No final da década de 1920, quando diversas frações surgidas no interior
dos partidos comunistas latino-americanos se aproximaram da Oposição de
Esquerda Internacional encabeçada por Leon Trotski, teve lugar o nascimento do
trotskismo no Brasil. Em 1928 houve abalos sérios no Partido Comunista do
Brasil (PCB). O embrião do trotskismo provavelmente surgiu em 1928, com a
rebelião da célula 13 do PCB, no Rio de Janeiro, sob liderança de João da Costa
Pimenta, antigos militantes presentes ao congresso de fundação do partido, e
dirigentes da Federação sindical regional do rio de Janeiro, lideraram a
Oposição Sindical que terminaria por excluir-se do Partido. As divergências se
situavam em torno da política sindical adotada pelo partido. Aqueles dirigentes
acusavam-no de converter os sindicatos em instrumento político: “Como o partido
era ilegal, a táctica da direção consistia em fazer dos sindicatos meros órgão
de expressão legal de sua política. As sedes dos sindicatos dirigidos por
comunistas eram transformadas em células partidárias”. (Pedrosa, 1947). Segundo
esses dirigentes, a orientação podia revestir de aspectos grotescos: “Nessa
época, a palavra de ordem do partido em qualquer greve era sempre ´libertação
de Thaelmann´. Imagine: os operários tinham que gritar isso”. (Mario Pedrosa, in
Maia 1980)”.
Por outro lado, um grupo de intelectuais, descontentes com a orientação
geral do partido, com o que consideravam excesso de nacionalismo, e também
discordando da proposta de aproximação com a Coluna Prestes, rompeu com a
liderança do partido. Eram nomes de destaque, entre eles Lívio Xavier, Flúvio
Abramo e Rodolfo Coutinho. O primeiro era escritor e aderira ao Partido
Comunista no ano anterior, segundo Dulles, tinha contato com a oposição
anti-stalinista do partido comunista francês. Rodolfo Coutinho era nome
influente no partido, membro do CC, tinha sido membro suplente da Comissão
Central Executiva (CCE) eleita no Congresso de Fundação do PCB, em 1922. Ambos
tinham muita influencia na Juventude Comunista e atraiam para suas posições
Hilcar Leite, então com dezesseis anos, e Aristide Lobo. Segundo Leandro
Konder, “ecos das concepções de Trotski poderiam ser identificadas nas criticas
feitas à linha de Astrojildo [Pereira] por Rodolfo Coutinho, Lívio Xavier, e
outros” (Konder, 1981). Rodolfo Coutinho, à época, já tinha conhecimento (ainda
que precário) das teses da Oposição de Esquerda. Delegado do PCB no V Congresso
da Terceira Internacional, em 1924 – quando o partido obteve seu reconhecimento
-, demorou-se na Alemanha até 1927, entrando em contato ali com militantes
oposicionistas. De volta ao Brasil, reintegrou-se à CCE, para a qual havia sido
eleito suplente no I Congresso do PCB. Foi então encarregado da organização dos
trabalhadores rurais do Rio de Janeiro e escrevia para o jornal A nação,
controlado pelo PCB. Com os acontecimentos do ano de 1928 Rodolfo Coutinho
demitiu-se da CCE no dia 27 de abril e se afastou do partido em 8 de maio. Por
outro lado, sua influencia na Juventude Comunista (JC) acabou fazendo com que a
crise também a atingisse e logo no seu nascedouro. Aristides Lobo, que
trabalhava pela organização da JC em São Paulo, passou para a Oposição, e
quatro membros da CCE da JC romperam com a direção, entre os quais Hilcar
Leite.
A dimensão do impacto na vida partidária dessas cisões pode ser avaliada
pela decisão da CCE de editar uma revista destinada ao debate das questões
levantadas. Em um documento interno, era assim apresentada:
“A CCE declara
aberta a discussão interna, entre os membros do partido, acerca das questões de
ordem política, sindical orgânicas, e outras, de interesse do partido e que
possam constituir material de estudo para o III Congresso [do PCB]. Para este
fim, a CCE decide criar um órgão especial de discussão, a ser divulgado
exclusivamente entre os membros do
partido, até a reunião do III Congresso” (Pereira, A., 1979? 131).
Da revista Auto-Critica se publicaram oito números: Astrojildo
Pereira, no texto citado, atribuiu a decisão da CCE ao acúmulo de criticas e
divergências, e ao surgimento de um “movimento de oposição organizada
abrangendo algumas dezenas de membros do partido”. De nenhum dos dois grupos
restou uma organização, fora ou dentro do partido (Astrojildo Pereira, 1976:159),
que fala das “oposições”, mas não as vincula ao trotskismo, relatou que “o novo
Comitê Central ficou encarregado de examinar a questão da readmissão ao partido
na base de declarações individuais”), mas foi entre esses elementos que os
documentos da Oposição de Esquerda Internacional obtiveram repercussão. Eles
foram enviados, da Europa, por Mario Pedrosa. Edgard Carone refere-se a este,
junto com Lívio Xavier, Leôncio Basbaum e Mário Grazini, como membros da
primeira geração de formação marxista do PCB. Sua posição de destaque no
partido, na época, era ilustrada pelo fato de se encontrar, em 1929, na
Alemanha, a caminho de Moscou, para estudar no Instituto Marx-Engels-Lenin.
Tendo entrado em contato com os documentos (e os militantes) da oposição de esquerda
na própria Alemanha, desistiu da viagem e rumou para Paris. De lá enviou
documentos e publicações para o Brasil, onde Lívio Xavier, Hilcar Leite e
Rodolfo Coutinho, entre outros, aderiram às posições dos já chamados
“trotskistas”. Quando voltou da Europa, Mario Pedrosa trazia consigo o programa
dos oposicionistas de esquerda:
“Mandado pelo PCB, em 1928, para a escola Leninista de Moscou, Mário
Pedrosa, ao chegar na Alemanha, adoeceu, ficando sem condições de seguir
imediatamente para a Rússia. Estagiou em Berlin, militando no PC alemão, e
participou dos combates de rua contra os nazistas. Vai a Paris, onde trava
contato com Benjamin Péret, Pierre Naville, e outros escritores integrantes do
movimento surrealista. De volta a Berlin, correspondeu-se com Naville (então
diretor da revista Clarité) e ligou-se aos oposicionistas alemães.
Tomando o partido de Trotski, resolveu abandonar definitivamente o projeto de
estudar em Moscou” (Pedrosa, in: Marie, 1981:7).
Regressando ao Brasil em fins de 1929, foi expulso do PCB devido às suas
“ligações europeias”. Começou-se a trabalhar então para estabelecer vínculos
entre a oposição brasileira e o movimento internacional.
Pedrosa logrou reunir elementos daqueles dois grupos na formação do Grupo
Comunista Lênin, que a partir de maio de 1930 aditou o jornal A Luta de
Classe, no Rio de Janeiro. O grupo agia com a mesma orientação dos
agrupamentos semelhantes em outros países; voltava-se para os “elementos de
vanguarda” da classe operária e propunha-se a alterar a linha política do PCB,
conforme se vê no editorial do primeiro número de A Luta de Classe, onde
se afirma que o jornal não visa combater o PCB, mas reintegrá-lo “na linha que
se traçou por ocasião de sua fundação.” É só em janeiro do ano seguinte, no dia
21 e “comemorando a data de morte de
Lênin” que se formaliza a existência da Liga Comunista Internacionalista
(oposição leninista do Partido Comunista do Brasil – Seção Brasileira da
Oposição de Esquerda Internacional). Além do jornal A Luta de Classe
editavam o Boletim da Oposição, que tinha por função “estreitar a
ligação entre o proletariado revolucionário e a Oposição Internacional, fração
de esquerda da IC”.
A nova organização, com base no Rio de Janeiro e em São Paulo, vive por
toda a primeira metade da década de 1930 e exerce considerável influencia nos
sindicatos, chegando a controlar a União dos Trabalhadores Gráficos (que tinha
sido fundada por João da Costa Pimenta, membro fundador da Liga) e por meio da
Federação dos Sindicatos, em várias categorias: marceneiros, metalúrgicos,
comerciários, tecelões. A influencia dos trotskistas em vários e importantes
sindicatos paulistas fica confirmada pelo comentário publicado em 31 de agosto
pelo órgão da Internacional Sindical Vermelha:
“Os trotskistas
apoderaram-se da liderança de muitos sindicatos – não apenas os pequenos, mas
também de algumas importantes organizações, como a recém-formada união dos
trabalhadores em estações elétricas e transportes com milhares de membros – e o
velho sindicato revolucionário dos gráficos. Também ganharam definida
influencia no Sindicato dos trabalhadores Têxteis de São Paulo”.
Desde o seu início, a Liga alertou para o perigo representado pela
política varguista para o movimento operário:
“O Ministério
do Trabalho foi criado especialmente para exercer um trabalho contínuo de
mistificação entre os operários. A policia política não poderia realizar a
tarefa do Ministério do Trabalho, mas este não é menos infame do que aquela, e
está a merecer a hostilidade permanente do proletariado. Não há sindicato em
São Paulo e no Rio que não tenha sentido claramente quais os verdadeiros
objetivos desse órgão ‘técnico’ da administração burguesa ‘revolucionária’.”
Pierre Broué
informa sobre a atividade de Plínio Gomes de Mello,
“jornalista, organizador das Juventudes Comunistas, membro do partido em
1927, enviado ao Rio Grande do Sul para ser candidato do Bloco operário e
Camponês. Detido e golpeado, fugiu para Montevidéu, onde participou em maio de
1930 na reunião do Boreau Latino-Americano da Internacional Comunista. Excluído
por sua posição política do ‘Terceiro Período’, reorganizou legalmente o PCB em
São Paulo em novembro de 1930, o que lhe valeu a acusação de ‘renegado’ e
‘trotskista’. Aderiu à Oposição de Esquerda em 1931, e dirigiu em São Paulo a
grande greve da Light & Power, sendo detido pela policia. Nos anos
seguintes foi um dos dirigente do Sindicato dos Jornalistas”.
