Alessandro de Moura
Esboçamos aqui uma breve
resenha sobre as perspectivas apresentadas por Octávio Brandão em Agrarismo e industrialismo e as
contraposições desenvolvidas por Mario Pedrosa e Lívio Xavier. O Debate tem
como eixo central a questão: quais grupos sociais seriam os sujeitos da
revolução no Brasil. Enquanto Brandão defende a revolução por etapas
protagonizada pelos militares e a burguesia industrial e comercial, o grupo de
Pedrosa defendia que a burguesia brasileira nasceu do campo, nutrindo
dependência com a burguesia internacional e que, dessa forma, já nascera
reacionária e indisposta a qualquer revolução democrática em conjunto com o
proletariado. Assim, apenas o proletariado é que emerge como sujeito
revolucionário no cenário nacional.
Octávio Brandão e o stalinismo no
Brasil
No Brasil o Partido Comunista
Brasileiro terá as formulações da fração de Stalin sintetizados pela pena de
Octávio Brandão. O PCB havia sido fundado no Brasil em março de 1922. No mesmo
ano pleiteava a filiação e o reconhecimento da Internacional Comunista
organizada a partir da URSS. Para isso enviou um de seus membros como delegado
para o IV Congresso realizado entre novembro e dezembro de 1922, seu nome era
Antonio Bernardo Canellas. No entanto o partido brasileiro foi aceito apenas
como partido simpatizante, e não como membro efetivo da Internacional
comunista. Isso porque os delegados do Congresso avaliavam que o PC brasileiro
tinha membros ligados a maçonaria e com muitas influencias anarquistas.
Para o V Congresso da Internacional
Comunista, realizado em julho de 1924, foi enviado Astrogildo Pereira como
delegado brasileiro. Por conta de atrasos nos prazos da realização do
congresso, Astrogildo voltou para o Brasil e foi substituído por Rodolfo
Coutinho. A direção do PCB esforçava-se para adequar o partido as determinações
do partido de Moscou e as suas linhas políticas. É nesse movimento que buscamos
compreender as formulações de Octávio Brandão em seu trabalho Agrarismo
e Industrialismo. Este trabalho começou a ser produzido em julho de 1924
para ser finalmente publicado em abril de 1926. Desta forma, absorveu tanto as
formulações de Stalin dos Fundamentos do leninismo (publicado
18 de maio de 1924), mas também as d’A Revolução de Outubro e a Tática dos
Comunistas Russos (publicado em dezembro de 1924),
incorporou ainda as resoluções do V Congresso da Internacional Comunista,
dirigida por Stalin, e Questões do Leninismo (publicado em janeiro
de 1926). Este conjunto de textos é que ditam a estratégia exposta no livro de
Brandão e que norteará a pratica política dos militantes do PCB durante toda a
década de 1920. (Confira o debate sobre esses textos em seu contexto: http://glem-r.blogspot.com.br/2015/08/stalinismo-na-russia-e-no-brasil-parte-i.html).
O livro em seu conjunto dedica-se a
dois objetivos centrais, 1) defender a tese segundo a qual predomina no Brasil
elemento políticos e econômicos e sociais da Idade Média e do feudalismo, este
se manifesta em forma de dominação dos agrários sobre os industrialistas, bem
como sobre a pequena burguesia, o proletariado e os demais setores sociais. 2)
Desta formulação desdobra-se que no Brasil a estratégia dos militantes do PCB
seria organizar em grande bloco heterogêneo, composto pelo proletariado,
pequena-burguesia e burguesia nacional contra os agrários para lutar por uma
“revolução democrática pequeno-burguesa”.
A análise do PCB
Octávio Brandão será o autor
do primeiro ensaio teórico do PCB sobre a realidade brasileira, buscando
definir as teses para a revolução brasileira, expressas em seu livro Agrarismo
e industrialismo: ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a
guerra de classes no Brasil. Brandão tinha origem anarquista e ingressou no
PCB em 1922, tornando-se membro do Comitê Central Executivo em 1923. Seu
primeiro rascunho escrito em 1924 serviu como base teórica para o PCB para o II
Congresso, em 1925, até o III Congresso, realizado em 1929.
