O processo de
desagregação do feudalismo, e o conseqüente desenvolvimento do mercantilismo,
lançou bases para o inicio de uma nova fase de desenvolvimento da humanidade.
Com o enfraquecimento e falência do feudalismo, enriquecimento dos comerciantes
dos burgos, a servidão entrou em crise profunda, dando margem ao nascimento do mercantilismo. (Confira:http://combateclassista.blogspot.com.br/2016/01/o-que-foi-o-feudalismo.html).
Durante o
processo de transição do feudalismo para o capitalismo, Portugal, que já se lançava à exploração da costa africana em 1415 e, com isso, afirmava-se entre as
principais nações escravocratas do período. O país será o pioneiro em sequestros e
deportações em massa da população africana através do atlântico. O trafico negreiro passou rapidamente a constituir um dos
pilares da economia portuguesa, disseminando-se ainda para outros países da
Europa, como a Inglaterra, outra potência escravocrata que acumulou bilhões com a escravidão para o continente americano. O Brasil foi o país que recebeu os
maiores contingentes de africanos sequestrados e escravizados, os EUA ocupa a segunda posição. O mercantilismo
escravocrata criou os alicerces para o capitalismo, foi uma forma de acumulação primitiva de capital. Como apontou Max no capítulo 24 do livro O capital: “Liverpool teve um crescimento considerável graças ao tráfico de escravos. Esse foi seu método de acumulação primitiva […]. Em 1730, Liverpool empregava 15 navios no tráfico de escravos; em 1751, 53; em 1760, 74; em 1770, 96; e, em 1792, 132”. (p. 878). Cada centímetro do solo dos
países escravocratas foi semeado e cultivado em milhares de hectares anuais por mãos negras que produzir algodão, fumo, açúcar, café, açúcar, nas minas úmidas e escura extraiam ouro, prata, diamante etc. Todo o solo americano foi regado abundantemente com o sangue dos negros e índios escravizados.
Após os sequestros e
aprisionamento em massa, os africanos eram então transportados por cerca de 50 dias pelo atlântico, homens, mulheres e crianças, muitos não resistiam às péssimas condições precárias e insalubres dos navios, metade da população transportada morria, por fome ou por doenças, muitos se rebelavam ao longo das viagens, mas eram assassinados e jogados no mar. Por conta das Grandes Navegações, a empresa
mercantilista, consolidou-se uma estrutura marítima de circulação e de
distribuição. Toda essa estrutura foi posta a serviço da escravidão.
Enquanto houve escravidão houve resistência. Eles resistiam às prisões, sequestros e deportações. Isso desde a
captura, transporte e sobretudo nos países onde eram mantidos em condição de
escravo. A repressão contra os escravizados era brutal. Os Estados capitalistas
nascentes e seus sócios menores, compreendendo o trabalho escravo como produtor
de imensas riquezas, utilizavam-se de toda forma de terror possível para buscar
submeter a população escravizada. Toda ordem de castigos e mutilações eram
praticadas corriqueiramente como forma de impor medo a população africana
dominada como forma de lhes desencorajar as rebeliões, resistência e fugas.
Ainda assim, por toda parte, a população escravizada lutava dia-a-dia pela
liberdade. Fugiam e formavam agrupações e comunidades quilombolas.
Desta forma, a
escravidão da população africana moderna, em conjunto com a expulsão dos
camponeses das terras (quando as ovelhas devoravam homens e mulheres do campo),
no seio do Mercantilismo, constituíram as bases primitivas para a edificação do
capitalismo. Como destacava Malcolm X, os povos africanos sequestrados foram
tornados cativos para edificar toda a riqueza da qual eram impedidos de
usufruir. Nas palavras de Malcolm X
“Somos um povo que
outrora era africano, foi sequestrado e trazido para América. Nossos
antepassados não foram peregrinos (...). Nós fomos trazidos aqui contra nossa
vontade. Não fomos trazidos até aqui para sermos cidadãos, não fomos trazidos
até aqui para desfrutar das benesses constitucionais das quais eles falam tão
bem hoje”. (http://www.youtube.com/watch?v=RdYMvxs368s).
Conforme apontou Malcolm, só na américa do norte, foram 310 anos de trabalho escravo que possibilitou que se amontoassem imensas
riquezas para as classes dominantes americanas. Em suas palavras foram
"310 anos, nos quais cada dia suas mães e a minha, meu pai e os seus
trabalhavam em troco de nada. E não como uma jornada de 8 horas/dia. Não
existiam sindicatos naquela época. Eles trabalhavam do nascer ao por do sol.
Começavam quando ainda estava escuro e iam noite adentro até não poderem
enxergar mais. Eles nunca tiveram um dia de folga".
Malcolm X conclui
corretamente que "Esses 310 anos de trabalho escravo são a minha e a sua
contribuição para esta economia e sistema político em particular". No caso
do Brasil foram cerca de 350 anos de escravatura que encheram as bolsas e os cofres das
oligarquias e avolumaram as heranças da burguesia brasileira. A burguesia
descendente do escravagismo herdou não apenas as gigantescas proporções de
terras e latifúndios, mas também toda uma ordem patrimônio que empilhado a
partir do trabalho dos povos africanos escravizados. Herdou também toda a
estrutura politica e repressiva do aparato estatal escravocrata que continuou
(e continua) sendo usado contra a população negra e seus descendentes e os setores
mais pauperizados da classe trabalhadora.
Os escravocratas com
toda a força de guerra de seu aparato estatal escravagista determinavam que
apenas quando morressem é a população africana deixariam de ser escravos. O
Estado Escravagista constituía uma verdadeira máquina de fazer cativos e
extrair deles a maior riqueza possível, utilizando-se corriqueiramente de todas
as formas de violência, tortura e assassinato que lhe conviesse para acumular
riquezas. E como combater os Estados escravocratas e todas suas tradições
racistas? Malcolm X tinha perspectiva muito clara sobre isso:
"Façamos ele nos
pagar o que nos deve. Vamos nos Unir! E se é isso que o negro quer, vamos nos
juntar a ele. Vamos lhe mostrar como manter o esforço de batalha. Vamos lhes
mostrar como lutar! Vamos lhe mostrar como causar uma verdadeira
revolução!"