Datam dessa época os contatos que Aristides Lobo e depois Mário Pedrosa
buscaram manter com Luis Carlos Prestes. Aristides Lobo foi enviado em 1930 a
Buenos Aires para discutir com Prestes, tentando convencê-lo tanto a ingressar
no PCB, como a defender no seio deste as orientações da Oposição de Esquerda.
De acordo com Michel Lowy (in Sader, 1980: 28).
“durante certa fase, Prestes parece atraído pelas teses trotskistas, e é
possível que Aristides Lobo tenha influenciado alguns dos textos que o
‘Cavaleiro da Esperança’ publicará no decorrer de 1930, particularmente o Manifesto
de Agosto no qual anuncia a criação de uma organização, a Liga de Ação
Revolucionária (LAR), que se propõe a dirigir a insurreição proletária e
camponesa, numa frente única com o PCB. Nesse documento, Prestes já reconhece a
necessidade da hegemonia do proletariado, para que a revolução não conheça uma
derrota como na China e no México. Em artigo autobiográfico publicado em 1973,
Prestes afirma que esse manifesto continha opiniões ‘tipicamente trotskistas’,
de fato, o texto corresponde ao período de maior aproximação entre Prestes e o
trotskismo. O PCB rejeitará a LAR como empresa ‘confusionista’, e a nova
organização não conseguirá implantar-se no país, limitando-se a um círculo de
amigos de Prestes no exílio.”
Preste deu ouvidos a Lobo no inicio, fazendo-o seu conselheiro político.
Existem versões que atribuem à pena de Lobo o famoso Manifesto de Agosto
de Prestes, conclamando a uma insurreição nacional antiimperialista: Lobo
chegou a ser, junto com o ‘tenente’ Siqueira Campos, um dos quatro dirigentes
da LAR criada por Prestes para os fins enunciados no manifesto. Os rivais
stalinistas da LCI aproveitaram, aparentemente, uma ausência de Lobo, enviado
por Prestes a estudar a situação no Rio Grande do Sul, para convencer Prestes
de unir-se ao PCB, não sem antes criticar o “Manifesto”, repudiar o “trotskismo”
e dissolver a LAR.
Ainda em 1930, circulou o Boletim Internacional da Oposição de
Esquerda da Terceira Internacional, registrando a convocação e adesão de
dezessete organizações de diferentes países – entre elas o grupo brasileiro –
para um encontro que lançaria a Oposição Internacional, o que acaba acontecendo
em abril desse ano, em Paris, com a criação de um bureau e de um secretariado
(Marie, 1975:6). Foi, na verdade, em conseqüência desse fato que o Grupo
Comunista Lênin, em São Paulo, transformou-se em Liga Comunista
Internacionalista: no ato de fundação estavam presentes Aristides Lobo, João
Mateus, Manuel Medeiros, Mario Pedrosa, Benjamim Péret (poeta surrealista
francês que se encontrava a época no Brasil), Lívio Xavier e outros.
Posteriormente, deu-se o mesmo no Rio de Janeiro, com participação, entre
outros, de Rodolfo Coutinho, João Dalla Dea, Otavio du Pin Galvão e José Neves,
assim como Salvador Pintaude (diretor da Editora Unitas, responsável pelas
primeiras traduções de livros de Trotski para o português). O jornal A Luta
de Classe transformou-se em seu órgão teórico e, além dele, a Liga passou a
editar, como foi dito, o Boletim da Oposição. No seu primeiro número em
janeiro de 1931, o Boletim da Oposição apresentou sua análise sobre a
revolução de 1930 e sobre o movimento comunista internacional. Fiel aos
princípios da Oposição trotskista, declarava-se em luta pela regeneração do
PCB. Em fins de 1933 os trotskistas criaram a Coligação dos Sindicatos
proletários, organização que procurava unificar o movimento sindical em São
Paulo, segundo Robert Alexander, os trotskistas tinham nessa época mais
influencia sindical que o PCB. Confirmando, Prestes acusava “a traição dos
chefes trotskistas e anarcosindicalistas, que não souberam conduzir o proletariado
à vitória nas greves de 1931 e 1932” (Prestes, 1935).
A diferença do PCB, a LCI realizou uma verdadeira análise da revolução de
1930: “a economia nacional exprimiu-se, pela primeira vez, sob uma forma
bastante nítida, em outubro de 1930, com a revolta de suas forças produtivas
contra a hegemonia da economia cafeeira... Sem cair no erro da direção
burocrática do PCB (que identifica) cada um dos grupos políticos em luta com os
dois grupos Imperialista, que agem como um fator externo à luta de classes no
Interior do País, o processo de diferenciação política das classes, que
decorreu do movimento, reagiu por sua vez sobre a própria base social,
alargando-a e preparando ocasiões para a intervenção independente do
proletariado na luta partidária”. Após uma análise do problema da unidade
nacional do Brasil, a LCI colocou a reivindicação de Assembléia Constituinte, o
que lhes valeu a qualificação de “lacaios do imperialismo” por parte do PCB
(que teriam recebido ainda que dissessem outra coisa). Para a LCI, as
reivindicações democráticas decorriam da estrutura mesma do país: “o
desenvolvimento combinado da nação que se industrializa, no quadro da economia
colonial, impede que as formas de dominação política da burguesia se façam nos
quadros normais da democracia, isto é, as palavras de ordem democráticas
transformam-se em arma na mão do partido do Proletariado, que congrega assim as
massas oprimidas”. O PCB, como se sabe, considerou a revolução de 1930 um
simples episódio da luta interimperialista, o que isolou totalmente o partido
da situação política e provocou uma crise nas suas fileiras (Leôncio Basbaum,
entre outros, criticou o primarismo e esquematismo da análise do PCB).
A LCI defendia uma Assembléia Constituinte a partir da análise que fazia
da formação histórica brasileira e das tarefas políticas decorrentes no período
contemporâneo, ou seja, do entendimento que o proletariado deveria possuir da
Constituinte e da pratica daí derivada. Para a Liga, seria uma espécie de
Constituinte do proletariado, a se diferenciar da Constituinte da burguesia e
da pequena burguesia. Como isso seria possível? Lutando, o proletariado e o
PCB, pela formação de soviets (conselhos) paralelamente á Constituinte,
e por autonomia municipal, possibilitando a gestão direta do povo. O quadro
social e político pós 1930, no entender da Liga Comunista Internacionalista,
dava certos contornos que possibilitavam a compreensão de alguns possíveis
desdobramentos não interessantes ao proletariado, a não ser que o PCB
realizasse uma guinada na sua política. Se para a Liga Comunista, os
acontecimentos de 1932 diziam respeito à unidade política do País no âmbito da
própria classe dirigente, a unidade nacional efetiva somente poderia ser
realizada pelo proletariado.
“As forças
produtivas do Brasil não podem mais desenvolver-se, na escala nacional, sob
controle da burguesia e a tutela opressora do imperialismo. Só a ditadura do
proletariado poderá, libertando o Brasil das garras do imperialismo, conservar
a unidade nacional, de modo a garantir o desenvolvimento harmonioso das forças
produtivas em todo o país, e o melhoramento sistemático das condições de vida
das massas exploradas. A luta pela unidade nacional é assim uma luta direta
contra o imperialismo e contra a burguesia secessionista”.
A colonização imposta pela metrópole portuguesa tinha impedido uma
organização econômica estruturada da pequena propriedade, por não ter
florescido em seu propósito a ideia de territórios livres, de colonos livres:
“A classe dos pequenos proprietários, fator da pequena produção geralmente
anterior ao regime capitalista, e cuja expropriação e um dos fatores
determinantes deste, não pôde se desenvolver na formação econômica do Brasil. O
Estado brasileiro se caracterizou sempre por um esquematismo de classe”. Esse regime
de produção, que gerou a escravidão no Brasil, em outro momento do seu
desenvolvimento a superou, abrindo um espaço específico para suas relações com
o capitalismo europeu, sobretudo o inglês. A burguesia brasileira, à diferença
da européia, tinha sua origem no campo, não no meio urbano:
“O formidável
desenvolvimento da cultura cafeeira é tipicamente um desenvolvimento
capitalista. A investigação da produção cafeeeira permite deslindar os segredos
do capitalismo brasileiro, suas já ditadas especialidades com a escravidão, e
sua ruptura qualitativa com a imigração do trabalhador assalariado. Resolvida a
contradição escravo/produção propriamente capitalista, com a geração do valor
possibilitada agora pela presença do trabalhador assalariado, todas as condições
necessárias para a grande exploração estavam reunidas: terras virgens, ausência
de rendas fundiárias, possibilidades de monocultura. Assim, o cafeicultor faz
convergir, simultaneamente, todos os seus meios de produção para um único
objetivo e, por conseguinte, obtém benéficos até desconhecidos. O tipo da
exploração determinou, portanto, prosperidade de favorável ao desenvolvimento
do capitalismo sob todas as suas formas. Desse modo, o sistema de crédito, o
crescimento da dívida hipotecária, o comércio nos portos de exploração, tudo
ajudava a preparar uma base capitalista nacional. Os braços que faltavam foram
importado. A imigração adquiriu, a partir daí, caráter de empresa industrial.”