O livro deveria expor
analises marxistas-leninistas (ou stalinistas) sobre a composição de classes no
Brasil, para com isso definir qual seria a melhor estratégia para organizar a
classe trabalhadora na luta pela transformação da sociedade. Seguindo as
determinações do Partido Comunista da União soviética, sob direção de Stalin e
Bukharin, o estudo baliza-se sobre a estratégia da revolução por etapas,
caracterizando no Brasil uma disputa entre o agrarismo (identificado como
feudalista) e industrialismo (burguesia industrial e pequena burguesia).
Assim, o processo revolucionário
deveria passar por duas fases: na primeira, o proletariado se aliaria a pequena
burguesia, representada pelo movimento tenentista, este aliado com a burguesia
industrial, derrubaria do governo as oligarquias agrárias. Em uma segunda fase
o proletariado lutaria pela hegemonia no interior deste processo, buscando
transformar a revolução democrática em revolução socialista. A este processo de
revolução por etapas, Brandão denominou “Revolução democrática
pequeno-burguesa”. Esta revolução pequeno-burguesa deveria ser dirigida pela
pequena burguesia pela abolição das relações feudais (leia-se: pelos tenentistas
em defesa do burguesia industrial).
A segunda fase da revolução seria
proletária, pautada nas demandas históricas do proletariado, dirigida pelo PC,
como o foi a revolução russa em outubro de 1917. De acordo com essa leitura, é
retirado o protagonismo do proletariado na primeira fase da revolução
pequeno-burguesa. Ao proletariado só cabe buscar apoiar a luta da pequena
burguesia. Ficando então impedido de nesta fase levantar suas próprias
bandeiras históricas. A diretiva era ainda seguir o exemplo do Kuomitang
chinês, um partido policlassista pequeno-burguês. É seguindo tal perspectiva
que o PCB cria em 1927 o Bloco Operário Camponês – BOC e busca estreitar
relações com Luiz Carlos Prestes. Este deveria ser o dirigente da revolução
democrático-burguesa que seria protagonizada pelos militares. O BOC deveria ser
um Kuomitang tupiniquim, com fim de articular a burguesia nacional e a pequena
burguesia oprimida.
De acordo com o paradigma explicativo
defendido no livro, laborado a partir das lentes stalinistas, a burguesia e a
pequena burguesia urbana viviam sem poder político e exploradas pelos
latifundiários que detinham o poder político e econômico no Brasil. Assim
desenvolvia-se “A rivalidade entre os grandes industriais e os grandes
fazendeiros de café”. Isso, segundo Brandão o que fazia da burguesia e
pequena-burguesia agentes revolucionários:
As restrições aos interesses dos grandes
comerciantes, dos grandes usineiros e exportadores de açúcar, que não se
resignam a ver seus lucros diminuírem. A exploração desenfreada do país pelos
grandes fazendeiros de café. A concentração capitalista e o seu corolário – o
empobrecimento sistemático dos pequenos proprietários, pequenos comerciantes,
industriais e funcionário nestes últimos dez anos, isto é a proletarização da
pequena burguesia. Os novos impostos. (p. 26).
Aprofundando
tal caracterização, em Agrarismo e
Industrialismo defende-se que para desencadear a suposta revolução
antifeudal contra a oligarquia agrária, a pequena burguesia, que tinha seus
diretos eleitorais “pisados pela política atual”, poderia ainda organizar
frações da própria burguesia antifeudal contra os agrários. Isso porque para
Brandão as demandas e necessidades dos industriais também eram desprezadas
pelos grandes produtores de café. Os direitos de setores da burguesia
industrial e da pequena burguesia eram pisoteados e desprezados pelo “espírito
tacanho, feudal, dos governantes”. (p. 28). Afirmando que o proletariado
brasileiro ainda estava em formação, e portanto era demasiadamente fraco,
Brandão avalia ainda que havia “A desilusão da pequena burguesia, de obter
melhorias pelos canais competentes, isto é, pela via legal, jurídica, pacifica,
reformista” (p. 28), a revolução anti-agrária era a única saída possível.
