Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Movimento operário e comissões de fábrica durante a década de 1970 em São Paulo

O texto é fruto das reflexões desenvolvidas na minha tese de doutorado: Movimento operário e sindicalismo em Osasco, São Paulo e ABC paulista - rupturas e continuidades (1968-1980). Abordo a organização do movimento operário em São Paulo durante a década de 1970. Mesmo sob intensa repressão militar, gestou-se no interior das fábricas uma camada de dirigentes sindicais e operários que se organizavam em comissões clandestinas, deste processo surgiu a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, que constituiu uma Frente de Trabalhadores onde atuavam variadas tendências políticas. Nesse setor agrupava-se os operários mais combativos da categoria, outro importante produto deste processo foi a Interfábricas, reunião de operários de diversas fábricas para deliberar por uma política de ação conjunta na categoria, também foi a Oposição Sindical Metalúrgica que impulsionou a primeira greve geral da categoria metalúrgica pós ditadura militar, em novembro de 1978. 

Alessandro de Moura[1]

Resumo

Abordo a formação da Oposição Sindical metalúrgica de São Paulo e seu desenvolvimento ao longo da década de 1970. Destaco a formação das comissões de fábrica clandestinas, bem como a Interfábricas, “Piquetões” e o ciclo de greves de 1978 e 1979 em São Paulo, bem como as greves gerais de 1978 e 1979 na capital paulista.

 

Palavras-chave: Movimento operário em São Paulo: Comissões de Fábrica: Interfábricas: Greves gerais em São Paulo.

 

Introdução

O ciclo da luta sindical da classe operária paulistana passou por dois refluxos significativos: o primeiro foi imposto no imediato pós-golpe militar (1964-1966). O segundo refluxo seguiu-se em consequência do AI5 decretado em dezembro de 1968, estendendo-se até 1973. As atividades públicas e massivas do movimento operário sofreram um declínio importante, mas mesmo sob a fase mais persecutória e sangrenta da ditadura militar-burguesa, os operários protestavam, realizavam pequenas paralisações e greves parciais nos locais de trabalho. Conforme vermos, a partir de 1973, na conjuntura de agravamento da crise econômica mundial, o movimento operário ganhou maior densidade na grande São Paulo, desembocando no maior ciclo grevista da história do país. Assim, podemos notar que, dentro da crise econômica mundial, no qual desdobrou-se também um ascenso mundial de luta de classes, o operariado brasileiro foi protagonista de dos processos importantes, o clico de 1968 e o ciclo de 1978-1980. Veremos então como se construíram essas lutas em solo nacional.

Após o golpe militar-burguês de 1964 com perseguição aos ativistas, militantes, dirigentes operários e sindicatos, registrou-se um breve recuo das atividades sindicais e políticas no país, este recuo se estendeu até 1966. Deste ano em diante, até 1968, registraram-se novas atividades contestatórias à ordem militar e ao empresariado industrial.

Em Osasco e São Paulo formaram-se chapas de oposição contra os interventores da ditadura e pelegos. Em Osasco, a partir de comissões de fábricas, a Chapa Verde, de oposição, venceu as eleições para a diretoria do Sindicato Metalúrgico da cidade em 1967. Em Minas Gerais, Contagem, uma onda grevista foi desencadeada por cerca de 15 mil operários em abril de 1968. Na sequência, em Osasco, a diretoria recém empossada do Sindicato dos Metalúrgicos organizou o operariado para intervir na comemoração Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé e expulsar Abreu Sodré e os sindicalistas pelegos que colaboravam com a ditadura. Em julho de 1968 deflagram greve e ocupação na Cobrasma. Após essa onda de mobilizações, que se deu dentro primeira fase da crise econômica internacional, o governo militar respondeu às mobilizações com uma nova fase repressiva.

Além do exemplo da luta de 1968, a comissão de fábrica e grupos clandestinos organizados por seções, mantiveram sua validade como ferramenta organizativa, mostrando poderiam ser utilizadas em diversas outras fábricas e regiões. De acordo com o relato de Hélio Bombardi, operário na Massey Ferguson durante a década de 1970 e um dos principais dirigentes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo:

A ideia da Comissão de Fábrica vem com a questão da organização de Osasco, basicamente a Comissão de Fábrica de Osasco. Era uma coisa que alguns militantes, poucos, mas alguns militantes tinham uma referência bastante grande no que tinha acontecido em Osasco. Na questão da Comissão de Fábrica da Cobrasma, na questão da tomada do Sindicato por esse povo, o Zé Ibrahim, o Roque, o Julião, todo o povo que frequentou lá e outros aqui que não me vem na memória agora, e particularmente a gente tinha alguns companheiros de Osasco que tinham passado direta ou indiretamente por essa experiência. Um caso específico mais marcante era o companheiro Arsênio. Eu tinha contato com o Arsênio, a gente se conhecia e outros companheiros, o Zé Pedro que também era de Osasco, o Natalino. Então eu conhecia alguns companheiros de Osasco, porque de certa forma frequentava, tinha parentes inclusive em Osasco na época, então comecei a ter uma ponte maior com esse povo todo e eu achava que era uma experiência legal e que a gente devia avançar. Na época eu achava assim, era a grande experiência, a questão da Comissão de Fábrica. Quando falo Comissão de Fábrica eu digo, a Comissão dentro da fábrica, os operários escolhendo a Comissão, a questão da tomada do Sindicato, o fim da estrutura sindical, agora da onde vem a grande coisa? A grande veio de Osasco, os materiais que comecei a receber de Osasco, a discussão com vários companheiros de Osasco que volta e meia relembravam o que tinha sido Osasco. Até fui pra Osasco na época, mas eu não era exatamente uma pessoa conhecida em Osasco. Isso na verdade é que me norteou muito, é a questão basicamente da Comissão de Fábrica e a questão da tomada do Sindicato em Osasco. Então aí quem tem um papel fundamental num primeiro momento é o companheiro Arsênio, o Zé Pedro e outros companheiros da Frente Nacional do Trabalho que também passa a ver uma saída, o caminho é esse. O caminho é ser organizado dentro da fábrica, não é o que o Sindicato faz, esse Sindicato que está aí é um sindicato pelego e nós temos que trabalhar pra organizar a fábrica. Ao mesmo tempo temos que sindicalizar o povo, no início era sim, não era nem formar, nós vamos pra uma luta, nós temos que ir pras assembleias, ver o que a gente quer dentro da assembleia, ficar forte pra um dia tomar o Sindicato. Esse é o referencial do Sindicato de Osasco e da Comissão de Fábrica de Osasco. (Entrevista - Hélio Bombardi, concedida ao IIEP, 2007).

