Alessandro de Moura
Resumo: Abordo elementos centrais que balizaram a ruptura de Karl Marx com Hegel. A Critica da filosofia do direito de Hegel
foi elaborada em 1843. Marx, na sua tese de doutorado, Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro (1841)
e também no texto Liberdade de imprensa (1842) buscava desenvolver uma
perspectiva analítica que, partindo da filosofia materialista dialética, pudesse
se ocupar das questões concretas que assolavam a população contrapondo-se ao
governo. Mas é na Critica da filosofia do
direito que Marx encontra o caminho da ruptura com Hegel. Enquanto Hegel
defendia, na Filosofia do direito, que
a monarquia absoluta era o ápice da razão e peça central da sociedade civil
burguesa, Marx, por outro lado, defenderá que a sociedade civil e as famílias é
que constituem sujeito social primordial, tendo então a prerrogativa de mudar
de governo de acordo com suas próprias necessidades.
Introdução
A luta de Marx contra o Estado monárquico prussiano
em 1842, expresso em seu texto em favor da liberdade de imprensa (2006) denota às primeiras formulações em
relação à necessidade de superação do Estado. Já na Crítica da filosofia..., Marx coloca-se pela dissolução do Estado
político, que traz como conseqüência a dissolução do Estado não político
(sociedade civil). Marx, nesse período é influenciado pela leitura de por
Espinosa e Rousseau, o que lhe conduz a defender a democracia direta, ampla e
efetiva contra a monarquia constitucional. Marx só entrou em contato com as
formulações socialistas a partir de janeiro de 1843, que irão influenciá-lo na compreensão
do proletariado como sujeito social revolucionário, conforme podemos ler na Introdução à Crítica da filosofia do
direito, publicada no final de 1843.
Para Lowy o primeiro texto comunista de Marx é o Manuscritos econômicos Filosóficos,
passando por Glosas criticas marginais...,
Sagrada família e Ideologia alemã, onde se demarcaria a
ruptura definitiva com Hegel. Este percurso
intelectual é acompanhado do contato com o movimento operário francês, inglês e
os levantes na Silésia. Então, apenas permeado por uma série de levantes proletários,
é que Marx chegaria à compreensão do sujeito revolucionário. Para Lukács, Lowy
e Chasin, a Critica da filosofia do
direito de Hegel seria o divisor de águas entre o "jovem Marx" e
o "Marx maduro".
O breve período entre 1842 e 1845, dos escritos sobre
a liberdade de imprensa até A ideologia
alemã, Marx experimenta um processo crescente de avanço teórico, e durante
esta trajetória, processualmente vai rompendo com a esquerda hegeliana. Seria
entre 1844 e 1846, em intensas e profundas discussões, que Marx romperia
definitivamente com a esquerda hegeliana, como podemos notar n´A ideologia
alemã.
Na Critica da
filosofia do direito de Hegel, conforme veremos, Marx investe contra a
existência do Estado político que aliena a participação direta das massas impondo-lhe
a condição de Estado-não político. Esta elaboração foi de grande importância na
formação do pensamento de Marx e na concepção que sustentou o materialismo
histórico. Sobretudo a partir deste estudo, realizado no segundo semestre de
1843, Marx, opondo-se a Hegel, toma como centralidade a perspectiva segundo a
qual não era o Estado a base da sociedade civil, mas sim que a sociedade civil
é que é a base do Estado. Este estudo marxiano não foi publicado em vida por
Marx. Ficou arquivado em uma caixa junto com outros manuscritos. O socialista russo David Riazanov foi quem abriu os caixotes de Marx, encontrou
o texto em tela e publicou-o em 1927. Então, estes escritos não foram revisados por Marx para serem preparados para publicação. São anotações de estudo, por isso, o conteúdo requer
atenção especial para sua compreensão. Podemos distinguir na crítica de Marx à Filosofia do direito de Hegel três eixos
principais:
1º Critica a separação e oposição entre sociedade civil e Estado;
2º Critica a especulação idealista, que
inverte sujeito e predicado;
3º Critica a alienação política, que
impede o povo de controlar o Estado.
O trabalho de Marx inicia-se problematizando a compreensão
de Hegel acerca da formação do Estado. De onde denota que, para Hegel, o Estado
é formado a partir de uma inteligência humana coletiva superior que
objetivas-se na forma Estatal. O espírito humano coletivo mais desenvolvido como
formação social deduziu pela necessidade do Estado para que a população pudesse
viver em sociedade. Então o Estado Político é fruto de um saber coletivo, de
uma necessidade, que se fez concreta em uma instituição absoluta superior aos
homens e grupos isolados.
A existência do Estado tornou possível a existência
da família e da sociedade civil em sua plenitude. Por isso, o Estado tem poder
sobre elas. Essas são então esferas subordinadas e dependentes do Estado e de
suas leis. Assim, a força e legitimidade do Estado está em seu poder de
conferir direitos e deveres para a realização de interesses gerais e
particulares dos indivíduos. Então, o fim último do Estado é a manutenção da
família e sociedade civil, mas para realizar tal imputação o Estado ganha
autonomia de ação. Desta forma, família e sociedade civil devem ceder aos
imperativos do Estado, o que as torna subordinadas às leis do Estado. Tem-se
então uma formação social hierarquizada onde o poder emana do topo para as
bases.
O Estado é uma potência superior que cria leis e
exerce pressão externa sobre a sociedade civil e as famílias, que são esferas
particulares, privadas dentro do próprio Estado. As necessidades e dependências
em relação ao Estado, os direitos e deveres, criam a identidade necessária com
o Estado, que por sua vez, assegura a liberdade individual e coletiva, interesses
particulares e gerais aos membros do Estado. Dessa forma, a liberdade depende
dos direitos e deveres estabelecidos pelo Estado às famílias e à sociedade
civil que se subordinaram a ele por livre escolha.
Para Hegel, a multiplicação das famílias e das corporações
profissionais levou a intensificação das disputas por interesses particulares.
Para o autor a sociedade civil burguesa surge motivada por interesses egoísta,
cada um buscando atender seus próprios interesses particulares acabam
dependendo da relação com os outros indivíduos. A reflexão de Hegel nesse
aspecto é tributária da perspectiva de Hobbes e Adam Smith, este que defendeu
em sua obra A riqueza das Nações (1776)
que os interesses particulares egoísticos é que levaram ao desenvolvimento do
comércio e da própria sociedade burguesa. Para Smith, quanto mais desenvolvida
a divisão do trabalho em uma sociedade, mais desenvolvida e complexa será essa
sociedade. A divisão do trabalho seria consequência da propensão da natureza
humana pelo comércio:
Essa divisão do trabalho, da qual tantas vantagens
derivam, não é originalmente efeito de qualquer sabedoria humana, que provê
aquela opulência geral a que dá ocasião. É a necessária, se bem que muito lenta
e gradual consequência de uma certa propensão da natureza humana que não tem em
vista uma utilidade tão expressa: a tendência a comercializar, barganhar e
trocar uma coisa por outra. (SMITH, p. 24).
Smith apoiando-se em aspectos das formulações hobbesianas
concluí que o que levou ao desenvolvimento da sociedade foi o egoísmo. Segundo
o autor:
Não é a benevolência do açougueiro ou padeiro que
esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação por seu próprio interesse.
Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas ao seu amor amor-próprio, e nunca lhes
falamos de nossas necessidades, mas das vantagens deles. Ninguém, senão um
pedinte, escolhe depender principalmente da generosidade de seus concidadãos, e
nem mesmo o mendigo depende dela inteiramente. (...). (SMITH, p. 25).
Para Smith é "a certeza de ser capaz de trocar todo
aquele excesso do produto do trabalho de outros homens quando tiver ocasião,
encoraja todo homem a aplicar-se a uma ocupação em especial, e cultivar e
elevar à perfeição o talento ou o gênio que ele possa possuir para essa
particular espécie de negócio". (SMITH, p. 25). Vejamos com Hegel expressa
essa confluência em relação à divisão do trabalho e o egoísmo inerente:
Mas o universal e o objetivo no trabalho residem na abstração, a qual
efetiva a especificação dos meios e carecimentos e com isso igualmente
especifica a produção e produz a divisão
dos trabalhos. O trabalho do singular torna-se mais simples pela divisão e, através disso, torna maior a
habilidade no seu trabalho abstrato, assim como a quantidade de sua produção.
Ao mesmo tempo, essa abstração da habilidade e do meio completam a dependência e a vinculação recíproca dos
homens para a satisfação dos demais carecimentos até a necessidade total.
(Hegel, 2010, §198).
Nesta perspectiva, a divisão do trabalho em busca de maior
facilidade na produção e aumento da produtividade é que produz a coesão social.
Então, buscando o próprio interesse, o ser humano é integrado em uma rede de
interdependência recíproca. Hegel, assim como Adam Smith, assimilou elementos
da teoria hobbesiana segundo o qual os seres humanos são essencialmente
egoístas. Pois na concepção de Hegel a sociedade civil é o campo da guerra de
todos contra todos, de acordo com as palavras do autor:
Como a sociedade civil-burguesa é o campo de luta do
interesse privado individual de todos contra todos, assim tem aqui o seu lugar
o conflito dos mesmos contra os assuntos particulares comunitários, e desses
junto com aquele contra os pontos de vista e ordenamentos superiores do Estado.
(Hegel, Filosofia do direito, 2010, p. 273). [Marx cita este mesmo trecho na p.
61 da Critica da filosofia...].
A perspectiva hegeliana compreende que a necessidade de
mediação dos diversos interesses egoístas existentes na sociedade civil
burguesa demandou o desenvolvimento de uma autoridade maior que organizasse os
diversos interesses sociais que se confrontavam. Dentro da sociedade civil
burguesa, as famílias e corporações só conseguem se organizar em defesa de
interesses particulares, sendo então incapazes de realizar interesses
universais. Então, cada pessoa, motivada pelo interesse particular e egoísta de
auto-preservação, acabou por construir uma forma de mediação universal entre os
interesses: o Estado. De acordo com Hegel na Filosofia do direito:
Nessa dependência e reciprocidade do trabalho e da
satisfação dos carecimentos, o egoísmo
subjetivo transforma-se em contribuição
para a satisfação dos carecimentos de todos os outros, –na mediação do
particular pelo universal, enquanto movimento dialético, de modo que produz e
frui para si, e ele precisamente nisso produz e adquire para a fruição dos
demais. (Hegel, 2010, §199).
Para Hegel, as famílias, corporações profissionais e
sociedade civil burguesa são esferas particulares incapazes, por si só, de
asseguram o bem universal para a humanidade. O Estado surge então dessa
necessidade decifrada. Com isso, Hegel define que família e sociedade civil são
substâncias que compõem o Estado, o que é correto. No entanto, compreende que
apenas com a existência do Estado é que se tornou possível às famílias,
corporações e sociedade civil burguesa existirem em sua plenitude. Essas
esferas, a partir de seus interesses privados, egoístas constituíram uma
instituição universal que as protegem e permite que existam em sua plenitude. Para
Marx esta perspectiva está equivocada e, na verdade, tem como objetivo
justificar o Estado monárquico.
Com isso, os interesses particulares, de auto-preservação
egoísta, levaram a realização dos interesses de todos como um interesse
universal expresso no Estado. Então, considerando que família e sociedade civil
só podem se realizar de forma plena no Estado, Hegel desdobra que o Estado é a
verdade das famílias e sociedade civil. Ele é a realização plena dessas
esferas.
Ainda, em termos dialéticos, enquanto potência, a
necessidade do Estado enquanto mecanismo que possibilitasse a realização dos
interesses universais de mediação e auto-proteção, já existia dentro dessas
esferas mesmo antes que o Estado existisse de fato enquanto necessidade
candente.
Com a existência do Estado, a expressão política e a liberdade
das famílias e sociedade civil são suprassumidas dentro do Estado, a
possibilidade de auto-realização e preservação que essas esferas tinham, são
superadas pela existência do Estado, que é a forma concreta de realização
máxima das liberdades individuais. O Estado supera o egoísmo dessas esferas porque
tem como motivação central o bem universal. Assim, apenas o Estado pode abarcar
o universal humano que não era realizado pelas famílias e pela sociedade civil.
O Estado é então, em sua totalidade, composto pelas
famílias, sociedade civil burguesa, corporações, poder legislativo, poder
governamental e pelo poder soberano. Por fim, todas essas
"substâncias" são componentes do poder o Príncipe.
a) O poder de fixar e determinar o universal, - o poder legislativo; b) a
subsunção das esferas particulares e
dos casos singulares sob o universal, - o poder
governamental; c) A subjetividade enquanto última decisão da vontade, o poder do príncipe, no qual os poderes
distintos estão reunidos em uma unidade individual, que é assim o ápice e o
começo do todo, - a monarquia constitucional. (Hegel, 2010, §273).
Como famílias, corporações e sociedade civil burguesa são
apenas substâncias particulares que compõem o Estado e apenas o Estado atinge o
universal, só ele pode falar pelo todo e afirmar-se como a expressão da
totalidade social organizada. Nessa perspectiva, família e sociedade civil
constituem aglomerações de interesses particulares egoístas que só atingem
universalidade no Estado, ou no monarca. Então, para Hegel, o Estado é em si e
para si. O Estado é em si a condensação das substâncias sociais. É para si,
pois conservando a si mesmo, conserva as substâncias sociais que lhe conferiram
existência. Com isso, o Monarca, o príncipe, é o poder absoluto, que é em si e
para si.
Família, sociedade civil e Estado
Marx aponta que Hegel pressupõe a separação entre
sociedade civil e Estado, sendo que o momento de reconciliação entre estas
esferas antagônicas seria a monarquia constitucional. Demonstra que na
argumentação de Hegel o Estado é colocado como fundador da sociedade civil e da
família. Sendo assim o Estado tem a prerrogativa sobre ambas. De acordo com
Marx, na análise de Hegel: "De um lado, o Estado é, em face das esferas da
família e da sociedade civil, uma 'necessidade externa', uma potência à qual as
'leis' e 'interesses' são 'subordinados' e da qual são 'dependentes'". (p.
27). Conforme interpretado por Marx:
(...) Por "necessidade externa" pode-se
somente entender que "leis" e "interesses" da família e da
sociedade civil devem ceder, em caso de colisão, às "'leis" e "interesses"
do Estado; que aquelas são subordinadas a este; que sua existência é dependente
da existência do Estado; ou também que a vontade e as leis do Estado aparecem à
sua "vontade" e às suas "leis" como uma necessidade. (MARX.
2005, p. 28).