A situação revolucionária internacional. A vontade
de dominação dos grandes industriais, cujos interesses muitas vezes são
desprezados pelos grandes fazendeiros de café. A rivalidade crescente entre
ambos, rivalidade política resultante da rivalidade econômica – comparar a produção
manufatureira do Estado de São Paulo com a exportação cafeeira para ver que
aquela, proporcionalmente, tem progredido mais que esta e caminha para
nivelar-se-lhe e, posteriormente, ultrapassá-la. (p. 27).
Por
determinação da política do café-com-leite, dos acordos entre frações dos
agrários que monopolizavam o poder político e econômico, a pequena-burguesia
teria seus direitos “pisados pela política atual” (p. 27). Assim, “o próprio
grande agrário é quem mais enfraquece politicamente o seu Estado, estado
agrário do Brasil”.
O
PCB, sob a pena de Brandão, analisava a atuação dos militares na Revolta
do 18 do forte (5 de julho de 1922) e do Movimento tenentista (de
5 a 28 de julho de 1924) como momentos em que a “pequena burguesia nacional
travou contra os fazendeiros do café, senhores da nação. (p. 25). Argumenta que:
Se juntarmos a todas essas razões a dureza da
repressão desta segunda tentativa de aniquilamento dos elementos feudais do
país, repressão que será um dos maiores auxiliares dos revoltosos, compreendemos
integralmente a fatalidade da terceira tentativa, que poderá ser vitoriosa se
os combatentes souberem aproveitar as lições das derrotas. (p. 28).
Assim,
os limites da institucionalidade brasileira transformavam a pequena burguesia e
setores da burguesia industrial em protagonistas da primeira fase da revolução
brasileira. No Agrarismo e industrialismo analisa-se que
o Brasil era um país ainda muito atrasado, sobretudo na formação se seus
sujeitos políticos coletivos. A burguesia era vista como muito fraca, e a
pequena burguesia como elemento difuso e sincrético, então para que se realizasse
a revolução burguesa seria necessário que a força do proletariado pudesse ser
plenamente aproveitada pela burguesia industrial e pequena-burguesia urbana. Segundo
o autor, no Brasil “o homem ainda não conhece a terra, mal desbravada. Trata-se
de um país ainda selvagem, onde a barbárie da mata é mais poderosa que o
esforço civilizador do homem. (p. 32). Brandão compara a luta no Brasil a
Primavera dos povos de 1848, período em que setores da burguesia, pequena
burguesia e o proletariado combatiam a nobreza e os resquícios feudais na
Europa.
No Brasil, os pequeno-burgueses lutam contra os
agrários feudais como na Alemanha em 1848. No Egito de Zuglul Pacha, na Turquia
de Mustapha Kemal, no Afeganistão de Amanullah, na Pérsia de Riza-Khan, na
Síria e na Mesopotâmia do Partido Nacional árabe, os burgueses em geral lutam
contra os agrários feudais e lutam ao mesmo tempo pela independência nacional.
(p. 31).
Desta
sua formulação desdobra-se a analise segundo a qual no Brasil: “O homem, como a
terra, ainda está em formação. Não há o brasileiro – um tipo definido. Há uma
mistura desordenada de raças e sub-raças”. Sendo que: “O duplo caos da terra e
do homem projeta-se sobre numerosos aspectos da vida nacional. (p. 33). No
marco de alianças intencionadas pelo PCB não se considera a população negra
como sujeito político, abandonado a defesa de suas demandas históricas,
desconsiderando que tal população constitui maioria da classe trabalhadora
nacional, sem a qual não se pode realizar uma revolução proletária.
Diametralmente oposto a isto, para Brandão: “O trabalhador rural negro,
proveniente do escravo, exatamente como o vilão-servo da Idade Média”. (p. 50).