O mais significativo era que essa forma de atuação, centrada nas comissões e grupos de fábrica, abria espaço para as iniciativas políticas e organizativas do operariado. Quando perguntei a Anízio Batista se as comissões de fábrica de Osasco serviram de inspiração para as comissões em São Paulo, ele respondeu que na Villares os operários chegaram a fazer uma cópia da comissão da Cobrasma, organizando-se a partir de cada seção. De acordo com seu relato: “Nós tínhamos uma organização muito bem feita dentro da empresa. Então, em cada seção, nós tínhamos uma liderança que discutia com a gente”. (Entrevista - Anízio Batista).

Muito parecido com o que foi na Cobrasma?

Sim. Muito parecido! Talvez nós fizemos uma cópia dela... Da experiência da Cobrasma...

Todo o trabalho que girou, em termos da preparação das oposições sindicais de São Paulo e em nível nacional, ela girou em cima da formação das comissões de fábrica. Portanto, todas as empresas que eu trabalhei, em metalúrgica, eu criei comissão de fábrica clandestina né, naquele tempo, você não podia ir negociar com o patrão e falar que você tinha uma comissão de fábrica legalizada né, o patrão ia mandar todo mundo embora no ato né... Então a gente criava as comissões de fábrica clandestina, você reunia fora da fábrica, por exemplo, discuti os problemas da fábrica e muitas vezes nós fazíamos os panfletos próprios de cada fábrica e como nós não podíamos distribuir nas portarias, nós deixávamos nos banheiros, pregávamos nos banheiros, deixava nas máquinas do trabalhador. Nós chegávamos mais cedo, meia hora antes, por exemplo, deixava em cima das máquinas... Então nós alertávamos o trabalhador que nós estávamos sendo... O que nós estávamos perdendo... Em termos salariais, em termos... Restaurante, naquele tempo, tinham poucas empresas que tinham restaurante, nós brigávamos muito por restaurante, por material de... Luva, macacão, esse negócio todo aí, entendeu... Então, era muito... Eram as coisas básicas que não tinha... Então era muito por aí... (...) O trabalho de formiguinha começou por aí. (Entrevista - Anízio Batista).

Assim, a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo foi a principal depositária das experiências de Osasco. De acordo com o relato de Stanislaw, que foi operário tanto em Osasco como em São Paulo, tendo militado na Oposição Sindical Metalúrgica:

Osasco era onde estava o mana, porque Osasco era onde estava a comissão de fábrica legalizada. Uma comissão de fábrica que se construiu inicialmente como grupo, depois se legaliza como comissão e depois vira sindicato. Ela faz uma crescente. E depois do sindicato assume o papel político do sindicato. (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

Com base nas experiências de Osasco, os operários da Oposição Metalúrgica de São Paulo centraram-se nos processos moleculares de auto-organização nas fábricas. Esse trabalho, articulado desde 1968, passou a ter maior expressão a partir de 1973/1974. Como nos relatou Stanislaw:

Para mim a coisa vai se organizar mesmo a partir de 1974, aí vale a experiência de Osasco, aí vale a experiência dos grupos de fábrica, aí vale a comissão de fábrica. Então você tinha a ideia: Você vai para a fábrica, na fábrica você começa a fazer o que?  As lutas específicas. Aí já começa a ideia da construção do chamado grupo de fábrica (...). Porque você tinha que entender que a gente estava em plena ditadura né (...). Porque para participar do grupo de fábrica não precisava ter a consciência socialista, precisava ter disposição de luta (...). Aí a Oposição Metalúrgica de São Paulo começa a criar um processo de organização que era assim: atuava por região, e tinha uma coordenação. (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

Durante toda a década de 1970, a Oposição atuou com foco na formação de comissões e grupos clandestinos como forma de auto-organização pela base. Construiu comissões nas principais fábricas de São Paulo e disputou eleições sindicais[2]. O ideário de organização pela base, via comissões de fábrica, se defrontou com a linha sindical e política praticada a partir do Sindicato do ABC, que se centrava na força do aparato sindical e não da auto-organização de comissões no chão de fábrica. (MOURA, 2015). Com tudo isso, evidenciou-se que não foi fácil derrotar a luta operária, mesmo o golpe militar-burguês de 1964 não foi capaz de extinguir o ativismo sindical e político.

A Oposição Metalúrgica de São Paulo

Em São Paulo a Chapa Verde não vence as eleições sindicais de 1967, mas constitui um núcleo de operários que se organizaram progressivamente durante a década de 1970 criando a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, que foi uma Frente de Trabalhadores fabris que se inspirou diretamente no exemplo dos operários de Osasco. Incorporando àquelas experiências, criaram comissões e grupos clandestinos que realizaram paralisações, operação tartaruga, greves parciais e disputa pela direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

A Oposição em São Paulo deu seus primeiros passos entre 1967 e 1972, sua aglutinação inicial foi motivada pelas disputas eletivas para o Sindicato de São Paulo. A partir de 1974, além de criar dezenas de comissões de fábricas clandestinas, criou também as interfábricas, espécie de conselhos operários que interligava militantes de diversas fábricas da cidade. No entanto, a expressão maior da Oposição Sindical Metalúrgica é verificada em sua terceira fase 1975-1980. Dentre as forças políticas que compunham a Oposição estavam: Ala Vermelha, Ação Popular, POLOP, POC, PORT, PCdoB, Grupo 1º de Maio, membros da Pastoral Operária, militantes independentes, entre outros. O ponto de convergência entre estas diversas correntes políticas era a organização no chão de fábrica, com base nessa convergência se formava uma frente de trabalhadores. Conforme nos relatou Stanislaw Szermeta, que foi operário e militante da Oposição e do POC:

Mas aí, esse processo todo, se dá uma coisa que se chama, no processo de atuação nas fábricas, se dá uma ideia que se chama: Frente de Trabalhadores. Esse é o cerne da construção das lutas dentro das fábricas. O que é a Frente de Trabalhadores? É onde está organizado, dentro da fábrica, a garantia da unidade. Não tinha vários grupos dentro da fábrica, tinha um grupo dentro da fábrica. Esse grupo se organizava no processo da construção da luta das reivindicações específicas e garantia a unidade. E garantia o programa, e garantia, por exemplo, as reivindicações. Não era uma coisa fácil, você tinha que organizar, chamar os trabalhadores, reunir, fazer, por exemplo, um boletim. Esse boletim era distribuído dentro da fábrica. Quem fazia isso? A Oposição. Aí você tinha um setor organizado da Oposição que fazia esse boletim, que era distribuído. Não pela gente, mas pelos trabalhadores, que iam lá e distribuíam. Aí era cacete, cacete nos patrões, cacete na Diretoria [do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo], cacete no governo... E você tá no meio da ditadura. Então não era também fácil distribuir. A questão foi, depois, melhorando, entende? Mas por exemplo, tinha lugar que você tinha que distribuir e cair fora, porque os caras chamavam a polícia. Você começava a distribuir o material e o cara chamava a polícia. Você tinha 5 ou 10 minutos, para distribuir o material. Depois de 1978 é que a coisa foi ganhando... Mas não tinha muita moleza. (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