Portanto, a produção cafeeira redefine também a política econômica com o
capital financeiro, internacional e internamente, quando – e por conseqüência –
certas regiões se desenvolveram mais do que outras. A estagnação e incorporação
de determinadas áreas a esse desenvolvimento desigual e combinado do
capitalismo brasileiro impediu o entendimento dessa enorme diferenciação como
formadora de dois “Brasis”, ou seja, uma interpretação dualista: “Mas o
processo econômico estendeu-se pouco a pouco a todo o território brasileiro, e
o capitalismo penetrou todo o Brasil transformando as bases econômicas mais
retardatárias. À medida que progride economicamente, o Brasil integra-se cada
vez mais á economia mundial, e entra na esfera de atração imperialista”. A
burguesia nacional dependia de um executivo forte, de um Estado estruturado,
com burocracia e ministérios cúmplices com o tipo de industrialização
capitalista: “Além disso, as exigências do desenvolvimento industrial obtêm,
como condição essencial, o apoio direto do Estado: a indústria nasce ligada ao
Estado pelo cordão umbilical”. Assim, a Federação que se instituiu com a
proclamação da república em 1989 era escamoteada na prática, com a
centralização do poder político, imposta por um Estado comprometido com os
anseios de uma burguesia nascente. Para Pedrosa e Xavier, esse quadro explicava
por que os governadores eram dependentes do poder central, e não o contrário:
“Os representantes parlamentares dos estados secundários tornaram-se
representantes do poder central nos estados, ao invés de – segundo a ficção
constitucional – representarem os estados junto ao poder central”. A
instabilidade política, a explicitação de suas contradições quase que á tona da
sociedade civil eram explicáveis por um desenvolvimento econômico que se
alterava constantemente, jogando avant-la-banque, como diria Marx, sem
controle por partes da burguesia nacional, que pôde, enfim, dispensar partidos
políticos nacionais.
No terreno sindical, a LCI desenvolvia a linha da frente Única, chegando
a ter forças bem superiores ás do PCB, como constatou Robert Alexander, em São
Paulo, onde a LCI concentrou suas forças, por considerá-lo o centro operário do
Brasil. Foi fundamental a atividade de João da Costa Pimenta na direção do
sindicato dos gráficos, mas os trotskistas possuíam também bastante força nos
sindicatos dos tecelões, ferroviários e bancários. Junto aos anarquistas,
puseram em pé a Coligação dos Sindicatos, em 1934. No mesmo ano, foi graças à
impulsão dos trotskistas que surgiu a Coligação das Esquerdas, reunindo também
os anarquistas, os socialistas, os grupos operários estrangeiros e inclusive o
Comitê São Paulo do PCB, dirigido por “Paulo” (Hermínio Sacchetta), para lutar
contra o fascismo “camisa-verde”: o Integralismo. Este seria o principal feito
da LCI. Vários trotskistas (como Mario Pedrosa e Flúvio Abramo) já vinham
participando da redação de um jornal democrático antifascista – O Homem
Livre -, onde Pedrosa tinha realizado, de modo pioneiro, uma análise do
fascismo a partir do filme de Howard Hawks. Scarface (isto é, uma
analogia entre o fascismo e a máfia, uma espécie de lumpemproletariado que toma
conta do Estado como beneplácito das classes dominantes, para se livrar de um
perigo revolucionário). Juntamente com a Coligação dos Sindicatos e o Partido
Socialista Brasileiro (PSB), a LCI participou da chamada Coligação das
Esquerdas ou Proletária, que se formou visando as eleições para Constituinte
estadual paulista e para a Câmara Federal. A LCI apresentou para essa frente um
programa de 42 pontos, dividido em três partes: reivindicações políticas e democráticas
)extensão do direito ao voto, milícias antifascistas, instituição do divórcio,
reconhecimento da URSS), reivindicações econômicas imediatas (redução da
jornada de trabalho, alteração na legislação trabalhista, aumento dos salários,
salário mínimo com base em escala móvel, etc); reivindicações econômicas em
benefício das massas em geral e dos camponeses em especial (nacionalização,
desconhecimento da dívida externa, organização de fazendas geridas pelos
sindicatos rurais). A Coligação das Esquerdas, com pequena votação em relação
aos grandes partidos, ficou à frente da Ação Integralista Brasileira e do PCB,
que se apresentou como União Operária e Camponesa. O PCB obteve 1716 votos para
deputado federal e 1709 para deputado estadual, enquanto a coligação das
Esquerdas obteve, respectivamente, 8.508 e 8289 votos (Carone, 1974: 246).
Os trotskistas participaram também da luta antifascista. Um momento
significativo dessa luta foi o 1o de maio de 1934, manifestação
pública contra os integralistas, organizada pela Liga, pelo PSB e pelos
anarquistas. Nesse dia, Mario Pedrosa lançou, pela primeira vez no Brasil, a
necessidade de construção da Quarta Internacional, depois da capitulação sem
luta do PC alemão em 1933, abrindo o caminho para Hitler. De acordo com Mário
Pedrosa, “para concretizar a frente antifascista, a campanha se desenrolou
durante o ano de 1934, a LCI, os anarquistas e os socialistas lançaram um
jornal chamado O Homem Livre. O PCB não participava da Frente Única.
Preferia levar a campanha à parte. Somente participou da grande luta contra os
integralistas, a 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé”.
As esquerdas unidas convocaram uma contramanifestação em oposição a uma
reunião convocada pelos integralistas em 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé.
Flúvio Abramo (então fazendo “entrismo” trotskista no PSB) foi o orador da
esquerda: pouco pôde dizer, pois explodiu uma batalha campal, inclusive com o
uso de armas de fogo. Um estudante comunista morreu, Mário Pedrosa levou um
tiro nas nádegas, mas os integralistas também sofreram perdas e se retiraram,
semeando as ruas de São Paulo de camisas-verdes apavorados diante da reação
antifascista das organizações operárias. Pouco tempo depois, o PCB lançaria a
ANL (Aliança Nacional Libertadora), que finalizaria deflagrando um putsch
militar, a partir de Natal (Rio Grande do Norte) quase exatamente um ano
depois, em novembro de 1935. O fracasso do putsch de 1935, em que o PCB
pretendeu organizar um levante nacional com um programa burguês, deu um golpe
mortal ao curso ascendente do movimento operário, cujo ponto mais alto tinha
sido justamente a batalha antifascista protagonizada pelo operariado paulista
na Praça da Sé, quando as colunas operárias transformaram a marcha triunfal do
fascismo “camisa-verde” no que a imprensa chamou “a revoada das galinhas
verdes”: os pequeno-burgueses mussolinianos de Plínio Salgado abandonaram até
as camisas na fuga. No ano seguinte, os trotskistas combateram o
“aventureirismo” do PCB, o que não lhes poupou, da mesma maneira que o resto da
esquerda, a repressão consecutiva ao fracasso do levante da ANL: seus
dirigentes foram parar na prisão da Ilha Maria Zélia (onde morreu o dirigente
operário trotskista Manuel Medeiros, em condições atrozes) ou no exílio (Mario
Pedrosas conseguiu fugir do país, assim como Flúvio Abramo, que se exilou na
Bolívia, junto com Mariano e Inês Besouchet, onde passaria vários anos e
acompanharia os primeiros passos do POR, Partido Obrero Revolucionário). Sua
batalha política, contudo, teria repercussões na posterior adesão de uma
importante fração do PCB (a maioria do Comitê de São Paulo, como Hermínio
Sacchetta e a poetisa Pagú, Patrícia Galvão) ao trotskismo, o que garantiria a
continuidade do trotskismo sob o Estado Novo, com o Partido Socialista Revolucionário.
Mas, antes disso, em conseqüência da insurreição de 1935, o movimento
operário sofreu uma repressão brutal, os trotskistas tiveram sua organização
desmantelada:
“A LCI cindiu-se
em 1935. Sacchetta publicou em A Classe Operária um artigo intitulado ‘A
liga se desliga’. Em outro artigo chamou Aristides Lobo de ‘velho gagá, de cujo
cérebro escorre pus’. Os dois terminaram amicíssimos. Quase que diariamente
estavam juntos na redação do Shopping News, onde Aristides, ao sair do
trabalho na Folha de S. Paulo, indo para casa, parava para conversar com
Sacchetta. Encontrei-o lá muitas vezes, nos anos entre 1965 e 1967, quando
morei em São Paulo, ao voltar do exílio no Uruguai”.
Os quadros remanescentes da LCI, buscando articular-se, fundaram, em
1936, no Rio de Janeiro, o Partido Operário Leninista (POL) que, no entanto,
não se consolidaria. Ainda assim, em julho desse ano fizeram circular a revista
Sob Nova Bandeira. A LCI, na verdade, tinha entrado também em crise
política, desagregando-se: houve uma cisão política, em que alguns militantes
(Aristides Lobo, a futura romancista Rachel de Queiroz, Vitor Azevedo)
objetivaram o “aventureirismo” e o “militarismo” da LCI. O POL, num documento
público, tentou fazer um balanço rigoroso da derrota de 1935:
“O proletariado,
que não chegou a tomar parte no golpe aliancista de novembro, sofreu porém
todas as conseqüências da derrota. O movimento ascendente das massas
trabalhadoras que se vinha assinalando desde 1934 (vaga de greves) foi
quebrado. A pequena Burguesia, que se vinha deixando arrastar á esquerda,
recuou, voltando a abrigar-se sob as asas do governo, ou caindo no velho
indiferencismo político, quando não correu simplesmente para o seio do
integralismo. A derrota, porém, será apenas uma etapa do caminho – e uma etapa
progressista – se a vanguarda revolucionária souber tirar todas as lições da
mesma”.
“Os
acontecimentos de novembro deslocaram o debate sobre o caráter de classe da
revolução no Brasil do campo abstrato da teoria para o terreno da prática.
Nesse fato reside a sua grande importância histórica. Antes do golpe, o debate
se travava entre duas concepções opostas: a da IC burocratizada e a dos
marxistas revolucionários. Segundo a primeira, o caráter das revoluções nos
países semi-coloniais, coloniais, dependentes, se mede por uma escala muito
complicada, em que cada um dos seus graus representa uma revolução diferente e
separada da outra. O primeiro grau representa a ‘revolução agrária e
antiimperialista’, o ultimo a revolução proletária socialista. De cada vez só
se pode andar um degrau. Desde a formação da ANL e das Frentes Populares (1935)
o comunismo oficial achou acrescentar ainda um grau na extremidade inferior da
escala, a ‘revolução popular nacional’, cujo caráter de classe é um mistério. A
esse esquema abstrato, fora da realidade, era oposta à verdadeira concepção
marxista: a luta revolucionária é um processo permanente que, uma vez iniciado,
ocorre sem parar todos os graus da escala (não detendo diante de operações
escolásticas traçadas de antemão no papel. Essa concepção, formulada
inicialmente por dedução teórica, foi confirmada pela experiência das
revoluções de 1905 e 1917 na Rússia, e posteriormente pelos acontecimentos
revolucionários da china (1925-28) e da Espanha. E, finalmente, em novembro de
1935, teve em nosso país a sua principal experimentação prática com o fracasso
político da ANL e do PCB.
