Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

ATRIBUIÇÃO DE AULAS, O RECOMEÇO DE UMA JORNADA DE PRECARIZAÇÕES


Primeira atribuição do ano. E lá vamos nós outra vez. Estamos todas e todos lá, jovens que acabaram de adentrar à profissão (hoje já são maioria na categoria), mas também professoras e professores com dezenas de anos no magistério, lecionaram para gerações.  Encontraremos antigos colegas de trabalho e iniciantes na profissão. Iniciam-se novas amizades com profs e estudantes. E como nem tudo são flores, sabemos que inimizades também acontecerão, sobretudo com alguns tipos de coordenadores e diretores (sobretudo os governistas e carrascos que fazem de tudo para arrancar nossa pele).
Encontramos professoras e professores que são também militantes sindicais, educadores coletivos que são combatentes políticos.  Mas também encontramos profs que preferem não se envolver com lutas sociais, uns por indiferença e outros por ceticismo. Uns são solidários  sempre dispostos a ajudar, outros preferem nos acotovelar, pensando apenas em suas próprias contasTodas/os torcendo para conseguir pegar o numero suficiente de aulas. Torcendo ainda para conseguir pegar todas as aulas em uma mesma escola, ou pelo menos, se tiver que pegar em mais de uma escola, que sejam próximas um da outra. Pois afinal, além da paixão por lecionar, precisamos pagar as contas e cumprir os horários.
No entanto, mesmo conseguindo pegar a s aulas perfeitas, na escola perfeita, ainda fica um sentimento desconfortável. Pois sabemos que se pegamos aulas em uma boa escola, em um lugar que não seja de difícil acesso, que não precisaremos perder horas no transporte... Por outro lado, alguém as pegou... Muitas professoras e professores não conseguiram sequer completar sua carga horária... seus salários serão ainda menores...
A maioria esmagadora de nossas colegas professoras e professores vão trabalhar em escolas com infra-estrutura super precarizadas... onde falta de tudo... com salas de aula super lotadas, pais e estudantes insatisfeitos (com toda razão). Além disso, teremos dezenas de HTPCs, aulas para preparar, provas para corrigir... Ainda, além de ensinar conteúdos de nossas matérias, ajudaremos nossos colegas, estudantes e professores em sua angustias diárias...
Como se não bastasse, o governador Geraldo Alckmin ainda impõem a “duzentena” à nossa categoria. Determina que fiquemos 200 dias letivos sem poder dar aula. Com o grande numero de formados, e o pequeno numero de escolas menos precarizadas, o governador impõe uma espécie de revezamento para as melhores vagas... com isso tenta impor também que nos “joguemos uns contra ao outros”, criando divisões na categoria. Mas como pode impor esse revezamento frente à falta crônica de profissionais? Como pode deixar um verdadeiro batalhão de professores impedidos de dar aula enquanto centenas de escolas ficam o ano todo sem professores? Na prática, isso obriga milhares de professores a trabalharem como “eventuais” tendo suas condições de trabalho e salários ainda mais precarizadas.
Socialmente, nossa profissão, assim como muitas outras, esta longe de ser valorizada tal como merece. Os salários e regime de trabalho expressam isso. Bem diferente, eqüidistante, das condições e salários de um deputado. Segundo dados do Inesp (http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2008/abril/cada-deputado-federal-custa-r-1-4-milhao-por-ano/), em 2008, quando cada deputado recebia 16.500 reais por mês, somados seus benefícios, cada deputado custava UM Milhão e meio ao ano aos cofres públicos. Agora seus salários são de 27.000 reais ao mês. Segundo dados do DIAP (http://www.diap.org.br/index.php/legislativo/custo-do-deputado-ou-senador), a União gasta por ano R$ 6,6 milhões para cada um dos 513 deputados federais. Soma-se a isso o que gastamos com os salários, benefícios e encargos gerados pelos 81 senadores. Segundo o DIAP são mais R$ 33,4 milhões para cada um dos 81 senadores. Veja o brevíssimo video: http://www.youtube.com/watch?v=W88n0qpRCww&feature=related.
Segundo dados da CUT (central sindical governista), no Ceará, por 40 h. semanais, professores e professoras recebem 1.320, no Rio Grande do Sul 1269, na Paraíba 1243, no Rio Grande do Norte 1157, em Goiás 1084, e em Pernambuco as professoras e professores recebem 1016 por 40h. semanais. (http://www.slideshare.net/pierrelucena/pesquisa-salarial-professores-das-redes-estaduais).
Principalmente a partir da década de 1980, período de grande altas inflacionárias, os salários dos professores foi muito desvalorizado, as quedas no salário real foram aprofundando-se ano a ano. Hoje, a hora trabalho/hora aula dos professores é muito menor do que a taxa salarial de outros profissionais com mesmo nível de estudo.
No Estado de São Paulo temos uma grande variedade de formas contratos que possibilitam ao governo do Estado pagar baixos salários, e terceiriza mão de obra. Hoje apenas 50% da categoria tem emprego efetivo, e o restante da categoria vive de contratos temporários precarizados. Como a categoria Ó que tem contrato de um ano para cobrir licenças, ou os eventuais que recebem cerca de 7 reais por aula.
Mesmo com as greves que vem sendo realizadas, o Estado tem conseguindo manter a educação em precárias condições estruturais, mantém as salas de aulas superlotadas, falta de materiais didático-pedagógicos, baixos salários e ainda desconta dias parados em caso de greve, punindo os que ousam lutar por condições melhores de ensino, ferindo inclusive o direito de greve conquistado durante a década de 1980. As condições precárias de ensino causam estresse em estudantes, professores e funcionários, constrói-se um quadro caótico nas instituições escolares brasileiras.
Outro agravante nesta situação é que as manobras do Estado são pactuadas com a burocracia sindical que dirige o sindicato dos professores APOESP. Sua direção majoritária sobrevive à custa de pactos e negociatas com as bancadas parlamentares, políticos que servem a patronal e a burguesia, que por sua vez serve ao cartel das escolas e instituições particulares. Frente a tal quadro, os trabalhadores e trabalhadoras da educação vem sofrendo derrotas consecutivas. A burocracia sindical, recebendo contrapartidas, alimenta a descredibilidade das mobilizações da categoria, fazendo com que o professorado deixe de acreditar em suas próprias forças. Certamente não estaríamos nessas condições se tivéssemos sindicatos que lutassem por nossas pautas históricas e imediatas.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

FÁBIO SANTOS DA SILVA, REGINA DOS SANTOS PINHO E CÍCERO GUEDES DOS SANTOS, TRABALHADORES RURAIS ASSASSINADOS A SERVIÇO DO AGRONEGÓCIO