Nesse período do "milagre" econômico (1969-1973), que foi um processo de sobreacumulação de capital baseado na superexploração do trabalho e no endividamento externo, nas fábricas registrava-se acelerado ritmo de trabalho, baixos salários e milhares de acidentes. Concomitantemente, em 1974 e 1976 o Brasil foi campeão mundial de acidentes de trabalho. Nesse terreno desenvolve-se a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, opondo-se ao colaboracionismo da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, dirigido por Joaquinzão pelego (aliado da ditadura e do empresariado), a Oposição atuava denunciando as precárias condições de trabalho, ajustes salariais em atraso, mas também as violências perpetradas pela chefia autoritária, atrasos de pagamentos, insalubridade, falta de banheiros, falta de refeitórios, péssima qualidade da comida servida nos restaurantes e cantinas das fábricas, falta de equipamentos de segurança etc.

Todas estas demandas imediatas do local de trabalho serviam como pontos de partida para abaixo-assinados, reuniões, boletins clandestinos e formação de grupos, com isso articulavam-se paralisações por seções e "operações tartaruga", que consiste na diminuição organizada do ritmo de trabalho como forma de protesto. Essa variada gama de atividades sindicais (para além das conquistas econômicas) servia também para aprofundar a coesão entre os operários. Pois as lutas específicas, com demandas imediatas, funcionam como polo de aglutinação, troca de ideias, de experiências e desenvolvimento de laços de confiança. Os operários podiam fazer experiências e saber em quem podiam confiar politicamente. Ao mesmo tempo fortaleciam a confiança em si mesmos e na categoria. Já as correntes, tendências políticas e partidos, atuando nesses espaços, podiam identificar os principais contatos de seu interesse, dividindo-os entre militantes sindicais e políticos. Alguns desses podiam ser convidados para reuniões em separado, junto àquelas organizações e tornarem-se membros delas. Os operários mais experimentados tornam-se base para construção de processos de luta que demandam "quadros mais sólidos", com maior acúmulo político e teórico. Por meio desse trabalho que se formava uma camada de dirigentes operários ligados às bases fabris e aos protestos operários.

Nesse processo, a Oposição Metalúrgica de São Paulo chegou a reunir 68 metalúrgicos em um congresso clandestino realizado em 1971. Nessa primeira fase de formação da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (de 1967 até 1972), sua importância é maior como polo de aglutinação de militantes do que como uma força política com capacidade de influência no cotidiano operário. Para essa aglutinação inicial, foi central a perspectiva de construção de grupos de fábrica, comissões clandestinas e ampliação das bases para além dos operários sindicalizados[3]. Conforme relatou Cleodon Silva, que era operário, militante da POLOP e da Oposição Sindical:

Em 71 nós participamos, fizemos a Chapa Verde em 72, mas era assim... a Oposição não tinha...a organicidade se dava mais em véspera de eleição, 72 foi bem isso e era assim, a organização ainda não era por setor, era mais por trabalho existente, era assim, tinha a turma do [Waldemar] Rossi, a turma do Dantas, a turma do Aurélio e tinha também a turma do Silva, inventaram a turma do Silva que a gente reunia com o conjunto de trabalhadores na fábrica e a gente já tinha uma certa expressão naquele momento. Isso em 72. Passou a Chapa Verde, ficou de 73 a 74 era muito...a gente se encontrava, mas o movimento ainda estava muito nessas articulações isoladas. O Aurélio [Peres] com a turma dele lá que veio da depois da AP e os grupos se encontravam mais assim na campanha salarial ou antecipação salarial, algumas campanhas do sindicato, mas a organicidade ainda em termos de São Paulo não existia, era muito frágil. (Entrevista - Cleodon Silva, concedida ao IIEP, 2007).

Nessa primeira fase da oposição, de aglutinação de pequenos grupos de resistência, a oposição não possuía nenhum programa político claro, centrava-se na formação de grupos de apoio. Em publicação do POC, Problemas de organização do movimento operário brasileiro, apontava-se que a Oposição não se constituía ainda como alternativa suficiente na luta contra os pelegos representantes dos interesses da patronal e da ditadura: "Apesar de nas eleições de 1972 muitos operários da oposição compreenderem essa perspectiva de auto-organização, na prática a oposição sindical constituiu-se uma alternativa insuficiente ao ’peleguismo’. (POC, 1977). Isso porque, de acordo com o balanço do POC, a oposição sindical: "limitava-se a denunciar a traição dos pelegos sem, no entanto, procurar saídas práticas por fora da estrutura integrada". (Idem).

Figura 1 - panfleto da Oposição Sindical

Com o inicio da crise do "milagre", a Oposição Sindical se expande

A Oposição Sindical ganhou maior densidade a partir de 1973, sobretudo por conta da nova fase de ativismo operário que se inicia e se combinava com o agravamento da crise econômica mundial e os atritos entre as frações da classe dominante brasileira. As correntes políticas e sindicais que se organizavam em São Paulo por causa de sua importância industrial, encontravam na Oposição um espaço possível de atuação política e de construção. Com um grande parque produtivo, o movimento operário paulistano era atrativo para as correntes de esquerda organizada em uma variedade de grupos políticos que "giram" militantes para inserirem-se nas fábricas, para compor a Oposição Sindical Metalúrgica, mas também as comissões clandestinas, as interfábricas, sociedades amigos de bairro etc. Como nos relatou Sebastião Neto, que era operário e militante da Oposição:

(...) Pouco a pouco, foi ficando claro que o sindicato mais importante do Brasil, operário, era o Metalúrgico de São Paulo. Então todo mundo que podia, queria militar em São Paulo, todo mundo botou gente aqui. Depois, você tem que pensar que a luta armada começa a se esgotar no começo da década de 1970, também, muita gente falou: ‘Puta, luta armada, não é por aqui’, vieram ajudar [na Oposição]... As vezes nem na Oposição, mas no bairro, porque o cara estava queimado, tinha saído da cadeia, a companheira... Então esse pessoal... Então assim, não dá pra separar muito a Oposição metalúrgica do trabalho de bairro que é outra característica nossa. (...). (Entrevista - Sebastião Neto).