Na realidade,
quais as causas da derrota de novembro? De um lado, a importância em mobilizar
os trabalhadores exclusivamente com palavras de ordem democráticas vulgares. De
outro lado, a hostilidade, não só da burguesia, como até mesmo da maior parte
da pequena burguesia para com a ANL e seu golpe. Grandes e pequenos burgueses
não viram nem as palavras de ordem oportunistas, nem as tranquilizações, nem as
concessões que lhe faziam os aliancistas e prestistas. Eles só tinham olhos
para enxergar soldados, operários e militantes tidos e havidos como comunistas,
de armas na mão; só tinham ouvidos para ouvir os apelos insistentes às massas
exploradas que os insurretos, tangidos por uma contradição insuperável, eram
obrigados a lançar para obter o apoio dos trabalhadores”.
O documento concluía com uma caracterização histórica da configuração
política do Brasil contemporâneo, do maior interesse:
“Só agora, depois que o proletariado brasileiro deu provas de capacidade
de luta independente (greves, movimento sindical) e de consciência política
(formação do PCB, manifestações de massa) é que apareceu afinal, pela primeira
vez, um partido de âmbito nacional. E, coincidência decisiva, este partido foi
o integralismo, um fascismo nacional, montado e pago pelos capitalistas para
esmagar o proletariado brasileiro e sua futura revolução. Por sua vez, em
contraposição ao atraso e covardia da burguesia nacional, o proletariado foi,
no Brasil, a primeira classe que se organizou nacionalmente e constituiu seu
partido político. E, coincidência decisiva, este partido foi o PC, seção
brasileira da III Internacional. Isto significa que, no Brasil, não existem
outras tradições políticas ‘esquerdistas’ ou democráticas além das que se
formam ou formaram no seio das massas, já sob influencia do comunismo, da
revolução russa e do anarquismo. Essa ausência de tradições propriamente
pequeno-burguesas é o que explica, em grande parte, o fato da ANL ter saído de
um conchavo entre dirigentes do PC e alguns militares e políticos
pequeno-burgueses, não ter tido outra vida senão a que lhe soprava o próprio
PC. A ANL nunca teve existência própria. Sua base era constituída sobretudo de
militantes de vanguarda, de simpatizantes do comunismo e entusiastas da URSS,
pequeno-burgueses e operários adiantados. Sua ação se fazia sentir
principalmente nas esferas já mais ou menos influenciadas pelo comunismo, os
seus sucessos foram alcançados sobretudo nos setores mais avançados das massas
trabalhadoras das cidades. Mas foram tão exagerados que os dirigentes
aliancistas chegaram a se convencer que já haviam conquistado as massas
profundas do proletariado e do campesinato de todo país. Aos olhos dos chefes,
esses êxitos foram interpretados como confirmação da justeza de sua política,
como a prova da falta de caráter de classe do movimento aliancista. Entretanto,
o que as massas aclamavam nos comícios aliancistas era, na realidade, a
bandeira do comunismo, e não a da ANL. A derrota de novembro destroçou a
vanguarda, atirando uma parte nas masmorras e ilhas getulistas e dispersando a
outra. É preciso reuni-la, mas desta vez sob nova bandeira. Chegou a hora de
reconstruir o instrumento indispensável à vitória e à emancipação das massas
trabalhadoras do Brasil. O novo reagrupamento de vanguarda não será uma
invenção de meia dúzia de descontentes, mas o resultado da experiência do
movimento operário no passado até o putsch aliancista de novembro. Visto
sob ângulo histórico, o atual PCB não terá sido o partido da revolução
vitoriosa – o partido bolchevique do Brasil -. Mas um precursor de um mesmo
modo que o movimento anarquista... O seu atual desvio para a direita é
definitivo, e ele não poderá voltar mais às suas antigas posições de classe. A
sua linha direitista de agora foi traçada não por ele mesmo, mas pelo próprio
Congresso da IC (1935), do qual se pode dizer que foi o Congresso de dissolução
da III Internacional como partido mundial da revolução proletária”.
O POL realizou, à diferença dos outros partidos, e inclusive da
historiografia atual, uma análise do programa do levantamento da ANL como causa
do seu fracasso (e não somente da sua ‘inoportunidade militar’):
“Em Recife,
alguns elementos de massa chegaram a participar do levante, aceitando as armas
que lhes eram oferecidas; não se mostraram, contudo, dispostos a uma luta a
fundo... Em Natal, cidade tipicamente pequeno-burguesa, apesar dos boletins do
Comitê Revolucionário pretenderem que as forças revolucionárias se manteriam na
maior fidelidade e respeito à propriedade e o lar, os ‘senhores comerciantes’
não quiseram saber de nada, e conservaram suas portas fechadas. Nas mãos dos
soldados e trabalhadores em armas, o esquema aliancista-pretista de revolução
popular nacional não conseguiu apagar as contradições de classe e não serviu
para abrir-lhes as portas da burguesia.”
Sob Nova Bandeira, o órgão do POL, fez também uma reavaliação do
integralismo:
“[na Europa] o
movimento fascista não poderia deixar de se operar com inteira autonomia dos
governos, não podia se colocar na dependência direta do aparelho de Estado sem
se condenar a um isolamento inevitável. Aqui se passa precisamente o oposto. O
Integralismo tem sido ultimamente apenas uma renovação do velho e arquiconhecido
cravo vermelho, que teve sua glória no quadriênio Bernardes. Sem as camisas, os
gestos e passeatas e discusseiras, esses auxiliares de segunda ordem da
polícia, esses delatores profissionais, capangas de poderosos e empreiteiros de
manifestações, já teriam sido há muito tempo identificados como simples agentes
pagos de políticos sem popularidade. As teses do POL estabelecem suas escassas
possibilidades de chegar ao poder pelas próprias forças.”
Em novembro de 1937, foi instaurado o Estado novo: Mário pedrosa seguiu
então para a França, onde trabalharia com antigos conhecidos da sua viagem de
1928 para preparar o congresso de fundação da Quarta Internacional de setembro
de 1938, do qual participou (sob o codinome Lebrun) e no qual foi indicado para
integrar o Comitê Executivo (CEI) da nova organização internacional, como
representante da América Latina. Nesse mesmo ano, Pedrosa se deslocou para os
EUA, seguindo a transferência da sede do CEI, em decorrência da sede do CEI, em
decorrência da guerra (Alexandre, 1973: 76). Em 1937, além disso, teve início
no Brasil a campanha das eleições presidenciais (depois canceladas), a
repressão amainou um pouco: alguns prisioneiros foram soltos, e o PCB conseguiu
reorganizar-se. Sob a direção de Bangu (Lauro Reginaldo da Rocha), uma fração
do partido resolveu apoiar o candidato semi-oficial José Américo de Almeida,
mas encontrou resistência, sobretudo no Comitê Regional de São Paulo, favorável
ao lançamento da candidatura de Luis Carlos Prestes, que se encontrava preso
(cf. Karepovs, 1995).
O apoio direto do Comitern (por meio de conclamação de apoio
emitida nas transmissões da Rádio Moscou para o Brasil) permitiu a Bangu vencer
a fração opositora e, em seguida, excluí-la do partido. Esse grupo saiu do
partido com a maioria do Comitê estadual de São Paulo, a organização comunista
do Paraná e fragmentos do partido de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Pernambuco (cf. Chilcote, 1982: 87). Seu líder era o já mencionado Hermínio
Sacchetta, então um dos principais redatores de A Classe Operária, órgão
oficial do PCB, e dirigente do Comitê Estadual de São Paulo. O grupo de
Sacchetta, denominando-se Dissidência Pro-Reagrupamento da Vanguarda, negou-se
em principio, mas aproximou-se depois do trotskismo. Juntando-se ao POL, formou
com ele o Comitê Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária do Brasil
(Flúvio Abramo desaconselha o POL a realizar essa fusão, pois achava que o POL
seria “engolido” pelo superativismo de Sacchetta, a quem definia como “um
vulcão”). A fusão definida se daria em agosto 1939, por ocasião da Primeira
Conferencia de Militantes da Quarta Internacional, sendo então constituído o
Partido Socialista Revolucionário (PSR), ao qual enviara sua adesão, desde a
prisão, a poeta Pagú, e que também, no inicio da década de 1940, a adesão de um
jovem assistente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, núcleo-matriz da
Universidade de São Paulo, chamado Florestan Fernandes; tendo conhecido
Sacchetta, lhe atraiu “a maior complexidade do debate intelectual” existente no
interior do grupo trotskista. Florestan se afastaria do PSR no final da década
de 1940, não sem antes participar da Coligação democrática radical, “setor” de
atividade legal do PSR. Este afastamento provocaria uma crise de consciência em
Florestan, que tinha recebido a proposta de uma bolsa de estudos no exterior
(ele foi aconselhado, na ocasião, pelo seu amigo Antônio Cândido), crise à qual
ele referiu, ulteriormente e de modo indireto, ao caracterizar sua intensa
atividade intelectual como “autopunitiva”.