No dia 2 de abril de 2013, foi executado  o trabalhador rural Fábio Santos da Silva, com 15 tiros por pistoleiros, em Iguaí, região sudoeste da Bahia. No dia 25/01/2013, Cícero Guedes dos Santos, trabalhador rural negro, liderança do MST no assentamento Zumbi dos Palmares, localizado no Rio de Janeiro (Campos de Goytacazes) foi executado com dez tiros dentro da Usina Cambahyba.  Em seguida, também no mesmo assentamento, foi assassinada Regina dos Santos Pinho. As lideranças reconhecidas são as principais vitimas dos pistoleiros que, pela manutenção da imensa concentração latifundiária, assassina corriqueiramente os trabalhadores e trabalhadoras do campo que lutam pela reforma agrária no Brasil. Esses três combatentes que tombaram na batalha pela transformação da estrutura fundiária, abatidos brutalmente em combate, devem ser lembrados como sujeitos históricos que se lançaram em uma luta centenária contra a estrutura fundiária e a precariedade das condições de vida dos trabalhadores rurais no país. São corriqueiramente assassinados às centenas, mas persistem, insistem e lançam suas vidas, seus corpos contra um inimigo nacional: O latifúndio, este é defendido por sucessivos governos, militarmente,  principalmente pela via para-militar, em guerrilhas contra os que gritam que “a terra e de quem trabalha nela”. Com mais estes assassinatos, os latifundiários brasileiros e o agronegócio, protegidos pelo Estado brasileiro e suas instituições corruptas de tradição escravocrata, reafirmam a defesa de suas posições centenárias de dominação e massacre dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
O Brasil é um dos países com maior índices concentração de terras no globo. Desde que o império português escravocrata instalou-se no Brasil, determinou-se pela concentração de terras nas mãos de pequenos grupos que vieram a constituir uma elite nacional. Elite essa que se converteria em burguesia. Os grupos originários do Brasil, constituído milhares de tribos indígenas, foram os primeiros grupos que ficaram impedidos pela coroa portuguesa do livre usufruto das terras onde viviam a gerações. Como sabemos, imensos contingentes da população indígena foram massacrados pelos latifundiários e escravocratas com apoio da Igreja e da Monarquia. Ainda hoje, a burguesia agrária, descendente dos primeiros invasões, empreendem ataques cotidianos contra os indígenas, invadindo ainda hoje seus restritos territórios.
Com os sequestros e deportações da população negra africana para o Brasil, promovidos pela coroa portuguesa e seus consortes, o problema da concentração de terras é reafirmado. A população negra rebela-se contra a escravidão, empreende fugas em massa e criam os quilombos. Cabe aqui destaque ao Quilombo dos Palmares. Esse significou a fusão de duas lutas: a luta pela terra e a luta contra a escravidão. Este quilombo resistiu por mais de 100 anos aos ataques da coroa, nobreza, capitães do mato e toda ordem de repressores. Palmares tornou-se rapidamente uma espécie de “Estado paralelo” que debilitava toda estrutura escravocrata colocando a monarquia em risco. Sua permanência  colocava em xeque todo o Regime Monárquico, pois uma vez que se derrubasse a escravidão, a monarquia ruiria também.  Desta forma Palmares colocava em risco econômico e político a empresa colonial escravocrata e a própria monarquia que era estruturalmente dependente da escravidão.
A lei de terras de 1850 buscava garantir que os índios e a população negra africana (sequestrada no continente africano e mantida prisioneira no Brasil), fosse impedida de estabelecer-se autonomamente nas terras brasileiras. Nada disso cessou a luta pela terra. Depois de Palmares muitos outros quilombos continuaram resistindo. Canudos foi outra experiência valiosíssima de auto-organização e luta pela terra, Antonio Conselheiro consegui organizar dezenas de milhares de trabalhadores sem terra descendentes de ex-escravos e indígenas . Canudos também foi duramente reprimido e massacrado. Isso porque o Estado, latifundiários e fazendeiros escravocratas eram sócios inseparáveis.
 Todo aparato estatal atuou conscientemente contra a população indígena e negra. Assim, a própria burguesia brasileira já nasce com suas mãos cheias de sangue. Essa burguesia nasce do campo, da empresa colonial, do trafico negreiro, e logo dos massacres contra a população indígena, negra e trabalhadores do campo. A acumulação primitiva de capital por essa burguesia colonial só foi possível por conta dos imensos lucros acumulados com o roubo de terras, trabalho escravo nos canaviais, nos cafezais, nas minas, etc. O trafico de pessoas (trafico negreiro), trabalho escravo e repressão sanguinária contra toda a população que lutava pelo uso das terras marca a origem das classes dominantes no Brasil. 
Esse banho de sangue não impediu que os trabalhadores e trabalhadoras sem terra, proletários do campo (formado por negros, negras, índios e mestiços) continuassem se organizando e batalhassem na Guerra dos Contestados, na Revolta da chibata, Revolta da  vacina, nas greves de 1917, 1921, na Coluna Prestes, nos levantes de 1935 e depois constituíssem as Ligas Camponesas.A ditadura Vargas empreendeu grandes esforços para massacrar os militantes do campo e da cidades. Também a ditadura militar-burguesa de 1964 buscou acabar com as lutas no campo e nas cidades massacrando os lutadores e lutadoras do campo em conjunto com suas lideranças.
 Desde o assassinato do trabalhador agrícola Wilson Pinheiro em 1980, seguram-se dezenas de outros assassinatos no campo, como o de Marçal de Souza em 1983, Irmã Adelaide e Ezequiel Ramim em 1985. Padres Josimo Morais Tavares em 1986, Roseli Celeste Nunes da Silva e Vicente Cañas em 1987, Chico Mendes 1988. Missionária Dorothy Stang em 2005. É em meio aos processos de lutas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo durante a década de 1980 que se organiza o Movimento dos Trabalhadores sem Terra. Mesmo que setores da direção do MST tenham aderido ao governismo, apostando na disputa parlamentar, os trabalhadores e trabalhadoras sem terra continuam lutando e sendo assassinados no campo. Não podemos esquecer desse fato imprescindível!
O aparato policial, as Milícias Privadas no Campo e pistoleiros de aluguel são os principais sustentáculos da repressão à luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terras. Foi o aparato policial que protagonizou o Massacre de Corumbiara (1995) e também o massacre em Eldorado do Carajás (1996), ocasiões em que dezenas de militantes do MST foram fuzilados pela Policia Militar. Resquícios mórbidos da ditadura mantido pela transição negociada.  As milícias privadas promovem verdadeiros focos de guerra civil no campo contra trabalhadores e trabalhadoras sem terra. Basta recordarmos do Massacre de Camarazal em 1997. 
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que desde 1985 até inicio de 2011 ocorreram 1.580 assassinatos de sem-terra realizados pelos latifundiários devido a conflitos fundiários. Somando-se as dezenas de assassinatos de lideranças do MST durante a década de 1980, 1990 e 2000, tivemos o assassinato do sem terra Sétimo Graibaldi em 1998, de Eduardo Anghinoni em 1999 e Sebastião da Maia em 2000. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, apenas em 2004 houveram 1.801 conflitos entre latifundiários e trabalhadores, envolvendo 1.083.232 pessoas. Apenas neste ano, em defesa dos latifúndios, 39 pessoas foram assassinadas.
Durante os dois mandatos do governo Lula houve considerável favorecimento para valorização das commodities, da produção agrícola em monocultura e dos latifúndios. Ao mesmo tempo em que se fortalece-se o agronegócio, gerido pelos grande proprietários de terra e empresários do campo, mantém-se os assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras sem terra e militantes. Foi durante o governo Lula, em 2007, que assassinaram Valmir Mota de Oliveira. Em 2009 em São Gabriel, Rio Grande do Sul, na Fazenda Southall, um complexo latifundiário totalizando 14.000 hectares, 230 Policiais avançam contra cerca de 270 colonos ocupantes, a metade deles mulheres e crianças. Nesta ocasião disparam nas costas do agricultor Eltom Brum da Silva com uma escopeta calibre 12. Em 2010 Milícias assassinam o trabalhador rural, Gabriel Vicente de Souza Filho, de 46 anos no acampamento Bom Jesus, na fazenda Recreio, na cidade de Palmeirante.
Também durante o Governo Dilma continuam os assassinatos e ameaças contra os trabalhadores no campo. Em 2011 também presenciamos dezenas de assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras sem terra. As Milícias Privadas articularam o assassinato de Marcos Gomes, do trabalhador rural sem-terra Obede Loyola Souza, bem como o assassinato do casal de extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo. Os latifundiários, que recebem grandes montantes de financiamento do Governo Federal, também financiaram Milícias Privadas para assassinar o sem-terra Francisco Soares de Oliveira, Adelino Ramos, e em 6 de setembro de 2011, o dirigente sem terra Leonardo de Jesus Leite. Ainda, no dia 25 de agosto de 2011, assassinaram o dirigente sem terra Valdemar Oliveira Barbosa. Apenas cinco dias depois, em 30 de agosto de 2011, em Americana (sitio Boa Vista), mais de 600 famílias foram reprimidas pela ação de reintegração de posse da Polícia Militar. Com mais de 2000 policiais, o Estado burguês, mais uma vez, cumpriu seu papel nefasto de defender os usineiros (no caso, da Usina Escher, de monocultura de cana-de-açúcar) derrubando as casas da ocupação com tratores, numa repressão duríssima contra os ocupantes.
Estas centenas de processos repressivos, prisões e assassinatos são elementos constituintes do expressivo ataque que os setores burgueses no campo e das cidades, junto aos latifundiários, empreendem contra as ocupações, visando manter a escandalosa estrutura de concentração de terras, impondo privação e fome à milhares famílias, e impondo ainda a hiper-exploração da força de trabalho no campo, e sustentando elementos de semi-escravidão. Perseguem e assassinam brutalmente as lideranças combativas e lutadores no campo. Agrava o quadro o fato de que os assassinatos e ameaças contra os trabalhadores e trabalhadoras sem-terra não ganham evidência, ou simplesmente não são noticiadas pelos grandes meios de comunicação que compõem a mídia burguesa.
Nesse país dominado por latifundiários, com imensa concentração de terra, os trabalhadores e trabalhadoras sem terra têm enfrentado sistematicamente perseguições, prisões e assassinatos. Esses ataques são protagonizados pelo Estado, que ordena e organiza a repressão aos sem-terra, que em muitos casos termina com assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras pelo aparato repressivo estatal. A essas ações repressivas violentas do Estado burguês, somam-se as protagonizadas pelas milicias particulares e de pistoleiros contratados por fazendeiros, burgueses agrícolas e setores do agro-negócio. 
Além disso, na composição dos poderes do Estado existe a Banca Ruralista, que em acordo com setores da burguesia industrial e financeira, defende os interesses da burguesia do campo e impedem que avancem as medidas para reforma agrária e desapropriações. Os latifundiários, empresários capitalistas no campo, patronato rural, grandes proprietários e grileiros, são os que financiam os jagunços pau mandados para pegar em armas contra os sem-terra e demais trabalhadores do campo que se mobilizam. Soma-se às perseguições aos trabalhadores e trabalhadoras as campanhas feitas pela mídia burguesa, que busca a cada episódio criminalizar as ações dos trabalhadores sem-terra construindo todo o cenário intervenções militares e desocupações.
Entra governo e sai governo e a concentração de terras é mantida praticamente intacta. Os governos feitos pelo PT também pactuaram com setores do agronegócio, latifundiários e do patronato agrícola contra os trabalhadores e trabalhadoras sem terra. Os governos burgueses, que buscam atender interesses da burguesia do campo e das cidades, do patronato agrícola e industrial, não podem realizar a reforma agrária. Ao invés disso, combatem duramente qualquer incursão feita pelos sem terras, quilombolas e trabalhadores  rurais contra a arcaica estrutura fundiária brasileira. 
Então é necessário que os trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, o proletariado agrícola, assalariados do campo, confiem apenas em suas forças e na sua capacidade de mobilização e organização. É urgente a construção de uma forte campanha contra a repressão policial e pela extinção das milícias particulares, exigindo a punição dos latifundiários e usineiros levantando o programa de expropriação destas terras, que são exploradas para produzir imensos lucros para os latifundiários e para o imperialismo.
É necessário lutarmos pela expropriação das terras "na marra" e reorganizar a luta contra o latifúndio no Brasil em um novo marco, construindo uma sólida aliança entre os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. Nas cidades as organizações sindicais e partidos antigovernistas têm que assumir a dianteira na luta pela unidade com os trabalhadores e trabalhadoras do campo. Além impulsionar um programa de luta contra a as perseguições e assassinatos no campo, é necessário lutarmos pelo fim do trabalho precário no campo e nas cidades, com salários e direitos iguais para trabalhos iguais e um salário mínimo equivalente ao do Dieese.
Ainda, em conjunto com as organizações de trabalhadores rurais, os sindicatos da esquerda anti-governista devem defender uma ampla reforma agrária e acesso a crédito barato para aqueles que querem plantar, combinado com a titulação das terras quilombolas e a abertura de frentes de trabalho coletivo em empresas estatais no campo controladas pelos operários agrícolas para o abastecimento de alimento às cidades. 
É fundamental defender a criação e manutenção de “cordões verdes” no entorno das grandes cidades, que não só combine empresas agrícolas estatais e repartição de terras de qualidade e boa localização aos camponeses pobres, mas que também amplie o potencial de solução do adensamento demográfico nas cidades e dê uma solução mais de fundo para acabar com os desastres humanitários e ecológicos provocados pela urbanização anárquica do capitalismo. 
Tanto o plano de obras públicas como o crédito barato aos camponeses pobres ou as empresas agrícolas estatais devem ser financiadas com o dinheiro hoje utilizado para pagar juros e amortizações da dívida pública. Esse programa, tomado com um todo, de conjunto deve estar a serviço de colocar de pé as batalhas parciais que vão forjar uma vanguarda que, a partir de sua experiência concreta na luta de classes, deve concluir a necessidade de expropriar a burguesia, planificar a economia e lutar pelo socialismo em nível internacional.