Também tomando tais
processos, Karl Marx utilizava a categoria de estados escravistas para
expressar o conteúdo dessas relações de dominação, entendendo sempre que toda
sua acumulação primitiva dos Estados escravagistas derivava também da
escravização.
Embora Marx não tenha
se dedicado extensivamente para teorizar sobre a escravidão, é certo que também
nesse campo o autor deixou indicações muito importantes de como pensá-la.
Constatava que, a população africana em condição de escravização, era quem
produzia nos Estados Unidos seus principais produtos de exportação,
"algodão, fumo, açúcar, etc.." e com isso a própria riqueza nacional.
Analisava que eram os escravagistas, por meio de um partido escravagista
exerciam hegemonia no Senado americano impunham as leis escravocratas a todo o
país. Com tudo isso, os escravistas tinham o domínio do poder sobre a máquina
do Estado. (A guerra civil norte-americana. In: Liberdade de imprensa, L&;PM,
2009). Aos 28 anos de idade, Marx analisava que, uma vez que o próprio sistema
econômico e político era fundado sobre a escravidão, o fim da escravidão
levaria a uma crise profunda do Estado americano.
"(...) no
Brasil, nas regiões do sul da América do Norte. (...). A escravidão direta é
tanto quanto o pivô em cima do qual nosso industrialismo dos dias de hoje faz
girar a maquinaria, o crédito, etc. Sem escravidão não haveria nenhum algodão,
sem algodão não haveria nenhuma indústria moderna. É a escravidão que tem dado
valor às colônias, foram as colônias que criaram o comércio mundial, e o
comércio mundial é a condição necessária para a indústria de máquina em grande
escala. Conseqüentemente, antes do comércio de escravos, as colônias emitiram
muito poucos produtos ao mundo velho, e não mudaram visivelmente a cara do
mundo. A escravidão é conseqüentemente uma categoria econômica de suprema
importância. Sem escravidão, a América do Norte, a nação a mais progressista,
ter-se-ia transformado em um país patriarcal". (Carta de Karl Marx a Pavel
Vasilyevich Annenkov, Paris Escrita em 28 de dezembro de 1846).
Em 1861 apontava que a única forma de manutenção da união do Estado
americano, para se evitar a secessão, seria abolindo a escravatura. Em suas analises
sobre a guerra civil norte-americana (1861-1865). Segundo o
autor, a própria Corte suprema dos Estados Unidos havia sido até então "a
ferramenta mais serviçal dos senhores de escravos". O Estado americano
torna-se um serviçal "de trezentos mil donos de escravos" implantando
para isso uma "Constituição escravagista".
E é nesse perspectiva
que Marx, como dirigente da Primeira Internacional, entendendo como candente a
luta contra a escravidão, redige um documento oficial ao recém reeleito Abraham
Lincoln (http://www.marxists.org/portugues/marx/1864/11/29.htm). A
Internacional Comunista encarava a eleição de Lincoln como uma vitória contra a
"oligarquia de 300.000 proprietários de escravos. Marx e a Internacional
argumentam que "a palavra de ordem reservada da sua primeira eleição foi
resistência ao Poder dos Escravistas [Slave Power], o grito de guerra
triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura".
Nessa brevíssima
carta a Abraham Lincoln, Marx chega a criticar a classe operária americana,
argumentando que o operariado permitiu que os trabalhadores e trabalhadoras do
continente africano fossem submetidos a condição de escravos sendo
"vendidos e dominados sem seu consentimento". De acordo com sua
analise, a imposição de tal sistema brutalizado colocava em xeque toda a
república americana, uma vez que sob o mesmo solo conviviam trabalhadores
livres e africanos feitos de refém em terra alheia. Enquanto toda a população
negra não estivesse livre, a própria sociedade americana também não o seria
completamente. Segundo Marx
"Enquanto os operários, as verdadeiras forças [powers] políticas do Norte,
permitiram que a escravatura corrompesse a sua própria república, enquanto
perante o Negro — dominado e vendido sem o seu consentimento — se gabaram da
elevada prerrogativa do trabalhador de pele branca de se vender a si próprio e
de escolher o seu próprio amo, foram incapazes de atingir a verdadeira
liberdade do trabalho ou de apoiar os seus irmãos Europeus na sua luta pela
emancipação; mas esta barreira ao progresso foi varrida pelo mar vermelho da
guerra civil" (http://www.marxists.org/portugues/marx/1864/11/29.htm).
Para Marx e a
Internacional Comunista, a derrota da escravidão constituiria uma vitória para
toda a classe trabalhadora. O que a classe trabalhadora fizesse em apoio à
população africana, estaria fazendo também, e ao mesmo tempo, para si mesma.
Isso porque entendia que, apenas articulando a luta contra a escravidão e opressão
racial com a luta pelo socialismo, é que seria possível a "reconstrução de
um mundo social".
Ou seja, para Marx
era claro que a estruturação dos estados capitalistas no continente europeu e
americano deu-se em base as incursões, sequestros e deportações da população
negra. No continente africano conviviam uma serie de povos, etnias e grupos
sociais. Com o desenvolvimento das Grandes Navegações inaugura-se novos
patamares de relações entre a população europeia e do continente africano. A
coroa portuguesa, aristocratas e nobreza, já na segunda metade de 1400,
começavam a escravizar negros africanos. Com as Grandes Navegações,
Portugueses, Ingleses, Espanhóis, Franceses, Holandeses e Americanos
financiavam guerras entre povos e etnias como forma de constituir prisioneiros
e consumarem sequestros de amplos contingentes da população negra do continente
africano.