Durante a crise, em 1939, no Socialist Worers’ Party (SWP), seção
norte-americana da IV Internacional, decorrente da política de “defesa
incondicional da URSS”, defendida por Trotski e a maioria do CEI (cf, Trotski,
s.d.), Mário pedrosa apoiaria a fração, encabeçada por Marx Schatchman, que
acabaria por abandonar o SWP e a IV Internacional. Na reorganização do
Secretariado Internacional, operada por Trotski no ano seguinte, Pedrosa foi
excluído (“Ele pouca ou nenhuma influência teve na formação da IV Internacional
no Brasil, que resultou na cisão no PCB, dirigida por Hermínio Sacchetta,
acompanhada pelo velho Alberto Moniz da Rocha Barros, que usava o pseudônimo de
Cintra”, nos disse Luiz Alberto Moniz Bandeira). Em 1940, Pedrosa fez uma turnê
pela América Latina, visitando entre outras cidades, Buenos Aires, angariando
adeptos para a fração internacional chamada de “antidefensista” (em Buenos
Aires, conquistou adesão de Pedro Milessi, operário e um dos pioneiros do
trotskismo argentino, mas foi “esnobado” por outro trotskista importante,
Liborio Justo, filho do presidente argentino (1932-28), Augustin P. Justo). Em
Lima, chegou a realizar uma reunião latino-americana da nova e efêmera corrente
política, na casa do dirigente do Aspra (Acción Popular Revolucionária
Americana) Victor Raúl de la Torre, que lhe facilitara a ocasião. Depois
Pedrosa também se afastaria de Schatchman e, influenciado pelas idéias do
social-democrata norte-americano Norman Thomas, retornaria ao Brasil em 1941,
disposto a criar um Partido Socialista “independente”. A empreitada culminaria,
junto a outros ex-militantes da LCI, já desligados do trotskismo, na fundação
do periódico Vanguarda Socialista em 1945 (cf. Loureiro, 1984).
O PSR, por sua vez, estreitou relações com a Quarta Internacional, a
partir de 1943 (foi reconhecido como “seção brasileira” pelo II Congresso
Mundial da Quarta Internacional, em 1948). Depois da queda de Vargas, na
“redemocratização”, o PSR criticou, nas páginas de Vanguarda Socialista,
a posição de Pedrosa, defendida por Arnaldo Pedroso d’Horta, no sentido de
apoiar a candidatura presidencial de Eduardo Gomes (o PSR defendia uma
candidatura de classe ou voto nulo, tal como tinha feito o Comitê São Paulo do
PCB em 1937: o grupo de Sacchetta foi o percussor de uma posição que seria um
dos centros do debate da esquerda diante da ditadura militar de 1964). Em outubro de 1946, o PSR começou a publicar
seu próprio jornal, Orientação Socialista, onde Sacchetta publicou uma
série de artigos (“Prestes e o problema agrário”) atacando a raiz da concepção
“etapista” do PCB. O PSR tinha por centro São Paulo, onde chegou a controlar o
Sindicato dos Jornalistas, e também no Sindicato dos Vidreiros, onde seu
militante Domingos Taveira exercia a presidência, possuía, ainda, bases no Rio
de Janeiro e no Paraná. José Stacchini, depois destacado jornalista de O
Estado de S. Paulo, também fez parte das suas fileira.
Em 1946, o problema político central era a passagem do regime ditatorial
de Vargas para uma “democratização” que não provocasse um transbordamento
revolucionário para os interesses das classes dominantes. Os trotskistas
entenderam nesse momento a política de alianças com o capital, propostas pelo
PCB, como produto das influências stalinistas e das suas interpretações sobre a
realidade brasileira. O colaboracionismo classista rondava o projeto de
“revolução democrática” defendido pelo PCB. Segundo o Cavaleiro da Esperança,
“para transformar a possibilidade em uma realidade precisa-se de toda uma série
de condições, entre as quais a linha do partido e sua justa aplicação não
deixam de ser das menos importantes” (prestes, 1984: 201). E a linha justa
passava por certa observação do programa agrário no Brasil. A confiscação da
terra proposta pelo PCB não revela o caráter da transformação que se quer
operar na estrutura do campo brasileiro. De um lado, porque o campesinato
poderia intensificar o antagonismo contra o capital, inviabilizando a aliança
com a burguesia nacional-industrial (defendida pelo PCB). De outro, porque se ignorava
como se extraía a renda da terra, com a questão do semifeudalismo”. Para o PCB, a burguesia nacional-industrial
estava interessada na derrota dos representantes do semifeudalismo na formação
social brasileira. Os grandes proprietários de terra representam, segundo o
partido, uma forma de realização do imperialismo em países como o Brasil. O
pressuposto da confiscação das terras para os camponeses, defendido pelo PCB,
não esclarece se se busca instituir um preço de produção na agricultura, que
seja exatamente a diferença entre o preço individual de produção e o mais
elevado. No final dos duros anos de repressão da ditadura varguista, que
desorganizaram o movimento sindical e atingiram frontalmente as organizações de
esquerda, o PCB (desde 1943 com a Conferência da Mantiqueira) propõe a “unidade
nacional e a luta contra o fascismo” – unidade em torno de Vargas: “Não há,
pois, União Nacional, sem a continua e permanente movimentação da opinião
pública e das forças de todo o povo em torno dos problemas nacionais ligados à
guerra, da compreensão e solução desses problemas. Evidentemente, essa união há
de realizar-se em torno do governo do presidente Vargas” (apud Carone, 1981:
14).
Com essa lógica, a linha justa que se opõe às deflagrações de greves do
proletariado seria a que se afirmaria. O PCB arrolou a tese da participação
nacional como condição de combate ao fascismo. Na visão dos pecebistas, o
êxtase de um país em conciliação nacional devia ser vivido também pelo
proletariado, principalmente por ele saber que qualquer esforço social da sua
parte contribuía para a derrota do inimigo maior: o fascismo. Prestes chegou a
dizer que, vencido o nazi-fascismo, o imperialismo desapareceria e, finalmente,
o capital estrangeiro até poderia contribuir para com o desenvolvimento
nacional, caso fossem observados os acordos internacionais (principalmente a
Carta do Atlântico). Como será possível? Vencendo o “feudalismo”, desenvolvendo
uma burguesia nacional, varrendo da cena política a aristocrática feudal.
Ditada em momento de soma de esforços materiais e militares contra o fascismo,
a anistia dos presos políticos e conseqüentemente, dos comunistas, no final da
ditadura varguista, a “linha justa” conduziu o PCB a fortalecer a luta pela sua
legalidade e por algumas reformas burguesas. Já no “queremismo”, a burguesia
nacional e internacional (as investidas do embaixador norte-americano para a
queda de Getúlio Vargas), intranqüilizada pela aliança dos pecebistas com o
ditador, num momento de greves do proletariado, impõe resistência a esse
projeto do PCB. Este respira aliviado após o 29 de outubro. Mas o governo
Linhares lhe reserva algumas visitas em seu escritório. A elas o PCB se refere
como “fruto da esperança de alguns fascistas em importantes pontos do governo”.
A anistia, a legalidade conquistada, a expressiva votação na primeira eleição
pós-ditadura Vargas empolgam o PCB, fazendo-o mais resoluto ainda na defesa da
unidade nacional, mas a democracia burguesa logo esgota se ciclo com a coalizão
partidária PSD-UDN-PR. A cassação do registro do PCB em 1947, foi seu
resultado: esta questão foi denunciada na própria Tribuna Popular por
Pedro Motta Lima, em 10 de novembro de 1945.
A “política popular” do PCB não esclarecia o proletariado. Os trotskistas
nunca deram a “revolução democrática para o Brasil, país de capitalismo
retardatário com um proletariado atuante, que não podia ser visto como
semifeudal. O movimento operário não devei contentar-e com uma possível
revolução nacional, dado que as contradições do regime social de produção já
tinham alcançado níveis que não podiam retroagir. O PSR pretendia lutar contra
o imperialismo, porém não com medidas capitalistas. O capitalismo no Brasil
preservava modos distintos de acumulação, encontrando no Estado a possibilidade
de se evitar o antagonismo profundo entre eles. Mas a distinção não
obstaculizava o imbricamento desses modos de acumulação de capital. Na crítica
às “teses antiimperialistas” do PCB, Orientação Socialista evidenciava a
falta de concretização na realidade social do feudalismo brasileiro. Não seria
preciso um grande esforço intelectual para se distinguir latifúndio de
feudalismo. E nem cabia comparar o latifúndio no Brasil com o feudo na Europa.
A tese da feudalidade brasileira, defendida pelo PCB, era uma espécie de crença
que projetava a possibilidade de um capitalismo progressista no Brasil. A
análise do PSR sobre a industrialização capitalista no Brasil procurava
acentuar os possíveis elos entre aquela
e o capitalismo internacional. Esse entendimento passava anteriormente pela
identificação das formas de acumulação existentes na economia brasileira: quais
as reais relações entre a agricultura e a indústria
? Assim, o PSR esforçou-se para compreender a produção no latifúndio a partir da produção capitalista propriamente dita. O desenvolvimento desigual e combinado da produção brasileira impunha a verificação das forças de acumulação de caspital, suas especificidade. Não se podia pensar em torno de uma paridade entre elas, senão o “desigual” seria improcedente. Escapando da dualidade de “novo” e “atrasado” supunha-se uma síntese dessas diferenças sob a hegemonia do capital financeiro. O capitalismo internacional impunha limites à produção, mesmo em períodos favoráveis a uma maior capacidade de importar, como no caso da conjuntura do pós-guerra: o ritmo do desenvolvimento da indústria de bens de capital, lento, era determinado pelos interesses do imperialismo. Entretanto, para os trotskistas, a revogação da “lei Malaia”, o problema de transferência de tecnologia, principalmente em um país sem muitos recursos financeiros na iniciativa privada, não condicionavam linearmente antagonismos radicais entre a burguesia industrial nacional e o capital internacional.
? Assim, o PSR esforçou-se para compreender a produção no latifúndio a partir da produção capitalista propriamente dita. O desenvolvimento desigual e combinado da produção brasileira impunha a verificação das forças de acumulação de caspital, suas especificidade. Não se podia pensar em torno de uma paridade entre elas, senão o “desigual” seria improcedente. Escapando da dualidade de “novo” e “atrasado” supunha-se uma síntese dessas diferenças sob a hegemonia do capital financeiro. O capitalismo internacional impunha limites à produção, mesmo em períodos favoráveis a uma maior capacidade de importar, como no caso da conjuntura do pós-guerra: o ritmo do desenvolvimento da indústria de bens de capital, lento, era determinado pelos interesses do imperialismo. Entretanto, para os trotskistas, a revogação da “lei Malaia”, o problema de transferência de tecnologia, principalmente em um país sem muitos recursos financeiros na iniciativa privada, não condicionavam linearmente antagonismos radicais entre a burguesia industrial nacional e o capital internacional.
