.
Não houve eleições nacionais entre 1920 e 1924, portanto não há estimativas confiáveis do apoio eleitoral do KPD. Mas, uma eleição ocorrida no pequeno estado rural de Mecklenburg-Strelitz nos dá uma idéia. Em 1920, o SPD recebeu 23.000 votos e o SPD-Independente (USPD, que mais tarde juntou-se ao KPD), 2.000. O KPD não participou. Em 1923, ambos, o SPD e o KPD, receberam aproximadamente 11.000 votos. No Saar, uma região mineira antes dominada pelo catolicismo, o KPD aumentou sua votação entre 1922 e 1924 de 14.000 a 39.000.           
Dentro dos sindicatos, a influência comunista crescia proporcionalmente à custa do SPD. Quando os delegados do congresso da União dos Trabalhadores Metalúrgicos da Alemanha foram eleitos em Berlim, o KPD teve muito mais votos do que o SPD. Receberam 54.000 votos, enquanto que o SPD obteve 22.000 — menos que a metade do KPD. De acordo com um líder do KPD, em junho o partido tinha 500 seções nos principais sindicatos. Aproximadamente, 720.000 metalúrgicos apoiavam os comunistas. O historiador da Alemanha ocidental, Hermann Weber, comenta em seu livro sobre a história do KPD: "O ano de 1923 mostrou uma crescente influência do KPD, que tinha provavelmente a maioria dos trabalhadores socialistas por detrás". [4]
O KPD antes de 1923
Em 1923 o KPD era tudo, exceto um partido unificado. Tinha apenas quatro anos de idade, mas já havia passado por eventos tumultuosos, diversas mudanças na direção, rachas e fusões e estava afetado por intensas divisões internas.
Seu líder teórico e político mais brilhante foi, sem sombra de dúvida, Rosa Luxemburgo, que fora assassinada apenas duas semanas antes da fundação do partido — uma perda irreparável. Luxemburgo era uma revolucionária de enorme coragem e integridade. Seus escritos sobre o revisionismo e sua luta contra o giro à direita da Social-Democracia — que vislumbrou antes e mais precisamente do que Lênin — são parte do que já foi escrito de melhor na literatura marxista.
Mas, assim como Trotsky — e por mais tempo que ele — Luxemburgo não tirou as mesmas conclusões organizativas que Lênin tirou, corretamente, do revisionismo. Mesmo depois de 4 de Agosto de 1914, quando formou o Gruppe Internationale, mais tarde chamado de Spartakusbund [Liga Espártaco], Luxemburgo não rompeu formalmente com o SPD. Seu slogan era: "Não abandone o partido, mude o rumo do partido".
Em 1915, os espartaquistas rejeitaram o chamado de Lênin por uma nova internacional na Conferência de Zimmerwald e, mais tarde, em Março de 1919, o delegado do KPD para o primeiro congresso da Terceira Internacional, Hugo Eberlein, absteve-se na votação para a fundação de uma nova internacional. Ele fora instruído pelo KPD a votar contra, mas foi persuadido em Moscou de que a decisão era correta — então absteve-se.
Quando o SPD-Independente (USPD) foi formado em 1917, por membros do SPD pertencentes ao Reichstag [Parlamento Alemão] que foram expulsos do SPD por se recusarem a votar por novos créditos para a guerra, Luxemburgo e a Liga Espártaco uniram-se a essa organização centrista com uma facção. Fizeram isso apesar do fato de que entre os lideres mais proeminentes do USPD estavam Karl Kautsky e Eduard Bernstein, líder teórico do revisionismo alemão.
Luxemburgo justifica isso em um artigo declarando que a Liga Espártaco não se uniu ao USPD para dissolver-se em uma oposição enfraquecida. "Ela se uniu ao novo partido — confiante no agravamento cada vez maior da situação social e trabalhando por isso — para impulsionar o partido adiante, para ser sua consciência encorajadora... e para tomar a liderança do partido", escreveu ela. [5]
Luxemburgo atacou severamente a Esquerda de Bremen — liderada por Karl Radek e Paul Frölich, posteriormente biógrafo de Luxemburgo — que se recusou a entrar para a USPD e a descreveu como uma perda de tempo. Ela denunciou sua defesa de um partido independente como um Kleinküchensystem ["sistema de pequenas cozinhas", no sentido da fragmentação] e escreveu: "É uma pena que esse sistema de pequenas cozinhas esqueceu-se do principal, as condições objetivas, que, em última análise, são decisivas e serão decisivas para a ação das massas... Não é suficiente que um punhado de pessoas tenha a melhor receita em seus bolsos e saibam como conduzir as massas. O pensamento das massas deve ser libertado das tradições dos últimos 50 anos. Isso só é possível com um grande processo de continua auto-crítica interna do movimento como um todo". [6]
Foi somente em Dezembro de 1918, um mês depois que três líderes do USPD uniram-se a um governo provisório, liderado pelos lideres de direita do SPD Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann, que os espartaquistas romperam com o USPD. O Governo de Ebert tornou-se o executor da revolução de Novembro. Ele logo se aliou ao comando militar. O USPD, que já tinha cumprido seu papel, não era mais necessário.
No final do ano, em meio a violentas lutas revolucionárias, o KPD foi finalmente fundado pela Liga Espártaco, pela Esquerda de Bremen e mais outras organizações de esquerda.
O atraso na fundação de um verdadeiro partido revolucionário, independente dos Social-Democratas e dos centristas se deu por conta, até certo ponto, das muitas tendências ultra-esquerdistas que surgiram na Alemanha no inicio dos anos 1920. A traição do SPD — primeiro em 1914, quando apoiou a guerra e, depois, em 1918, quando afogou a revolução em sangue — levou a uma reação entre os trabalhadores que, na ausência de uma organização resoluta de cunho Bolchevique, buscaram diferentes formas ultra-esquerdistas ou mesmo anarquistas. Esse problema iria atormentar o KPD por um longo tempo.