Esses sequestrados
seriam vendidos como mercadorias no continente europeu e americano. Em O
capital, capitulo XXIV, Marx escrevia: "(...). A Inglaterra conseguiu a
concessão de fornecer anualmente a América Espanhola, até o ano de 1724, 4.800
negros. Isto servia, ao mesmo tempo, para encobrir sob o manto oficial o
contrabando britânico. Na base do trafico negreiro, Liverpool teve grande
crescimento. (...) Liverpool empregava 15 navios no tráfico negreiro, em 1730;
53, em 1751; 74, em 1760; 96, em 1770, e 132, em 1972". (p. 878). Cada
centímetro do solo dos países escravagistas foram abundantemente regados com o
sangue da população africana escravizada. Ou seja, o capitalismo americano fincou bases sobre o trabalho escravizado. E mesmo com os processos de abolição, manteve-se a população africana em condições precárias de vida. Como apontava Lenin em 1915, no texto Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América (http://www.marxists.org/portugues/lenin/1915/agricultura/index.htm)
.
O Sul dos Estados Unidos foi
escravista até que a guerra civil de 1861-1865 extinguisse a escravidão. Até o
presente, o número de negros, que não ultrapassa 0,7 a 2,2% da população das
regiões Norte e Oeste, representa no Sul 22,6 a 33,7% do total da população. A
proporção de negros é de 10,7% para o conjunto dos Estados Unidos. É inútil
falar da situação degradante a que são submetidos: sob este aspecto, a
burguesia americana não é melhor que a de outros países. Após haver “libertado”
os negros, ela se esforçou, com base no capitalismo “livre” e
republicano-democrático, por restabelecer tudo o que fosse possível ser
restabelecido, por fazer o possível e o impossível para oprimir os negros da
maneira mais descarada e vil. (...). (p. 10).
Monarquia e Igreja:
carrascos dos índios e africanos
Mediante tais
processos, também no Brasil, o hibrido Estado Monárquico constituir-se-ia como
um Estado escravagista, amparado pelo conjunto de códigos legais definidos
localmente pela Monarquia e pelas elites aqui estabelecidas que determinaram o
código civil escravista legitimando torturas e castigos, com direito absoluto
sobre a vida e morte da população indígena e africana sequestrada. Também a Igreja
somava-se as instituições escravistas. Ainda em 1445, o papa Nicolau V concedeu a Afonso V, então rei de Portugal, o direito de reduzir à Escravatura Perpétua os habitantes de todos os territórios africanos a sul do Cabo Bojador. A Dum Diversas é o título da bula papal que sacramentou esse holocausto dos povos africanos. Nessa Bula, que também foi estendida ao rei da Espanha décadas mais tarde, o Papa afirma:
(…)
Nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa autoridade
apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os
sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de cristo, onde
quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e
outras propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão,
e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal,
em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e
outras propriedades, possessões e bens semelhantes (…).
Podemos verificar a mesma diretiva no Brasil, nas Cartas de Padre
Manuel da Nóbrega que dirigida a D. João III, Rei de Portugal. Em carta datada de
14 de setembro de 1551 (Olinda - PE) o padre escreve pedindo mais africanos escravizados para serem utilizados pela Igreja na recente colônia: "mande dar alguns
escravos de G[u]iné hà cassa pera fazerem mantimentos, porque a terra hé tam
fértil, que facilmente se manterame vestirão muitos meninos, se tiverem alguns
escravos que fação roças de mantimentos e algodoais". Ainda em outra carta
"Se El-Rei favorecer este e lhe fizer igreja e cassas, e mandar os
escravos que digo (e me dizem que mandão mais escravos a esta terra, de Guiné;
se assi for podia logo vir provisão pera mais tres meses ou quatro alem dos que
a case tem)".
Também Frei Vicente,
em apoio a instituição escravocrata, fazia campanha contra os negros e negras
que se rebelavam, fugiam e formavam quilombos "informado o governador que
um mocambo ou magote de negros de Guiné fugidos que estavam nos palmares do rio
Itapucuru, quatro léguas do rio Real para cá, mandou lhes que fossem de caminho
dar neles, e os apanhassem às mãos, como fizeram, que não foi pequeno bem tirar
dali aquela ladroeira e colheita que ia em grande crescimento". Em outra
carta Frei Vicente felicita-se pelo extermínio dos africanos que fugiam do cativeiro "foi Deus servido de dar aos nossos vitória com morte de
duzentos contrários, fora trinta que tomaram vivos em duas canoas".
Padre Antonio Vieira,
em seu Sermão Vigésimo Sétimo do Rosário, para justificar a escravidão proclamava:
"Sabei, pois, todos os que sois chamados escravos, que não é escravo tudo
o que sois. Todo o homem é composto de alma (...) De maneira, irmãos pretos,
que o cativeiro que padeceis, por mais duro e áspero que vos pareça, não é
cativeiro total, ou de tudo o que sois, senão meio cativeiro. Sois cativos
naquela metade exterior mais vil de vós mesmos, que é o corpo porém na outra
metade interior e nobilíssima, que é a alma, principalmente no que a ela
pertence, não sois cativos mas livres".
Brasil: uma elite em
apuros
Ainda assim, durante
a colônia a elite brasileira vivia sob dupla pressão, por um lado era
pressionada pelo imenso contingente populacional de africanos e africanas
sequestrados e escravizados que se rebelavam continuamente em busca de liberdade.
Sendo que os negros e negras tornam-se rapidamente os braços e as pernas (e em
muitos casos os cérebros) da elite colonial, coroa, nobreza e seus consortes.