Todo apoio da luta dos sem terra! Pela retirada de todos os processos contra os trabalhadores sem terra! Pelo julgamento e punição de todos os assassinos! Pela expropriação de todo latifúndio!

sábado, 26 de janeiro de 2013

A QUESTÃO NEGRA E A REVOLUÇÃO BRASILEIRA - apontamentos iniciais



O processo de desagregação do feudalismo, e o conseqüente desenvolvimento do mercantilismo, lançou bases para o inicio de uma nova fase de desenvolvimento da humanidade. Com o enfraquecimento e falência do feudalismo, enriquecimento dos comerciantes dos burgos, a servidão entrou em crise profunda, dando margem ao nascimento do mercantilismo.  (Confira:http://combateclassista.blogspot.com.br/2016/01/o-que-foi-o-feudalismo.html).
Durante o processo de transição do feudalismo para o capitalismo, Portugal, que já se lançava à exploração da costa africana em 1415 e, com isso, afirmava-se entre as principais nações escravocratas do período. O país será o pioneiro em sequestros e deportações em massa da população africana através do atlântico. O trafico negreiro passou rapidamente a constituir um dos pilares da economia portuguesa, disseminando-se ainda para outros países da Europa, como a Inglaterra, outra potência escravocrata que acumulou bilhões com a escravidão para o continente americano. O Brasil foi o país que recebeu os maiores contingentes de africanos sequestrados e escravizados, os EUA ocupa a segunda posição. O mercantilismo escravocrata criou os alicerces para o capitalismo, foi uma forma de acumulação primitiva de capital. Como apontou Max no capítulo 24 do livro O capital: “Liverpool teve um crescimento considerável graças ao tráfico de escravos. Esse foi seu método de acumulação primitiva […]. Em 1730, Liverpool empregava 15 navios no tráfico de escravos; em 1751, 53; em 1760, 74; em 1770, 96; e, em 1792, 132”. (p. 878). Cada centímetro do solo dos países escravocratas foi semeado e cultivado em milhares de hectares anuais por mãos negras que produzir algodão, fumo, açúcar, café, açúcar, nas minas úmidas e escura extraiam  ouro, prata, diamante etc. Todo o solo americano foi regado abundantemente com o sangue dos negros e índios escravizados. 
Após os sequestros e aprisionamento em massa, os africanos eram então transportados por cerca de 50 dias pelo atlântico, homens, mulheres e crianças, muitos não resistiam às péssimas condições precárias e insalubres dos navios, metade da população transportada morria, por fome ou por doenças, muitos se rebelavam ao longo das viagens, mas eram assassinados e jogados no mar. Por conta das Grandes Navegações, a empresa mercantilista, consolidou-se uma estrutura marítima de circulação e de distribuição. Toda essa estrutura foi posta a serviço da escravidão.
Enquanto houve escravidão houve resistência. Eles resistiam às prisões, sequestros e deportações. Isso desde a captura, transporte e sobretudo nos países onde eram mantidos em condição de escravo. A repressão contra os escravizados era brutal. Os Estados capitalistas nascentes e seus sócios menores, compreendendo o trabalho escravo como produtor de imensas riquezas, utilizavam-se de toda forma de terror possível para buscar submeter a população escravizada. Toda ordem de castigos e mutilações eram praticadas corriqueiramente como forma de impor medo a população africana dominada como forma de lhes desencorajar as rebeliões, resistência e fugas. Ainda assim, por toda parte, a população escravizada lutava dia-a-dia pela liberdade. Fugiam e formavam agrupações e comunidades quilombolas.
Desta forma, a escravidão da população africana moderna, em conjunto com a expulsão dos camponeses das terras (quando as ovelhas devoravam homens e mulheres do campo), no seio do Mercantilismo, constituíram as bases primitivas para a edificação do capitalismo. Como destacava Malcolm X, os povos africanos sequestrados foram tornados cativos para edificar toda a riqueza da qual eram impedidos de usufruir. Nas palavras de Malcolm X
“Somos um povo que outrora era africano, foi sequestrado e trazido para América. Nossos antepassados não foram peregrinos (...). Nós fomos trazidos aqui contra nossa vontade. Não fomos trazidos até aqui para sermos cidadãos, não fomos trazidos até aqui para desfrutar das benesses constitucionais das quais eles falam tão bem hoje”. (http://www.youtube.com/watch?v=RdYMvxs368s).
Conforme apontou Malcolm, só na américa do norte, foram 310 anos de trabalho escravo que possibilitou que se amontoassem imensas riquezas para as classes dominantes americanas. Em suas palavras foram
"310 anos, nos quais cada dia suas mães e a minha, meu pai e os seus trabalhavam em troco de nada. E não como uma jornada de 8 horas/dia. Não existiam sindicatos naquela época. Eles trabalhavam do nascer ao por do sol. Começavam quando ainda estava escuro e iam noite adentro até não poderem enxergar mais. Eles nunca tiveram um dia de folga".
Malcolm X conclui corretamente que "Esses 310 anos de trabalho escravo são a minha e a sua contribuição para esta economia e sistema político em particular". No caso do Brasil foram cerca de 350 anos de escravatura que encheram as bolsas e os cofres das oligarquias e avolumaram as heranças da burguesia brasileira. A burguesia descendente do escravagismo herdou não apenas as gigantescas proporções de terras e latifúndios, mas também toda uma ordem patrimônio que empilhado a partir do trabalho dos povos africanos escravizados. Herdou também toda a estrutura politica e repressiva do aparato estatal escravocrata que continuou (e continua) sendo usado contra a população negra e seus descendentes e os setores mais pauperizados da classe trabalhadora.
Os escravocratas com toda a força de guerra de seu aparato estatal escravagista determinavam que apenas quando morressem é a população africana deixariam de ser escravos. O Estado Escravagista constituía uma verdadeira máquina de fazer cativos e extrair deles a maior riqueza possível, utilizando-se corriqueiramente de todas as formas de violência, tortura e assassinato que lhe conviesse para acumular riquezas. E como combater os Estados escravocratas e todas suas tradições racistas? Malcolm X tinha perspectiva muito clara sobre isso: 