No congresso de fundação do KPD, Luxemburgo estava com uma minoria em relação a participar das eleições para a assembléia nacional. A maioria era contra. Também havia muitas outras tendências ultra-esquerdistas fora do partido.
Em Abril de 1920, depois de uma revolta armada de trabalhadores em Ruhr, a esquerda rachou e formou o KAPD [Partido Comunista Operário da Alemanha], promovendo idéias ultra-esquerdistas, anti-parlamentaristas e anarquistas. O KAPD levou consigo uma considerável parcela dos membros do KPD — de acordo com algumas fontes, a maioria. Mas se desintegrou rapidamente, já que não tinha um programa coerente. A Internacional Comunista, com algum sucesso, tentou reaver as seções ainda sãs do KAPD e até mesmo os convidou para um de seus congressos.
Entretanto, em 1919 foi principalmente o USPD que se beneficiou com o giro a esquerda da classe operária. Na eleição de 1920 ao Reichstag, o SPD recebeu 6 milhões de votos, o USPD 5 milhões e o KPD 600,000.
O USPD foi um clássico partido centrista. A direção caminhava para a direita, cruzando com trabalhadores que caminhavam para a esquerda. Muitos trabalhadores que apoiavam o USPD admiravam a União Soviética. Os lideres de direita do USPD encontravam-se cada vez mais isolados. Com suas 21 condições para associação, o Segundo Congresso da Internacional Comunista aprofundou os rachas dentro do USPD.
Em Dezembro de 1920, a maioria finalmente se uniu ao KPD — ou VKPD [Partido Comunista Unificado da Alemanha], como ficou conhecido por algum tempo. A minoria, mais tarde, voltou a se unir ao SPD. A fusão com o USPD aumentou cinco vezes a quantidade de membros do KPD e o transformou num partido de massas. Mas, os novos membros trouxeram consigo muitos vícios do passado e tradições centristas do USPD.
Em Março de 1921, uma revolta fracassada na Alemanha Central — a chamada Märzaktion [Ação de Março] — provocou uma nova crise nas fileiras do KPD. Depois que o governo nacional enviou unidades policiais até as fábricas para desarmar os operários, o KPD e o KAPD chamaram greve geral e a derrubada do governo nacional. Esse levante foi claramente prematuro e acabou numa derrota sangrenta.
Aproximadamente 2.000 trabalhadores foram mortos na luta e na violenta repressão que se seguiu. Por conseguinte, Paul Levi, amigo próximo de Rosa Luxemburgo e um dos principais líderes do partido, que corretamente se opôs ao levante desde o começo, impiedosamente atacou o partido em publico. Ele foi expulso e, depois, voltou ao SPD.
Os eventos do Março Alemão foram o foco do debate no Terceiro Congresso da Internacional Comunista, realizado de 22 de Junho a 21 de Julho de 1921, em Moscou. Trotsky mais tarde descreveu o Congresso como um "marco" e resumiu sua significância da seguinte forma: "Ele apontou o fato de que os recursos dos partidos comunistas, tanto politicamente quanto organizativamente, não foram suficientes para a conquista do poder. Ele promoveu o slogan ‘Às massas,' isto é, a conquista do poder através de uma conquista anterior das massas, realizada com base na vida cotidiana e nas lutas. As massas continuam vivendo sua vida cotidiana em uma época revolucionaria, mesmo que de uma maneira diferente..." [7]
O Terceiro Congresso desenvolveu exigências transitórias, a tática da Frente Única e a palavra de ordem de Governo Operário, para ganhar a confiança dos trabalhadores que ainda apoiavam os Social-Democratas. Insistia-se na necessidade de trabalhar nos sindicatos.
Isso foi de encontro com a resistência furiosa das tendências de esquerda e ultra-esquerda dentro do KPD, que promoviam a chamada "teoria ofensiva" e rejeitavam qualquer forma de compromisso, assim como o trabalho no parlamento e nos sindicatos. Eles eram apoiados por Nikolai Bukharin, que seria mais tarde o líder da Oposição de Direita, que defendia uma "ofensiva revolucionaria ininterrupta". Foi em resposta a essas tendências que Lênin escreveu seu folheto "Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo".

Ao estudarmos esses conflitos, é notável que Lênin, assim como Trotsky, tenha tentado uma aproximação extremamente paciente das diferentes facções no KPD. Eles tentaram educar, explicar, integrar e prevenir rachas prematuros. Contiveram os esquentados da esquerda e da direita, que queriam expulsar seus oponentes. Tentaram manter Levi no partido até que seu comportamento provocativo tornou a tarefa impossível.

Durante o Terceiro Congresso, eles passaram horas discutindo em pequenos grupos com diferentes facções da KPD. Ao mesmo tempo em que eram intransigentes em relação à esquerda infantil, também perceberam certo conservadorismo na liderança do partido, a qual essas esquerdas atacavam. Em outras palavras, Lênin e Trotsky tentaram desenvolver uma direção balanceada e experiente, treinada para lidar com contradições e reagir rapidamente assim que uma situação se alterasse, o que entra em choque com as praticas que a Comintern desenvolveu sob a direção de Stalin.
Os eventos do Ruhr
Retomemos alguns eventos de 1923.
Um ano e meio após o Terceiro Congresso da Internacional Comunista (Comintern ou III Internacional), os conflitos internos ao Partido Comunista Alemão (KPD) ainda não estavam resolvidos. Após a ocupação do Ruhr pelo exército francês, os conflitos entre a direção majoritária do partido e a oposição de esquerda irromperam novamente e com toda a força. As diferenças emergiram sobre a questão do apoio dado pelo KPD ao governo da ala esquerda do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) na Saxônia, bem como sobre a política a ser adotada na região do Ruhr, ocupada pelos franceses.
No momento, o partido era dirigido por Heinrich Brandler, membro fundador da Liga Espártaco [Spartakusbund]. Enquanto muitos dos esquerdistas passavam para a direita, uma nova facção de esquerda se agrupava sob direção de Ruth Fischer, Arkadi Maslow e — em menor grau — Ernst Thälmann. Fischer e Maslow eram ambos jovens intelectuais que ingressaram no movimento após a guerra. Tinham a maioria da seção de Berlin atrás de si. Thälmann era um trabalhador que ingressara no KPD por meio do SPD-Independente (USPD) e era dirigente do partido em Hamburgo.