Sem a população africana a colônia não podia manter-se. Por outro, esta pequena
elite colonial era também pressionada pelos imperativos do imperialismo, esta
contradição renova-se durante a República seguindo até os dias de hoje. Sobre
essa dominação objetiva constituíram-se as teorias raciais, como forma de
fornecer um referendo cientifica para as relações sociais que já estavam a
centenas de anos em curso.
No entanto, a
população negra lutava com todas suas forcas contra a escravização, desde o
momento dos sequestros no continente africano, mas também durante as longas
viagens até o desembarque em terras alheias. A elite colonial torturava e
assassinava-os por quaisquer motivos que lhe ocorressem, a população negra
escravizada revidava, organizavam-se e se enfrentavam com fazendeiros, jagunços
e capitães do mato. Nos países onde desembarcava continuavam as revoltas, fugas
e todas formas possíveis de auto-organização e resistência. Também no Brasil,
desde a chegada da população negra, os que conseguiram fugir criavam
comunidades em regiões afastadas dos domínios da elite.
São inumeráveis os
quilombos formados durante o período colonial. Mas cabe destaque ao Quilombo de
Palmares, dirigido centralmente por Zumbi e Ganga Zumba. Este quilombo resistiu
aos imperativos da coroa portuguesa por mais de 100 anos, enfrentou uma serie
de expedições que tentavam destruí-lo e assassinar sua população. Por sua forma
de auto-organização Palmares acabou por constituir-se quase como um “Estado
paralelo” em relação à coroa. Tornou-se rapidamente local de esperança e
refugio para os que conseguiam fugir das fazendas. Desta forma Palmares
colocava em risco econômico e político a empresa colonial escravocrata e a
própria monarquia que era estruturalmente dependente da escravidão.
Trabalhadores escravizados e livres se unem
Todo esse processo recebeu especial atenção dos marxistas na III Internacional em 1919. Em continuidade com as reflexões de Marx contra a escravidão e seus desdobramentos, a Terceira Internacional Comunista, dirigida por Lênin e Trotski busca tomar a questão negra de forma revolucionaria. Nas resoluções do IV Congresso da Internacional de 1922, na seção “TESE SOBRE A QUESTÃO NEGRA” destacam que
“Os financistas maníacos dos EUA, que exploram em seu território 12 milhões de negros, se dedica agora a tarefa de penetrar pacificamente na África”. (...) Há trezentos anos os negros norte-americanos foram arrancados de seu país natal, a África, e arrastados para a América onde tem sido objeto dos mais abjetos tratamentos e vendidos como escravos. Faz 250 anos, que trabalham sob o chicote dos proprietários norte-americanos. São eles que desmataram os bosques, construíram estradas, plantaram algodão, colocaram trilhos nas estradas de ferro e mantiveram a aristocracia confortável. Sua recompensa foi a miséria, a ignorância, a degradação. O negro não foi um escravo dócil, recorreu a rebelião, a insurreição, a fuga, tudo para recuperar sua liberdade. Mas seus levantes foram reprimidos com sangue. Através da tortura, foi obrigado a submeter-se. A imprensa burguesa e a religião se associaram para justificar sua escravidão. Quando a escravidão começou a competir com o trabalho assalariado e se transformou em obstáculo para o desenvolvimento da América capitalista, teve que desaparecer. (...) 3. A Internacional Comunista observa com satisfação que os operários negros explorados resistem aos ataques dos exploradores, pois o inimigo da raça negra é também dos trabalhadores brancos. Este inimigo é o capitalismo, o imperialismo. A luta internacional da raça negra é uma luta contra o capitalismo e o imperialismo. Com base nesta luta deve organizar-se o movimento negro. A Internacional Comunista (...) considera que é seu dever acolher e ajudar à organização internacional do povo negro em sua luta contra o inimigo comum. (...). 6. a) O 4º Congresso reconhece a necessidade de manter toda forma de movimento negro que tenha por objetivo enterrar e enfraquecer o capitalismo ou o imperialismo, ou deter sua penetração. b) A Internacional Comunista lutará para assegurar aos negros a igualdade de raça, a igualdade política e social”.
Aprofundando as reflexões do Quarto Congresso Da Terceira Internacional, Trotski apontava em 1939 que os trabalhadores e trabalhadoras brancos, bem como suas instituições, partido, sindicatos, etc... podem ser influenciados pela visão da classe dominante branca e racista, destacava que “Os trabalhadores qualificados que se sentem estabelecidos na sociedade capitalista ajudam a classe burguesa a dominar os negros e os trabalhadores não qualificados, que se encontram em um patamar muito baixo”. Desta forma, compreendia que a questão negra “É uma questão vital para o partido. É uma questão importante. É uma questão de se o partido está para se transformar em uma seita ou se é capaz de encontrar seu caminho até a porção mais oprimida da classe trabalhadora”.(L. Trotski, “Uma organização Negra", 1939). É justamente a essa perspectiva que devemos nos juntar. Sem a incorporação das demandas da população negra não será possível uma revolução no Brasil.
No caso da população negra, para se pensar uma revolução socialista no Brasil, é necessário partir da perspectiva da fusão revolucionária entre o programa histórico do proletariado internacional e as demandas do povo negro. Ou seja, as demandas clássicas da classe trabalhadora (como reforma agrária, autogestão, abolição dos aluguéis, amplo plano de obras públicas, acesso universal e gratuito à educação de qualidade em todos os níveis), devem ser fundidas com demandas específica da população negra (combate frontal ao racismo, que inclui revisão de todos materiais didáticos, reconhecimento das terras quilombolas, "urbanização" das favelas, distribuição de casas etc).