Como Hegel parte da prerrogativa de que o ser
humano é essencialmente egoísta, a fundação e existência do Estado Monárquico
se dá como uma necessidade racional da busca pela estabilidade e liberdade,
para a realização plena dos indivíduos, das famílias e sociedade civil, o que
torna positiva a existência estatal. Todo o poder individual foi transferido
para o Estado e seus delegados (deputados e Ministros), sendo o monarca o
representante máximo da vontade coletiva. Ele é a corporificação da sabedoria
coletiva e do interesse comum pois está acima dos egoísmos das frações isoladas
e dos indivíduos. Essa forma de compreensão, que respalda a existência do
Estado como sujeito absoluto e inconteste é teorizada primeiramente por
Maquiavel (que procura respaldar o poder absoluto do príncipe), aprofundada por
Hobbes (na defesa inconteste do soberano) e aceita e aperfeiçoada por Montesquieu.
Rousseau desenvolveu uma crítica contundente a essa
forma de concepção, segundo a qual o Estado monárquico é demiurgo da razão e da
coesão social. Para o autor francês todo o poder emana do povo, com isso
desenvolve a perspectiva do Estado como instituição negativa, que lesa e avilta
a liberdade humana. Marx aprofundará algumas das concepções centrais da
perspectiva de Rousseau e Spinoza para combater o regime monárquico. Para Marx,
o Estado é fruto do desenvolvimento social humano, uma forma determinada pelo
social e que por isso, deve trabalhar pelo coletivo. As famílias e a sociedade
civil criaram o Estado e por isso devem ter prerrogativa sobre ele. De acordo
com a crítica marxiana:
[Hegel] fala das "esferas do direito privado e do bem privado, da família e da
sociedade civil" com o Estado; trata-se da relação essencial dessas esferas. Não apenas seus
"interesses", mas também suas "leis", suas determinações
essenciais são "dependentes" do Estado e a ele
"subordinadas". Ele se relaciona com seus interesses e leis como "potência superior". Tais
"interesses" e "leis" apresentam-se como seus
"subordinados". Eles vivem na "dependência" do Estado.
Precisamente porque "subordinação" e "dependência" são
relações externas, que restringem e
se contrapõem à essência autônoma, é a relação da "família" e da
"sociedade civil" com o Estado aquela da "necessidade externa", de uma necessidade que
vai contra a essência interna da coisa.
Que "as leis do direito privado" dependem "do caráter
determinado do Estado", que elas se modificam segundo ele, é algo que está
subsumido na relação "necessidade externa",
precisamente porque "a sociedade civil e família", em seu verdadeiro,
quer dizer, autônomo e pleno desenvolvimento, são pressupostas ao Estado como
"esferas" particulares. "Subordinação"
e "dependência" são as
expressões para uma identidade "externa", forçada e aparente, para
cuja expressão lógica Hegel utiliza, corretamente, a "necessidade externa". Na "subordinação" e na
"dependência", Hegel continuou a desenvolver o lado da identidade
discrepante, o lado da alienação no interior da unidade. (MARX. 2005, p. 28).
Com isso Hegel chega à inversão da realidade por
meio da objetividade idealista. Existe uma objetividade na análise de Hegel
quando pressupõe que as famílias, sociedade civil e corporações são a base
efetiva que possibilitaram a existência do Estado. No entanto, o idealismo está
na concepção de que essas formas sociais não poderiam realizar-se sem o Estado monárquico
e, na compreensão de que o Estado é o demiurgo da sociedade, da liberdade e paz
social. Nesta perspectiva, o Estado monárquico acaba sendo expresso como
imprescindível para a existência da sociedade civil e das famílias, sendo que
essas têm como função principal servir ao Estado, ao soberano. Disto se
desdobra que a monarquia é que provém as famílias e a sociedade civil, e, as
provém simplesmente para sustentar a própria monarquia:
1) Família e sociedade civil são apreendidas como
esferas conceituais do Estado e, com efeito, como as esferas de sua finitude, como sua finitude. É o Estado que nelas se divide, o que as pressupõe;
e ele faz, em verdade, “para ser a
partir da idealidade delas, Espírito real e infinito
para si”. “Ele se divide para”. Ele “divide,
por conseguinte, em esferas, matéria de sua realidade, de maneira que essa divisão etc. apareça mediada”. A assim denominada “Idéia real” (o Espírito infinito,
real) é, portanto, apresentada como se ela agisse segundo um princípio
determinado, mediante um desígnio determinado. Ela se divide em esferas finitas
e o faz “para a si retornar, para ser para si”; ela o faz de um modo que é
precisamente como é na realidade.”. (MARX. 2005, p. 29).
Sem Estado, essas instituições não poderiam existir
plenamente, pensa Hegel, porque o ser humano egoísta ficaria sujeito ao
regresso à guerra constante determinada pelo estado de natureza. Então devem
respaldar, legitimar e conferir poder absoluto ao Estado e seus representantes.
É como se a sociedade e as famílias estivessem em dependência eterna com o
Estado, pois só podem existir plenamente por meio dele. Disso, Marx infere que
em Hegel "A realidade não é expressa como ela mesma, mas sim como outra
realidade". (p. 29). Em Hegel a fundação do Estado monárquico, como
vontade livre canalizada pela transferência do poder individual para o
Soberano, por meio do contrato social, faz o Estado monárquico independente da
vontade geral. O próprio monarca se regula e cria sua linha de sucessão por
linhagem consangüínea independente da vontade da sociedade civil, famílias e
corporações. Já para Marx o Estado não pode existir sem as famílias e a
sociedade civil, é produto delas e é constantemente dependente dessa base
social para sua existência efetiva. Por isso, afirma que a lógica de Hegel
inverte a realidade, uma vez que a realização plena da família e sociedade
civil são dependentes da idéia de Estado, são engendradas por tal ideia. O
verdadeiro sujeito torna-se predicado do predicado. Dessa forma, em Hegel:
A idéia é subjetivada e a relação real da família e da sociedade civil com
Estado é apreendida como sua atividade interna
imaginária. Família e sociedade civil são pressupostos do Estado; elas são os
elementos propriamente ativos, mas, na especulação, isso se inverte. No
entanto, se a Ideia é subjetivada, os sujeitos reais, família e sociedade
civil, 'circunstâncias, arbítrio' etc. convertem-se em momentos objetivos da
Idéias, irreais e com um outro
significado". (MARX. 2005, p. 30).
O Estado é produto da realização coletiva, da ideia
absoluta, enquanto que, Família e sociedade civil tornam-se, em última
instância, produtos da ideia e não construtores ativos da sociedade e de todo o
seu conjunto de ideias. São encaradas como esferas conceituais do Estado, como
efeitos da própria existência do Estado. De acordo com Marx: "A família e
a sociedade civil são partes do Estado. Nelas, a matéria do Estado é dividida 'pelas
circunstâncias, pelo arbítrio e pela escolha própria da determinação'. Os
cidadãos do Estado (Staatsürger) são membros da família e membros da sociedade
civil". (p. 30). Em Hegel elas existem enquanto partes constituintes
possibilitadas pela existência do Estado que é uma ideia real:
Segundo Hegel, ao contrário, elas [família e
sociedade civil] são produzidas pela
Ideia real. Não é o próprio curso de vida que as une ao Estado, mas é o curso
de vida da Ideia que as discerniu em si; e, com efeito, elas são a finitude
dessa Ideia; elas devem sua existência a um outro espírito que não é o delas próprio;
elas são determinações postas por um terceiro, não autodeterminações; por isso,
são também determinadas como "finitude", como a finitude própria da
"Ideia real". (...). (MARX. 2005, p. 30).