Junto às correntes políticas, também os militantes da esquerda católica, com a criação da Pastoral Operária no início da década de 1970, davam cada vez mais importância à construção da Oposição. De acordo com relato de Cleodon Silva:

(...) o movimento operário cristão antes de 64 fazia a crítica ao populismo, mas muito...Vinha ainda carregado de um ranço forte anticomunista. Esse anticomunismo do movimento cristão, principalmente católico, ele vem sendo abandonado com o surgimento da Ação Popular dentro da própria igreja, que depois ela vai cada vez mais a passos largos assumir a luta pelo socialismo e influindo na igreja de uma forma geral, inclusive na questão da Teologia da Libertação. E alguns grandes representantes que batalharam nisso, que estiveram juntos nas lutas operárias, de resistência popular, como alguns bispos importantes, vários, que tiveram nessa linha e ajudaram muito mesmo no processo de organização do movimento operário e que foi trabalhando a questão da organização de base. Na medida em que se afastaram do anticomunismo foram se aproximando do socialismo, permitiu essa junção. A nossa experiência que vinha da esquerda possibilitou um bom diálogo com as lideranças católicas e o Waldemar [Rossi] é um grande exemplo dessa aproximação. Até hoje o Waldemar esteve junto com a gente em todos os momentos, inclusive até hoje tem uma posição bem mais radical do que no passado. O Rossi é um exemplo ao contrário, dizem que a juventude é radical né, e ele faz o caminho inverso, vai do conservador ao radical. (Entrevista - Cleodon Silva, concedida ao IIEP, 2007).

Como podemos observar no relato de Cleodon, a crescente luta operária, ao longo da década de 1970, acabava por aproximar os grupos de resistência, criando espaços de luta comum a partir das fábricas e locais de trabalho. Mesmo setores que eram caracterizados como mais conservadores em relação às correntes do campo da esquerda marxista, buscam superar limites político-ideológicos e convergir com aspectos do marxismo. De acordo com Cleodon:

(...) aos poucos com a Pastoral Operária foi tendo abertura com a experiência que veio da Ação Popular dentro da igreja, foi abrindo e criando uma vanguarda operária mais comprometida com o pensamento operário e aí ele se encontrava com o pensamento socialista. Então foi possível num determinado momento a necessidade de organizar os trabalhadores dentro das fábricas, combater o populismo, combater todas aquelas experiências de manipulação dos trabalhadores. Foi aproximando essa vanguarda, uma vanguarda do movimento operário católico com o movimento operário socialista. Nós fomos avançando cada vez mais, inclusive com a própria experiência da esquerda, da derrota e da autocrítica da esquerda armada. Vários militantes que passaram por essa experiência também se aproximaram da Oposição. Foi havendo uma aproximação e um clima de debate, começou a avançar dentro da gente a necessidade, primeiro a tolerância de reconhecer posições diferentes que pouco tempo atrás não existia, cada um era colocado quase que como inimigo, então dentro da Oposição foi havendo uma aproximação e reaproximação de companheiros dentro de uma perspectiva de uma Frente de Trabalhadores e foi consolidado todo o período mais fértil da Oposição Metalúrgica que se deu com a prática da Frente de Trabalhadores. Deixamos de respeitar qualquer tipo de acordo de cúpula e organizações e começamos a basear todo o processo de organização a partir dos trabalhos existentes e a representação do trabalho fabril. Essa relação do conjunto desse trabalho foi o que começou a fundamentar um pensamento da Oposição em termos de Frente de Trabalhadores. (Entrevista - Cleodon Silva, concedida ao IIEP, 2007).

O ambiente interno da Oposição Sindical funcionou efetivamente como uma frente de trabalhadores que permitiu compartilhar experiências, construir atuações conjuntas e fusionar ideias teóricas e políticas nas bases operárias. A convivência de múltiplas tendências políticas fez com que a Oposição fosse se transformando desde as eleições sindicais de 1967 e constituindo um programa de ação básico.

Assim, de acordo com depoimentos que colhemos com operárias e operários que militaram no período 1969-1973, é equivocado caracterizar esse período como de passividade absoluta. Ainda que duramente reprimidas, a auto-organização e paralisações não cessaram, por exemplo, operários da Mercedes interrompem o trabalho no dia 26 de março de 1969, motivo pelo qual a empresa demitiu 80 operários. Também nesse ano, registrou-se mobilizações na Aliperti, em fábricas do grupo Matarazzo, na Arno e na Alfa.

1969-1973: organização operária clandestina dentro do refluxo

Conforme registro da Ação Popular, no boletim Libertação (1969): "Os valentes companheiros da Mercedes fizeram uma greve em 27 de março último sem ligar para a lei que proíbe a greve e perto de 700 a mil operários, entre 10 mil da Mercedes, pararam reivindicando 50% de reajuste salarial". (AÇÃO POPULAR, 1969, p. 273). No mesmo boletim acrescentam que: "Depois do Ato 5 já houve pelo menos seis greves parciais no ABCD: na Resil, na Multibrás, na ferramentaria da Volks, duas paradas em duas seções da Chrysler e agora essa parada maior de várias seções da Mercedes Bens". (Idem, p. 275). Também em 1969 registrou-se greve na Villares e na Hobart Dayton. De acordo com publicação da Oposição: "Na Arno, o pessoal fez algumas paralisações em 1968, 69 e 70, com prisões em seguida" (GET-Urplan, 1982, p. 30). Também o jornal Voz Operária (PCB) registrou atividade operárias em 1972:

E em São Paulo, em 1972, eclodiram onze greves somente na área da Grande São Paulo, sendo oito no setor metalúrgico e outras no setor gráfico, alimentação e construção civil. (...). E três greves foram efetuadas por cima da lei antigreve, sendo duas na Aço Villares (2.600 operários) e uma na Cerâmica, todas em São Caetano, plenamente vitoriosas na reivindicação do pagamento em dia. (VOZ OPERÁRIA, 1973, p. 90).

Em 1973, foram realizadas paralisações e operações tartaruga na Villares, eram fábricas onde a Oposição desenvolvia trabalho. Também, conforme nos relatou Elias Stein, operário que foi militante da Ala Vermelha e membro da chapa da Oposição de 1972, em 1973 os operários da Hobart Dayton, onde trabalhava, decidiram fazer uma "greve de hora-extra" até receberem reajustes salariais.

No segundo semestre de 1973, são deflagradas novas greves na indústria automobilística de São Bernardo: Volkswagen, Chysler e Mercedes Benz, fazem "operação tartaruga" e "operação zelo" (nesta a produção é reduzida com argumento de fazer peças perfeitas). Foram todas greves sem a participação do Sindicato do ABC.