Para o PSR o capitalismo tardio estava sob o bordão da crise geral do
sistema social da produção burguesa, crise que se manifestava de várias formas:
o fascismo fora uma delas, não a ultima. Contrariando o PCB, Orientação
Socialista expunha a impossibilidade de democracia formal burguesa em um
capitalismo tardio, como o brasileiro. Não se tratava de uma questão
conjuntural, mas de uma crise institucional endêmica: a burguesia não conseguia
criar mecanismos mais ou menos duradouros para enfrentar o proletariado na
arena social e política, devido à estrutura do capitalismo no Brasil. Era
delírio do PCB crer em um jacobinismo retardatário. O legislativo no Brasil do
imediato pós-guerra não podia abrir espaços para acomodar as contradições entre
capital e trabalho. Ficava a impressão de que o executivo e Legislativo atuavam
quase que monoliticamente. A democracia decretada (por meio dos decretos-leis
de Dutra) era a ante-sala para a constituinte de 1946. As greves do
proletariado aterrorizavam o capital: a burguesia nacional exigia do governo
Dutra o fim do movimento paredista. Finalmente, em nome do capitalismo
progressista, o próprio PCB condena as greves do proletariado. O PCB adotava um
projeto de revolução para o Brasil baseado nas teses dimitrovistas do VII
Congresso Mundial da IC, realizado em 1935, a via das Frentes Populares. E por
fim, adota também inimigos, a luta contra “os inimigos da URSS”, os
trotskistas.
A tática da frente Popular era mais consentânea com a concepção da
revolução democrática burguesa, já que devia contar com a burguesia nacional.
Segundo Orientação Socialista se, na Europa, a Frente Popular era um
engano tático, no Brasil era uma “dialética do absurdo”, haja vista a repressão
ao movimento operário desencadeada em 1946, prova inconteste da impossibilidade
histórica de uma aliança entre a burguesia nacional, pequena burguesia, o
proletariado e o campesinato. Com o colaboracionismo entre as classes sociais,
o PCB confundia o proletariado entregando-o desarmado ao capital. Assim a
burguesia nacional sentia-se mais á vontade para recusar qualquer política
social que viesse ao encontro dos interesses do proletariado. A política da
Frente Popular levava a uma perda do caráter do proletariado do PCB,
transformando-o em instrumento de descaracterização proletária no âmbito da
pequena burguesia. Distante da “unidade nacional”, o que se processava era a
intensificação do conflito entre capital e trabalho. Para das expressão a esse
conflito, o PSR propôs a frente única dos operários trabalhadores que
pressupunha um arco de alianças que não ultrapassava a constituição da própria
classe operária. Na conjuntura, não se via uma burguesia jacobina, mas sim
burgueses “liberais” conservadores. A defesa da frente Única dos trabalhadores
vem na esteira da concepção de organização política nos locais de trabalho: é bom
lembrar que várias greves desencadeadas em 1946 partiram de operários
organizados em comissões de fábricas. A frente única, para o PSR, não era porém
um substituto do partido revolucionário.
Os êxitos eleitorais do PCB no imediato pós-guerra ocorreram diante de
uma burguesia mais ou menos desorientada, mais ou menos desorganizada. Depois,
a burguesia reconstituiu seu domínio, com recessão, destruindo uma parte da
economia. Dutra combatia a inflação com desemprego e com o fechamento de
algumas fábricas. Orientação Socialista propôs que essas fábricas fosse
reabertas (por exemplo, as de tecido) e que o proletariado tivesse uma jornada
de trabalho menor, recebendo o mesmo salário. Daí a defesa da escala móvel de
horas de trabalho e de salários. O proletariado não podia pagar pela crise do
capitalismo. Para esse momento, Orientação Socialista apresentou suas
reivindicações mínimas: Liberdade e autonomia sindicais, extinção da polícia
política e dos órgãos de repressão, direito de organização, reunião, manifestação
escrita e oral, reconhecimento legal dos comitês de fábrica, escala móvel de
salários e horas de trabalho, abolição do segredo comercial, expropriação dos
bancos comerciais (particulares), sistema de crédito em mãos do estado,
expropriação sem indenização dos monopólios e trustes estrangeiros,
expropriação das fortunas adquiridas em exercício de cargos públicos,
centraslização das aposentadorias e benefícios em único instituto (Previdência
Social) sob controle dos contribuintes, taxação com impostos diretos para os
ricos e abolição de impostos indiretos para o povo, imposto de renda crescente
aos ricos, abolição desse imposto para os assalariados, nacionalização da
terra, reforma completa da lei eleitoral, direito ao voto estendido aos
soldados, marinheiros e analfabetos. A lei eleitoral devia garantir
efetivamente registros de candidatos avulsos e de organizações proletárias
socialistas.
Fiz Pedro Roberto Ferreira (1991b):
“O objetivo é traçar uma política que possa refletir os anseios do
movimento social e fazer avançar, em alguns aspectos, certos elementos
nitidamente revolucionários já manifestos neste ultimo. Os trotskistas não
conseguiram organizar um grande partido, mas deixaram uma grande contribuição
para o movimento operário. Orientação Socialista representou um momento
anti-ilusionista no movimento operário, denunciou a farsa das propostas do
capital, aparentemente tão sedutoras, a uma sociedade que almejava sua
redemocratização. O governo Dutra, de unidade e de pacificação nacional,
reprimiu, como de hábito, o proletariado, sobretudo quando ele se organizava
politicamente para sustentar suas reivindicações, seus direitos, etc. estava em
jogo a possibilidade de autonomia política dos operários e trabalhadores
brasileiros. O discurso de Orientação Socialista ensejou essa
possibilidade”.
Segundo depoimento de Luiz Alberto Moniz bandeira:
“Em 1938, o trotskismo no Rio de Janeiro era representado pelo Partido
Operário Leninista (POL), do qual participava Edmundo Moniz, mas não integrou a
IV Internacional. A posição do POL com respeito ao estado Novo, de Vargas, era
divergente a posição do PSR, seção brasileira da IV Internacional. Enquanto o
PSR considerava fascista a ditadura de Vargas, o POL qualificava-a como
ditadura bonapartista, policial militar. Eu tenho ainda os documentos escritos
por Cintra (Alberto Luiz da Rocha Barros [pai]) e Edmundo Moniz no quais se
pode ver a divergência de conceitos. No Rio de Janeiro, os trotskistas, como
Edmundo Moniz. Ilkar Leite, Cursino Raposo e outros, acompanharam, na sua
maioria, a posição de Mario Pedrosa. Em 1945, eles formavam a União Socialista
Popular (USP), participando da Esquerda Democrática, que integrava a UDN, e
editoravam o jornal Vanguarda Socialista, cuja coleção eu possuía, assim
como Orientação Socialista, órgão do PSR, editado por Sacchetta. A Vanguarda
Socialista defendia a tese de que a URSS era um capitalismo de Estado e
passou depois a ser editado pelo Partido Socialista Brasileiro, fundado em
1947, com adesão de Mario Pedrosa e do seu grupo. Edmundo Moniz e outros
divergiam e não entraram no PSB. Em 1954 Mário Pedrosa apoiou a candidatura de
Juarez Távora, da UDN, e foi depois expulso do PSB por ‘desvios direita’. Se a
memória não me falha, ele participou até da Ação Democrática e do Movimento
pela Liberdade da Cultura, que Julian Gorkin (um ex-militante do POUM
espanhol), tentou estender ao Brasil, e que depois se soube serem iniciativas
da CIA. A IV Internacional, no Rio de Janeiro, estava então reduzida a não mais
que uns três ou quatro militantes (conheci dois deles). Os outros chamados
trotskistas que acompanhavam Mario Pedrosa, ou estavam no PSB oi, como Edmundo
Moniz e outros, não mais participavam de qualquer organização. Em uma vez que
Edmundo Moniz escrevia artigos no Correio da Manhã, de Paulo
Bittencourt, que era casado com sua prima e cunhada de Niomar Moniz Sodré,
também minha tia, Prestes atacava-o, chamando de o ‘canalha trotskista do Correio
da Manhã. Mario Pedrosa, creio que em 1956 ou 1957, foi expulso com
direitista do PSB, juntamente com Ilkar Leite e outros que haviam sido
trotskistas”.
Sacchetta, por sua vez, romperia com a IV Internacional, e o PSR se
dissolveria em 1952, “no bojo das divergências que dividem de forma
irremediável o movimento trotskista a nível internacional” (Lima, 1986). A
trajetória política de Sacchetta (que chegou a ser chefe da redação de O
Estado de S. Paulo) continuaria até a sua morte em 1982. Só dez anos depois
de seu falecimento, pela primeira vez, e reparando uma longa injustiça, seus
escritos políticos foram compilados em um volume, com diversos trabalhos
daquele que foi uma das figuras mais significativas da história da esquerda
brasileira, sem dúvida o principal dirigente trotskista brasileiro do período
(ainda mais depois que Mário Pedrosa rompeu com a IV Internacional em 1940),
fundador e dirigente de outros grupos de esquerda ativos na década de 1960 (a
LSI e, depois, o MCI), e importante jornalista ao longo de quase meio século. A
escolha dos textos incluídos no volume, embora muito representativa,
ressente-se da penumbra em que foi mantido o autor, não só pela academia, mas
inclusive papel própria esquerda. Não há, sem dúvida, como negar a importância
de seu principal texto de polemica no PCB *Sacchetta chegou a fazer parte do
boreau político), de 1937, no qual recusava a etiqueta de “trotskista”
(que assumiria no ano seguinte, na
prisão, vítima da perseguição do regime varguista), atribuindo os erros do
partido ao “banguzismo” (de Bangu, codinome do secretário geral do PCB), e não
ao stalinismo, que em 1937 Sacchetta ainda defendia. Em nada esclarece a
polêmica a apresentação do texto que fez Heitor Ferreira Lima (posteriormente
assessor da Fiesp), um “histórico” do PCB o qual diz, a respeito dos fatos que
levaram o banimento do Comitê de São Paulo do PCB, que (Sacchetta) foi o
responsável pelos acontecimentos então
ocorridos que creio nunca tê-lo compreendido”. Ferreira Lima, não menciona que sacchetta foi o único
membro do Comitê Executivo de São Paulo,
rompido com o partido stalinista (depois de um período que tentou disputar com
a fração stalinista a representação da Internacional Comunista, que lhe foi
negada pela própria Rádio Moscou) a aderir ao trotskismo.