Se o Estado é que permite a família e a sociedade
civil, é impensável a dissolução do Estado, pois com isso iniciar-se-ia um
processo de regressão ao individualismo egoísta e enfrentamento entre famílias
e antagonismos na sociedade civil em direção à guerra de todos contra todos. Assim, a existência do Estado é uma
prerrogativa para a sociedade, sendo então absolutamente positivo.
Para Marx, sem família e sociedade civil o Estado
não existiria, por outro lado, estas instituições podem, existir sem a
existência do Estado monárquico: “(...) família e sociedade civil são partes
reais do Estado, existências espirituais reais da vontade; elas são modos de
existência do Estado; família e sociedade civil se fazem, a si mesmas, Estado.
Elas são a força motriz. (...)”. (MARX, p. 30). Então, ao invés do Estado
fundá-las, ocorre o contrário, o Estado deriva da organização social-política
humana: "O fato é que o Estado se produz a partir da multidão, tal como
ela existe na forma dos membros da família e dos membros da sociedade
civil". (p. 31). Ou seja, para Marx: “o Estado político não pode ser sem a
base natural da família e a base artificial da sociedade civil; elas são, para
ele, conditio sine qua non
[Condição absolutamente necessária]".
(MARX, p. 30). Com isso, chega-se que a dissolução do Estado político não leva
à desagregação social, ao egoísmo inveterado, mas sim a uma forma de democracia
direta, onde se elimina a alienação política do Estado-não político (multidão),
operada pela concentração de poder no Estado político. Marx aponta que em
Hegel:
(...) O desenvolvimento lógico da família e da
sociedade civil ao Estado é, portanto, pura aparência,
pois não se desenvolve como a disposição familiar, a disposição social; a
instituição da família e as instituições sociais como tais relacionam-se com a
disposição política e com a constituição política e com elas coincidem. (MARX. 2005,
p. 32).
Esta inversão entre sujeito e predicado derivaria do
próprio método hegeliano, pois de acordo com Marx: “O importante é que Hegel,
por toda parte, faz da idéia o sujeito e do sujeito propriamente dito, assim
como da “disposição política”, faz o predicado". (MARX, p. 32). Para
Hegel, o Estado, o monarca, é a objetivação máxima da racionalidade humana, é o
principal sujeito social, é o saber absoluto que se corporificou em um homem.
Com isso: "a Idéia é feita sujeito, as distinções e sua realidade são
postas como seu desenvolvimento, como seu resultado, enquanto, pelo contrário,
a Idéia deve ser desenvolvida a partir das distinções reais". (MARX, p.
33). Assim, o Estado é o demiurgo máximo da sociedade:
"Esse organismo
é o desenvolvimento da Ideia em suas distinções e em sua realidade objetiva"
[Hegel]. Isso não significa: esse organismo do Estado é seu desenvolvimento em
distinções e em sua realidade objetiva. O verdadeiro pensamento [de Hegel] é: o
desenvolvimento do Estado ou da constituição política em distinções e em sua
realidade é um desenvolvimento orgânico.
O pressuposto, o sujeito, são as distinções
reais ou os diferentes lados da
constituição política. O predicado é a sua determinação como orgânicos. Em vez disso, a Ideia é feita
sujeito, as distinções e sua realidade são postas como seu desenvolvimento,
como seu resultado, enquanto, pelo contrário, a Ideia deve ser desenvolvida a
partir de distinções reais. O orgânico é justamente a idéia das distinções, a determinação ideal destas. Mas aqui se
fala da Ideia como de um sujeito, da
Ideia que se desenvolve em suas distinções. Além dessa inversão de sujeito e
predicado, produz-se aqui a aparência de que o discurso trata de outra ideia
que não a do organismo. Parte-se da Ideia abstrata, cujo desenvolvimento no
Estado é a constituição política. Não
se trata, portanto, da ideia política, mas da Ideia abstrata no elemento
político. (...). (MARX. 2005, p. 33).
A fundação do Estado coloca-se como o
desenvolvimento de uma idéia. Como necessidade sentida de uma instituição
superior que possibilite a existência de outras esferas, para quem em um
segundo momento, essa ideia, o Estado, possibilite a existência de outros
organismos. Marx aponta que na concepção de Hegel:
(...) O único interesse é, pura e simplesmente,
reencontrar "a Ideia" a "Ideia lógica" em cada elemento,
seja o do Estado, seja o da natureza, e os sujeitos reais, como aqui a
"constituição política", convertem-se em seus simples nomes, de modo que há apenas a aparência
de um conhecimento real, pois esses sujeitos reais permanecem incompreendidos,
visto que não são determinações apreendidas em sua essência específica. (MARX. 2005,
p. 34).
Os poderes do Estado derivam de sua própria
natureza, ou seja, o próprio Estado pode se autodeterminar. Sendo que é a
natureza do Estado lhe dá a prerrogativa de determinar diferentes poderes.
Assim: "os 'diferentes poderes' são determinados pela 'natureza do conceito' e que por isso, o
universal os 'engendra de modo necessário'. Os diferentes poderes não são,
portanto, determinados por 'sua própria natureza', mas por uma natureza
estranha". (p. 36). O próprio Estado, uma idéia que se desenvolveu, ganha
autonomia e determina a realidade de acordo com princípios do próprio Estado.
Dessa forma, segundo a crítica marxiana: "A
alma dos objetos, no caso presente, do Estado, está pronta, predestinada antes
de seu corpo, que não é propriamente mais do que aparência". (p. 36). Por
isso, o Estado é um organismo produzido pelo desenvolvimento da ideia absoluta
e feita realidade, é objetivação do espírito absoluto, podendo agir de acordo
com fins sabidos, ele atua conscientemente segundo princípios e leis
conhecidas, dando os contornos necessários à manutenção e bom funcionamento da
sociedade, das famílias e da sociedade civil burguesa. O Estado é feito
sujeito, como expressão da ideia absoluta, que passa a determinar a organização
e política da realidade político-social em sua concretude.
Então, o conceito de Estado em Hegel é expresso
como uma inteligência absoluta, uma ideia que se desenvolveu, ganhou carne e
corporificou-se em uma instituição racional superior a todas outras esferas
sociais e, por isso, se faz universal. Dentro disso, os poderes do Estado são
determinados pela necessidade interna que o engendrou. Dessa forma, o Estado se
auto-determina como realização da vontade universal. Porque o conceito de Estado
é derivado da idéia de universal. Sendo que a finalidade do Estado é a
realização de interesses universais e individuais de preservação e liberdade. Compreendido
como instituição social que se autonomiza pelo seu próprio caráter, como
realização do universal, o Estado é posto como forma autoconsciente. Como
escreveu o próprio Hegel:
(...) porém, tal substancialidade [dos interesses
universais e interesses particulares] é precisamente, o espírito que, por haver passado pela forma da cultura, sabe-se e quer a si mesmo.
O Estado sabe, por isso, o que quer,
e o sabe em sua universalidade, como
algo pensado; ele age e atua, por
isso, segundo fins sabidos, princípios conhecidos e segundo leis que não são
somente em si, mas para a
consciência; e, do mesmo modo, na medida em que suas ações se atêm às
circunstâncias e relações existentes, age e atua segundo o conhecimento
determinado que tem delas. (HEGEL, Filosofia do Direito, apud Marx, 2005, p. 36).