No dia 10 de Janeiro, caiu o governo do SPD na Saxônia e o KPD conduziu uma campanha por uma frente única e um governo dos trabalhadores. Enquanto isso, a maioria do SPD defendia uma coalizão com partidos burgueses e apenas uma minoria de esquerda defendia a aliança com o KPD. Este, por sua vez, desenvolveu uma forte e vigorosa agitação e publicizou um "Programa dos Trabalhadores" que incluía as seguintes demandas: confisco das propriedades da antiga família real; armamento dos trabalhadores; desmantelamento do judiciário, da polícia e da administração governamental (parlamento); chamado por um congresso dos conselhos de fábricas e pelo controle dos preços pelos comitês eleitos.
Tais reivindicações ganharam apoio dentro do SPD, onde a ala esquerda tornou-se maioria. Ela aceitava o "Programa dos Trabalhadores" com apenas uma exceção: a dissolução do parlamento e a convocação de um congresso de conselhos de fábricas. Com base nisso, retirando esses pontos do programa, um governo do SPD foi criado com apoio do KPD.
Esse passo foi apoiado pela maioria do KPD, inclusive por Karl Radek, no momento uma importante figura dirigente da Internacional, mas bastante denunciado pela esquerda do KPD. Estes viam seu apoio ao governo da Saxônia não como uma tática momentânea para ganhar os trabalhadores social-democratas, mas como uma adaptação aos social-democratas de esquerda, os quais consideravam iguais aos de direita. Suas suspeitas não eram sem razão. Como mostraram os eventos ulteriores, em 21 de Outubro, Brandler desmantelou a insurreição em preparo porque os social-democratas diziam não estar prontos para apoiá-la.
No Ruhr, o KPD distanciava-se bastante do SPD, que dava amplo apóio à campanha de "resistência passiva" do governo de Wilhelm Cuno. O Governo Cuno, por sua vez, colaborava com as gangues paramilitares — apoiadas secretamente pelo exército e composta de elementos claramente fascistas — encorajando-as a realizar atos de sabotagem contra os franceses. Tais medidas atraíam reacionários e fascistas de toda Alemanha para o Ruhr. O SPD encontrou-se, portanto, em verdadeira aliança com tais forças.
O KPD denunciou o nacionalismo do SPD como um repetição de sua política de 1914, quando votou pelos créditos da guerra imperialista, e opôs-se fortemente a ela. Chamava pela luta tanto contra a ocupação francesa quanto contra o governo berlinense. Uma edição do Rote Fahne [Bandeira Vermelha — Jornal do KPD] trazia como manchete: "Lutar contra Poincaré e Cuno no Ruhr e em Spree". Tais linhas logo se confirmaram, quando os trabalhadores começaram a se rebelar contra as insuportáveis condições sociais, protestando contra a ocupação francesa, contra os industrialistas locais, bem como contra o governo de Berlin.
Mas, logo os líderes da esquerda do KPD assumiram uma posição diferente, agitando-a nos encontros do partido em Ruhr. Ruth Fischer defendia um chamado para que os trabalhadores tomassem as fábricas e minas; pela tomada do poder político e o estabelecimento da República Democrática dos Trabalhadores do Ruhr. Esta República poderia, então, tornar-se base para um exército dos trabalhadores que, por sua vez, iria "marchar até a Alemanha central, tomar o poder em Berlin e destruir de uma vez por todas a contra-revolução nacionalista". [8]
Sua linha era, na verdade, aventureira, repetição da ação de Março de 1921. Um levante no Ruhr teria permanecido isolado e sem apoio no resto da Alemanha. Além disso, o Ruhr estava cheio de organizações fascistas e paramilitares que não aceitariam passivamente um levante operário. Os franceses, por sua vez, olhavam com bons olhos os protestos contra o governo alemão, mas assumiriam outra posição em relação a uma insurreição operária.
Diante do crescimento da briga entre as facções do KPD, Zinoviev, então secretário da Internacional Comunista, convidou ambos os lados para Moscou, onde assumiram um compromisso. Assim, a Internacional concordava com o apoio dado ao SPD, embora criticasse algumas formulações do apoio, indicando que essa deveria ser uma tática apenas momentânea. Em relação ao Ruhr, rejeitou os planos de Fischer.
A resolução acordada, aprovada por unanimidade, não dava indicações de que a direção da Internacional estava atenta à velocidade dos eventos na Alemanha, ou mesmo que tirava muitas conclusões de tais eventos. Pelo contrário, a resolução dizia: "As diferenças surgidas do lento desenvolvimento revolucionário da Alemanha e das dificuldades objetivas às quais conduz, alimentam, simultaneamente, divergências de direita e de esquerda". [9]
A "Linha Schlageter"
Em junho, Radek introduziu uma nova linha que, posteriormente, confundiu e desorientou o KDP — era a chamada "Linha Schlageter".
O KPD preocupava-se, há certo tempo, com o crescimento do fascismo na Alemanha. Em 22 de outubro, Mussolini tomou o poder em Roma, após uma campanha violenta de seus destacamentos armados, os fasci, contra as organizações operárias e trabalhadores militantes.
Na Alemanha, anteriormente, a extrema-direita limitava-se apenas a remanescentes do exército imperial e a pequenos partidos anti-semitas. Mas, em 1923, começava a crescer e ganhar base social, embora muito menor que a de Hitler na década de 1930. Atividades contra os "Criminosos de novembro", contra os judeus e estrangeiros encontraram apoio entre elementos deslocados da pequeno-burguesia, bem como entre alguns trabalhadores pauperizados pelo impacto da inflação. No Ruhr, membros da extrema-direita apresentavam-se como heróicos combatentes contra a ocupação francesa.