Também é mito importante o artigo “Jorge Amado e o porões da decência”,
no qual Sacchetta se defendeu das calúnias do escritor baiano na sua obra Os
subterrâneos da liberdade, em que aparece como personagem “traidor, cínico,
corrupto e... trotskista”. Amado, na época (anos 1940) se identificava com
Stalin/Zdanov e seu “realismo socialista”. Sacchetta o gratificou com o
qualificativo de “analfabeto semiletrado”. O melhor do livro é, sem dúvida, o
artigo “Trotskismo”, texto de uma conferencia de 1946, em que são expostas com
raro brilho as bases do pensamento político do líder da Revolução de Outubro,
sua filiação marxista, sua coincidência objetiva e subjetiva com Lênin, e sua
aptidão pra compreender e transformar o mundo contemporâneo: só esse texto já
situa Sacchetta num plano teórico superior, no nosso entender, ao de Mario
Pedrosa (que deve seu prestígio mais às suas qualidades de crítico de arte do
que à sua atuação política). Inclui-se também um texto inconcluso que dá seu
título ao volume (O caldeirão das bruxas), tentativa de romancear a
ruptura de sacchetta com o PCB, que demonstra no máximo que sacchetta carecia
de virtudes de romancista, assim com depoimentos acerca de Sacchetta de figuras
intelectuais e políticas (como o já citado Heitor Ferreira Lima, Florestan
Fernandes, Michael Lowy, Cláudio Abramo, Jacob Gorender – este, de longe, o
mais interessante – e Mauricio Tratenberg). Nada haveria a objetar à inclusão
desses textos e não fosse notável a exclusão de qualquer texto de Sacchetta
entre 1938-1952, ou seja, quando era dirigente brasileiro da IV Internacional
(à exceção do já citado “Trotskismo”). Não são incluídos, portanto, textos
essenciais para a compreensão da sua trajetória política, como os publicados em
Orientação Socialista (em especial a já mencionada série de artigos
“Prestes e o problema agrário”, critica às posições do PCB sobre a questão
agrária), órgão do PSR na década de 1940; ou as discussões contra Mario Pedrosa
e Arnaldo pedroso d’Horta publicados em Vanguarda Socialista na mesma época, em
defesa da independência de classe e contra o voto em Eduardo Gomes, o candidato
“progressista” na redemocratização”, defendido pelos ex-trotskistas,
transformados em “socialistas” tout court.
Por que Sacchetta rompeu com a IV Internacional e dissolveu o PSR?
Michael Lowy, evocando sua relação pessoal, refere-se à ausência de
manifestação de Sacchetta sobre o assunto. Alberto Luiz Rocha de Barros, filho
do seu companheiro da década de 1930 (advogado trabalhista Albeto da Rocha
Barros) e se próprio camarada de militância na década de 1950 e 1960,
confiou-nos a desilusão de sacchetta com as resoluções do III congresso Mundial
da IV Internacional, em 1951, quando adotou-se a linha “pablista” de apoio
crítico à burocracia soviética e de “entrismo sui generes” nos partidos
comunistas. É provável que Saccheta tenha visto nessa linha não um revisionismo
total do trotskismo e do próprio marxismo, mas uma manifestação inesperada do
trotskismo. Só Jacob Gorender se refere a um texto de Sacchetta (não incluído
no volume), o “Relatório sobre questões da política organizatória no domínio
socialista”, escrito “provavelmente naquela época (em que ) salienta-se a
análise do fracasso do trotskismo”. Desiludido Sacchetta passaria para o
“luxemburguismo” (ideologia que presidia a PSI, Liga Socialista Independente, e
o MCI, Movimento Comunista internacionalista, organizado por Sacchetta na
década de 1960. Em qualquer hipótese, esse “luxemburguismo” era politicamente
diferenciado do “trotskismo” pablista defendido pelo grupo brasileiro do Birô
Latino-Americano da IV Internacional, liderado pó J. Posadas (codinome do
argentino Homero Cristalli), o POR, Partido Operário Revolucionário. A LSI
defendeu intransigentemente a independência de classe contra os restos do
“varguismo” e contra a orientação do PCB, enquanto o POR chamava o PCB a fazer
revolução, tendo chegado a apoiar (chamou a votar) Jânio Quadros “pelo se
programa nacionalista” (esmiuçado por Sacchetta no artigo “Nem Lott, nem Jânio,
por uma política de classe”).
Quais eram as limitações da LSI (que nunca ultrapassou algumas dezenas de
militantes) e, depois, do MCI? Os textos do volume correspondente aos anos 1960
permitem apreciá-las. Do ponto de vista dos princípios gerais, havia a defesa
da independência de classe, a critica da revolução por etapas e do apoio à
“burguesia progressista”. A lua contra o imperialismo (e contra a ditadura
militar) era uma luta anticapitalista, que só poderá ser vitoriosa com a
instauração de um governo operário e camponês. O problema é a tradução desses
princípios numa política correspondente, o que demonstra que não bastavam
formulações gerais. A proposta política central era a da “frente única
proletária”, dirigida às “organizações marxistas” e aos “socialistas de
diversas doutrinas”. A tática da “frente única proletária” tinha sido lançada
pela Internacional comunista para os países de capitalismo desenvolvido. Para
os países de capitalismo atrasado, coloniais ou semi coloniais, oprimidos pelo
imperialismo, a tática da “frente única antiimperialista” era a que, levando em
conta as relações políticas objetivas entre as classes, permitia lutar pela
direção proletária da luta democrática e antiimperialista, ou seja, pela chefia
operária da nação oprimida. As organizações socialistas e “marxistas” que
surgiram nos anos 1960 eram menos a expressão da radicalização proletária (que
expressavam de modo muito deformado) do que a expressão da paulatina
decomposição do PCB, e secundariamente os remanescentes das fracassadas
tentativas de se organizar um partido social-democrata. A ruptura com o
stalinismo foi, em geral, totalmente empírica, como o demonstra que boa parte
delas enveredasse pelo foquismo, fazendo da luta armada, elevada ao nível da
estratégia, p eixo de diferenciação com o PCB (o qual, diante da sua crise,
chegou a flertar com o foquismo.
Sacchetta, como marxista, tinha elementos de sobra para criticar o
terrorismo isolado da evolução das massas (e o fez), mas seus posicionamentos
por vezes não deixavam de refletir a pressão exercida pelo foquismo, a procura
de um “terreno comum” com as organizações guerrilheiras: “preparemo-nos para a
luta armada, desde já, mas num processo dialético que encare a realidade como
ela se apresenta”. A “frente única proletária”, portanto apenas poderia ter
expressão como frente de “viúvas” do PCB (e, secundariamente, do socialismo
reformista) e não como frente dos trabalhadores avançados que, rompendo com o
nacionalismo e o stalinismo, enfrentavam o impasse da “democracia populista” e,
logo, a repressão antioperária da ditadura militar. Somente a luta por um
partido operário independente poderia ter dado expressão política àquela
tendência, que explodiu a céu aberto com o processo grevista do ABC em
1979-1980. A “frente única”, por outro lado, era colocada (antes do golpe de
abril de 1964) na perspectiva política de “ampliação, em seus limites máximos,
das atuais instituições democráticas”. Já sobe o governo militar, a “frente
única” seria posta sob um programa de “objetivos imediatos” (táticos) acrescido
de outro de “objetivos estratégicos” (Sacchetta, 1992: 106-33 e 133-40): isto significava
colocar a “frente única” como ala extrema esquerda da democracia burguesa, não
como agente da organização independente do proletariado.
Para o trotskismo, os “objetivos táticos” não sem esgotam em si mesmos:
na medida em que as reivindicações imediatas são colocadas tal qual alavanca da
constituição do proletariado como classe independente, elas se transformam em
reivindicações de transição. Estas palavras de ordem permitem que a luta pelas
reivindicações vitais se transforme numa preparação para a luta pelos objetivos
estratégicos (isto é, pelo poder operário) num processo permanente, ou
seja, não separado por duas etapas históricas diferenciadas. O grande ausente,
no pensamento político se Sacchetta, era o programa de transição,
justamente um dos últimos grande documentos políticos de Trotski, com o qual
armou a vanguarda revolucionária nucleada na IV Internacional. No último
documento do volume, um dos últimos da vida de Sacchetta, produzido em meio à
crise da ditadura militar e da emergência operária (1979), esta concepção era
reafirmada com relação à reivindicação de Assembléia Constituinte:
“Cabe às forças
populares organizadas, com o proletariado à frente, conquistar os segmentos da
população menos consciente de suas prerrogativas políticas para a obra de
inserção na futura lei básica, vale na Constituição, dos direitos fundamentais
dos trabalhadores, em especial no âmbito político. E aos trabalhadores cabe
fazer cumpri-los, por pressão contínua, com todos os recursos que dispõe... Por
esse caminho, o povo deverá participar, por meio de seus representantes, da
promulgação das leis e, por conseqüência, da condução dos negócios públicos”.