Também
não busca dar uma resposta marxista a questão indígena no Brasil. Pelo
contrário encara as populações indígenas como transmissoras de forma
animalescas e selvagens. É assim que refere-se à população indígena no estado
de Minas Gerais destacando: “(…) o grupo dos botocudos, antropófagos, tapuia,
Gê (…) Exatamente Viçosa, a terra de Bernardes, era a aldeia dos ferozes índios
“arrepiados”. Os políticos mineiros têm, pois ainda hoje, o atraso e a
ferocidade do tapuia”. (p. 126). Todos estes elementos são somados para atestar
a incapacidade do protagonismo proletário e para defender a aliança com setores
da burguesia nacional. Toda a população do país seria dominada política e
economicamente pelos agrários: “Há uns nove milhões de trabalhadores rurais,
isto é, a dispersão, a descentralização, o analfabetismo, a inconsciência de
classe, a servidão medieval. (…). (p. 33-34)”.
Desta
forma para Brandão e o PCB: “economicamente, o Brasil é um país agrário, país
dominado pelo agrarismo e não pelo industrialismo, como a Alemanha”. Adverte
que, tomado por latifundiários, no Brasil: “A pequena propriedade rural não
alcança sequer a décima parte do território: 9%. Portanto, o agrarismo nacional
é o da grande propriedade, do latifúndio”.
Como
conseqüência da dominação econômica dos agrários, desdobra-se também sua
dominação política, uma vez que “A política é fatalmente agrária, política de
fazendeiros de café, instalados no Palácio do Catete. Existe uma oposição
burguesa desorganizada, caótica. (…). Uma burguesia industrial e comercial
politicamente nula, desorganizada…” (p. 35-36).
Esta
frágil burguesia não pode desempenhar sua fase revolucionária sem o auxilio da
pequena burguesia brasileira anti-feudalista. Buscando referendar as
determinações stalinistas, o autor afirma que o Brasil estava ainda na fase de
desenvolvimento econômico e política característica da Idade Média. Apenas com
o protagonismo da pequena burguesia, que deveria organizar a burguesia
industrial e os setores proletarizados é que se conseguiria desencadear a
primeira fase da revolução contra a predominância da forma social medieval que
imperava no território brasileiro:
Dominado por esse agrarismo econômico, bem
centralizado, o Brasil tinha que ser dominado pelo agrarismo político,
conseqüência direta daquele. O agrarismo político é a dominação política do
grande proprietário. O grande no Brasil é o fazendeiro de café, de São Paulo e
Minas. O fazendeiro de café, no Sul, como o senhor de engenho, no Norte, é o
senhor feudal. O senhor feudal implica a existência do servo. O servo é o
colono sulista das fazendas de café, é o trabalhador de enxada dos engenhos
nortistas. A organização social proveniente daí é o feudalismo na comieira e a
servidão nos alicerces. Idade Média. A conseqüência religiosa é o catolicismo.
A religião que predominou na Idade Média, “tão justamente chamada a idade
cristã”, segundo o clerical Mathieu, no seu curso de história universal,
abençoado pelo papa Pio IX. E a conseqüência psicológica: no alto, a
mentalidade aristocrática, feudal; em baixo a humildade. (p. 36).
De
acordo com sua análise, o Brasil seria formado por uma composição de “Estados
agrários, estados feudais, ou semi-feudais”. Toda a estrutura estatal (jurídica,
econômica e política brasileira) estaria voltada para assegurar a dominação dos
agrários e a manutenção do feudalismo no país:
(…) A política tem de girar facilmente em torno dos
dois estados mais produtores de café – São Paulo e Minas. A miséria econômica e
política da nação provem, em primeiro lugar, dos fazendeiros de café de São
Paulo e Minas. Tudo é para eles. Os impostos caem implacavelmente sobre a
burguesia industrial e comercial, mas não sobre eles. Vede, por exemplo, o
imposto sobre a renda. A lavoura e a propriedade imobiliária estão isentas
dele. (p. 37-38).