"Façamos ele nos pagar o que nos deve. Vamos nos Unir! E se é isso que o negro quer, vamos nos juntar a ele. Vamos lhe mostrar como manter o esforço de batalha. Vamos lhes mostrar como lutar! Vamos lhe mostrar como causar uma verdadeira revolução!"

Também tomando tais processos, Karl Marx utilizava a categoria de estados escravistas para expressar o conteúdo dessas relações de dominação, entendendo sempre que toda sua acumulação primitiva dos Estados escravagistas derivava também da escravização. 
Embora Marx não tenha se dedicado extensivamente para teorizar sobre a escravidão, é certo que também nesse campo o autor deixou indicações muito importantes de como pensá-la. Constatava que, a população africana em condição de escravização, era quem produzia nos Estados Unidos seus principais produtos de exportação, "algodão, fumo, açúcar, etc.." e com isso a própria riqueza nacional. Analisava que eram os escravagistas, por meio de um partido escravagista exerciam hegemonia no Senado americano impunham as leis escravocratas a todo o país. Com tudo isso, os escravistas tinham o domínio do poder sobre a máquina do Estado. (A guerra civil norte-americana. In: Liberdade de imprensa, L&;PM, 2009). Aos 28 anos de idade, Marx analisava que, uma vez que o próprio sistema econômico e político era fundado sobre a escravidão, o fim da escravidão levaria a uma crise profunda do Estado americano.

"(...) no Brasil, nas regiões do sul da América do Norte. (...). A escravidão direta é tanto quanto o pivô em cima do qual nosso industrialismo dos dias de hoje faz girar a maquinaria, o crédito, etc. Sem escravidão não haveria nenhum algodão, sem algodão não haveria nenhuma indústria moderna. É a escravidão que tem dado valor às colônias, foram as colônias que criaram o comércio mundial, e o comércio mundial é a condição necessária para a indústria de máquina em grande escala. Conseqüentemente, antes do comércio de escravos, as colônias emitiram muito poucos produtos ao mundo velho, e não mudaram visivelmente a cara do mundo. A escravidão é conseqüentemente uma categoria econômica de suprema importância. Sem escravidão, a América do Norte, a nação a mais progressista, ter-se-ia transformado em um país patriarcal". (Carta de Karl Marx a Pavel Vasilyevich Annenkov, Paris Escrita em 28 de dezembro de 1846).

Em 1861 apontava que a única forma de manutenção da união do Estado americano, para se evitar a secessão, seria abolindo a escravatura. Em suas analises sobre a guerra civil norte-americana (1861-1865). Segundo o autor, a própria Corte suprema dos Estados Unidos havia sido até então "a ferramenta mais serviçal dos senhores de escravos". O Estado americano torna-se um serviçal "de trezentos mil donos de escravos" implantando para isso uma "Constituição escravagista".
E é nesse perspectiva que Marx, como dirigente da Primeira Internacional, entendendo como candente a luta contra a escravidão, redige um documento oficial ao recém reeleito Abraham Lincoln (http://www.marxists.org/portugues/marx/1864/11/29.htm). A Internacional Comunista encarava a eleição de Lincoln como uma vitória contra a "oligarquia de 300.000 proprietários de escravos. Marx e a Internacional argumentam que "a palavra de ordem reservada da sua primeira eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas [Slave Power], o grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura".
Nessa brevíssima carta a Abraham Lincoln, Marx chega a criticar a classe operária americana, argumentando que o operariado permitiu que os trabalhadores e trabalhadoras do continente africano fossem submetidos a condição de escravos sendo "vendidos e dominados sem seu consentimento". De acordo com sua analise, a imposição de tal sistema brutalizado colocava em xeque toda a república americana, uma vez que sob o mesmo solo conviviam trabalhadores livres e africanos feitos de refém em terra alheia. Enquanto toda a população negra não estivesse livre, a própria sociedade americana também não o seria completamente. Segundo Marx

"Enquanto os operários, as verdadeiras forças [powers] políticas do Norte, permitiram que a escravatura corrompesse a sua própria república, enquanto perante o Negro — dominado e vendido sem o seu consentimento — se gabaram da elevada prerrogativa do trabalhador de pele branca de se vender a si próprio e de escolher o seu próprio amo, foram incapazes de atingir a verdadeira liberdade do trabalho ou de apoiar os seus irmãos Europeus na sua luta pela emancipação; mas esta barreira ao progresso foi varrida pelo mar vermelho da guerra civil" (http://www.marxists.org/portugues/marx/1864/11/29.htm).
Para Marx e a Internacional Comunista, a derrota da escravidão constituiria uma vitória para toda a classe trabalhadora. O que a classe trabalhadora fizesse em apoio à população africana, estaria fazendo também, e ao mesmo tempo, para si mesma. Isso porque entendia que, apenas articulando a luta contra a escravidão e opressão racial com a luta pelo socialismo, é que seria possível a "reconstrução de um mundo social".
Ou seja, para Marx era claro que a estruturação dos estados capitalistas no continente europeu e americano deu-se em base as incursões, sequestros e deportações da população negra. No continente africano conviviam uma serie de povos, etnias e grupos sociais. Com o desenvolvimento das Grandes Navegações inaugura-se novos patamares de relações entre a população europeia e do continente africano. A coroa portuguesa, aristocratas e nobreza, já na segunda metade de 1400, começavam a escravizar negros africanos. Com as Grandes Navegações, Portugueses, Ingleses, Espanhóis, Franceses, Holandeses e Americanos financiavam guerras entre povos e etnias como forma de constituir prisioneiros e consumarem sequestros de amplos contingentes da população negra do continente africano.
Esses sequestrados seriam vendidos como mercadorias no continente europeu e americano. Em O capital, capitulo XXIV, Marx escrevia: "(...). A Inglaterra conseguiu a concessão de fornecer anualmente a América Espanhola, até o ano de 1724, 4.800 negros. Isto servia, ao mesmo tempo, para encobrir sob o manto oficial o contrabando britânico. Na base do trafico negreiro, Liverpool teve grande crescimento. (...) Liverpool empregava 15 navios no tráfico negreiro, em 1730; 53, em 1751; 74, em 1760; 96, em 1770, e 132, em 1972". (p. 878). Cada centímetro do solo dos países escravagistas foram abundantemente regados com o sangue da população africana escravizada. Ou seja, o capitalismo americano fincou bases sobre o trabalho escravizado. E mesmo com os processos de abolição, manteve-se a população africana em condições precárias de vida. Como apontava Lenin em 1915, no texto Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América (http://www.marxists.org/portugues/lenin/1915/agricultura/index.htm).