A Baviera, em particular, com suas largas áreas rurais, tornou-se praticamente um baluarte da extrema-direita. Após a repressão sangrenta à Republica Soviética de Munique, em 1919, a região tornou-se antro de organizações nacionalistas, fascistas e paramilitares.
Em 7 de abril, Albert Schlageter, um membro da Freikorps, foi preso pelo exército francês em Düsseldorf porque tinha participado de ataques com bomba a estradas de ferro. Foi sentenciado à morte por uma corte militar e executado em 26 de maio. A direita imediatamente o tornou um mártir. Na reunião do Comitê Executivo da Internacional Comunista (ECCI), em junho, Radek propôs que o KPD disputasse os trabalhadores e os elementos pequeno-burgueses seduzidos pelo fascismo, juntando-se a essa campanha e adaptando-se ao nacionalismo dos fascistas.
"As massas pequeno-burguesas, os intelectuais e técnicos que desempenharão um importante papel na revolução assumem a posição de um antagonismo nacional ao capitalismo, que os está relegando", defendeu Radek. "Se nós queremos ser um partido dos trabalhadores, capaz de empreender a luta pelo poder, temos que achar um caminho que possa nos aproximar das massas, e devemos encontra-lo não por meio da diminuição de nossas responsabilidades, mas pela defesa de que a classe trabalhadora sozinha pode salvar a nação". [10]
Mais tarde, na reunião, elogiou solenemente Schlageter que, enquanto "um valente soldado da contra-revolução", ainda "merece sinceras homenagens da nossa parte, como soldados da revolução." "O ocorrido a este mártir do nacionalismo alemão não deve ser esquecido, ou meramente honrado em breves palavras", disse Radek. "Nós precisamos fazer de tudo para proteger os homens que, como Schlageter, estão prontos para dar suas vidas por uma causa comum, vindo a ser não viajantes no vazio, mas viajantes na direção de um futuro melhor para toda a humanidade".
A Linha Schlageter foi eleita pela Rote Fahne e predominou por diversas semanas. Ela criou uma grande confusão entre as fileiras comunistas, as quais tinham resistido até então às pressões nacionalistas. Por outro lado, não há a mínima indicação de que tenha enfraquecido as fileiras nazistas — com a exceção de alguns poucos e desorientadas nacional-bolcheviques, que entraram para o KPD e criaram muitos problemas antes que fosse possível livrar-se deles novamente. A campanha-Schageter proveu de ampla munição a propaganda anticomunista do SPD e tornou muito difícil para o Partido Comunista Francês (PCF) organizar a solidariedade entre os soldados franceses para com os trabalhadores alemães.
A greve contra Cuno
Enquanto Radek desenvolveu a Linha Schlageter, a luta de classes na Alemanha se intensificou. Em junho e julho, agitações e greves contra a alta dos preços estouraram por todo o país. Participavam com freqüência centenas de milhares de trabalhadores, entre eles setores que nunca antes tinham participado de uma luta social. Para dar um exemplo: No começo de junho, 100.000 trabalhadores rurais e 10.000 diaristas entraram em greve em Brandenburgo.
Em 8 de agosto, o Chanceler Cuno se dirigiu ao Reichstag [Parlamento]. Exigia novos cortes e ataques sobre a classe trabalhadora e combinava tais demandas com voto de confiança. O SPD buscava salvar-se abstendo-se de votar. Em seguida, tendo início em Berlim, desenvolveu-se uma espontânea onda de greves exigindo a renúncia do governo de Cuno. Em 10 de agosto, uma conferência de representantes de sindicatos, sob pressão do SPD, rejeitou o chamado por uma greve geral. Mas, no dia seguinte, uma conferência de conselhos de fábrica, apressadamente convocada pelo KPD, tomou a iniciativa e anunciou uma greve geral. Três milhões e meio de trabalhadores participaram. Em diversas cidades, aconteceram batalhas com os policiais e dezenas de trabalhadores mortos. No dia seguinte, o governo Cuno renunciou. As leis burguesas foram profundamente abaladas. "Nunca houve um período na história moderna alemã que foi tão favorável para uma revolução socialista como no verão de 1923", escreveu Arthur Rosenberg. Momentaneamente, o SPD salvou a burguesia. Contra considerável resistência nas suas próprias fieiras, entrou num governo de coalizão liderado por Gustav Stresemenn do Deutsche Volkspartei (DVP — Partido Popular Alemão), um grande partido de negócios.
Preparando a revolução
Somente então, após as greves contra Cuno, em agosto, o KPD e a Internacional Comunista percebeu a oportunidade revolucionária que havia se desenvolvido na Alemanha. Em 21 de agosto — ou seja, exatamente dois meses antes da insurreição cancelada por Brandler — o Bureau Político do Partido Comunista Russo decidiu preparar-se para uma revolução na Alemanha. Formou uma "Comissão de Obrigações Internacionais" para supervisionar o trabalho na Alemanha. Ela era composta por Zinoviev, Kamenev, Radek, Stalin, Trotsky e Chicherin — e, depois, Dzerzhinsky, Pyatakov e Skolnikov.
Nos dias e semanas que se seguiram, houve numerosas discussões e contínua correspondência com os líderes do KPD, que freqüentemente viajavam a Moscou. Suporte financeiro, logístico e militar foi organizado para armar centenas de operários, preparados nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Pyatakov e Skolnikov foram mandados para a Alemanha, para preparar o levante.
Mas foi Trotsky, acima de tudo, quem lutou incansavelmente para superar o fatalismo e a complacência existentes na seção alemã e no Partido Russo. Enquanto isso, Stalin escreveu a Zinoviev: "Na minha opinião, os alemães precisam ser contidos e não encorajados", e "Para nós, seria uma vantagem os fascistas entrarem em greve antes". Trotsky insistiu que e insurreição devia ser preparada em um período de semanas, ao invés de meses, e a data definitiva devia ser escolhida. [11]
O que a primeira vista parecia apenas uma proposta organizativa — a escolha de uma data — era, na realidade, uma grande proposta política. De acordo com a preocupação de Trotsky, a principal tarefa no momento era concentrar todas as energias e atenções do partido no preparo da revolução. De uma preparação propagandística mais geral, ela tinha de passar à preparação prática da insurreição.