O Jornal Voz Operária, no artigo Greves em São Paulo, registrou a sequência de greves em 1973 centradas no eixo industrial paulistano. De acordo com o Jornal, apenas no primeiro semestre ocorreram 15 paralisações. No segundo semestre, nova sequência de 19 greves foi registrada. As greves eram motivadas pelas precárias condições de trabalho, insalubridade, opressão da chefia, intenso ritmo de trabalho e por reajustes salariais.

Ainda em 1973 registrou-se greves parciais na Villares, fábrica localizada no Cambuci-SP, com cerca de 2.500 operários. Anízio Batista, que era operário nessa fábrica, participou da comissão clandestina que organizou paralisações por seções, relatou que essa foi chamada de "greve pipoca", porque alternavam-se as seções paralisadas. Os operários dessa fábrica chegam a realizar uma assembleia com 1.500 operários no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Ainda, depois de encerrarem a greve, voltam a fazer uma operação tartaruga. Essas mobilizações de 1973 na Villares foram vitoriosas. Conforme relatou Anízio:

Nesta época, a gente formou a comissão de fábrica [clandestina] na Villares, isso já porque também nós tínhamos a organização da Oposição Sindical Metalúrgica também em cima disto aí... E, talvez você não se lembre, mas na época do Regime Militar, o Delfin Neto, que era o Ministro da Fazenda na época, da economia... Então nós estávamos reivindicando na época, mesmo nas assembleias sindicais, não me lembro direito quanto era, sei que nós tínhamos uma perda salarial enorme... Então o que aconteceu, nós negociamos na época com a patronal, naquela época por exemplo, a FIESP era na Avenida Rio Branco, entendeu... E o Sindicato, quando nós tínhamos assembléia, tirava uma comissão da assembleia dos metalúrgicos para acompanhar as negociações junto com o sindicato, e eu, sempre, por várias vezes, eu acompanhei realmente as negociações do sindicato. Eu sei que na época foi 5% que nós conseguimos de aumento, que a empresa deu... Deu não, era uma determinação do Governo Federal né, e nós não concordamos com aquele aumento. A gente não concordou. O que a gente fez, porque a Villares tinha antecipado essa parte para nós já, então o que que aconteceu... Aí a nossa organização interna por exemplo, na Villares, que naquele tempo você fazer uma greve só numa empresa só era muito difícil... O que nós planejamos da greve nossa na Villares foi uma novidade: a greve pipoca. A greve pipoca era o seguinte, nos parávamos de manhã uma hora, começava a trabalhar, parava uma hora a tarde, começava a trabalhar, dia seguinte era a mesma coisa, parava de manhã e parava a tarde. Então a greve pipoca era assim, nós parávamos de manhã, parava à tarde e com isso nós negociávamos com a empresa o não-desconto da antecipação que eles tinham dado e mais 10% do salário né. (...). E aí com todos... Depois de uma semana, nós fazendo essa greve aí, aí a Villares acabou cedendo na verdade. Ela cedeu mais 5 ou 6%, não me lembro bem direitinho, na época... Então nós conseguimos essa vitória. (...). Nós tínhamos uma organização muito bem feita dentro da empresa. Então, em cada seção, nós tínhamos uma liderança que discutia com a gente. (Entrevista - Anízio Batista).

A greve na Villares, construindo resistência e desafiando às imposições do empresariado industrial e da ditadura, marcou o início de uma nova etapa de atuação operária. Desse ano em diante, marcado pela desaceleração da economia e esgotamento do "milagre" econômico, novos movimentos foram realizados progressivamente. Além do ativismo operário, o fim do "milagre" produziu divisões entre as frações da burguesia e crise da dominação ditatorial, o que por sua vez abriu espaço para o fortalecimento da luta operária. O trabalho persistente e orgânico no dia a dia da fábrica garantia a formação de pólos de militantes. De acordo com o relato de Stanislaw Szermeta:

Então a partir do final de 1973, começo de 1974, começa... A grande crise começa a girar em torno do petróleo, uma crise internacional, e começa a despontar grupos e resistência dentro da fábrica, com a proposta de grupos de fábrica. E aí que se dá o início do processo da resistência dos trabalhadores, que é grupo de fábrica. Isso é assim... Uma coisa muito difusa, que precisaria ter um... Eu não tenho uma visão... Mas era uma proposta, a gente pode dizer assim... Nacional nos núcleos, nos lugares onde houve um crescimento econômico, nas grandes concentrações de grandes empresas. Então você vê Osasco, você vê São Paulo, Guarulhos, São Bernardo, Santo André, Rio de Janeiro. O conjunto desses lutadores começa a gestar uma ideia da construção de grupos de fábrica, mais ou menos final de 1973 e início de 1974. (...). Só foi se recuperar... A luta só foi se recuperar porque era um crescimento tão violento, mas tão violento que, por exemplo, os acidentes dentro das fábricas... Criaram um clima. O brasileiro era campeão mundial de acidente de perda de olho na produção, soldador, torneiro. Não era só precário, é que o ritmo era tão intenso que (...). Vai melhorar mesmo no final de 1973 e 1974, que começa a luta, e começa as ideias de implantação dos grupos de fábrica. Aí é que começa a luta dos grupos de fábrica. (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

Os relatos arrolados sobre o período 1969-1973, ao invés de apontarem "silêncio e imobilismo" absoluto, indicam a estruturação celular da fase de organização da militância clandestina fabril.

Figura 2: Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo

Para Anízio, ao invés de considerar o período 1969-1973 como um período de refluxo, o mais preciso seria considerá-lo como um período de articulação orgânica dos operários e militantes sindicais. Segundo seu relato, no início de 1970 a Oposição já havia constituído comissões clandestinas em várias fábricas importantes de São Paulo:

Nós tínhamos na MWM, nós tínhamos na mesma fábrica que o Waldemar trabalhou, não me recordo o nome, a que o Waldemar trabalhou... Nós tínhamos a Arno, na empresa Arno, por exemplo. Na Lorenzetti (...). A Ford aqui em São Paulo tinha, na Ford aqui no Ipiranga. (...). Muitas comissões de fábricas... Era bastante. (...). Na zona sul era Villares, Carterpillar, MWM. Ali na Nações Unidas, ali tinha uma infinidade de metalúrgicas, ali era muito grande, metalúrgicas grandes... (Entrevista - Anízio Batista).