Assim,
de acordo com o autor “Todo país está envenenado pelo agrarismo católico,
feudal e reacionário”. (p. 38). Sendo que só se poderia superar tal atraso a
partir do desenvolvimento da burguesia industrial que poderia tirar o país do
atraso. Argumenta que “O agrarismo político manifesta-se na luta política das
classes pela reação. Reação agrária, feudal”. (p. 43). Por outro lado, para
Brandão “O burguês industrial não é tão reacionário. (p. 46). Desta forma, para
o autor a contradição fundamental da sociedade brasileira expressa-se no fato
de que “São dois mundos que se chocam: o feudalismo e o industrialismo”, sendo
que “o industrialismo despedaçará o feudalismo” (p. 47).
Brandão
via “No grande burguês industrial, a iniciativa, o espírito progressista, a
preocupação do método, a sede de renovação técnica”. E por outro lado, via “No
fazendeiro do café, a mentalidade reacionária do barão feudal, a falta de
escrúpulos, a rotina, a arrogância do junker e do boiardo, o mesmo apego a sua
propriedade. No funcionário, o servilismo”.
Sem
uma revolução contra os agrários, não se poderia superar a “medievalite crônica
– social, econômica, política, psicológica”. (p. 48), e o Brasil permaneceria:
“no seu conjunto, uma país medieval, atrasado, sob este ponto de vista, cinco
séculos no mínimo. (p. 48). Por isso, para Brandão todas as classes devem se
juntar contra o agrarismo, sob a direção das frações rebeldes do exército e do
PCB. Ou seja, o problema das teses assinadas por Brandão não reside apenas na
caracterização do Brasil com um país feudal, mas também no sujeito
revolucionário que é identificado. O proletariado, efetivamente, ao invés de
protagonista, é apenas uma base de apoio dos militares revoltosos e dos industriais
progressistas.
Para
o autor, entre os anos 1923-1924: “a sociedade brasileira atravessa ainda a
primeira fase da luta entre industrialismo e feudalismo”. (p. 50).
Desconsiderando as lutas políticas anteriores a 1922 (como o Quilombo dos
Palmares e Canudos), Brandão considera que a Revolta dos 18 do Forte de
Copacabana foi a “primeira tentativa de destruição dos elementos
feudais do país” (p. 53). Acreditando na possibilidade do protagonismo de uma
burguesia revolucionária, demonstra entusiasmo com a atuação da burguesia
comercial e industrial: “É que a grande burguesia comercial e industrial,
apesar de todo seu atraso, começara a compreender que a revolta iria aplainar o
caminho para a sua sucessão política”. (p. 58). Por isso a burguesia seria
indispensável para o arco de alianças da revolução brasileira. Pois para
Brandão:
(…) O
fazendeiro do café só será derrubado pela frente única momentânea do
proletariado com a pequena-burguesia e a grande burguesia industrial. Por
tanto, todas as vezes que a pequena-burguesia auxilia a reação contra o proletariado,
está forjando cadeias contra ela própria. (p. 61).
A
partir de tal perspectiva conclama-se a união entre burguesia, proletariado e
pequena burguesia para realizar a revolução burguesa no Brasil contra os
agrários:
Lutemos por impelir a fundo a revolta
pequeno-burguesa, fazendo pressão sobre ela, transformando-a em revolução
permanente no sentido marxista-leninista, prolongando-a o mais possível, a fim
de agitar as camadas mais profundas das multidões proletárias e levar os
revoltosos às concessões mais amplas, criando um abismo entre eles e o passado
feudal. Empurremos a revolução da burguesia industrial – o 1789 brasileiro, o
nosso 12 de março de 1917 – aos seus últimos limites, a fim de, transposta a
etapa da revolução burguesa, abrir-se a porta da revolução proletária,
comunista. (p. 133).