Outro elemento que
merece destaque é que, como aponta Badaro Mattos, também no Brasil, a
escravidão coexistiu com o trabalho livre, haviam fábricas em que o os
escravizados chegavam a ¼ do efetivo de trabalhadores. Ou seja, dentro de um
mesmo estabelecimento mantinha-se mão de obra livre e escravizada. Essa mistura
podia ser observada também em estaleiros, construções, carpintaria,
‘jornaleiros’, ‘marítimos’, nas ‘indústrias’, entre as ‘costureiras’, artesões,
estivadores, carregadores de café, barqueiros, marinheiros, barbeiros,
acendedores de lampiões, varredores de rua, etc. (Lamounier 1993: Badaro, 2004:
2007). Em diversas ocupações e profissões coexistia trabalho livre e
escravizado.
O próprio Estado
brasileiro era também proprietário de escravos e utilizava-se de seu trabalho
para os serviços públicos, “o Estado, que possuía as maiores manufaturas do
período, investia no treinamento em ofícios de seus “escravos da nação”
(Badaro, 2004). Ainda, como destaca Maria Lúcia Lamounier (2008), “Os escravos
eram também empregados em diversas obras públicas. O emprego de escravos do
Estado e/ou de particulares e africanos livres (e/ou “emancipados”) na
construção de estradas de rodagem era frequente. Além disso, no período
1850-1890, o Estado brasileiro se valerá da utilização em larga escala de mão
de obra escrava na construção das ferrovias do país. Nas ferrovias trabalhavam
também muitos imigrantes europeus, o que contribuía ainda mais para fomentar a
auto-organização operária. Com tudo isso, as relações de solidariedade se
aprofundavam entre trabalhadores escravizados e livres, o que intensificava a
desaprovação da escravidão.
Desta forma, as lutas
da população negra escravizada, sua organização e ação coletiva, influenciava
diretamente os trabalhadores assalariados. Já em 1857, de acordo com Badaro
(2004), 32 trabalhadores negros escravizados foram protagonistas de uma
paralisação no trabalho. Para conter a paralisação acionou-se a policia que
deteve os escravizados. Em outro artigo (2007), Badaro cita o protagonismo de
João de Mattos que organizava paralisações e fugas de escravos em padarias.
João de Mattos chegou a organizar o Bloco de Combate dos Empregados em
Padarias. O Bloco tinha sede, estatuto e um lema Pelo pão e pela liberdade.
O autor aponta ainda que durante o período escravista existiam sindicatos e
associações operárias que tinham uma orientação abolicionista ativa,
organizavam arrecadações para compra de alforria.
A população negra
continuava sendo expulsa das terras onde trabalhavam, substituídos nos
mais variados locais de trabalho. Os postos de trabalho que ocupava foram
cedidos aos imigrantes, portugueses, italianos, etc... Conforme aponta Badaro
(2004), “O fato é que os espaços deixados pelos escravizados foram ocupados por
trabalhadores livres, muitos dos quais imigrantes, em especial portugueses, que
já ocupavam uma fatia de cerca de 30% dos empregos de livres na cidade nos anos
1830”. Com isso, a população negra foi obrigada a viver nas
matas, próximas a rios e vales, formaram novos quilombos. Outra parte
manteve-se ou instalou-se nas cidades, ao redor dos centros urbanos formaram
comunidades, bairros e favelas, ainda, os setores mais precarizados passaram a
constituir setores expressivos dos pobres urbanos. Assim, fica claro que
foram as políticas publicas, dirigidas pela elite colonial, e depois pela
burguesia brasileira durante todo o século XX que determinou o racismo.
Mesmo depois da
abolição a auto-organização, revoltas e rebeliões negras continuaram a serem
desencadeadas. A população negra e seus descendentes tomaram parte em todos os
processos de luta de classes mais agudos da sociedade brasileira. Desde
Canudos, Contestado, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata. Todas sufocadas com
muita violência pelas classes dominantes por meio de seu Estado e aparato
repressivo, como pode-se observar no caso da “Revolta da Chibata deflagrada em
novembro de 1910, influenciada pelo Encouraçado Potemkim, esta a Revolta
teve como uma das principais lideranças o marinheiro negro João Cândido. Nesse
período a marinha era composta por grande numero de marinheiros negros. Esta
Revolta negra foi duramente reprimida, o Estado utilizou-se de grande
violência, com fuzilamentos e desterros, os debelados sobreviventes foram
mandados para Ilha das Cobras. Segundo João Quatin de Moraes
Entre 1.000 a 2.000
marinheiros foram sumariamente expulsos da Armada e todos os dirigentes dos
dois levantes foram presos. Lavados a um imundo calabouço, os dezoito presos
foram intoxicados com cal, abundantemente derramado na cela sufocante sob o
cínico pretexto de desinfetá-la. Quando, na manhã de 25 de dezembro, talvez em
atenção a data, a cela foi aberta, dezesseis cadáveres, alguns já apodrecendo,
a entulhavam. Um dos dois sobreviventes era João Candido, o principal dirigente
da rebelião. Naquele mesmo dia de Natal, deixava o rio de janeiro o navio
satélite, levando nos porões uma carga humana de cerca de 500 deportados
para a Amazônia, marginais na maioria, mas também 105 marinheiros considerados instigadores
da trágica revolta. Na longa viagem, nove dos principais “cabeças” do movimento
foram fuzilados.
Mesmo frente aos
processos brutais de repressão a população negra continua a organizar-se. Em
1912, eclode no Sul a “Guerra do contestado. No dia 4 de maio de 1912 acontece
uma nova greve de trabalhadores agrícolas contra o patronato rural em Ribeirão
Preto envolvendo 70 famílias. E em 1913 desencadeia-se outra greve de colonos
na Região que envolve 10 mil colonos (PINHEIRO & HALL, p.120). A população
negra foi para as ruas nas greves de 1917 em São Paulo, nas greves gerais no
Rio de Janeiro em 1919, compunham a Coluna Prestes, nas inúmeras revoltas
camponesas, movimentos de carestia, piquetes, etc... No ascenso das décadas de
1950 e 1960 a população negra pega em armas no campo, constituindo parte
importante das Ligas Camponesas e das revoltas em Trombas e Formoso. Na marinha
organizam rebeliões e colocam suas armas a serviços dos trabalhadores e
trabalhadoras em greve.