Os grupos e comissões clandestinas se afirmavam como as principais formas de agregação de militantes no chão de fábrica, a exemplo de Waldemar Rossi que relatou: "Ah, em toda fábrica que eu passei, sempre formei grupos. Sempre formei. Mas aí, era bastante observado, seguido né". (Entrevista - Waldemar Rossi). Essa mesma forma de atuação constituída como "linha chave", era seguida como orientação principal da Oposição Sindical Metalúrgica, nas palavras de Waldemar: "A marca da Oposição era a organização no local de trabalho". (Entrevista - Waldemar Rossi). Além de se organizar por fábricas, os militantes e ativistas da Oposição, chegaram a conclusão de que era preciso articular-se para além dos locais de trabalho. Fazia-se necessário colocar os operários das diferentes fábricas em contato. Surgiu assim a interfábricas.

Interfábricas: embriões de conselhos operários

Dentro desse processo de organização por fábrica, ganhou expressão, a partir de 1973-1974, as reuniões clandestinas chamadas de interfábricas, das quais participavam operários de várias fábricas e deliberavam por ações conjuntas. As interfábricas começaram com simples encontros de operários para discutir problemas nos locais de trabalho e militância, mas ganhou característica de fórum auto-organizado pelos trabalhadores de várias fábricas para deliberação de políticas sindicais conjuntas.

Essa organização ainda incipiente dos núcleos fabris dispersos estava imersa em dificuldades, mas mostrava-se como uma ferramenta organizacional útil. Conforme analisava a publicação do POC - Partido Operário Comunista, que atuava na Oposição Sindical, embora se reivindique a importância das interfábricas, apontou-se que os seus dirigentes ainda não reconheciam completamente a importância daquele fórum:

O ano de 1974 mostrava uma das primeiras experiências de organismos interfábricas baseados na ideia das comissões operárias. Mas, apesar de seu pioneirismo - devemos lembrar que as interfábricas eram de várias categorias profissionais - o movimento mostra muitas debilidades, não reconhecendo inclusive sua própria importância. A participação na campanha salarial de 1974 não mostra nenhuma grande inovação ou avanço comparada com a de 1973. (POC, 1977, p. 203).

Pela positiva, cabe destacar que, mesmo com debilidades e dificuldades organizacionais, os pequenos núcleos operários nas fábricas, comissões clandestinas e as interfábricas, buscavam ampliar sua organização.

 

 

Figura 3 - Forma de funcionamento da Interfábricas

“Comissões de Fábrica”. Cadernos publicados pela Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo em 1982. In: Investigação operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores. 2014 – São Paulo.

Conforme nos relatou Stanislaw Szermeta, as reuniões interfábricas eram formas de reunir os militantes mais ativos de cada fábrica, tanto para organizar uma base para a Oposição, fortalecendo a luta contra a gestão do peleguismo, como para articular o operariado nos locais de trabalho para greves e demais atividades sindicais:

Interfábricas era quando a gente reunia várias fábricas. Era praticamente um conselho, só que não era um conselho, não tinha esse nome, e também não tinha esse entendimento.  Mas era, a ideia, você tinha que animar, você tinha que animar, mostrar para esses trabalhadores que não era só eles que estavam lutando. Eles não podiam ter a sensação de que só eles estavam fazendo. Tinha que ter a sensação de que a Diretoria, o sindicato, não fazia esse papel. Esse papel das interfábricas era um papel tirado para animar, para dar motivação para as lutas ganharem mais unificação. Você tinha trabalho tanto na zona sul, na zona oeste, como na sudeste, zona leste, Mooca, você tinha um conjunto, toda uma estrutura, organizada pela base. Inclusive, o pessoal do Lula, esse pessoal todo, nos acusavam de ser um partido. Porque eles falavam que a gente fazia isso mas não atuávamos no sindicato. E não é verdade isso. Quando tínhamos condições nós íamos para o sindicato, como foi feito em 1978 e 1979. Não procede, entende? (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

Quantas reuniões tiveram do interfábricas?

Centenas, centenas, centenas. Era um período, era um período que a gente se reunia. Sei lá, Carterpillar, tinha Metal-leve, as fábricas se reuniam em separado, fazia processo de luta. Agora, em determinados momentos era que se fazia, mas na proximidade das lutas mais gerais é que a gente se reunia. Mas as reuniões por fábrica... (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

As reuniões interfábricas eram articuladas a partir de chamados clandestinos, reunindo-se em Igrejas às escondidas, funcionavam como um organismo de base para articulação da luta operária, servindo tanto para organizar as lutas econômico-sindicais, como a luta política antiditadura. Das reuniões interfábricas participavam também militantes de correntes políticas e partidárias que haviam estruturado trabalhos no interior das fábricas. Hélio Bombardi, operário que trabalhava na Massey Ferguson, e começou a militar em 1973, denota o papel que cumpria as interfábricas:

(...) começam a acontecer final de 74, 75 o que eu acho que é o marco, pelo menos na minha vida, que é a Interfábrica da zona sul, que é onde as pessoas de várias fábricas diferentes da zona sul começam a sentar pra discutir suas experiências e tinham diferentes níveis de experiência, desde pessoas que estavam em fábricas pequenas, fábricas médias, fábricas que eram muito difíceis, complicadas, fábricas que eram extremamente repressivas e até algumas que eram fábricas bem maiores pra época e pro contexto, naquela região eram fábricas de ponta de linha que era a Caterpillar, que era a Villares, que era a Massey Ferguson e que a gente começou a fazer essas reuniões e tinha um método que eu achava muito legal: “Como está sua fábrica, com quantas pessoas conseguiu conversar, que tipo de discussão vocês têm lá dentro, que tipo de problemas, vocês estão pensando em fazer alguma coisa?”. Então cada um colocava como era a fábrica, qual era o grau de organização, qual era o grau de problema, qual era o grau de repressão e qual a saída. Esse coletivo, essas pessoas que participavam da Interfábricas acabavam, de certa forma, um contribuindo com o outro pra dizer: “Olha, por que você não tenta fazer isso? Você não acha que ainda é cedo pra ir pro enfrentamento? Não acham que é cedo fazer um abaixo-assinado? Vocês já vão começando pedindo um aumento de salário? Será que não é melhor começar mais leve, pedindo um bebedouro, ou uma bota, alguma coisa de segurança?” Era uma riqueza muito grande porque você não pensava sozinho, estava pensando com uma equipe de companheiros e já na época, de alguns companheiros que tinham vindo de outras experiências tipo o Stanislaw, que era uma experiência, ele já tinha sido preso, já tinha sido solto, ao mesmo tempo o Nelson [Coquite] Japonês, ao mesmo tempo o Rodrigues, então eram experiências diferenciadas, pessoas diferenciadas com experiências diferenciadas. Eu acho que a riqueza da interfábricas naquele momento foi essa. Eu particularmente gostava bastante e acho que foi uma escola, vamos dizer assim, de discussão e de prática, porque as pessoas tinham de dizer mais ou menos o que estavam encaminhando, o que podiam fazer, o que estavam fazendo tal (...). (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).