Assim,
Brandão, como dirigente do Comitê Central do PCB, defendia que estava na ordem
do dia: “Fundir todas as vítimas do feudalismo, todos os demais revoltados,
todos os oprimidos, todos quantos foram pisados, humilhados". (p. 134). Apenas
por tal via seria possível: “a vitória do industrialismo sobre o agrarismo; a
vitória da burguesia industrial sobre os agrários; a vitória da burguesia
progressista sobre os elementos rotineiros”. (p.138). Apenas consolidada a
vitória da revolução burguesa, que tem como sujeitos centrais a
pequena-burguesia e a burguesia industrial, poder-se-ia iniciar a nova
fase de luta pela revolução proletária. Assim, conclama a classe trabalhadora
brasileira a lutar, “Concentremos todas as nossas energias, esporeemos a pequena-burguesia
e a grande burguesia industrial e, unidos num bloco, agitemos as massas em
torno de palavras de ordem fundamentais” (p. 188). Termina seu trabalho
reivindicando o Kuomitang Chines e Stalin. A perspectiva de Brandão e do PCB de
apoio a frações da burguesia na luta contra os resquícios feudais será retomada
por Luiz Carlos Prestes, em uma série de escritos de Nelson Werneck Sodré, este
consolidará a visão dos resquícios feudais no Brasil[12].
A critica dos Trotskistas brasileiros
Mario Pedrosa e Lívio Xavier partem
de formulações e análises elaboradas por Marx em “O Capital” e na teoria do
desenvolvimento desigual e combinado, do mesmo autor, que são desenvolvidas por
Leon Trotski. Seguindo tal continuidade teórica, os autores vão buscar
constituir uma leitura sobre aspectos econômicos, sociais e políticos da
realidade brasileira.
Argumentarão que o modo de produção
capitalista, e a forma de organização e distribuição da propriedade privada
foram exportados diretamente da metrópole européia para o Brasil. Com isso inaugura-se
conseqüentemente no Brasil uma forma de desenvolvimento econômica já
subordinada, considerando que a produção agrícola era centralmente destinada
desde o começo aos mercados externos. (ABRAMO & KAREPOVS, 1987, p. 66-67:
ALMEIDA, 2003, p. 89-90). Segundo os autores:
No Brasil, a acumulação primitiva do capital fez-se
de maneira direta: a transformação da economia escravagista em salariado do
campo se fez diretamente e o afluxo imigratório, que já começara antes da
abolição da escravatura, teve como objetivo oferecer braços à grande cultura
cafeeira. Produziu-se aqui o que Marx chama de ‘uma simples troca de forma’. O
Brasil nunca foi, desde sua primeira colonização, mais do que uma vasta
exploração agrícola. Seu caráter de exploração rural colonial precedeu
historicamente sua organização como Estado. Nunca houve aqui terras livres;
aqui também não conhecemos o colono livre, dono de meios de produção, ma o
aventureiro da Metrópole, o fidalgo português, o comerciante holandês, o
missionário jesuíta – que não tinham qualquer outra base a não ser o monopólio
das terras. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS,
1987, p. 68).
O Estado brasileiro atuou
intensivamente para organizar a produção e distribuição de mercadorias, bem
como a regulação da contratação da força de trabalho. A burguesia nasce do
campo, por meio das mãos do Estado. Ou seja, tanto a burguesia como os
latifundiários dependem diretamente do auxilio direto do Estado para
desenvolver seus empreendimentos e acumular lucros. (Mario Pedrosa e Lívio
Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987). Desta forma, não teríamos no
Brasil uma burguesia revolucionária aos moldes da Revolução Francesa. Também no
Brasil, como decorrido na Rússia, o proletariado seria o único sujeito social
em antagonismo contra o Estado e seus apêndices constituídos pela burguesia
dependente. Segundo os autores, sob o arbítrio da coroa Portuguesa,
combinava-se no Brasil o
(...) trabalho escravo, latifundium,
produção dirigida pelos senhores de terra com a sua clientela, burguesia urbana
e uma camada insignificante de trabalhadores livres, tanto nas cidades quanto
nos campos - tais foram as particularidades que marcaram com a sua chancela a
formação econômica e política do Brasil na América Latina, onde, em geral, a
ausência de uma agricultura organizada teve como conseqüência luta pela
terra contra o indígena e a luta contra o monopólio do comércio detido pela
coroa de Espanha. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO &
KAREPOVS, 1987. 69).