Durante o período
escravista existiam sindicatos e associações operárias que tinham uma
orientação abolicionista ativa (organizando fugas, compra de alforrias e até
tentativa de controle operário no caso dos gráficos) e também imprime diversas
marcas nos anos posteriores à abolição que são chave recuperarmos para a
história dos negros e da classe operária brasileira bem como, para
posteriormente, entender como estas relações foram se alterando e esmaecendo.
Além da pressão
interna cotidiana das revoltas, rebeliões, enfrentamentos, fugas e formação de
quilombos que desafiavam constantemente a ordem escravocrata, a elite colonial
ainda era pressiona de outro lado pelo imperialismo europeu, a revolução
industrial impunha o regime de salariato e buscava mercado para seus produtos.
Essa pressão crescia na medida em que a Inglaterra se fortalecia como potencia
imperialista mundial.
Mesmo após a
abolição, as pressões do imperialismo e dos levantes da população negra
continua, como podemos observar na Revolta da Vacina, Contestados e Revolta da
Chibata. Cabe destacar que a abolição foi imposta por duas forcas, uma interna
e outra externa, sendo a interna constituída justamente pelas revoltas e
rebeliões negras, e a externa pelo imperialismo Inglês e Frances, que queriam
novos mercados consumidores. Contraditoriamente, mesmo sendo fruto das lutas do
povo negro, com a abolição o Estado indenizou os fazendeiros escravocratas, e
não as vitimas sequestradas extraditadas e feitas escravas.
Após o processo
abolicionista, a nascente burguesia brasileira buscou agarrar-se as teorias
raciais para justificar a desigualdade entre negros e brancos. Ainda em 1850
criou a lei de terras para garantir que a população negra não plantasse e
colhesse pra si mesma, pois isso levaria a uma redução drástica da mão de obra
no pais (lei semelhante era discutida nos E.U.A no mesmo período). Sendo que,
após a abolição, a população negra foi expulsa de seus locais de trabalho, no
entanto, mesmo que quisessem, não podiam voltar para o continente africano. Não
receberam qualquer contrapartida ou indenização do Estado ou dos fazendeiros
que eram os responsáveis pelo seu sequestro e escravização. Contrario a isso,
com a abolição, os fazendeiros escravocratas foram quem receberam indenizações
do Estado. Isso porque o Estado, latifundiários e fazendeiros escravocratas
eram sócios inseparáveis. Todo aparato estatal atuava conscientemente contra a
população negra. Assim, a própria burguesia brasileira já nasce com suas mãos
cheias de sangue, pois essa burguesia nasce do campo, da empresa colonia, e
logo dos mercado escravocrata. A acumulação primitiva de capital por essa
burguesia só foi possível por conta dos imensos lucros acumulados com o
trabalho escravo e com o trafico negreiro.
A população negra
continuava sendo expulsa das terras onde trabalhavam, substituídos nos mais
variados locais de trabalho, foram obrigados a viver nas matas, próximas a rios
e vales, formaram novos quilombos. Outra parte manteve-se ou instalou-se nas
cidades, ao redor dos centros urbanos formaram comunidades, bairros e favelas,
ainda, os setores mais precarizados passaram a constituir setores expressivos
dos pobres urbanos.
Como herança desse
processo, a população negra ocupa os postos de trabalho mais precários da
sociedade, recebe menores salários e são as vitimas escolhidas pela policia e
por todo aparato repressivo das classes dominantes brasileiras. Assim, fica
claro que foram as políticas publicas, dirigidas pela elite colonial, e depois
pela burguesia brasileira durante todo o século XX que determinou o racismo.
Nesse sentido, é totalmente correta a formulação de Malcolm-X de que "Não
existe capitalismo sem racismo".
Longe de qualquer
perspectiva de passividade, enquanto existiu escravidão existiu resistência da
população negra escravizada. Mesmo depois da abolição a auto-organização,
revoltas e rebeliões negras continuaram a existir. A população negra e seus
descendentes tomaram parte em todos os processos de luta de classes mais agudos
da sociedade brasileira. Desde Canudos, Contestado, Revolta da Vacina, Revolta
da Chibata, mas também nas greves de 1917 em São Paulo, nas greves gerais no
rio de janeiro em 1919, compunham a Coluna Prestes, nas inúmeras revoltas
camponesas, movimentos de carestia, piquetes, etc... No ascenso das décadas de
1950 e 1960 a população negra pega em armas no campo, constituindo parte
importante das Ligas Camponesas e das revoltas em Trombas e Formoso. Na marinha
organizam rebeliões e colocam suas armas a serviços dos trabalhadores e
trabalhadoras em greve.
Na segunda metade da
década de 70, ligado ao descontentamento generalizado contra a ditadura a ao
ascenso proletário e camponês em curso, emergiu um poderoso movimento negro,
até então inédito na história do Brasil desde a abolição. Foi um movimento que,
influenciado pelas lutas de libertação das colônias negras na África (Angola,
Guiné Bissau, Moçambique etc.) e pelos movimentos de Martin Luther King, Macom
X e dos Panteras Negras nos EUA, surgiu em várias dimensões, não só
político-sociais, mas também culturais.
Nos bairros da
periferia do Rio de Janeiro, o funk transforma-se em um instrumento de
afirmação da identidade negra, juntamente com uma forma própria de vestir,
pentear o cabelo (“Black Power”) etc. Revalorizam-se as religiões de origem
africana, os filhos de negros começam a ser batizados com nomes africanos e as
letras de samba passam a expressar a identidade negra em maior medida. É nesse
momento histórico que surgem grupos que buscam reviver a cultura
afrodescendente através dos movimentos culturais pan-africanistas e chega a se
desenvolver uma ideologia “anti-miscigenação”, na qual os negros eram
estimulados terem relações apenas com negros.