Dessa
forma, Marx aponta que para Hegel:
1) O espírito
que se sabe e se quer é substância do Estado (o espírito cultivado, autoconsciente, é o sujeito e o fundamento, é a autonomia do
Estado). 2) O interesse universal e a
conservação dos interesses particulares nele é o fim universal e o conteúdo
desse espírito, a substância existente do Estado, a natureza estatal do
espírito que se sabe e se quer. 3) O espírito que se sabe e se quer, o espírito
cultivado e autoconsciente, atinge a realização
desse conteúdo abstrato apenas como uma atividade
distinta, como a existência de diferentes
poderes, como uma potência articulada.
(MARX. 2005, p p. 37-38).
Segundo a crítica de Marx, em Hegel: "O 'fim
do Estado' e os 'poderes do Estado', são mistificados, visto que são
apresentados como 'modos de existência' da 'Substância' e aparecem como algo
separado de sua existência real, do 'espírito que sabe e se quer', do 'espírito
cultivado'". (p. 38). Nessa inversão hegeliana:
o conteúdo concreto, a determinação real, aparece
como formal; a forma inteiramente abstrata de determinação aparece como
conteúdo concreto. A essência das determinações do Estado não consiste em que
possam ser consideradas como determinações do Estado, mas sim como
determinações lógico-metafísica em sua forma mais abstrata. O verdadeiro
interesse não é a filosofia do direito, mas a lógica. O trabalho filosófico não
consiste em que o pensamento se concretize nas determinações políticas, mas em
que as determinações políticas existentes se volatizem no pensamento abstrato.
O momento filosófico não é a lógica da coisa, mas a coisa da lógica. A lógica
não serve à demonstração do Estado, mas o Estado serve a demonstração da
lógica. (MARX. 2005, pp. 37-38).
Com isso Hegel operou as inversões entre a
realidade concreta, histórica e a idéia-conceito. Marx aponta que: "Se
Hegel tivesse partido dos sujeitos reais como base do Estado, ele não
precisaria deixar o Estado subjetivar-se de uma maneira mística". (MARX,
p. 44). Como o Estado é compreendido como objetivação da racionalidade
absoluta, o próprio Estado é uma idéia que precisa do monarca e de seus
funcionários para fazer-se carne. Assim o Estado é uma ideia que se torna
sujeito. Hegel define que: "O poder soberano contém em si mesmo os três
momentos da totalidade, a universalidade da
constituição e das leis, a deliberação como relação do particular com o universal e o momento da decisão última como autodeterminação
à qual tudo o mais retorna e de onde toma o começo como realidade (...)".
(Apud Marx, 2005, p. 41).
O monarca, a constituição e o povo
Para Hegel a constituição é expressão da razão universal do
Estado, a própria constituição é um momento da objetivação do universal, é
produto de um conceito, do conceito de Estado enquanto entidade superior e
universal. Pois para Hegel o Estado monárquico "determina e estabelece o
universal" e sobrepõem-se legalmente sobre todas as esferas particulares.
O Estado político, para Hegel, divide-se em poder
legislativo, poder governamental e, seu poder máximo, o poder do monarca com
sua constituição. O soberano é sempre a última decisão do querer, pois seu querer,
enquanto expressão do universal, tem o poder de sobrepor-se a qualquer outro
querer. Assim, a monarquia constitucional é o cume e o início de tudo, é o alfa
e o ômega, é o espírito de um povo corporificado na pessoa do príncipe. Por ser
expressão do "espírito de um povo", para Hegel "cada povo tem,
assim, a constituição que lhe cabe e que lhe é própria", isso porque a
constituição foi determinada pelo saber absoluto do monarca que, em sua
autoconsciência, a concebeu para realizar as necessidades universais
apreendidas por sua soberania. Então o povo nunca poderá se contrapor à
constituição pois ela é expressão universal. Marx problematiza essa concepção
hegeliana:
Do raciocínio de Hegel segue-se apenas que o Estado,
em que o "modo e a formação da autoconsciência" e a
"constituição" se contradizem, não é um verdadeiro Estado. Que a
constituição, que era o produto de uma consciência passada, possa se tornar um
pesado entrave para a consciência mais avançada etc. etc., são por certo,
apenas trivialidades. Disso deveria resultar, antes, a exigência de uma
constituição que contivesse em si mesma a determinação e o princípio de avançar
com a consciência; de avançar com o homem real, o que só é possível quando se
eleva o "homem" a princípio da constituição. Hegel é aqui sofista. (MARX. 2005, p. 40).
O soberano se autodetermina e determina a constituição,
frente ao monarca e a constituição, o povo é reduzido à obediência. A
universalidade das leis é garantida pelo poder soberano que já é em si
universal. Também é ele que garante a relação do particular com o universal.
Assim, Marx aponta que em Hegel "O poder soberano não se encontra fora da
universalidade da constituição e das leis, desde que por poder soberano se
entenda o poder do monarca (constitucional)". (p. 41). A abrangência
universal da constituição e das leis são garantidas pelo Estado universal,
sendo que para Hegel, o Estado monárquico é "a subjetividade certa de si
mesmo, é a autodeterminação". Por isso Marx infere que: "Mas, em
verdade, o que Hegel pretende é demonstrar que é apenas isso: a 'universalidade
da constituição e das leis' é o poder soberano, a soberania do Estado".
(p. 41). Marx opõem-se a tal perspectiva apontando que: "É, portanto,
incorreto fazer do poder soberano o sujeito e, uma vez que o poder soberano pode ser compreendido como o poder do príncipe, produzir a ilusão
de que ele é o senhor desse momento, o seu sujeito". (2005, p. 41).
O
poder do monarca
A constituição e suas leis, como expressão do saber
absoluto, garantem a ausência da tirania. Para Hegel a tirania acontece quando
uma vontade individual, com fins egoístas, quer se sobrepor a vontade geral.
Assim, Hegel diferencia a tirania da soberania. A soberania é o poder da
vontade individual do monarca que, seguindo as leis e a constituição, busca o
bem comum, o bem do Estado.
Em momentos de paz, a universalidade do Estado assegura a
satisfação das necessidades das esferas particulares da sociedade (família,
corporações e sociedade civil). Nesse caso, é o poder advindo do alto, das
esferas de poder do Estado, que asseguram o universal. Cada grupo quer sua
própria conservação e assim conserva-se toda a sociedade por meio da mediação
do estatal. Na situação de guerra, se impõem o poder soberano, pois todas as
esferas particulares devem buscar o poder do Estado para se conservarem.
Segundo a crítica de Marx:
Esse idealismo não é, portanto, desenvolvido em um
sistema consciente, racional. Ele aparece, em situação de paz ou somente como uma coação externa exercida pelo poder
dominante, sobre a vida privada, por meio da "influência direta do
alto", ou como resultado cego, inconsciente, do egoísmo. Ele tem sua
"realidade própria" apenas "em situação de guerra ou de
urgência" do Estado, na medida em que sua essência se expressa, aqui, como
"situação de guerra e urgência" do Estado realmente existente,
enquanto sua situação "pacífica"
é precisamente a guerra e a urgência do egoísmo. (MARX. 2005, p. 43).
E Marx continua: "Por isso a soberania, o idealismo de Estado, existe somente como necessidade
interna: como Ideia. Hegel se satisfaz
com isso, pois se trata apenas da Ideia.