E continuam
A destruição do regime escravista, que foi
determinada pela necessidade do desenvolvimento capitalista no Brasil, abria ao
mesmo tempo nova expansão à indústria inglesa que monopolizava, então, o
mercado mundial. A burguesia brasileira nasceu do campo, não da cidade. A
produção agrícola colonial foi destinada desde o começo aos mercados externos.
(Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987, p.69).
Os autores argumentam ainda que para
sustentar o desenvolvimento econômico no país a atuação o Estado era central
para conseguir organizar os distintos interesses das frações da burguesia
brasileira. Mesmo a constituição nacional por meio de federações serviria para
assegurar a coexistência das distintas frações da burguesia, “capaz de conciliar
as tendências centrifugas das antigas províncias com as necessidades de
desenvolvimento capitalista numa unidade social harmônica” (pg.155-156).
Com o fim da escravidão, desmorona a Monarquia, com
isso intensifica-se o desenvolvimento do capitalismo. O trabalho escravo é
convertido em trabalho assalariado. Para os autores: “A república foi imposta ao
Brasil pela burguesia cafeeira do Estado de São Paulo, que não podia aceitar a
forma de produção reacionária e patriarcal. Com o advento da república, este
Estado impôs sua hegemonia à Federação. (p. 70). Nesse sentido, a constituição
nacional por meio de federações serviria para assegurar a coexistência das
distintas frações da burguesia: “capaz de conciliar as tendências centrifugas
das antigas províncias com as necessidades de desenvolvimento capitalista numa
unidade social harmônica” (pp.155-156). Mesmo com a transição do Estado
Monárquico, sob domínio colônia português, para constituição de um Estado
nacional autônomo, ainda que sob domínio do capital inglês, mantém-se no poder
os grandes proprietários de terras que sob égide paulistana conseguiram impor o
governo republicano por meio de um golpe militar em 1889.
No entanto, a burguesia no Brasil não seria
dependente apenas da atuação e recursos do Estado, mas também das grandes
potencias econômicas e políticas internacionais. Nesse sentido, a burguesia
brasileira já nasce subalternizada à burguesia internacional. Segundo os
autores, em território nacional, ela “não tem bases econômicas estáveis que lhe
permitam edificar uma superestrutura política social progressista”. (p. 74).
Argumentam ainda que as distintas frações da burguesia no país não estão
organizadas de forma harmônica, com interesses unificados em torno do
desenvolvimento social e econômico do país. Os autores argumentam que desde sua
mais tenra idade as distintas frações da burguesia vivem em disputas
permanentes entre si (embora se unifiquem contra as revoltas e movimentações
proletária).
Além das constantes disputas entre si, essas
frações da burguesia ainda tem que disputar constantemente mercados e buscar
acordo políticos e econômicos com as potencias internacionais. Como se trata de
um capitalismo retardatário, se comparado ao desenvolvimento do capitalismo
inglês ou americano, depende diretamente de aporte internacional para o
desenvolvimento de suas forças produtivas. Isto faz com que a burguesia brasileira
se faça subalterna às potencias internacionais que encontram condições de
pressionar o país e fazer-lhe exigências.