O Sul dos Estados Unidos foi escravista até que a guerra civil de 1861-1865 extinguisse a escravidão. Até o presente, o número de negros, que não ultrapassa 0,7 a 2,2% da população das regiões Norte e Oeste, representa no Sul 22,6 a 33,7% do total da população. A proporção de negros é de 10,7% para o conjunto dos Estados Unidos. É inútil falar da situação degradante a que são submetidos: sob este aspecto, a burguesia americana não é melhor que a de outros países. Após haver “libertado” os negros, ela se esforçou, com base no capitalismo “livre” e republicano-democrático, por restabelecer tudo o que fosse possível ser restabelecido, por fazer o possível e o impossível para oprimir os negros da maneira mais descarada e vil. (...). (p. 10). 

Monarquia e Igreja: carrascos dos índios e africanos
Mediante tais processos, também no Brasil, o hibrido Estado Monárquico constituir-se-ia como um Estado escravagista, amparado pelo conjunto de códigos legais definidos localmente pela Monarquia e pelas elites aqui estabelecidas que determinaram o código civil escravista legitimando torturas e castigos, com direito absoluto sobre a vida e morte da população indígena e africana sequestrada. Também a Igreja somava-se as instituições escravistas. Ainda em 1445, o papa Nicolau V concedeu a Afonso V, então rei de Portugal, o direito de reduzir à Escravatura Perpétua os habitantes de todos os territórios africanos a sul do Cabo Bojador. A Dum Diversas é o título da bula papal que sacramentou esse holocausto dos povos africanos. Nessa Bula, que também foi estendida ao rei da  Espanha décadas mais tarde, o Papa afirma:

(…) Nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa autoridade apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes (…). 

Podemos verificar a mesma diretiva no Brasil, nas Cartas de Padre Manuel da Nóbrega que dirigida a D. João III, Rei de Portugal. Em carta datada de 14 de setembro de 1551 (Olinda - PE) o padre escreve pedindo mais africanos escravizados para serem utilizados pela Igreja na recente colônia: "mande dar alguns escravos de G[u]iné hà cassa pera fazerem mantimentos, porque a terra hé tam fértil, que facilmente se manterame vestirão muitos meninos, se tiverem alguns escravos que fação roças de mantimentos e algodoais". Ainda em outra carta "Se El-Rei favorecer este e lhe fizer igreja e cassas, e mandar os escravos que digo (e me dizem que mandão mais escravos a esta terra, de Guiné; se assi for podia logo vir provisão pera mais tres meses ou quatro alem dos que a case tem)".
Também Frei Vicente, em apoio a instituição escravocrata, fazia campanha contra os negros e negras que se rebelavam, fugiam e formavam quilombos "informado o governador que um mocambo ou magote de negros de Guiné fugidos que estavam nos palmares do rio Itapucuru, quatro léguas do rio Real para cá, mandou lhes que fossem de caminho dar neles, e os apanhassem às mãos, como fizeram, que não foi pequeno bem tirar dali aquela ladroeira e colheita que ia em grande crescimento". Em outra carta Frei Vicente felicita-se pelo extermínio dos africanos que fugiam do cativeiro "foi Deus servido de dar aos nossos vitória com morte de duzentos contrários, fora trinta que tomaram vivos em duas canoas". 
Padre Antonio Vieira, em seu Sermão Vigésimo Sétimo do Rosário, para justificar a escravidão proclamava: "Sabei, pois, todos os que sois chamados escravos, que não é escravo tudo o que sois. Todo o homem é composto de alma (...) De maneira, irmãos pretos, que o cativeiro que padeceis, por mais duro e áspero que vos pareça, não é cativeiro total, ou de tudo o que sois, senão meio cativeiro. Sois cativos naquela metade exterior mais vil de vós mesmos, que é o corpo porém na outra metade interior e nobilíssima, que é a alma, principalmente no que a ela pertence, não sois cativos mas livres".

Brasil: uma elite em apuros
Ainda assim, durante a colônia a elite brasileira vivia sob dupla pressão, por um lado era pressionada pelo imenso contingente populacional de africanos e africanas sequestrados e escravizados que se rebelavam continuamente em busca de liberdade. Sendo que os negros e negras tornam-se rapidamente os braços e as pernas (e em muitos casos os cérebros) da elite colonial, coroa, nobreza e seus consortes. Sem a população africana a colônia não podia manter-se. Por outro, esta pequena elite colonial era também pressionada pelos imperativos do imperialismo, esta contradição renova-se durante a República seguindo até os dias de hoje. Sobre essa dominação objetiva constituíram-se as teorias raciais, como forma de fornecer um referendo cientifica para as relações sociais que já estavam a centenas de anos em curso.
No entanto, a população negra lutava com todas suas forcas contra a escravização, desde o momento dos sequestros no continente africano, mas também durante as longas viagens até o desembarque em terras alheias. A elite colonial torturava e assassinava-os por quaisquer motivos que lhe ocorressem, a população negra escravizada revidava, organizavam-se e se enfrentavam com fazendeiros, jagunços e capitães do mato. Nos países onde desembarcava continuavam as revoltas, fugas e todas formas possíveis de auto-organização e resistência. Também no Brasil, desde a chegada da população negra, os que conseguiram fugir criavam comunidades em regiões afastadas dos domínios da elite.
São inumeráveis os quilombos formados durante o período colonial. Mas cabe destaque ao Quilombo de Palmares, dirigido centralmente por Zumbi e Ganga Zumba. Este quilombo resistiu aos imperativos da coroa portuguesa por mais de 100 anos, enfrentou uma serie de expedições que tentavam destruí-lo e assassinar sua população. Por sua forma de auto-organização Palmares acabou por constituir-se quase como um “Estado paralelo” em relação à coroa. Tornou-se rapidamente local de esperança e refugio para os que conseguiam fugir das fazendas. Desta forma Palmares colocava em risco econômico e político a empresa colonial escravocrata e a própria monarquia que era estruturalmente dependente da escravidão.

Trabalhadores escravizados e livres se unem
Todo esse processo recebeu especial atenção dos marxistas na III Internacional em 1919. Em continuidade com as reflexões de Marx contra a escravidão e seus desdobramentos, a Terceira Internacional Comunista, dirigida por Lênin e Trotski busca tomar a questão negra de forma revolucionaria. Nas resoluções do IV Congresso da Internacional de 1922, na seção “TESE SOBRE A QUESTÃO NEGRA” destacam que 

“Os financistas maníacos dos EUA, que exploram em seu território 12 milhões de negros, se dedica agora a tarefa de penetrar pacificamente na África”. (...) Há trezentos anos os negros norte-americanos foram arrancados de seu país natal, a África, e arrastados para a América onde tem sido objeto dos mais abjetos tratamentos e vendidos como escravos. Faz 250 anos, que trabalham sob o chicote dos proprietários norte-americanos. São eles que desmataram os bosques, construíram estradas, plantaram algodão, colocaram trilhos nas estradas de ferro e mantiveram a aristocracia confortável. Sua recompensa foi a miséria, a ignorância, a degradação. O negro não foi um escravo dócil, recorreu a rebelião, a insurreição, a fuga, tudo para recuperar sua liberdade. Mas seus levantes foram reprimidos com sangue. Através da tortura, foi obrigado a submeter-se. A imprensa burguesa e a religião se associaram para justificar sua escravidão. Quando a escravidão começou a competir com o trabalho assalariado e se transformou em obstáculo para o desenvolvimento da América capitalista, teve que desaparecer. (...) 3. A Internacional Comunista observa com satisfação que os operários negros explorados resistem aos ataques dos exploradores, pois o inimigo da raça negra é também dos trabalhadores brancos. Este inimigo é o capitalismo, o imperialismo. A luta internacional da raça negra é uma luta contra o capitalismo e o imperialismo. Com base nesta luta deve organizar-se o movimento negro. A Internacional Comunista (...) considera que é seu dever acolher e ajudar à organização internacional do povo negro em sua luta contra o inimigo comum. (...). 6. a) O 4º Congresso reconhece a necessidade de manter toda forma de movimento negro que tenha por objetivo enterrar e enfraquecer o capitalismo ou o imperialismo, ou deter sua penetração. b) A Internacional Comunista lutará para assegurar aos negros a igualdade de raça, a igualdade política e social”.