A soberania existe, portanto, por um lado, apenas como substância inconsciente, cega". (p. 43). Isso porque o poder
do soberano é o poder último, o arbítrio. A soberania do Estado monárquico é o
próprio monarca, pois a soberania supra-sume dentro de si todas as
particularidades em seu si-mesmo. Marx aponta que, como Hegel não parte de
sujeitos reais, e sim da idéia como a fundadora do Estado (a soberania é a base
do Estado), o Estado subjetiva-se de forma mística, assim "Hegel
autonomiza os predicados e logo os transforma, de forma mística, em seus
sujeitos". (p. 44).
A existência dos predicados é o sujeito: portanto,
o sujeito é a existência da subjetividade etc. Hegel autonomiza os predicados,
os objetos, mas ele os autonomiza separados de sua autonomia real, de seu
sujeito. Posteriormente, o sujeito real aparece como resultado, ao passo que se
deve partir do sujeito real e considerar sua objetivação. A substância mística
se torna sujeito real e o sujeito real aparece como um outro, como um momento
da Substância mística. Precisamente porque Hegel parte dos predicados, das
determinações universais, em vez de partir do ente real (...), e como é preciso
haver um suporte para esta determinação, a Idéia mística se torna esse suporte.
Este é o dualismo: Hegel não considera o universal como essência efetiva do
realmente finito, isto é, do existente, do determinado, ou, ainda, não
considera o ente real como o verdadeiro
sujeito do infinito. (2005, p. 44).
E destaca:
Assim, a soberania, a essência do Estado, é aqui,
primeiramente, considerada como uma essência autônoma, é objetivada. Depois,
compreende-se esse objeto deve se tornar novamente sujeito. Mas, então, esse
sujeito aparece como uma auto-encarnação da soberania, enquanto que a soberania
não é outra coisa senão o espírito objetivado dos sujeitos do Estado. (Idem, p.
44).
O monarca é
o começo e o fim, é objetivação do saber absoluto. Ele é o próprio universal.
Se o monarca é tudo, o povo não é nada, sociedade civil, famílias e corporações
são apenas formas de ser contidas no
Estado monárquico. Assim, separa-se o Estado político, que é o monarca, do
Estado não político e adjacente, que é o povo.
Uma vez que entende que o Estado político (monarquia
constitucional) pressupõe um Estado não político (multidão), Marx analisa o
Estado político como conseqüência da alienação da vontade coletiva (a multidão
fica apartada do poder), tem-se a separação do povo de sua vontade efetiva, com
isso o povo converte-se em Estado não político: "Hegel diz, aqui, apenas
que: a vontade efetiva, isto é,
individual, é o poder soberano". (MARX, p. 41). A vontade do Soberano
é sempre a vontade geral, isso porque: "O que importa para Hegel, é
apresentar o monarca como homem-Deus real, como encarnação real da Ideia". (p. 44). O Estado é uma instituição
total, formada pela vontade coletiva que se torna una, capacitada por várias determinações, viabiliza a sociedade
civil e as famílias que são parte do Estado. O cidadão é cidadão do Estado,
assim como família e sociedade civil. O Estado é uno, é a totalidade que se
autodetermina na vontade do rei absoluto, o monarca é a cabeça do leviatã, o
povo, família e sociedade civil são as escamas de sua armadura.
Todavia, enquanto Hegel concebe a soberania como
idealismo de Estado, como determinação real da parte por meio da ideia do todo,
ele a transforma agora em "autodeterminação abstrata, porque sem
fundamento, da vontade, autodeteminação esta na qual reside a decisão
última. É essa individualidade do
Estado como tal". O discurso, que antes falava em subjetividade, fala
agora da individualidade. O Estado
como soberano deve ser Uno, Um indivíduo, deve possuir
individualidade. O Estado é Uno
"não somente" nesta individualidade; a individualidade é apenas um
momento natural de sua unidade, a determinação natural do Estado. "Por isso, esse momento absolutamente
decisivo do todo não é a individualidade em geral, mas um indivíduo, o monarca". Como? Porque "cada
um dos três momentos do Conceito" tem "na constituição que atingiu a
sua real racionalidade a sua
configuração separada, real para si".
(MARX, 2005, p. 45).
Assim,
para Marx:
Hegel transforma todos os atributos do monarca
constitucional na Europa atual em autodeterminações absolutas da vontade. Ele não diz: a vontade do
monarca é a decisão última, mas a decisão última da vontade é... o monarca. A
primeira frase é empírica. A segunda distorce o fato empírico em um axioma
metafísico. (Idem, p. 45)
Dessa forma, para Marx: "Hegel confunde os
dois sujeitos: a soberania 'como a sua subjetividade autoconsciente' e a soberania 'como a autodeterminação
sem fundamento da vontade', como vontade individual, para, a partir daí,
construir a 'Ideia' como 'Um indivíduo'.
(pp. 45-46). A vontade desse indivíduo uno é compreendida por Hegel como
vontade geral condensada que se autodetermina como universal. Marx assevera:
Hegel, aqui, define o monarca como "a
personalidade do Estado, sua certeza de si mesmo". O monarca é a
"soberania personificada", a "soberania feita homem", a
consciência corpórea do Estado, por meio da qual, portanto, todos os outros
estão excluídos dessa soberania, da personalidade e da consciência do Estado.
(...). A "razão de Estado" e a "consciência de Estado" são
uma "única" pessoa empírica, a exclusão de todas as outras, mas esta
razão personificada não tem nenhum conteúdo além da abstração do "Eu
quero". (MARX, 2005, pp. 46-47).
Hegel pensa "Como se o povo não fosse o Estado
real". Oposto a tal formulação, para Marx não é o Estado que é o soberano.
Soberano é o povo que forma o Estado. É da força concreta do povo que emana a
qualidade viva da soberania. De acordo com o autor: "O Estado é um abstratctum. Somente o povo é concretum. É notável que Hegel atribua
sem hesitação uma qualidade viva ao abstractum,
tal como a soberania, e só o faça com hesitação e reservas em relação ao concretum". (MARX, p. 48).
Hegel, por outro lado afirma: "Mas soberania
popular, definida em oposição à soberania
existente no monarca, é o sentido
ordinário em que se começou a falar em soberania popular nos últimos tempos -
nessa oposição a soberania popular pertence aos pensamentos confusos, em cujo
fundamento reside a representação desordenada
do povo". (Hegel, apud Marx,
p.4). Marx critica duramente essa perspectiva: "Os 'pensamentos confusos'
e a 'representação desordenada' se encontram aqui em Hegel". (p. 48).
Soberania no povo ou no monarca? Eis a
questão
Marx argumenta que não pode haver uma soberania dupla,
exercida ao mesmo tempo pelo povo e pelo soberano. A soberania tende a se resolver
em favor de um poder apenas. Hegel afirma que a soberania é uma qualidade do
soberano e que sem o poder do soberano o povo torna-se uma massa disforme e
perde a qualidade de Estado pois perde-se a instância moderadora que dá coesão
as famílias, corporações e sociedade civil enquanto povo-nação. Logo, não se
pode existir "soberania popular" por isso para Hegel essa é uma
concepção equivocada e confusa, uma compreensão desordenada tida pelo povo. A
soberania é a qualidade do soberano, do monarca.
Marx, ao contrário, aponta a necessidade da participação
geral, do "dêmos inteiro", na vida sócio-política por meio de uma
democracia direta e universal em oposição a monarquia constitucional.