A principal forma encontrada para acumular divisas
é produzir mercadorias com preços mais baixos, para que possam concorrer com os
produtos de países mais industrializados. A forma mais barata para realizar tal
feito é a super-exploração do trabalho. O Estado contribui diretamente
para a acumulação capitalista, em favor da burguesia, atua disciplinando (e
reprimindo) a força de trabalho, e desviando a maior parte de seus recursos
para os empreendimentos capitalistas. Mario Pedrosa e Lívio Xavier argumentam
que esta posição na divisão internacional do trabalho, que é combinada com a
super-exploração e repressão a classe trabalhadora, internamente acaba por
colocar a burguesia brasileira em condição de pressão permanente, de um lado
pelas potencias econômicas e políticas internacionais, e por outro pelos
movimentos da classe trabalhadora que luta por melhores condições de salário,
habitação, saúde educação, saneamento etc... Nas palavras dos autores
O imperialismo não lhe concede tempo para respirar
e o fantasma da luta de classe proletária tira-lhe o prazer de uma digestão
calma e feliz. Ela deve lutar em meio ao turbilhão imperialista, subordinando a
sua própria defesa à defesa do capitalismo. Daí a sua incapacidade política,
seu reacionarismo cego e velhaco – em todos os planos – a sua covardia. Nos
países novos, diretamente subordinados ao imperialismo, a burguesia nacional,
ao aparecer na arena histórica, já era velha e reacionária, com ideais
democráticos corruptos. A contradição que faz com que o imperialismo – ao
revolucionar de modo permanente a economia dos países que lhe são submetidos –
atue como fator reacionário em política encontra a sua expressão nos governos
fortes e na subordinação da sociedade ao poder executivo. (Mario Pedrosa e
Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987, pp. 74-75).
Mediante tal formação social, composta por setores
das diferentes frações da burguesia em território nacional, que tem
articular-se com os interesses imperialistas e as demandas históricas dos
trabalhadores, dificulta-se sobremaneira a manutenção de um regime social
estável no Brasil. Tanto as dissidências das diferentes frações da burguesia,
bem como os levantes dos trabalhadores, colocam em risco esta instável
dominação burguesa. Segundo os autores, desta arquitetura social deriva a
recorrente necessidade de “governos fortes, divinização da ordem”, governos
ditatoriais, amparados por períodos de estado de sítio, de intensa repressão
aos movimentos sociais, bem como as constantes disputas pelas distintas frações
da classe dominante, em fases de desenvolvimento desigual, pelo governo da
Nação. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. Desta analise, os autores
desdobraram como conseqüência que:
Essa tendência inelutável criará, doravante,
permanentemente, situações de choques, conflitos, em uma palavra, de guerra
civil, onde o proletariado terá a ultima palavra. As formas transitórias de
equilíbrio entre as diversas unidades da Federação só serão conseguidas por
meio de vitórias militares, isto é à custa de uma opressão agravada das massas
trabalhadoras e das classes médias (Idem, p. 159).
Segundo os autores, desta arquitetura social
deriva a recorrente necessidade de “governos fortes, divinização da ordem”,
governos ditatoriais, amparados por períodos de estado de sítio, de intensa
repressão aos movimentos sociais, bem como as constantes disputas pelas
distintas frações da classe dominante, em fases de desenvolvimento desigual,
pelo governo da Nação. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO &
KAREPOVS, 1987). A burguesia brasileira nasceria então espremida entre o forte
proletariado brasileiro e o imperialismo. Este forte proletariado, herdeiro das
lutas negras quilombolas, já desde o inicio da república protagonizava as
mobilizações massivas e buscava se organizar por meio de congressos, como o de
1906, 1913, Revolta da chibata, Revolta do Contestado, as mobilizações contra a
carestia de vida durante a década de 1910, a greve geral de 1917, os embriões
de sovietes no Rio de Janeiro de 1919 e o congresso de 1920. Desta forma a
burguesia não pode estabelecer alianças com o proletariado, pois para isso,
seria obrigada a ceder às demandas históricas deste.
Para os autores, apenas um governo de
trabalhadores, contra a burguesia brasileira e imperialista é que poderia de
fato assegurar a unidade nacional. Fora isso, a estabilidade nacional só
poderia ser mantida por meio do militarismo e de decretos via poder executivo. Pedrosa
e Xavier mantiveram-se na defesa das resoluções, estratégia e ideias dos quatro
primeiros congressos da Internacional Comunista, negando as formulações do
socialismo em um só país e a revolução por etapas. As reflexões iniciadas por
tais autores ainda na década de 1930, serão retomadas freqüentemente por uma
série de intelectuais e analistas. Caio Prado Junior, no livro Formação do Brasil contemporâneo,
publicado em 1942, e em História Econômica do Brasil de 1945 partirá desta base
teórica para pensar o desenvolvimento econômico brasileiro.
REFERÊNCIAS
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