Assim, as reuniões interfábricas funcionavam como uma forma construir a unidade operária pela base, discutindo os problemas do local de trabalho e os níveis de organização interna. A partir disso podia-se ter uma caracterização das principais fábricas, de como se movimentava a patronal e repressão. E assim construíam-se ações conjuntas e unificadas. O relato de Hélio Bombardi elucida como se davam as ligações entre os grupos clandestinos e as reuniões interfábricas:

Bom começar a fazer um grupo de fábrica, começar a discutir, ver as seções que a gente tem, conversar em horário de almoço, cada um almoçar em locais diferentes com pessoas diferentes, e esse grupo foi crescendo. Quando esse grupo começa a crescer bastante, também está acontecendo a Interfábrica, uma coisa vem junto com a outra e começa a Oposição Metalúrgica a ter zona leste, zona sul, Ipiranga. Você começa a ter um campo de atuação bem maior. Você começa a pegar uns companheiros na fábrica e levar pras assembleias do sindicato. Alguns desses companheiros você já levava pra participar da Interfábrica, tirava um companheiro ou outro pra ir pra Interfábrica, ia pra assembleia do sindicato e levava alguns companheiros pra sentir como era a assembléia, que era barra dentro do sindicato e algumas reuniões da Oposição, já começava em 75 a ter algumas reuniões da Oposição, levava esses companheiros e na verdade a Oposição tinha muito essa ideia da fábrica. (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).

As interfábricas ampliavam a perspectiva de domínio do campo de batalha para os sindicalistas e militantes. Burlava a censura à qual estava submetida à luta sindical e política, possibilitando colocar em evidência a organização e a luta cotidiana para além do grupo de fábrica onde adentrava um operário. O organismo possibilitava ampliar a consciência da organização intestina em várias fábricas por meio de vários trabalhos e experiências em curso no chão de outras fábricas, das condições em que eram feitos e dos obstáculos que enfrentavam. Mas era também espaço de politização em permanente disputa, uma vez que as correntes e tendências políticas encontram ali um ambiente para intervenção e mediação da classe em si e a classe para si. Conforme relatou Hélio Bombardi:

O que me marca muito é a experiência da Interfábricas, acho que aquilo é um papel extremamente educativo pra classe, pros operários, é uma coisa que fazia com que convivessem no mesmo espaço gente com diferentes tendências o que era uma coisa difícil porque na época era assim, se o cara era de uma tal organização eu não tinha nem que conversar com ele, não é da minha organização não fica conversando muito, inclusive a organização não gostava que se conversasse. Mas quando ia pro movimento sindical de certa forma, não que isso não era quebrado, se tinha condições de fazer uma conversa porque era uma frente única, era a Frente dos Trabalhadores e acabava todo mundo trocando ideia do que estava acontecendo. Óbvio que quem era organizado voltava com aquilo pra discutir no partido o que fazer e quem não era organizado ou os que só estavam na metalúrgica discutiam dentro da Oposição. Diziam: “Isso ta acontecendo dentro da minha fábrica. Dá pra ir pra luta? Não da pra ir, como vocês estão vendo?” Esse movimento permeou 78, 79. (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).

Conforme destacou Hélio Bombardi, a convivência de variadas tendências na frente de trabalhadores, nas reuniões interfábricas, acabou por funcionar como meio construir coesão para ação conjunta. Desta forma, explicita-se a relevância desse fórum conjunto. Todo exercício de atuação no chão de fábrica como comissões clandestinas e agitação operária, com acumulo de experiências ao longo da década de 1970 ganharam maior importância no ascenso de 1978-1980. Embora o número de operários organizados na Oposição Sindical fosse numericamente pouco expressivo no que tange à organização de todo operariado paulista, essa militância clandestina nas fábricas assumiu importante protagonismo no ascenso das lutas operárias de 1978-1980.

As jornadas de greve de 1978 em São Paulo

Durante a primeira metade da década de 1970 registrou-se uma fase de temperamento de quadros operários, sindicais e políticos, onde se forjaram, em pequenas "escolas de luta", organizadores, agitadores, propagandistas e militantes revolucionários. Durante a segunda metade da década de 1970, em meio à retomada das lutas operárias públicas, o acúmulo de experiências pela Oposição de São Paulo possibilitava experimentar um salto em sua construção. Parte significativa dessa camada atuou de forma qualitativa no ascenso operário de 1978-1980. A organização na base operária percorreu toda a década de 1970 em São Paulo. Onde destaca-se numa fase clandestina, de enraizamento no chão de fábrica (até 1974/1975) e tendo como ponto alto as mobilizações e a onda de greves de 1978-1980. Este trabalho clandestino veio à tona em 1978. Conforme relatou Hélio Bombardi:

De 72 até 78 quando explodiu a greve, foram seis anos de conversa, de discussão, de organização, de passar material pros companheiros, e passar material era aquilo: um recorte, uma noticia, pega alguma coisa interessante que saiu no jornal e leva pra eles lerem, era um trabalho de formiguinha no começo mas era aquele trabalho diário. (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).

Em 1977, o BIRD divulgou os dados inflacionários de 1973, denunciando a falsificação dos mesmos pela ditadura militar brasileira, que levou a perda de 34,1% nos salários. Essa manipulação causou grande revolta na classe trabalhadora e fomentou ainda mais a reorganização operária no chão de fábrica. A reivindicação pela reposição dessa perda foi levantada por dezenas de sindicatos que passam a compor o Movimento pela Reposição Salarial de 1977. No ABC, operários da Scania iniciam uma greve de braços cruzados e máquinas paradas, que marcou o início da torrente de greves e paralisações operárias na Grande São Paulo e cidades do interior.

No ascenso das lutas operárias em 1978, surgiram cerca de 200 comissões de fábricas em São Paulo, com destaque para as comissões clandestinas da Villares, Philco, Barbará, Jurubatuba, Filtros Mann, Gutman, General Elétric. Conforme relatou Sebastião Neto:

Tinha alguma coisa por dentro, por baixo, tá... E tinha uma ideia, você perguntou sobre as comissões, é uma pena que na época não tinha vídeo e tal, assim, os nossos comitês na época da greve, chegavam centenas de operários de dezenas de fábricas: 'Queremos comissão de fábrica', uma loucura, você não sabia... Fazia uma lista mal feita, a mão ali... 'Qual que é a sua fábrica? Vamos fazer uma lista aqui', por que? Porque sabia que a greve acabaria um dia e você manter... Perdeu essa porra toda, não tinha organização para isso. Quer dizer, foi uma onda, uma onda assim... Comissão de fábrica, estou falando de 1978 para 1979... (Entrevista - Sebastião Neto).