Aprofundando as reflexões do Quarto Congresso Da Terceira Internacional, Trotski apontava em 1939 que os trabalhadores e trabalhadoras brancos, bem como suas instituições, partido, sindicatos, etc... podem ser influenciados pela visão da classe dominante branca e racista, destacava que “Os trabalhadores qualificados que se sentem estabelecidos na sociedade capitalista ajudam a classe burguesa a dominar os negros e os trabalhadores não qualificados, que se encontram em um patamar muito baixo”. Desta forma, compreendia que a questão negra “É uma questão vital para o partido. É uma questão importante. É uma questão de se o partido está para se transformar em uma seita ou se é capaz de encontrar seu caminho até a porção mais oprimida da classe trabalhadora”.(L. Trotski, “Uma organização Negra", 1939). É justamente a essa perspectiva que devemos nos juntar. Sem a incorporação das demandas da população negra não será possível uma revolução no Brasil.
No caso da população negra, para se pensar uma revolução socialista no Brasil, é necessário partir da perspectiva da fusão revolucionária entre o programa histórico do proletariado internacional e as demandas do povo negro. Ou seja, as demandas clássicas da classe trabalhadora (como reforma agrária, autogestão, abolição dos aluguéis, amplo plano de obras públicas, acesso universal e gratuito à educação de qualidade em todos os níveis), devem ser fundidas com demandas específica da população negra (combate frontal ao racismo, que inclui revisão de todos materiais didáticos, reconhecimento das terras quilombolas, "urbanização" das favelas, distribuição de casas etc).
Outro elemento que merece destaque é que, como aponta Badaro Mattos, também no Brasil, a escravidão coexistiu com o trabalho livre, haviam fábricas em que o os escravizados chegavam a ¼ do efetivo de trabalhadores. Ou seja, dentro de um mesmo estabelecimento mantinha-se mão de obra livre e escravizada. Essa mistura podia ser observada também em estaleiros, construções, carpintaria, ‘jornaleiros’, ‘marítimos’, nas ‘indústrias’, entre as ‘costureiras’, artesões, estivadores, carregadores de café, barqueiros, marinheiros, barbeiros, acendedores de lampiões, varredores de rua, etc. (Lamounier 1993: Badaro, 2004: 2007). Em diversas ocupações e profissões coexistia trabalho livre e escravizado.
O próprio Estado brasileiro era também proprietário de escravos e utilizava-se de seu trabalho para os serviços públicos, “o Estado, que possuía as maiores manufaturas do período, investia no treinamento em ofícios de seus “escravos da nação” (Badaro, 2004). Ainda, como destaca Maria Lúcia Lamounier (2008), “Os escravos eram também empregados em diversas obras públicas. O emprego de escravos do Estado e/ou de particulares e africanos livres (e/ou “emancipados”) na construção de estradas de rodagem era frequente. Além disso, no período 1850-1890, o Estado brasileiro se valerá da utilização em larga escala de mão de obra escrava na construção das ferrovias do país. Nas ferrovias trabalhavam também muitos imigrantes europeus, o que contribuía ainda mais para fomentar a auto-organização operária. Com tudo isso, as relações de solidariedade se aprofundavam entre trabalhadores escravizados e livres, o que intensificava a desaprovação da escravidão.
Desta forma, as lutas da população negra escravizada, sua organização e ação coletiva, influenciava diretamente os trabalhadores assalariados. Já em 1857, de acordo com Badaro (2004), 32 trabalhadores negros escravizados foram protagonistas de uma paralisação no trabalho. Para conter a paralisação acionou-se a policia que deteve os escravizados. Em outro artigo (2007), Badaro cita o protagonismo de João de Mattos que organizava paralisações e fugas de escravos em padarias. João de Mattos chegou a organizar o Bloco de Combate dos Empregados em Padarias. O Bloco tinha sede, estatuto e um lema Pelo pão e pela liberdade. O autor aponta ainda que durante o período escravista existiam sindicatos e associações operárias que tinham uma orientação abolicionista ativa, organizavam arrecadações para compra de alforria.
A população negra continuava sendo expulsa das terras onde trabalhavam, substituídos nos mais variados locais de trabalho. Os postos de trabalho que ocupava foram cedidos aos imigrantes, portugueses, italianos, etc... Conforme aponta Badaro (2004), “O fato é que os espaços deixados pelos escravizados foram ocupados por trabalhadores livres, muitos dos quais imigrantes, em especial portugueses, que já ocupavam uma fatia de cerca de 30% dos empregos de livres na cidade nos anos 1830”. Com isso, a população negra foi obrigada a viver nas matas, próximas a rios e vales, formaram novos quilombos. Outra parte manteve-se ou instalou-se nas cidades, ao redor dos centros urbanos formaram comunidades, bairros e favelas, ainda, os setores mais precarizados passaram a constituir setores expressivos dos pobres urbanos.  Assim, fica claro que foram as políticas publicas, dirigidas pela elite colonial, e depois pela burguesia brasileira durante todo o século XX que determinou o racismo.
Mesmo depois da abolição a auto-organização, revoltas e rebeliões negras continuaram a serem desencadeadas. A população negra e seus descendentes tomaram parte em todos os processos de luta de classes mais agudos da sociedade brasileira. Desde Canudos, Contestado, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata. Todas sufocadas com muita violência pelas classes dominantes por meio de seu Estado e aparato repressivo, como pode-se observar no caso da “Revolta da Chibata deflagrada em novembro de 1910, influenciada pelo Encouraçado Potemkim, esta a Revolta teve como uma das principais lideranças o marinheiro negro João Cândido. Nesse período a marinha era composta por grande numero de marinheiros negros. Esta Revolta negra foi duramente reprimida, o Estado utilizou-se de grande violência, com fuzilamentos e desterros, os debelados sobreviventes foram mandados para Ilha das Cobras. Segundo João Quatin de Moraes
Entre 1.000 a 2.000 marinheiros foram sumariamente expulsos da Armada e todos os dirigentes dos dois levantes foram presos. Lavados a um imundo calabouço, os dezoito presos foram intoxicados com cal, abundantemente derramado na cela sufocante sob o cínico pretexto de desinfetá-la. Quando, na manhã de 25 de dezembro, talvez em atenção a data, a cela foi aberta, dezesseis cadáveres, alguns já apodrecendo, a entulhavam. Um dos dois sobreviventes era João Candido, o principal dirigente da rebelião. Naquele mesmo dia de Natal, deixava o rio de janeiro o navio satélite, levando nos porões uma carga humana  de cerca de 500 deportados para a Amazônia, marginais na maioria, mas também 105 marinheiros considerados instigadores da trágica revolta. Na longa viagem, nove dos principais “cabeças” do movimento foram fuzilados.
Mesmo frente aos processos brutais de repressão a população negra continua a organizar-se. Em 1912, eclode no Sul a “Guerra do contestado. No dia 4 de maio de 1912 acontece uma nova greve de trabalhadores agrícolas contra o patronato rural em Ribeirão Preto envolvendo 70 famílias. E em 1913 desencadeia-se outra greve de colonos na Região que envolve 10 mil colonos (PINHEIRO & HALL, p.120). A população negra foi para as ruas nas greves de 1917 em São Paulo, nas greves gerais no Rio de Janeiro em 1919, compunham a Coluna Prestes, nas inúmeras revoltas camponesas, movimentos de carestia, piquetes, etc... No ascenso das décadas de 1950 e 1960 a população negra pega em armas no campo, constituindo parte importante das Ligas Camponesas e das revoltas em Trombas e Formoso. Na marinha organizam rebeliões e colocam suas armas a serviços dos trabalhadores e trabalhadoras em greve.
Durante o período escravista existiam sindicatos e associações operárias que tinham uma orientação abolicionista ativa (organizando fugas, compra de alforrias e até tentativa de controle operário no caso dos gráficos) e também imprime diversas marcas nos anos posteriores à abolição que são chave recuperarmos para a história dos negros e da classe operária brasileira bem como, para posteriormente, entender como estas relações foram se alterando e esmaecendo.
Além da pressão interna cotidiana das revoltas, rebeliões, enfrentamentos, fugas e formação de quilombos que desafiavam constantemente a ordem escravocrata, a elite colonial ainda era pressiona de outro lado pelo imperialismo europeu, a revolução industrial impunha o regime de salariato e buscava mercado para seus produtos. Essa pressão crescia na medida em que a Inglaterra se fortalecia como potencia imperialista mundial.
Mesmo após a abolição, as pressões do imperialismo e dos levantes da população negra continua, como podemos observar na Revolta da Vacina, Contestados e Revolta da Chibata. Cabe destacar que a abolição foi imposta por duas forcas, uma interna e outra externa, sendo a interna constituída justamente pelas revoltas e rebeliões negras, e a externa pelo imperialismo Inglês e Frances, que queriam novos mercados consumidores. Contraditoriamente, mesmo sendo fruto das lutas do povo negro, com a abolição o Estado indenizou os fazendeiros escravocratas, e não as vitimas sequestradas extraditadas e feitas escravas.
Após o processo abolicionista, a nascente burguesia brasileira buscou agarrar-se as teorias raciais para justificar a desigualdade entre negros e brancos. Ainda em 1850 criou a lei de terras para garantir que a população negra não plantasse e colhesse pra si mesma, pois isso levaria a uma redução drástica da mão de obra no pais (lei semelhante era discutida nos E.U.A no mesmo período). Sendo que, após a abolição, a população negra foi expulsa de seus locais de trabalho, no entanto, mesmo que quisessem, não podiam voltar para o continente africano. Não receberam qualquer contrapartida ou indenização do Estado ou dos fazendeiros que eram os responsáveis pelo seu sequestro e escravização. Contrario a isso, com a abolição, os fazendeiros escravocratas foram quem receberam indenizações do Estado. Isso porque o Estado, latifundiários e fazendeiros escravocratas eram sócios inseparáveis. Todo aparato estatal atuava conscientemente contra a população negra. Assim, a própria burguesia brasileira já nasce com suas mãos cheias de sangue, pois essa burguesia nasce do campo, da empresa colonia, e logo dos mercado escravocrata. A acumulação primitiva de capital por essa burguesia só foi possível por conta dos imensos lucros acumulados com o trabalho escravo e com o trafico negreiro.
A população negra continuava sendo expulsa das terras onde trabalhavam, substituídos nos mais variados locais de trabalho, foram obrigados a viver nas matas, próximas a rios e vales, formaram novos quilombos. Outra parte manteve-se ou instalou-se nas cidades, ao redor dos centros urbanos formaram comunidades, bairros e favelas, ainda, os setores mais precarizados passaram a constituir setores expressivos dos pobres urbanos.
Como herança desse processo, a população negra ocupa os postos de trabalho mais precários da sociedade, recebe menores salários e são as vitimas escolhidas pela policia e por todo aparato repressivo das classes dominantes brasileiras. Assim, fica claro que foram as políticas publicas, dirigidas pela elite colonial, e depois pela burguesia brasileira durante todo o século XX que determinou o racismo. Nesse sentido, é totalmente correta a formulação de Malcolm-X de que "Não existe capitalismo sem racismo".
Longe de qualquer perspectiva de passividade, enquanto existiu escravidão existiu resistência da população negra escravizada. Mesmo depois da abolição a auto-organização, revoltas e rebeliões negras continuaram a existir. A população negra e seus descendentes tomaram parte em todos os processos de luta de classes mais agudos da sociedade brasileira. Desde Canudos, Contestado, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, mas também nas greves de 1917 em São Paulo, nas greves gerais no rio de janeiro em 1919, compunham a Coluna Prestes, nas inúmeras revoltas camponesas, movimentos de carestia, piquetes, etc... No ascenso das décadas de 1950 e 1960 a população negra pega em armas no campo, constituindo parte importante das Ligas Camponesas e das revoltas em Trombas e Formoso. Na marinha organizam rebeliões e colocam suas armas a serviços dos trabalhadores e trabalhadoras em greve.