Se por um lado o
movimento negro dos anos 30 foi tão ou mais massivo que o dos anos 70, ao
contrário daquele primeiro, que havia sido atraído para ideologias de
inspiração fascista, esse novo movimento se identificava com as lutas operárias
e populares em curso contra a ditadura, com as idéias e as organizações de
esquerda. É nesse momento que surge o primeiro questionamento mais profundo à
ideologia da “democracia racial”, contestada como um instrumento de
escamoteamento do racismo. O mito da Princesa Isabel como “libertadora” e do 13
de Maio como dia da “libertação” é pisoteado, e em seu lugar emerge a história
do Quilombo de Palmares e do dia da morte de Zumbi, 20 de Novembro como
referência de luta. Ainda, no âmbito organizativo, em 1978 fundam o MNU
(confira Petrônio DOMINGUES, 2007: 2008).
A emergência desse
movimento negro está profundamente ligada à política repressiva criada pela
ditadura militar para conter o enorme agravamento do problema da moradia a
partir da explosão das favelas como subproduto do enorme êxodo rural nas
décadas de 50, 60 e 70, agravado em função do boom de crescimento econômico nas
cidades durante o “milagre brasileiro”, o qual contribuiu para o
desenvolvimento do novo proletariado urbano que vai protagonizar o ascenso
grevístico que se desenvolve a partir de 1978.
Os grupos de
extermínio paramilitares criados pela ditadura utilizando policiais tinham como
função primordial, além da perseguição e do assassinato a operários combativos,
a imposição do clima de terror nas favelas contra o povo pobre e negro para
impedir a organização e a ação política dos setores mais postergados do proletariado,
submetidos a condições de vida humilhantes que provocavam explosões sociais
permanentes.
O “marxismo” do PCB e
a questão negra
No Brasil funda-se em
1922 o PCB, este partido em toda sua historia jamais incorporou as lutas e
demandas da população negra em sua estratégia. Octávio Brandão, um dos
principais dirigentes do PCB escrevia entre 1924 e 1926 no Agrarismo e
Indrustrialismo que no Brasil havia “uma mistura desordenada de raças e
sub-raças”. No marco de alianças intencionada pelo PCB não se considera a
população negra como sujeito político, abandonado a defesa de suas demandas
históricas, desconsiderando que tal população constitui maioria da classe
trabalhadora nacional, sem a qual não se pode realizar uma revolução
proletária. Diametralmente oposto a isto, para Brandão “O trabalhador rural
negro, proveniente do escravo, exatamente como o vilão-servo da Idade Média”.
(p. 50). Caio Prado Junior, no Formação Econômica do Brasil Contemporâneo
classifica a população negra como “boçais”, desprovidos de técnicas etc.
O PCB nunca consegui
incorporar as demandas da população negra como parte de sua estratégia, pois
foi sempre refém de setores da burguesia descendente dos escravocratas. Devemos
levar em conta que o PCB seguia as determinações da Internacional Comunista
stalinizada, que considerava que nos países coloniais e semi-coloniais os PCs
deveriam fazer alianças com setores da burguesia para livras estes países dos
resquícios feudais. Por conta dessa estratégia etapista, o PCB ao invés de compreender
as demandas da população negra e seus descentes como parte fundamental para
desencadear uma revolução no país, entendia como fundamental o apoio de setores
da burguesia dita “progressista”. Se tomasse como fundamentais as demandas da
população negra no campo, seria necessário romper com toda ordem de
latifundiários e patrões agrícolas. O PCB não queria isso, pois buscava
alianças com parte desses. Assim, nunca pôde empreender as lutas sociais
baseando-se na independência de classe.
Seguindo esta estratégia
de adaptação a setores da burguesia agrária, urbana e financeira, o PCB deu as
costas as demandas do povo negro do campo, das cidades e periferias, ainda em
momentos de ascenso buscava freiar a auto-organização do povo negro no campo e
nas cidades, como o PCB depositava esperanças em setores da burguesia, como se
estes setores fosse realizar as demandas históricas do povo negro com sua
estratégia etapista, ainda hoje esse partido não tem um balanço adequado sobre
a questão negra. Ainda hoje é comum deslegitimar as demandas e lutas negras
como formas que causam dispersão e que não servem a nada para a emancipação
humana.
Uma saída
revolucionaria para a questão negra
A população negra
constitui parte fundamental do proletariado brasileiro. A esmagadora maioria da
população negra brasileira é proletária, está distribuída no mais variados
ramos da produção, distribuição e circulação de mercadorias. No entanto, sua
ampla maioria está concentrada nos trabalhos mais precários e mal remunerados
da sociedade brasileira, constituem os setores mais oprimidos e explorados da
classe trabalhadora, constituem certamente a maior parcela do exército
industrial de reserva. São a maioria nas periferias, favelas, morros, etc.
Constituem maioria da população abaixo da linha da pobreza. São os maiores
alvos da policia, constituindo a maioria dos assassinados pela policia e
violência urbana. No campo, tanto os trabalhadores rurais como os quilombolas
são os principais alvos dos fazendeiros, agronegócio e de seus jagunços. Podemos
intuir que uma parcela minoritária está concentrada nas indústrias do país.
Dentre as principais demandas da população negra está a reforma agrária,
reforma urbana, fim da repressão e opressão policia, igualdade econômica social
e combate ao racismo.
Sem incorporar todas
essas demandas ao programa socialista é impossível conseguir a unidade das
fileiras da classe trabalhadora, e assim, construir a hegemonia proletária
socialista. Devemos nos somar na defesa das demandas particulares (direitos
civis, direitos políticos, interesses culturais, interesses econômicos)
buscando fundi-las com o programa histórico do proletariado. As condições
objetivas da população negra no Brasil devem ser compreendidas como condições
objetivas de setores da classe em si. É necessário compreender sua
potencialidades agregadoras para unidade do proletariado. Sem essa compreensão,
os revolucionários não serão capazes de transformar as percepções da classe em
si, e toda sua potencialidade, em classe para si.