Eis a Constituinte como alicerce de um regime democratizante, e não como
palavra de ordem de transição, na luta pela qual os órgãos do poder operário
poderiam e deveriam surgir. Dessa maneira, Sacchetta expressou até suas última
conseqüências as contradições que puseram em tensão toda a trajetória
intelectual e política, as quais ilustram concentradamente as dificuldades para
construir a seção brasileira da IV Internacional ao longo de quatro décadas.
Sacchetta, portanto, não foi apenas um dos principais jornalistas deste século.
Luiz Alberto Moniz Bandeira, em depoimento, assim nos descreveu a
situação criada e desenvolvida depois da dissolução do PSR:
“A IV Internacional, fundada em 1938, praticamente desapareceu quando,
por volta de 1952, Sacchetta rompeu com Pablo, sendo um dos motivos da
divergência a política do ‘entrismo’ e evoluiu para a tese de que a URSS era um
capitalismo de Estado. Aliás, ele passou a ver o bolchevismo – e a
responsabilizá-lo – as origens do stalinismo. Por volta de 1953/1954, havendo a
IV Internacional praticamente desaparecido no Brasil, o BLA (Boureau
Latino-Americano) mandou gente tratar de reorganizá-la, o que foi feito com
José Maria Crispin, que promovera uma dissidência no PCB, do qual fora expulso,
creio que em 1951-1952. Aí foi organizado o POR e em começo de 1955 estava no
Brasil Manuel (esse era seu codinome e creio que ele era argentino),
como representante do BLA. No inicio de 1956 foram presos no Rio, Leôncio
Martins Rodrigues, Marimbondo (esqueço o primeiro nome), José barroso e Leon
(um operário, remanescente do PSR, de Sacchetta). O fato foi noticiado por O
Globo. Nessa época, Manuel procurou Edmundo Moniz, em cujo apartamento eu
morava, eu vim com ele para São Paulo, onde então me reuni com Crispim, os
irmãos fausto (Boris, Rui e um outro). Mas nem eu nem Sacchetta nem Alberto
Luiz [da Rocha Barros] aceitamos a conceituação da URSS como Estado operário
degenerado, nem as posições que considerávamos muito sectárias dessa pessoa. E
por isso decidimos criar a Liga Socialista Independente (eu escrevi o programa
e Alberto Luiz os estatutos). Lembro-me de Ottaviano De Fiore, que era também
trotskista e militava na faculdade de Filosofia, na Maria Antônia. Mas algum
tempo de pois, em fins fé 1956, encontrei Eric Sachs , um austríaco, que dizia
haver sido discípulo de [Heinrich] Brandler [ex-dirigente do PC alemão], e
resolver tomar uma iniciativa mais ampla e abrangente, organizando a Juventude
Socialista, no Rio de Janeiro e na Bahia, onde em 1954 (eu tinha dezoito anos e
ainda morava entre Rio e Salvador) organizava com mais três colegas uma Liga
Socialista Revolucionária. Em 1957, veio para o Brasil, como representando do
BLA, um uruguaio, Estrada (parece que o nome real dele era Labat) e o POR
absorveu militantes da UJC (um deles, Boris, que hoje é médico nos EUA), que
fora dissolvida, em função da dissidência de Agildo Barata, após o 20o
Congresso do PCUS. Na juventude Socialista, editamos o jornal Esquerda
Socialista. Fizemos muitas reuniões conjuntas com o pessoal do Agildo, Liga
socialista Independente, POR, ai em São Paulo. Nessas reuniões estavam Almino
Afonso, Paul Singer e muitos outros. Quando vinha ao Rio, Crispim ficava
hospedado no meu apartamento, apesar de que eu não fosse da IV Internacional. A
revista Novos Tempos, editada por Oswaldo Peralva e o grupo de Agildo
Barata, no Rio de Janeiro, abriu suas páginas para nós e ai eu publiquei
artigos, um dos quais sobre Trotski, respondendo a um stalinista, Calvino, que
detinha a propriedade do título e o tomou”.
De fato, o Brasil foi um dos principais terrenos de ação do BLA (Birò
Latino-Americano da IV Internacional), dirigido por Posadas, que depois
conformaria “sua” Internacional, a IV Internacional posadista, cuja seção mais
importante, a da Argentina, teve bastante força entre meados das décadas 1950 e
1960. No Brasil, o POR (Partido Operário Revolucionário) incorporava em 1956
uma fração dissidente do PCB, encabeçada pelo deputado José Maria Crispim. O
POR teve influência nas lutas metalúrgicas de São Paulo e participou da
organização dos sindicatos agrários do Nordeste, onde foi um de seus
militantes, “Jeremias” (codinome de Paulo Roberto Pinto) foi assassinado pelos
jagunços dos latifundiários em 1963, quando organizava os trabalhadores
agrários de Também (no estado de Pernambuco). Durante as décadas de 1950 e 1960.
O POR também publicou com bastante regularidade seu jornal Frente Operária,
este legalmente sob a direção do depois conhecido sociólogo Leôncio Martins
Rodrigues. As suas elaborações teórico-políticas, que passavam obrigatoriamente
pelo filtro autoritário, e depois delirante, do endeusado “líder mundial” J. Posadas,
apresentam muito menos interesse do que as realizadas previamente pela LCI, POL
e o PSR.
Já sob a ditadura militar, o POR sofreria o assassinato do metalúrgico
Olavo Hansen, em 1970. Durante a “democracia populista” quando o POR fora a
única expressão do trotskismo organizado no Brasil, a sua linha foi de apoio
aos setores nacionalistas, chegando a apoiar, como vimos, Jânio Quadros em
1953, “pelo seu programa antiimprialista”. As elaborações dos “posadistas”
sofriam então influência do principal dirigente do Secretariado Internacional
da IV Internacional, Michel Pablo, caracterizadas como “objetivistas” por
desprezar o peso dos obstáculos subjetivos para a revolução. O POR afirmava, em
1959, no seu jornal Frente Operária, que “já se pode descartar como
praticamente impossível uma inversão da situação, uma derrota efetiva as massas
e o restabelecimento da normalidade capitalista”, ou, em 1960, que “a burguesia
não tem força para submeter o movimento dos sargentos...”.
Se o POR foi a escola para militantes que teriam destaque em décadas
posteriores, não teve o monopólio da matéria na década de 1960. Em suas
lembranças, Luiz Alberto Bandeira pondera:
“Ai fundamos a revista Movimento Socialista, da qual saíram dois
números. E em janeiro de 1961, no Congresso de Jundiaí, reuniram-se os
militantes da Juventude Socialista, Mocidade Trabalhista, juventude do PTB
(Teotônio dos Santos, Ruy Mauro Marine) de Minas Gerais, da Liga Socialista
Independente e do POR. Nesse Congresso foi que se criou a Polop – Política
Operária -, mas o POR decidiu não integrar a organização, assim como Sacchetta
e mais uns dois ou três militantes da Liga Socialista Independente, que foi
dissolvida. Os irmãos Sader (Emir e Eder) e Michael Lowy eram muito jovens e
haviam entrado na LSI muito tempo depois de sua fundação. E aí lançamos a
revista Política Operária, da qual fui diretor e que depois se
transformou em jornal semanário, nos primeiros meses de 1964. Nessa época,
houve a cisão na IV Internacional, com Posadas a dominar o BLA. Crispim foi
expulso do POR, porque aderira ao nacionalismo de Agildo Barata (tenho muitas
histórias engraçadas desse período). E, curiosamente, apesar de todo o
sectarismo posadista, o POR cresceu no Brasil. Foram militantes Tullo Vigevani,
Maria Hermínia Tavares de Almeida, entre outros.”
Com o golpe de 1964 e a repressão militar, o POR foi perdendo expressão.
Durante a ditadura foi mais notável a atuação do POC (Partido Operário
Comunista). O POC surgiu em 1968, a partir do que restou de uma cisão da Polop,
resto que se fundiu com a dissidência do PCB, no Rio Grande do Sul. As outras
organizações que emergiram do racha da Polop foram a VPR, Var Palmares e
Colina. Outros militantes entraram na ANL, de Marighella. Estas organizações
também sofreriam desagregação até dar lugar, no período de abertura política, a
novas organizações, constituídas com base nas correntes trotskistas
internacionais: a Convergência Socialista (Fundada no Chile, em 1973, como
“Ponto de Partida”), a OSI (Organização Socialista Internacionalista, fundada
em 1975 sobre a base da fusão de grupos preexistentes e que se tornaria
conhecida pela sua tendência estudantil a “Libelú”, e seu jornal O Trabalho),
a democracia Socialista, que recolheu os restos do POC e da Polop, e outros
grupos “foquistas”. Mas isto pertence a outra etapa política, e até histórica,
do Brasil.
Durante mais de três década o trotskismo brasileiro envidou esforços para
a construção de organizações revolucionárias, inclusive durante períodos
políticos muito difíceis e repressivos. Os resultados obtidos atingiram alguma
importância, mas sempre efêmera e, como corrente política, o trotskismo
brasileiro se caracterizou pela descontinuidade, além das já conhecidas
divisões, as mais das vezes refletindo debates internacionais (que provocavam
divisões e cisões também dessa escala). O trotskismo, por outro lado, foi uma
referência mais que notável para a intelectualidade revolucionária, a ponto de
vários dos mais destacados intelectuais de esquerda dessas quatro décadas (1930
até 1960), como Mario Pedrosa, Hermínio Sacchetta, Pagú, Lívio Xavier, Rodolfo
Coutinho, Florestan Fernandes, Moniz Bandeira, Edmundo Moniz e outros também
mencionados acima, terem no trotskismo e na IV Internacional u quadro
fundamental das suas experiências e elaborações teórico-politicas. Mas estas
mal e mal conseguiram se estabelecer com “tradição teórica”, provavelmente
devido à própria descontinuidade político-organizativa do quadro partidário que
lhe servia de referência estratégica. O resgate dessa tradição, que com certeza
inclui boa parte do que melhor produziu o pensamento marxista brasileiro,
implica porém, para ser completa e crítica, a reconstrução da trajetória
política que lhe forneceu o seu leito histórico.
NOTAS
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