(...) Na democracia nenhum momento recebe uma
significação diferente daquela que lhe cabe. Cada momento é, realmente, apenas
momento do dêmos inteiro. Na monarquia, uma parte determina o caráter do todo.
A constituição inteira tem de se modificar segundo um ponto fixo. A democracia
é o gênero da constituição. A monarquia é uma espécie e, definitivamente uma má
espécie. A democracia é o conteúdo e a forma. A monarquia deve ser apenas
forma, mas ela falsifica o conteúdo. (p. 49).
Marx está pensando em uma forma de democracia em
que a própria população possa determinar sua constituição, onde "a constituição mesma aparece somente como uma determinação e, de fato, como
autodeterminação do podo". (p. 50). Por isso afirma que:
(...) Na monarquia temos o povo da constituição; na
democracia, a constituição do povo. A democracia é o enigma resolvido de todas as constituições. Aqui, a constituição
não é em si, segundo a essência, mas
segundo a existência, segundo a realidade, em seu fundamento real, o homem real, o povo real, e posta como obra própria
deste último. A constituição aparece como o que ela é, o produto livre do
homem; poder-se-ia dizer que, em certo sentido, isso vale também para a
monarquia constitucional, mas a diferença específica da democracia é que, aqui,
a constituição em geral é apenas um momento da existência do povo e que a
constituição política não forma por
si mesma o Estado. (p. 50).
Em uma democracia universal direta eliminar-se-ia a
alienação política, pois todo o povo poderia intervir na política, no Estado,
na constituição e nas leis, por isso Marx afirma que: "Na democracia, o
princípio formal é, ao mesmo tempo, o
princípio material. Por isso ela é,
primeiramente, a verdadeira unidade do universal e do particular". (p.
50). A unidade entre universal e particular passaria a ser feita pela própria
ação da população, das famílias, das corporações e da sociedade civil. Assim
eliminar-se-ia a dicotomia entre homens políticos e homens não-políticos, entre
o homem público e o homem privado. Segundo Marx:
Na democracia o Estado, como particular, é apenas particular, como universal é o
universal real, ou seja, não é uma determinidade em contraste com os outros
conteúdos. Os franceses modernos concluíram, daí, que na verdadeira democracia
o Estado político desaparece. O que
está correto, considerando-se que o Estado político, como constituição, deixa
de valer pelo todo. (MARX, p. 51).
A democracia
direta seria a forma de eliminar essa alienação política constitutiva do Estado
moderno, em que a monarquia é a expressão mais acabada, considerando que o
"Estado moderno é um compromisso entre o Estado político e o não
político". (MARX, p. 51). Isso porque: "Na democracia o Estado abstrato deixou de ser um momento
preponderante". (Idem). Sintetizando, Marx infere que:
Se, por exemplo, no desenvolvimento da família, da
sociedade civil, do Estado etc., estes modos sociais de existência do homem
fossem considerados como realizações e objetivação de seu ser, então família
etc. apareceriam como qualidades inerentes a um sujeito. O homem permanece
sempre como o ser de todos os seres; estes, no entanto, aparecem também como
sua universalidade real e, assim, como o comum.
Se, em contrapartida, família, sociedade civil, Estado etc. são determinações
da Idéia, a Substância como sujeito, elas devem, então assumir uma realidade
empírica, sendo cidadã a massa dos homens na qual se desenvolve a idéia da
sociedade civil e, a outra, cidadã do Estado. (MARX, 2005, p. 59).
E acrescenta Marx sobre a inversão operada por
Hegel: "É evidente. O verdadeiro caminho a ser percorrido está invertido.
O mais simples é o mais complexo e o mais complexo o mais simples. O que
deveria ser ponto de partida se torna resultado místico e o que deveria ser
resultado racional se torna ponto de partida místico". (pp. 59-60). Marx aponta
criticamente que, na perspectiva hegeliana, o príncipe é uma pessoa especial,
um ser que porta o Estado dentro de si, pois é a única pessoas capaz de
relacionar o pessoal-privado com o geral-público: "Mas o príncipe é a pessoa abstrata, que tem o Estado em si, isto significa tão somente
que a essência do Estado é a pessoa abstrata, a pessoa privada. Só no seu ápice
ele exprime seu segredo. O príncipe é a única pessoa privada na qual se realiza
a relação da pessoa privada em geral com o Estado". (p. 60). Em termos
concretos isso implica que: "O ato constitucional mais elevado do rei é,
portanto, sua atividade sexual, pois por meio dela ele faz um rei e dá continuidade a seu corpo. O corpo de seu filho é a
reprodução de seu próprio corpo, a criação de um corpo real". (p. 60).
O poder governamental
Embora o soberano seja a fonte ultima da decisão, é
necessário um corpo auxiliar que execute as decisões, a realização do
universal. É necessário um corpo que vigie o cumprimento da leis, que as
execute e aplique de acordo com as necessidades específicas. Essas funções
compõem o poder governamental, onde esta contido o poder judiciário e o poder
policial. Esses devem ser escolhidos por meio de eleições e referendados pelo
monarca. O poder governamental é o poder dos funcionários do Estado, que por
sua vez, é subalterno ao poder do soberano. O poder governamental subsume
dentro de si as particularidades em favor do universal.
Os cidadãos eleitos tornam-se funcionários do
Estado, que uma vez eleitos deixam de ser simples cidadãos individuais com interesses
particulares no seio da sociedade civil e passam a ser servidores públicos,
voltados para a realização dos interesses universais. Passam a posição de
cidadãos do Estado, que transcendem seus interesses individuais egoístas e se
comprometem com os interesses universais-estatais públicos. Esses funcionários
possibilitam a ligação entre os interesses particulares da sociedade civil e o
Estado, funcionando como um elo ativo de ligação entre tais partes. Delegar
funções e aceitar os eleitos, é atributo da soberania. Em última instância, é o
ato soberano que liga o indivíduo ao Estado.
Para Hegel, os funcionários do Estado sacrificam
seus interesses particulares em prol do universal, e, se satisfazem com esse
bem maior produzido. A satisfação é produto do dever cumprido. É justamente
essa relação entre o particular e o universal que garante a estabilidade
interna do Estado. Incorporados ao poder do Estado, esses funcionários estão
protegidos contra as paixões privadas das famílias, corporações e indivíduos da
sociedade civil. Os funcionários do Estado combatem os interesses particulares
das esferas particulares, fazendo valer contra eles os interesses universais.
De acordo com Hegel, o que garante a idoneidade dos
funcionários é, por um lado, o poder superior do Estado, a soberania e, por
outro lado, a pressão social exercida pelos governados das esferas sociais que
compõem a sociedade civil e as corporações. Também o tamanho do Estado, sua
amplitude e complexificação, deveria assegurar a imparcialidade das decisões e
a justiça operada por meio desse estamento médio e intermediário entre o Estado
e a sociedade civil. Segundo Hegel: "No estamento médio, ao qual
pertencem os funcionários estatais residem a consciência do Estado e a cultura
mais eminente. Por isso, ele constituído pilar fundamental do Estado em relação
a retidão e a inteligência. (...)". (HEGEL, apud Marx, p. 63). Para Marx
essa compreensão de Hegel não tem nada de filosófica, contém apenas uma forma
de legitimação do Estado prussiano. Uma vez que o monarca é a incorporação do
saber absoluto, seus delegados são a consciência do Estado portadores da
cultura mais eminente, o Estado, a coroa e a burocracia estatal se tornam
inquestionáveis.