Classe em si diz respeito
as condições objetivas, concretas, reais impostas as classes sociais. Enquanto
classe para si diz respeito as potencialidades inerentes da classe. Ou seja,
além das percepções objetivas, a compreensão das potencialidades resolutivas
que as condições objetivas predispõem e os sujeito coletivo pode implementar
para si sobre sua própria hegemonia. Ou seja, como sugerimos anteriormente,
para uma revolução socialista no Brasil, é necessária uma fusão revolucionária
entre o programa histórico do proletariado internacional e as demandas do povo
negro.
Ao invés de
entendemos as demandas da população negra como campanhas pontuais, é necessário
compreender que sem a auto-organização e mobilização do povo negro não pode
haver uma revolução socialista no Brasil. Tanto por ser o maior país de
população negra fora da África como por se encontrar em uma condição de elo
débil da cadeia imperialista, os negros
brasileiros podem e devem colocar-se a tarefa de ser vanguarda da luta pela
emancipação do povo nego subjugado pelo imperialismo tanto na África como em
todos os demais países do mundo para os quais foram deportados. Esse ponto de
vista internacional para a luta negra foi completamente perdido e é necessário
ser resgatado.
Devemos partir de que
a luta contra a opressão racial ao povo negro na história do movimento operário
brasileiro nunca foi encarada como uma tarefa que deveria ser resolvida pela
ação independente da casse trabalhadora através de suas organizações de massa,
baseada nos métodos da luta de classe e da hegemonia proletária. Além de lutar
pelas demandas imediatas do povo negro (emprego, cotas, saúde, moradia,
educação), devemos seguir denunciando as formas descaradas de racismo e o
racismo encoberto pelo discurso da “democracia racial”, deve necessariamente
partir também de uma crítica marxista às distintas vertentes da política de
ações afirmativas e a como essas são encaradas pelas correntes que se
reivindica parte da esquerda.
Frente ao
reacionarismo das classes dominantes, uma corrente revolucionária deve estar na
primeira linha de frente em defesa até mesmo das pequenas demandas concedidas
pelo governo através das ações afirmativas caso essas estejam ameaçadas de
serem atacadas. Entretanto, essa defesa deve se dar com os métodos da luta de
classes – combatendo todo método conciliador que aceita restringir sempre um
pouco mais as já parcas migalhas para chegar a acordos pacíficos com as elites
racistas do país –, não pode se confundir em nenhum milímetro com o programa e
a estratégia reformista dos que defendem as ações afirmativas. Para nós, as
demandas mínimas específicas do movimento negro devem se colocar no marco de
direitos universais que beneficiem toda a população negra, em especial a
maioria mais pobre. Na medida em que são encaradas como demandas de direitos
universais, as reivindicações mínimas do povo negro adquirem imediatamente um
caráter mobilizador da luta de classes, pelo qual apoiamos incondicionalmente
tais demandas.
Nesse marco, a
principal demanda que hoje deve impulsionar um programa de luta contra a
opressão é o fim do trabalho precário na cidade e no campo, com a incorporação
dos terceirizados, temporários e informais como parte das empresas em que
trabalham (sem necessidade de concurso no caso do serviço público), com
salários e direitos iguais para trabalhos iguais e um salário mínimo
equivalente ao do Dieese; entendendo que os mais beneficiados por essas medidas
não serão os trabalhadores mais organizados que se encontram filiados aos
sindicatos mais fortes, mas sim a maioria negra do país, que sofre com os
piores trabalhos.
A segunda tarefa
essencial pela qual devemos lutar é para que os sindicatos da esquerda tomem
para si o problema das enchentes e das favelas em todo ano assola o país, impulsionando
uma campanha pela expropriação (sem indenização) dos imóveis destinados à
especulação imobiliária e por um plano de obras públicas controlado pelos
sindicatos que acabe com as favelas e as enchentes, dando condições de moradia
digna para todos, gerando empregos massivos ao mesmo tempo. E como terceira
tarefa essencial, devemos lutar para que os sindicatos da esquerda impulsionem
uma campanha permanente contra a repressão policial ao povo negro e pobre nas
favelas, defendendo a dissolução da polícia e a criação de organismos de
autodefesa ligados aos sindicatos e associações de moradores.
Por último, os
sindicatos da esquerda anti-governista devem defender uma ampla reforma agrária
e acesso a crédito barato para aqueles que querem plantar, combinado com a
titulação das terras quilombolas e a abertura de frentes de trabalho coletivo
em empresas estatais no campo controladas pelos operários agrícolas para o
abastecimento de alimento às cidades. Ligado ao anterior, é necessário defender
a criação de “cordões verdes” no entorno das grandes cidades, que não só
combine empresas agrícolas estatais e repartição de terras de qualidade e boa
localização aos camponeses pobres, mas que também amplie o potencial de solução
do adensamento demográfico nas cidades e dê uma solução mais de fundo para
acabar com os desastres humanitários e ecológicos provocados pela urbanização
anárquica do capitalismo.
Tanto o plano de
obras públicas como o crédito barato aos camponeses pobres ou as empresas
agrícolas estatais devem ser financiadas com o dinheiro hoje utilizado para
pagar juros e amortizações da dívida pública. Esse programa, tomado com um
todo, de conjunto deve estar a serviço de colocar de pé as batalhas parciais
que vão forjar uma vanguarda que, a partir de sua experiência concreta na luta
de classes, deve concluir a necessidade de expropriar a burguesia, planificar a
economia e lutar pelo socialismo em nível internacional.
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