Alessandro de Moura
Apresento aqui uma breve resenha do texto Debate sobre a liberdade de
imprensa e comunicação publicado em 1842. O texto foi escrito
por Marx para atacar a censura imposta em 1841 pelo governo de Frederico IV na
Alemanha. Marx apontava que o nível de desenvolvimento da imprensa, em sua
capacidade de crítica à realidade e ao estado de coisas, reflete sempre o nível
de desenvolvimento político e social da sociedade que a produziu. Assim, se a
imprensa é politicamente mais desenvolvida, politizada e crítica, isso se deve
ao próprio grau de ebulição de idéias e praticas da sociedade que produziu tal
imprensa. Nesse aspecto ganha relevo a imprensa livre, que é capaz de
sintetizar e debater as principais idéias e problemas sociais. A liberdade de
imprensa é fundamental, pois é uma via de formulação e objetivação do
pensamento sobre o mundo (subjetivação e objetivação).
Sendo assim, para Marx, a liberdade de imprensa permite
ampliar as possibilidades de intervenção crítica na realidade, tanto em relação
ao tecido social, político como em relação a forma de governo e Estado. Já
nesse texto de 1842, Marx aponta que o Estado é uma forma de emanação das
províncias que o constituí. (p. 34). Então, é a sociedade que constrói o
Estado. Dessa forma, o Estado não deve agir contra a liberdade de pensamento e
de publicação da sociedade como forma de resguardar-se de suas críticas. Ao
contrário disso, para Marx: "a província exige que as palavras dos Estados
sejam transformadas numa pública e compreensível voz do país". (p. 36). Ou
seja, a função do Estado é refletir os interesses da população que o compõe e
não sufocar sua voz coletiva.
Uma das justificativas utilizadas pelos defensores da
censura era de que a sociedade era imatura para gozar de plena liberdade de
publicação. Marx combateu essa perspectiva argumentando que a própria
humanidade faz-se imatura, ainda: "Tudo aquilo que se desenvolve é
imperfeito" (p. 43). Defende que apenas experienciando o mundo e a
liberdade, com a possibilidade dos erros e acertos, é que se pode seguir-se na
marcha do desenvolvimento humano. Denota ainda que os governos também são
imperfeitos, assim como as assembléias legislativas, a imprensa e cada uma das esferas de atividade humana
(p. 44).
Ao mesmo tempo, mesmo o governo não sendo perfeito, acha-se
no "direito" de perseguir opiniões críticas que possam emanar da
população. Dessa forma, a censura estatal impõe a perseguição às opiniões
públicas, ao mesmo tempo em que assegura a liberdade total à imprensa do
governo. Tem-se então um monopólio estatal e governamental da liberdade de
imprensa. (p. 46). Como pode um governo imperfeito julgar-se na prerrogativa de
censurar outras opiniões por considerá-las imperfeitas... A imperfeição não
pode achar-se no direito único de julgar que é ou não perfeito.
Assim, o ataque governamental à liberdade de imprensa é um
ataque à liberdade humana geral. Marx problematiza ainda mais a questão
apontando que a censura não é uma lei que regulamenta a liberdade de imprensa,
com diretivas claras, direitos e sanções, é na verdade a proibição e publicação
pura e simples encarregada ao bel prazer do censor. Para Marx, por amordaçar a
população em prol da liberdade total do governo: "a censura mata o espírito
público". (p. 66). Por isso é necessária a liberdade geral e não apenas
para o governo e seus parceiros, coligados e funcionários devotados.
Em defesa da liberdade de imprensa, Marx argumenta que a
imprensa é uma ferramenta de auxílio para formulação teórico-social do povo,
que aborda problemas sócio-materiais, as lutas materiais, possibilitando
converte-las em lutas intelectuais gerais:
A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a
confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o
indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas
materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca
confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de
redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a
visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria. É a mente do Estado que
pode ser vendida em cada rancho, mais barata que gás natural. É universal,
onipresente, onisciente. É o mundo ideal que flui constantemente do real e
transborda dele cada vez mais rico e animado. (p. 60).