Na segunda metade da década de 70, ligado ao descontentamento generalizado contra a ditadura a ao ascenso proletário e camponês em curso, emergiu um poderoso movimento negro, até então inédito na história do Brasil desde a abolição. Foi um movimento que, influenciado pelas lutas de libertação das colônias negras na África (Angola, Guiné Bissau, Moçambique etc.) e pelos movimentos de Martin Luther King, Macom X e dos Panteras Negras nos EUA, surgiu em várias dimensões, não só político-sociais, mas também culturais.
Nos bairros da periferia do Rio de Janeiro, o funk transforma-se em um instrumento de afirmação da identidade negra, juntamente com uma forma própria de vestir, pentear o cabelo (“Black Power”) etc. Revalorizam-se as religiões de origem africana, os filhos de negros começam a ser batizados com nomes africanos e as letras de samba passam a expressar a identidade negra em maior medida. É nesse momento histórico que surgem grupos que buscam reviver a cultura afrodescendente através dos movimentos culturais pan-africanistas e chega a se desenvolver uma ideologia “anti-miscigenação”, na qual os negros eram estimulados terem relações apenas com negros.
Se por um lado o movimento negro dos anos 30 foi tão ou mais massivo que o dos anos 70, ao contrário daquele primeiro, que havia sido atraído para ideologias de inspiração fascista, esse novo movimento se identificava com as lutas operárias e populares em curso contra a ditadura, com as idéias e as organizações de esquerda. É nesse momento que surge o primeiro questionamento mais profundo à ideologia da “democracia racial”, contestada como um instrumento de escamoteamento do racismo. O mito da Princesa Isabel como “libertadora” e do 13 de Maio como dia da “libertação” é pisoteado, e em seu lugar emerge a história do Quilombo de Palmares e do dia da morte de Zumbi, 20 de Novembro como referência de luta. Ainda, no âmbito organizativo, em 1978 fundam o MNU (confira Petrônio DOMINGUES, 2007: 2008).
A emergência desse movimento negro está profundamente ligada à política repressiva criada pela ditadura militar para conter o enorme agravamento do problema da moradia a partir da explosão das favelas como subproduto do enorme êxodo rural nas décadas de 50, 60 e 70, agravado em função do boom de crescimento econômico nas cidades durante o “milagre brasileiro”, o qual contribuiu para o desenvolvimento do novo proletariado urbano que vai protagonizar o ascenso grevístico que se desenvolve a partir de 1978.
Os grupos de extermínio paramilitares criados pela ditadura utilizando policiais tinham como função primordial, além da perseguição e do assassinato a operários combativos, a imposição do clima de terror nas favelas contra o povo pobre e negro para impedir a organização e a ação política dos setores mais postergados do proletariado, submetidos a condições de vida humilhantes que provocavam explosões sociais permanentes.