Durante o encontro do Bureau Político do Partido Russo, em 21 de agosto, Trotsky disse: "O quão longe vai o ânimo das massas revolucionárias alemãs? A sensação de que estão no caminho da revolução — tal sentimento existe. O problema posto é o problema da preparação. O caos revolucionário não pode ser selado com borracha. A questão é: ou começamos a revolução, ou a organizamos". Trotsky alertou sobre o perigo de que fascistas bem organizados poderiam esmagar ações descoordenadas de trabalhadores, e exigiu: "O KPD precisa escolher um tempo limite para a preparação, para a preparação militar e — em tempo correspondente — para agitação política".
Tal linha sofreu maior oposição por parte de Stalin. Este argumentava contra um tempo planejado, alegando que "os trabalhadores continuam acreditando na Social-democracia" e que o governo poderia durar por outros oito meses. [12]
Brandler, em uma carta para o Comitê Executivo da Internacional datada de 28 de agosto, também sustentava um longo período: "Eu não acredito que o governo Stresemann vai viver muito mais", escreveu. "Entretanto, não acredito que a próxima onda, que já se aproxima, vai decidir a questão do poder. (...) Nós devemos tentar concentrar nossas forças para que possamos, se for inevitável, assumir a luta em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, fazer os preparativos para estarmos prontos com o trabalho mais sólido em cinco meses". Além disso, acrescentou que acreditava que um período de seis a oito meses seria o mais provável. [13]
Em discussões posteriores entre a comissão russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto do cronograma. Interrompeu a discussão sobre a posição a respeito do problema do Ruhr, e disse: "Eu não compreendo por que tanta relevância é dada para o caso Ruhr. (...) O problema, agora, é tomar o poder na Alemanha. Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso".
Trotsky respondeu, então, às preocupações de que os trabalhadores alemães lutariam por reivindicações econômicas, mas não tão facilmente por objetivos políticos. "A inibição política é nada mais que certa dúvida, por conta das marcas que as derrotas anteriores deixaram no cérebro das massas", disse. "O partido só pode ganhar a classe trabalhadora alemã para a luta revolucionária decisiva — e a situação está aqui, agora —, se convencer uma larga seção da classe trabalhadora, sua direção, de que também é organizacionalmente capaz de liderar a vitória no sentido mais concreto da palavra... A expressão de tendências fatalistas pelo partido, aí é que está o grande perigo".
Trotsky explicou, em seguida, que o fatalismo pode assumir diferentes formas: primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o que é repetido todos os dias. Isso se torna usual e a política passa a ser esperar pela revolução. Então, se dá armas aos trabalhadores e se diz que isso levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, é apenas o "fatalismo armado".
Através da informação repassada por seus camaradas alemães, Trotsky concluiu que eles concebiam a tarefa como fácil demais. "Se a revolução é para ser mais do que uma perspectiva confusa", disse ele, "se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa prática, organizativa... É preciso estabelecer uma data, preparar e lutar." [14]
Em 23 de setembro, Trotsky publicou, inclusive, um artigo no Pravda: "Pode uma Contra-revolução ou Revolução ser Feita com Tempo Marcado?" Trotsky discutia a questão em termos gerais, sem mencionar a Alemanha, já que o pedido de definição de uma data para a revolução alemã por um representante-chave da direção, como ele, poderia provocar uma crise internacional ou mesmo uma guerra. Mas, mesmo assim, o artigo é uma contribuição à discussão sobre a Alemanha.
A revolução perdida
Uma data para o levante foi finalmente definida: 9 de novembro. Mas, os eventos ganhavam velocidade.
Em 26 de setembro, o chanceler Stresemann anunciou o fim da resistência passiva contra a ocupação francesa do Vale do Ruhr. Argumentou que não havia outra maneira de controlar a hiperinflação. Isso provocou a extrema-direita. No mesmo dia, o governo da Baviera decretou estado de emergência e instalou uma ditadura liderada por Ritter von Kahr. Von Kahr colaborou com os nazistas de Hitler e, imitando a marcha de Mussolini sobre Roma, planejou uma marcha em Berlim para instalar uma ditadura nacional. Kahr tinha o apoio do comandante das tropas da Reichswehr [Defesa do Império], posicionadas na Baviera.
O governo de Berlim reagiu estabelecendo sua própria forma de ditadura. Todo o poder executivo foi transferido ao Ministro da Defesa, que o delegou ao General Hans von Seeckt, comandante da Reichswehr. Seeckt simpatizava com a extrema-direita e se recusava a disciplinar os comandantes bávaros rebelados. Líderes industriais, como Hugo Stinnes, apoiavam o plano de uma ditadura nacional, optando por Seeckt como ditador.
Em 13 de outubro, o Reichstag, depois de vários dias de discussão, aprovou um ato autorizando a abolição pelo governo das conquistas sociais da revolução de novembro, incluindo a jornada de 8 horas. O SPD votou a favor do ato. Enquanto os ministros do SPD e outros planejavam novos ataques aos direitos dos trabalhadores, um golpe que lhes poderia custar a vida era preparado.
A Saxônia e a Turíngia eram os centros da resistência da classe trabalhadora contra tais preparações contra-revolucionárias. Nos dois estados, em 10 e 16 de outubro, respectivamente, o KPD juntou-se aos governos da esquerda do SPD. Isso era parte do plano elaborado em Moscou. Pela entrada em um governo de coalizão, o KPD esperava fortalecer sua posição e ter acesso a armas.
Mas, apesar do fato de que ambos os governos eram formados de acordo com a lei existente e dirigidos por uma maioria parlamentar, o comandante da Reichswehr na Saxônia, General Müller, se recusava a reconhecer a autoridade de ambos os governos. Em concordância com o governo berlinense, submeteu a polícia ao seu próprio comando.