É a partir dessa perspectiva que Marx volta-se contra a
censura à imprensa. Sua preocupação central é que a censura impede a livre
intervenção e crítica social sobre os problemas vivenciados pela sociedade. A
censura sanciona a impossibilidade do exercício crítico da população em relação
ao Estado e o governo. Para Marx, a liberdade de crítica e publicação podia
fortalecer a luta da população contra a monarquia constitucional. Ampliava a
possibilidade de difusão das críticas produzidas pela burguesia liberal
antimonárquica, bem como pela esquerda hegeliana. Assim, Marx investia
frontalmente contra censura argumentando que por meio de tal proibição ouve-se
apenas a voz do governo, que reflete apenas suas próprias necessidades de
auto-afirmação. A imprensa censurada é na verdade uma forma de propaganda
permanente do próprio governo que tem por objetivo fortalecer sempre o seu
próprio poder, capacidade de dominação e governabilidade:
A imprensa censurada
é a que produz um efeito desmoralizador. O vício da hipocrisia é inseparável
dela e, além disso, é desse vício que surgem todos os seus outros defeitos,
pois inclusive sua capacidade de virtude básica perde-se através do revoltante
vício da passividade, mesmo se visto esteticamente. O governo ouve somente a
sua voz; sabe que ouve somente a sua voz; entretanto, tentar convencer-se de
que ouve a voz do povo, e exige a mesma coisa do povo. O povo, portanto, cai
parcialmente numa superstição política, parcialmente na heregia política, ou
isola-se totalmente da vida política, tornando-se uma multidão privada. (p. 65).
A censura bloqueia o livre acesso à vida política nacional,
de acordo com Marx ela determina quem deve pensar publicamente e quem não deve,
quem deve ser livre para expressar seu pensamento e quem deve ser sufocado:
"A censura nos leva todos à sujeição e, como num despotismo, todo mundo é
igual, se não em merecimento, na falta deste; esse tipo de liberdade de
imprensa deseja introduzir a oligarquia na mente". (p. 81). Contrário a
isso: "A liberdade de imprensa prossegue com a presunção de antecipar a
história mundial, sentindo com antecedência a voz do povo". (p. 81). Marx
compreende que "A imprensa é a forma mais comum de comunicar aos
indivíduos seu ser intelectual" e assim conclui que: "Como todo mundo
aprende a ler e a escreve, todo mundo deveria ter licença para ler e escrever". (p. 81).
Cabe destacar mais dois trechos de outro texto escrito por Marx
sobre a liberdade de imprensa, publicado em 1849. Nessa ocasião Marx, Engels e
Korff, foram julgados por causa de publicações que fizeram pela Nova Gazeta Renana. Marx elaborou uma
defesa própria, onde retoma o debate pela imprensa livre. Nesse texto argumenta
que: "A função da imprensa é ser o cão de guarda público, o denunciador
incansável dos dirigentes, o olho onipresente, a boca onipresente do espírito
do povo que guarda com ciúme sua liberdade. (p. 103). Por fim defende que:
(...) de uma vez por todas, é o dever da imprensa tomar
a palavra em favor dos oprimidos à sua volta. E também, cavalheiros, a casa de
servidão tem seus próprios alicerces nas autoridades políticas e sociais
subordinadas, que confrontam diretamente a vida privada da pessoa, o indivíduo
vivo. Não basta combater as condições gerais e as altas autoridades. A imprensa
precisa decidir entrar na liça contra
este policial em particular, este procurador,
este administrador municipal (...). O primeiro dever da imprensa, portanto, é
minar todas as bases do sistema político existente. (p. 106-107).
Em síntese, podemos observar que já em 1842, o ímpeto de
Marx passa a ocupar-se dos problemas sociais e políticos. Então, o texto aqui
debatido avança em relação a sua tese Diferença
entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro, publicada no ano
anterior (Confira: http://combateclassista.blogspot.com.br/2016/04/marx-antes-do-marxismo-diferenca-entre.html).
Por meio da luta pela liberdade de publicação colocava-o no front da luta contra o Estado. Note-se
que nesse período Marx ainda não havia desenvolvido os conceitos de burguesia e
proletariado, a oposição social era centrada entre estado e povo. Entre o
governo e as províncias. No entanto, já nesse texto de 1842 pode-se encontrar
elementos iniciais para um crítica ao poder do Estado, que será aprofundada na Crítica da filosofia do direito de Hegel,
escrita no ano seguinte. (Confira: http://combateclassista.blogspot.com.br/2011/03/sobre-critica-da-filosofia-do-direito.html).
Se em sua tese de doutorado, concluída no ano anterior
(1841), Marx enfatizava que o ser humano era o verdadeiro ser de seu próprio
destino, capaz de mudar sua vida e a realidade, advertindo que a filosofia
deveria se engajar na transformação do real, nesse texto de 1842 acrescenta que
era necessário cerrar fileiras para lutar contra o Estado em prol da ampliação
das liberdades humanas.
Bibliografia
MARX, K. Liberdade de imprensa. L&PM. 2006.
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