Esse estamento intermediário, para Marx, é uma
burocracia estatal. Marx aponta que em Hegel a burocracia é o elo de ligação
entre o Estado e a sociedade civil, porque para Hegel Estado e sociedade civil
são instâncias separadas. (p. 64). A sociedade civil só é portadora dos
interesses particulares, egoístas, apenas o Estado e suas estruturas superiores
é que portam o universal. As corporações, família são egoístas, em
contrapartida, a burocracia é parte do universal. Mas, Marx aponta que a
burocracia é a burocracia a serviço do Estado, são os funcionários do Monarca
contra os interesses das corporações e a sociedade civil.
Para a sociedade civil a burocracia é o formalismo
do Estado. Esta mediação formal com o estamento superior do Estado é uma
representação do poder sobre o Estado não-político. A própria burocracia
impõem-se como uma corporação do Estado, um anexo dele que atua contra os
interesses da sociedade civil em favor do Estado, contra as corporações e
sociedade civil. (p. 65). Os burocratas são os teólogos do espírito estatal.
São os protestantes ativos do Estado burguês.
A burocracia se considera como a via concreta de
realização do Estado. Ela tende a considera-se como o fim último do Estado.
Está organizada de forma hierárquica, entre o alto e o baixo estrato. Os
círculos superiores dessa hierarquia conhecem a universalidade, os inferiores
detêm os conhecimentos particulares aplicáveis concretamente. Ambos os círculos
dessa hierarquia se julgam imprescindíveis e assim se enganam mutuamente.
Visto que a burocracia é, segundo a sua essência, o "Estado como
formalismo", então ela o é também, segundo a sua finalidade. A finalidade real do Estado aparece à burocracia,
portanto, como finalidade contra o
Estado. O espírito da burocracia é o "espírito formal do Estado". Por
isso ela transforma o "espírito formal do Estado, ou a real falta de Espírito do Estado, em
imperativo categórico. A burocracia se considera o fim último do Estado. Como a
burocracia faz de seus fins "formais" o seu conteúdo, ela entra em
conflito, por toda parte, com seus fins "reais". Ela é forçada, por
conseguinte, a fazer passar o formal pelo conteúdo e o conteúdo pelo formal. Os
fins do Estado se transmutam em fins da repartição e os fins da repartição se
transformam em fins do Estado. A burocracia é o círculo do qual ninguém pode
escapar. Sua hierarquia é uma hierarquia
do saber. A cúpula confia nos círculos inferiores o conhecimento do
particular, os círculos inferiores confiam à cúpula o conhecimento do
universal, e assim, eles se enganam reciprocamente. (p. 66).
Para a burocracia, o espírito público do próprio
Estado, que expõem seus meandros, é uma ameaça constante aos segredos
burocráticos e a própria estabilidade do corpo burocrático. É o segredo de sua
lógica interna que os tornam imprescindíveis. O burocrata, como indivíduo, tem
como fim particular, privado, a busca pela ascensão na hierarquia da burocracia
estatal, dos baixos aos altos círculos que a compõem.
O espírito universal da burocracia é o segredo, o mistério; guardado em seu
interior por meio da hierarquia, em relação ao exterior, como corporação
fechada. Por isso o espírito público do Estado, assim como a disposição
política aparecem para a burocracia como uma traição se seu mistério. A autoridade é, portanto, o princípio de
seu saber e o culto à autoridade é sua disposição.
No seu interior, porém, o espiritualismo
se torna um materialismo crasso, o
materialismo da obediência passiva, da fé na autoridade, do mecanismo de uma atividade formal, fixa,
de princípios, idéias e tradições fixos. Quanto ao burocrata tomado
individualmente, o fim do Estado se torna o seu fim privado, uma corrida por postos mais altos, um carreirismo. Primeiramente ele considera
a vida real como uma vida material,
já que o espírito desta vida tem sua existência separada para si na
burocracia. A burocracia deve, assim, tornar a vida tão material quanto
possível. (...). (p. 66).
Para Hegel, quatro elementos criam a identidade
entre a sociedade civil, o Estado e sua burocracia: a) a possibilidade que
todos possuem de serem eleitos para cargos do Estado. b) As eleições. c)
Remuneração estatal e d) Possibilidade de ascensão na hierarquia burocrática.
Para Marx as eleições para os cargos do Estado,
constituem, na verdade, uma forma de reafirmação da estruturação hierárquica e
de redução dos atritos entre a diferentes esferas que sustentam o Estado:
"É desnecessário ressaltar que a solução desta oposição por meio de eleição mista é uma mera forma de acomodação, uma transação, uma confissão do dualismo não resolvido, ela
mesma um dualismo, uma "mistura". Os interesses
particulares das corporações e das comunas têm, dentro de sua própria esfera, um dualismo que conforma o caráter de sua administração". (68). Desta forma,
os funcionários do Estado, o corpo de deputados, estão em suas funções para
fazer valer os interesses estatais, são "delegados do poder
governamental", representantes do Estado que devem fazer valer os
interesses universais do Estado e não os interesses do povo. São então,
representações do Estado contra a sociedade civil e as famílias:
Hegel faz intervir, no interior da sociedade civil,
o "Estado ele mesmo", o "poder governamental", para a
"gestão" do "interesse universal do Estado e da legalidade
etc.", mediante "delegados" e, segundo ele, precisamente estes
"delegados do poder governamental", os "funcionários estatais
executivos", são a verdadeira
"representação no Estado", não "da", mas
"contra" a sociedade civil". A oposição entre o Estado e a
sociedade civil está, portanto, consolidada; o Estado não reside na sociedade
civil, mas fora dela; ele a toca apenas mediante seus "delegados", a quem é confiado a "gestão do Estado" no interior dessas esferas. Por meio
destes "delegados" a oposição não é suprimida, mas transformada em
oposição "legal", "fixa". O "Estado" é feito
valer, como algo estranho e situado além do ser
da sociedade civil, pelos deputados deste ser contra a sociedade civil. A
"polícia", os "tribunais" e a "administração" não
são deputados da própria sociedade civil, que neles e por meio deles administra
o seu próprio interesse universal,
mas sim delegados do Estado para administrar o Estado contra a sociedade civil.
A "polícia, os "tribunais" e a "administração" não são
deputados da própria sociedade civil, que neles e por meio deles administra o
seu próprio interesse universal, mas
sim delegados do Estado para administrar o Estado contra a sociedade civil. (...).
(p. 68).
Em resumo, até aqui, apreendemos que embora Hegel
atribua importância ao processo sócio-histórico que formou o Estado monárquico,
estruturado a partir da sociedade civil, das famílias e corporações, acabou por
defender a primazia e autonomização do Estado frente à sociedade. Para Hegel o é
Estado monárquico, na representação do monarca e de seus delegados, que deve
determinar os rumos da sociedade, legislando sobre o cotidiano das famílias e
da sociedade civil-burguesa. Embora o monarca não administre sozinho a sociedade, abrindo espaço para
representação por meio de deputados e demais representantes eleitos, a última palavra
é sempre do monarca. Para Marx, o corpo de representantes constitutivo da
burocracia do Estado são, na verdade, representações a serviço do Estado monárquico.
Não são então representantes do povo, mas sim, representação dos interesses do
Estado contra o povo. Os deputados e ministros são delegados do poder estatal contra
a sociedade civil.
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