Ameaçado pela Baviera, que faz fronteira com a Saxônia e a Turíngia no sul, e pelo governo central em Berlim, situado ao norte, o KPD teve de adiantar seus planos para a revolução. Chamou um congresso de conselhos de fábrica em Chemnitz, Saxônia, no dia 21 de outubro. O congresso deveria convocar uma greve geral e dar o sinal para a insurreição em toda a Alemanha.
Mas, como os social-democratas de esquerda não concordavam, Brandler cancelou os planos e interrompeu o levante. A maioria dos delegados teriam apoiado a convocação da greve geral, como Brandler escreveu em uma carta privada a Clara Zetkin, sua confidente próxima. Mas, mesmo assim, ele não quis agir sem o apoio dos social-democratas de esquerda.
"Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que não poderíamos, sob quaisquer circunstâncias, partir para a luta decisiva, uma vez que não havíamos conseguido convencer a esquerda do SPD a assinar a decisão de greve geral", escreveu Brandler. "Contra a massiva resistência, eu mudei o curso e evitei que nós, Comunistas, fossemos ao combate sozinhos. É claro que poderíamos ter recebido uma maioria de dois terços em favor de uma greve geral na conferência de Chemnitz. Mas, o SPD teria deixado a conferência, e seus slogans confusos, sobre como a intervenção do Reich contra a Saxônia tinha simplesmente o propósito de ocultar a intervenção do Reich contra a Baviera, teriam quebrado nosso espírito de luta. Então, eu conscientemente lutei por um compromisso desagradável". [15]
A decisão de cancelar a revolução não chegou em Hamburgo a tempo. Lá, uma insurreição foi organizada, mas permaneceu isolada e foi derrotada dentro de 3 dias.
Embora o congresso de Chemnitz ainda estivesse reunido, o Reichswehr começou a ocupar a Saxônia. Conflitos armados causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28 de outubro, o presidente Friedrich Ebert — um social-democrata — deu ordens ao Reichsexekution contra a Saxônia. Ordenou a remoção forçada do governo da Saxônia — encabeçado por Erich Zeigner, também um social-democrata — pelo Reichswehr. A indignação pública foi tão massiva, que o SPD foi obrigado a retirar-se do governo Stresemann em Berlim. Alguns dias depois, o Reichswehr entrou na Turíngia e removeu o governo local.
A deposição desses dois governos de esquerda por Ebert e Seeckt encorajou a extrema-direita da Baviera. No dia 8 de novembro, Adolf Hitler proclamou a "revolução nacional" em Munique e ensaiou um golpe. Seu objetivo era forçar o ditador da Baviera, Kahr, a marchar em Berlim e, lá, tomar o poder. Hitler foi apoiado pelo General Ludendorff, um dos mais altos comandantes militares da Primeira Guerra Mundial.
O golpe Hitler-Ludendorff falhou. Berlim já havia se movido tanto para a direita que a direita da Baviera não precisava mais de uma figura tão dúbia como Hitler. Ebert se acomodou ao golpe, delegando o comando sobre todas as forças armadas e o poder executivo a Seeckt. Embora as instituições da República de Weimar ainda existissem formalmente, a Alemanha seria, então, governada por uma ditadura militar de facto até março de 1924.
Por que o KPD perdeu a revolução?
Uma fácil resposta a esta pergunta é lançar toda a culpa sobre Brandler. Essa foi a reação de Zinoviev e de Stálin, que o transformaram num bode expiatório. Simultaneamente, acusaram o KPD (Partido Comunista Alemão) de ter fornecido informações erradas sobre a situação na Alemanha, informações exageradas sobre seu potencial revolucionário. Desse modo, contestaram toda a avaliação sobre a qual havia se baseado o plano de insurreição.
Menos de três semanas após a insurreição ser abortada, Stálin e Zinoviev começaram a reinterpretar os eventos na Alemanha. Assim o fizeram para encobrir seus próprios papeis no processo e iniciar seu combate fracional contra a Oposição de Esquerda, que começava a se articular (em 15 de outubro, surgia o primeiro documento importante da Oposição de Esquerda, a Declaração dos 46. Ao final de novembro, Trotsky escrevia O Novo Curso).
Trotsky rejeitou a abordagem simplista feita por Zinoviev e Stálin. Mesmo não concordando com a decisão de Brandler de abortar a insurreição, não a tomava como um evento isolado. Ao final do processo, Karl Radek, que estava presente em Chemnitz como representante da Internacional Comunista (Comintern ou III Internacional), bem como o Zentrale alemão, a direção central do partido, também concordavam com Brandler.
A insistência de Brandler de que a revolução falharia — e de que os comunistas ficariam isolados caso começassem a insurreição sem o apoio dos social-democratas de esquerda — estava de acordo com erros anteriores atribuídos não somente a Brandler, mas à Internacional como um todo. Tanto a Internacional, dirigida por Zinoviev, quanto a direção do KPD (seu setor majoritário e seu setor esquerdista) desempenharam por longo tempo um papel passivo, tipicamente "centrista" diante dos eventos na Alemanha. Apesar das condições sociais e políticas terem mudado enormemente após a ocupação francesa do Ruhr, em janeiro, eles continuaram trabalhando com os métodos desenvolvidos no ano anterior, quando a revolução não estava imediatamente na agenda do partido.
Foi somente após longo tempo, no meio dos eventos de Agosto, que mudaram de curso e começaram a preparar a insurreição. Isso deu-lhes apenas dois meses para o preparo, mas este era de caráter insuficiente, hesitante e deslocado.
Trotsky, num pronunciamento feito ao Congresso dos Trabalhadores Médicos e Veterinários da URSS em junho de 1924, comentou o seguinte sobre a derrota: "Qual foi a causa fundamental da derrota do Partido Comunista Alemão?", perguntou. "Esta: não apreciaram corretamente e no momento certo a crise revolucionária que se abriu com a ocupação do vale do Ruhr e, especialmente, após o final da resistência passiva (janeiro-junho de 1923). Perderam o momento crucial... Mesmo após o ataque ao Ruhr, continuaram com seu trabalho de agitação e propaganda com base na fórmula de Frente Única anterior ao ataque. Nesse meio tempo, a fórmula havia se tornado completamente insuficiente. A influência política do partido crescia automaticamente. Uma modificação tática era necessária".