O “marxismo” do PCB e a questão negra
No Brasil funda-se em 1922 o PCB, este partido em toda sua historia jamais incorporou as lutas e demandas da população negra em sua estratégia. Octávio Brandão, um dos principais dirigentes do PCB escrevia entre 1924 e 1926 no Agrarismo e Indrustrialismo que no Brasil havia “uma mistura desordenada de raças e sub-raças”. No marco de alianças intencionada pelo PCB não se considera a população negra como sujeito político, abandonado a defesa de suas demandas históricas, desconsiderando que tal população constitui maioria da classe trabalhadora nacional, sem a qual não se pode realizar uma revolução proletária. Diametralmente oposto a isto, para Brandão “O trabalhador rural negro, proveniente do escravo, exatamente como o vilão-servo da Idade Média”. (p. 50). Caio Prado Junior, no Formação Econômica do Brasil Contemporâneo classifica a população negra como “boçais”, desprovidos de técnicas etc.
O PCB nunca consegui incorporar as demandas da população negra como parte de sua estratégia, pois foi sempre refém de setores da burguesia descendente dos escravocratas. Devemos levar em conta que o PCB seguia as determinações da Internacional Comunista stalinizada, que considerava que nos países coloniais e semi-coloniais os PCs deveriam fazer alianças com setores da burguesia para livras estes países dos resquícios feudais. Por conta dessa estratégia etapista, o PCB ao invés de compreender as demandas da população negra e seus descentes como parte fundamental para desencadear uma revolução no país, entendia como fundamental o apoio de setores da burguesia dita “progressista”. Se tomasse como fundamentais as demandas da população negra no campo, seria necessário romper com toda ordem de latifundiários e patrões agrícolas. O PCB não queria isso, pois buscava alianças com parte desses. Assim, nunca pôde empreender as lutas sociais baseando-se na independência de classe.
Seguindo esta estratégia de adaptação a setores da burguesia agrária, urbana e financeira, o PCB deu as costas as demandas do povo negro do campo, das cidades e periferias, ainda em momentos de ascenso buscava freiar a auto-organização do povo negro no campo e nas cidades, como o PCB depositava esperanças em setores da burguesia, como se estes setores fosse realizar as demandas históricas do povo negro com sua estratégia etapista, ainda hoje esse partido não tem um balanço adequado sobre a questão negra. Ainda hoje é comum deslegitimar as demandas e lutas negras como formas que causam dispersão e que não servem a nada para a emancipação humana.

Uma saída revolucionaria para a questão negra
A população negra constitui parte fundamental do proletariado brasileiro. A esmagadora maioria da população negra brasileira é proletária, está distribuída no mais variados ramos da produção, distribuição e circulação de mercadorias. No entanto, sua ampla maioria está concentrada nos trabalhos mais precários e mal remunerados da sociedade brasileira, constituem os setores mais oprimidos e explorados da classe trabalhadora, constituem certamente a maior parcela do exército industrial de reserva. São a maioria nas periferias, favelas, morros, etc. Constituem maioria da população abaixo da linha da pobreza. São os maiores alvos da policia, constituindo a maioria dos assassinados pela policia e violência urbana. No campo, tanto os trabalhadores rurais como os quilombolas são os principais alvos dos fazendeiros, agronegócio e de seus jagunços. Podemos intuir que uma parcela minoritária está concentrada nas indústrias do país. Dentre as principais demandas da população negra está a reforma agrária, reforma urbana, fim da repressão e opressão policia, igualdade econômica social e combate ao racismo.
Sem incorporar todas essas demandas ao programa socialista é impossível conseguir a unidade das fileiras da classe trabalhadora, e assim, construir a hegemonia proletária socialista. Devemos nos somar na defesa das demandas particulares (direitos civis, direitos políticos, interesses culturais, interesses econômicos) buscando fundi-las com o programa histórico do proletariado. As condições objetivas da população negra no Brasil devem ser compreendidas como condições objetivas de setores da classe em si. É necessário compreender sua potencialidades agregadoras para unidade do proletariado. Sem essa compreensão, os revolucionários não serão capazes de transformar as percepções da classe em si, e toda sua potencialidade, em classe para si.
Classe em si diz respeito as condições objetivas, concretas, reais impostas as classes sociais. Enquanto classe para si diz respeito as potencialidades inerentes da classe. Ou seja, além das percepções objetivas, a compreensão das potencialidades resolutivas que as condições objetivas predispõem e os sujeito coletivo pode implementar para si sobre sua própria hegemonia. Ou seja, como sugerimos anteriormente, para uma revolução socialista no Brasil, é necessária uma fusão revolucionária entre o programa histórico do proletariado internacional e as demandas do povo negro.
Ao invés de entendemos as demandas da população negra como campanhas pontuais, é necessário compreender que sem a auto-organização e mobilização do povo negro não pode haver uma revolução socialista no Brasil. Tanto por ser o maior país de população negra fora da África como por se encontrar em uma condição de elo débil da cadeia imperialista, os negros brasileiros podem e devem colocar-se a tarefa de ser vanguarda da luta pela emancipação do povo nego subjugado pelo imperialismo tanto na África como em todos os demais países do mundo para os quais foram deportados. Esse ponto de vista internacional para a luta negra foi completamente perdido e é necessário ser resgatado.
Devemos partir de que a luta contra a opressão racial ao povo negro na história do movimento operário brasileiro nunca foi encarada como uma tarefa que deveria ser resolvida pela ação independente da casse trabalhadora através de suas organizações de massa, baseada nos métodos da luta de classe e da hegemonia proletária. Além de lutar pelas demandas imediatas do povo negro (emprego, cotas, saúde, moradia, educação), devemos seguir denunciando as formas descaradas de racismo e o racismo encoberto pelo discurso da “democracia racial”, deve necessariamente partir também de uma crítica marxista às distintas vertentes da política de ações afirmativas e a como essas são encaradas pelas correntes que se reivindica parte da esquerda.
Frente ao reacionarismo das classes dominantes, uma corrente revolucionária deve estar na primeira linha de frente em defesa até mesmo das pequenas demandas concedidas pelo governo através das ações afirmativas caso essas estejam ameaçadas de serem atacadas. Entretanto, essa defesa deve se dar com os métodos da luta de classes – combatendo todo método conciliador que aceita restringir sempre um pouco mais as já parcas migalhas para chegar a acordos pacíficos com as elites racistas do país –, não pode se confundir em nenhum milímetro com o programa e a estratégia reformista dos que defendem as ações afirmativas. Para nós, as demandas mínimas específicas do movimento negro devem se colocar no marco de direitos universais que beneficiem toda a população negra, em especial a maioria mais pobre. Na medida em que são encaradas como demandas de direitos universais, as reivindicações mínimas do povo negro adquirem imediatamente um caráter mobilizador da luta de classes, pelo qual apoiamos incondicionalmente tais demandas.
Nesse marco, a principal demanda que hoje deve impulsionar um programa de luta contra a opressão é o fim do trabalho precário na cidade e no campo, com a incorporação dos terceirizados, temporários e informais como parte das empresas em que trabalham (sem necessidade de concurso no caso do serviço público), com salários e direitos iguais para trabalhos iguais e um salário mínimo equivalente ao do Dieese; entendendo que os mais beneficiados por essas medidas não serão os trabalhadores mais organizados que se encontram filiados aos sindicatos mais fortes, mas sim a maioria negra do país, que sofre com os piores trabalhos.
A segunda tarefa essencial pela qual devemos lutar é para que os sindicatos da esquerda tomem para si o problema das enchentes e das favelas em todo ano assola o país, impulsionando uma campanha pela expropriação (sem indenização) dos imóveis destinados à especulação imobiliária e por um plano de obras públicas controlado pelos sindicatos que acabe com as favelas e as enchentes, dando condições de moradia digna para todos, gerando empregos massivos ao mesmo tempo. E como terceira tarefa essencial, devemos lutar para que os sindicatos da esquerda impulsionem uma campanha permanente contra a repressão policial ao povo negro e pobre nas favelas, defendendo a dissolução da polícia e a criação de organismos de autodefesa ligados aos sindicatos e associações de moradores.
Por último, os sindicatos da esquerda anti-governista devem defender uma ampla reforma agrária e acesso a crédito barato para aqueles que querem plantar, combinado com a titulação das terras quilombolas e a abertura de frentes de trabalho coletivo em empresas estatais no campo controladas pelos operários agrícolas para o abastecimento de alimento às cidades. Ligado ao anterior, é necessário defender a criação de “cordões verdes” no entorno das grandes cidades, que não só combine empresas agrícolas estatais e repartição de terras de qualidade e boa localização aos camponeses pobres, mas que também amplie o potencial de solução do adensamento demográfico nas cidades e dê uma solução mais de fundo para acabar com os desastres humanitários e ecológicos provocados pela urbanização anárquica do capitalismo.
Tanto o plano de obras públicas como o crédito barato aos camponeses pobres ou as empresas agrícolas estatais devem ser financiadas com o dinheiro hoje utilizado para pagar juros e amortizações da dívida pública. Esse programa, tomado com um todo, de conjunto deve estar a serviço de colocar de pé as batalhas parciais que vão forjar uma vanguarda que, a partir de sua experiência concreta na luta de classes, deve concluir a necessidade de expropriar a burguesia, planificar a economia e lutar pelo socialismo em nível internacional.
Referência
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