"Era necessário mostrar às massas, e acima de tudo ao partido, que se tratava, no momento, da imediata preparação para a tomada do poder. Era necessário consolidar e dar forma organizativa à crescente influência do partido, para estabelecer as bases de apoio para a tomada direta do estado. Era necessário transferir toda a organização do partido para as bases das células operárias. Era necessário formar novas células nas estradas-de-ferro. Era necessário suscitar o quanto antes a questão do trabalho dentro do exército. Era necessário, extremamente necessário, adaptar a tática de Frente Única total e completamente a essas questões, dar-lhe um prazo mais decidido e resoluto, bem como um caráter mais revolucionário. Nessa base, um trabalho técnico-militar certamente poderia ter sido levado adiante..."
"A coisa mais importante, entretanto, era esta: garantir em tempo a mudança tática decisiva para a tomada do poder na Alemanha. O que não foi feito. Essa foi a principal — e fatal — omissão. Dela surgiu a contradição central. De um lado, o partido esperava uma revolução, enquanto que, de outro, por ter perdido os dedos nos eventos de março [Trotsky se refere a 1921], evitou, até os últimos meses de 1923, a idéia de organizar a revolução, ou seja, preparar a insurreição. A atividade política do partido estava carregada de uma atmosfera pacífica, num momento em que a cena final se aproximava."
"A data para a insurreição foi finalmente fixada quando, como um todo, o inimigo já havia se valido do tempo perdido pelo partido para fortalecer sua posição. A preparação técnica-militar do partido, que começou numa velocidade febril, estava divorciada da atividade política do partido, que esteve anteriormente carregada por uma atmosfera pacífica. As massas não compreendiam o partido e não avançaram o passo junto dele. O partido sentiu-se subitamente separado das massas, e ficou paralisado. Disso resultou a imediata retirada da linha de frente, sem mesmo haver combate — a pior de todas as derrotas." [16]
Teria sido possível organizar uma insurreição vitoriosa em todo o país em 1923?
Há um grande número de relatos de dirigentes comunistas alemães, assim como de líderes e especialistas militares da III Internacional, presentes na Alemanha no momento, que declaram haver um péssimo preparo para a insurreição. Os destacamentos de luta — conhecidos como Centenas de Revolucionários — estavam formados e treinados, mas mal possuíam armas. O aparato de propaganda do KPD — devido às perseguições e à repressão — estava em estado lastimável. A comunicação e a coordenação do partido entre as diversas regiões funcionavam muito mal.
Por outro lado, os trabalhadores que lutaram e Hamburgo demonstraram um alto grau de coragem, disciplina e eficiência. Apenas 300 trabalhadores lutaram nas barricadas, mas alcançaram uma larga e positiva — embora passiva — resposta por parte da população.
Em seu pronunciamento aos trabalhadores médicos e veterinários, Trotsky ressaltou que a própria dinâmica do processo revolucionário deve ser levada em conta. "Os comunistas tinham atrás de si a maioria das massas trabalhadoras?", perguntou. "Essa é uma questão que não pode ser respondida por meio de estatísticas. Somente pode ser respondida pela dinâmica da revolução".
"As massas estavam com um espírito de luta?", continuou Trotsky. "Toda a história do ano de 1923 não deixa dúvida sobre isso". E concluiu: "Sob tais condições, as massas apenas poderiam seguir adiante se existisse uma direção firme, auto-confiante, assim como uma confiança das massas nessa direção. Discussões a respeito do ânimo das massas, se era de luta ou não, possuem um caráter muito subjetivo e expressam essencialmente a falta de confiança entre os líderes do próprio partido". [17]
As lições de outubro
A capitulação sem luta foi certamente o pior resultado possível dos eventos alemães. Ela desmoralizou e desorganizou o KPD e criou as condições em que a elite dominante e os militares puderam continuar com a ofensiva e consolidar seu poder. Trotsky, então, insistiu que as lições da derrota alemã deviam ser tiradas duramente. Ele rejeitou os argumentos dos bodes-expiatórios isolados, que eram somente para evitar as discussões políticas mais fundamentais. Tirar tais lições não era somente indispensável para preparar a liderança alemã para as oportunidades revolucionárias futuras, que inevitavelmente surgiriam, mas também era crucial para todas as seções do Internacional, que se deparariam com desafios e problemas muito similares.
Trotsky notou que as lições da Revolução Russa de Outubro — a única revolução proletária bem sucedida na história — nunca tinham sido devidamente traçadas. No verão de 1924, publicou o livro Lições de Outubro, examinando o bem sucedido Outubro Russo sob a luz da derrota do outubro alemão.
Ele insistiu na necessidade "de estudar as leis e métodos da revolução proletária". Insistiu que existem questões que todo Partido Comunista deve enfrentar quando entrar num período revolucionário: "Regra geral, as crises no partido surgem a cada mudança importante, como seu prelúdio ou conseqüência. É que cada período de desenvolvimento do partido tem os seus traços especiais, exigindo determinados hábitos ou métodos de trabalho. Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos e métodos: aí reside a causa direta das frações e das crises internas ao partido".
Trotsky então cita Lenin, que escreveu em julho de 1917: "A uma mudança brusca da história acontece muito frequentemente, até aos partidos avançados, não chegarem a se habituar à nova situação num maior ou menos espaço de tempo, repetindo as palavras de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido; coisa que acontece tão ‘subitamente' quanto a mudança histórica."
"Conseqüentemente", concluiu Trotsky, "surge o perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca ou inesperada e o partido posterior tiver acumulado demasiados elementos de inércia e de conservadorismo em seus órgãos dirigentes, este revelar-se-á incapaz de assumir a direção no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos. O Partido deixar-se-á corroer por uma crise e o movimento se processará sem objetivo, semeando a derrota."
"Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulacionista no interior do partido ergue-se contra a insurreição e busca fórmulas teóricas para a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas. Ainda vamos ter que observar muitas vezes este fenômeno no futuro." [18]
Zinoviev e Stalin rejeitaram a análise de Trotsky. Guiados por motivos fracionários e subjetivos, falsificaram os eventos na Alemanha, cobrindo seus próprios rastros e fazendo de Brandler o bode-expiatório para todos os erros. As conseqüências foram desastrosas. A direção do KPD foi trocada — pela quinta vez em cinco anos — sem qualquer lição ser tirada do processo.
Como Radek apontou — em disputa acalorada com Stalin numa reunião do Comitê Central do partido Russo, em janeiro de 1924 — quadros marxistas experientes foram trocados tanto por pessoas que tinham experiência no centrista USPD (SPD-Independente) quanto por pessoas que mal tinham experiência revolucionária. Henirich Brandler, um membro fundador da Liga Espártaco (Spartakusbund) com uma história de 25 anos no movimento, foi substituído por Ruth Fischer e Arkadi Maslow, jovens intelectuais vindos de um rico ambiente burguês e sem passado revolucionário. A maioria do grupo central, que agora formaria a nova direção, havia entrado no KPD apenas em dezembro de 1920, quando a esquerda do centrista USPD se uniu ao KPD.
A mudança na direção "acertou" o caminho — após perseguições e novas modificações nos anos seguintes — para a total subordinação do KPD aos ditados de Stalin. Tal fato revelou ter conseqüências devastadoras 10 anos depois, quando a desastrosa linha do KPD pavimentou o caminho de Hitler ao poder. O alinhamento de Stalin com a esquerda de Fischer e Maslow foi particularmente cínico, uma vez que ele sempre havia ajudado as posições mais direitistas durante o andamento dos eventos. Stalin ganhou a aliança de Maslow, que estava sob investigação por ter dado informação à polícia durante os eventos de março de 1921, assegurando que estaria limpo das acusações.
Até mesmo a teoria do social-fascismo, que iguala a social-democracia ao fascismo, achou sua primeira expressão num documento sobre os eventos alemães, esquematizado por Zinoviev e adotado pelo presidente do Comitê Executivo da Internacional contra a resistência da Oposição de Esquerda em janeiro de 1924. O documento diz: "As camadas dirigentes da social-democracia alemã apresentam nada mais que uma facção do fascismo alemão sob uma máscara socialista". [19]
Depois que o partido falhou em mover a tempo da tática de Frente Única à da luta pelo poder, Zinoviev e Stalin rejeitaram a Frente Única como um todo. A teoria do social-fascismo, que rejeita qualquer forma de Frente Única com o SPD contra os nazistas, foi revivida em 1929 e teve um papel importante no desarmamento da classe trabalhadora na luta contra o fascismo.
Em 1928, Trotsky mais uma vez repetiu as lições básicas do Outubro Alemão. Criticando o esquema de programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista, escreveu: "O papel do fator subjetivo em um período de desenvolvimento lento e orgânico pode permanecer um tanto subordinado. Assim, muitos provérbios de sobre a graduação do processo podem surgir, como: ‘devagar, mas certo' e ‘não adianta dar murro em ponta de faca' e muitos outros, que resumem toda a sabedoria tática de nossa época, que abomina ‘pular etapas'. Mas, no momento em que as condições objetivas estão maduras, a chave de todo o processo histórico passa para a condição subjetiva, que é o partido. O oportunismo, que consciente ou inconscientemente desenvolve-se com inspiração em épocas passadas, sempre tenta subestimar o papel do fator subjetivo, que é: a importância do partido e da direção revolucionária. Tudo isso nos foi completamente revelado nas discussões a respeito do Outubro Alemão, no Comitê Anglo-Russo e na Revolução Chinesa. Em todos esses casos, assim como em outros de menor importância, a tendência oportunista evidenciou-se ao adotar uma via que cabia somente às ‘massas', desprezando por completo o ‘topo' da direção revolucionária. Tal atitude, que é falsa como um todo, opera com um efeito certamente fatal na época imperialista." [20]


Notes:
1.
Leon Trotsky, The Lessons of October, in The Challenge of the Left Opposition (1923-25), p. 201.
2. Arthur Rosenberg, (Entstehung und Geschichte der Weimarer Republik, Frankfurt am Main: Athenäum 1988), p. 395.
3. Ibid., p. 402.
4. Hermann Weber, (Die Wandlung des deutschen Kommunismus, Band 1, Frankfurt 1969), p. 43.
5. Rosa Luxemburg, (Rückblick auf die Gothaer Konferenz, in Gesammelte Werke, Band 4, Berlin 1974), p. 273.
6. Ibid., p. 274.
7. Leon Trotsky, (The Third International After Lenin, New Park: 1974), pp. 66-67.
8. Citado por Pierre Broué (The German Revolution 1917-1923, Haymarket Books: 2006) p. 702.
9. Citado por Broué, ibid., p. 705.
10. Citado por Broué, ibid., p. 726.
11. Bernhard H. Bayerlein u.a. Hsg., (Deutscher Oktober 1923. Ein Revolutionsplan und sein Scheitern, Berlin: 2003) p. 100.
12. Ibid., pp. 122-27.
13. Ibid., pp. 135-136.
14. Ibid., pp. 165-167.
15. Ibid., pp. 359.
16. Leon Trotsky, [Through What Stage Are We Passing, in The Challenge of the Left Opposition (1923-25), Pathfinder Press, 1975], pp. 170-71.
17. Ibid., p. 169.
18. Leon Trotsky, (Lessons of October, New Park Publications, 1971), pp. 4-7.
19. Bernhard H. Bayerlein u.a. Hsg., (Deutscher Oktober 1923. Ein Revolutionsplan und sein Scheitern, Berlin: 2003), p. 464.
20. Leon Trotsky, (The Third International after Lenin, New Park, 1974), p. 64.


 
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