As comissões e grupos de fábrica passaram a ser amplamente demandadas, pois amplas camadas do operariado se mostram dispostas à luta. Começava o auge da Oposição Sindical, que além de disputar as eleições sindicais para o Sindicato paulista em 1978[4], organizou a primeira greve geral pós-ditadura militar em novembro de 1978. Em São Paulo e Osasco as lutas de 1978 assumiram especificidades, principalmente por conta das comissões e grupos de fábricas clandestinos. Conforme análise de Hélio Bombardi:

(...) em São Paulo e Osasco eu acho que a coisa aconteceu de uma forma diferente. Aqui em São Paulo as oposições foram para as portas de fábrica e se organizaram dentro das fábricas com as condições dadas. As condições dadas são as seguintes: a classe realmente estava a fim de parar, estavam todos dispostos a lutar por um aumento geral e já existia um trabalho anterior. Em São Paulo pode-se dizer que houve uma grande articulação e discussão de uma fábrica com outra, seja no sindicato seja nas reuniões da oposição, com um passando a experiência para outro e mostrando de que maneira a experiência numa fábrica pode ser aproveitada em outra. É isso que dá a tônica diferente em São Paulo. Aqui saíram em várias fábricas comissões reconhecidas pela direção da empresa, comissões legais com estabilidade e até comissões que as empresas não reconhecem. Então a experiência aqui não se encerrou numa luta econômica de um determinado momento. Ela inclusive está avançando  em outras questões, como a questão da perseguição dentro da fábrica, a questão de restaurante, de convênios médicos, quer dizer, a luta está procurando englobar tudo ou pelo menos grande parte daquilo que diz respeito à vida do operário dentro da fábrica. (Entrevista - Hélio Bombardi. In: REVISTA CARA A CARA, 1978, p. 14).

Em São Paulo a primeira greve realizado no ciclo de 1978 foi a dos operários da Toshiba. Ela contava com cerca de 600 operários, que iniciam a greve no dia 26 de maio de 1978. Foi também uma "greve de braços cruzados". Na pauta constava 21% de aumento, melhora da alimentação, segurança e higiene no trabalho e convênio médico. A Chapa 3, da Oposição Sindical Metalúrgica, estava em campanha e ajudou no apoio às greves que estavam sendo desencadeadas no ABC paulista e região. O candidato à presidência do Sindicato de São Paulo pela Chapa 3, Anízio Batista, trabalhava na Toshiba em 1978. De acordo com seu relato:

(...) nós fizemos uma greve na Toshiba, ai eu fui escolhido na Toshiba para compor a chapa, depois, na assembléia geral é que me escolheriam para ser o presidente da chapa e o Santo Dias vice-presidente, por exemplo na época (...). Então, a greve do ABC deu um potencial, por exemplo, para deslanchar também São Paulo. Ai, um dia eu cheguei numa reunião da Oposição, depois que as eleições todas tinham passado, a coisa ai... Ai eu falei para a coordenação: 'Essa semana eu paro a Toshiba!'. O pessoal se assustou né: 'Vai parar como?'. 'Não, nós vamos parar a Toshiba'. Aí ninguém acreditava né, aí nós paramos a Toshiba uma semana. (...). Mas 1978, por exemplo, a greve da Toshiba, nós não aceitamos que o Sindicato [Metalúrgico de São Paulo] negociasse com a empresa (...) foi junho de 1978, porque tinha pipocado em maio no ABC, mais ou menos por aí, maio por aí... em junho pipocou aqui em São Paulo, ai pipocou São Paulo inteira.. (Entrevista - Anízio Batista).

Em São Paulo, os setores nucleados na Oposição Sindical Metalúrgica são alçados à crista daquela onda grevista. Conforme relata Anízio Batista, que foi um dos organizadores da primeira greve daquele ano em São Paulo, na Toshiba:

(...) E aí pipocou, não só em julho, né, aí as greves nossa duraram muito tempo, porque todos os locais que nós tínhamos as comissões de fábrica, por exemplo, foi feito greve né... Todas, Massey Ferguson, que era grande, tinha um cara na chapa, que era o Hélio Bombardi (...). Então eu fui fazer reuniões, por exemplo, várias empresas, por exemplo, para colocar a experiência da Toshiba, né, e como o pessoal tinha que fazer as coisas aí... Massey Ferguson foi uma delas que a gente foi. Depois, tinha a Philco, aqui na zona leste, tinha... Um monte de empresa... Aí pipocou fábrica pequena, o pessoal parava a fábrica e, por exemplo, e vinha para o sindicato, não tinha nem coordenação, não tinha nem comissão na verdade... (Entrevista - Anízio Batista).

Na Philco, localizada na zona leste de São Paulo, foi desenvolvido um longo processo de organização durante a década de 1970. Assim, nessa fábrica a onda grevista de 1978 encontrou terreno fértil para se desenvolver. No dia 25 de junho, 8 mil operárias e operários, com pautas específicas, deflagraram a greve. Conforme nos relatou Sofia, que era operária na Philco, militante da Oposição  e uma das organizadoras daquela greve:

(...) A Philco é uma fábrica com, em torno de 8.000 funcionários na época, 80% mulheres. É uma fábrica de referência na Leste porque é a maior, fabricava televisores, rádios. E nessa fábrica havia muitos militantes atuantes, mas na surdina, não era declarado, clandestino... E a gente se encontrava. Nos encontrávamos uma vez por semana para discutir os problemas da fábrica (...). Éramos um grupo de fábrica da Philco. (Entrevista - Sofia)

Conforme relatam Maria José, que também era operária na Philco e militante da Oposição:

Maria José: (...) Foi onde estourou a Scania em 1978, aí foi estourando Toshiba, várias... Aí quando foi em junho a gente teve condição de combinar uma greve. Ai nas comissões... E organizar a greve...

Sofia: mas porque já existia o grupo de fábrica... Porque já tinha um grupo de fábrica discutindo os problemas.

Maria José: já tinha uma base...

Sofia: já tinha um grupo de fábrica discutindo os problemas.

Então não se pode dizer que foi assim, que tirou do nada a greve?

Sofia: Não! Para você parar uma fábrica de 8.000 funcionários...

Maria José: A maioria mulheres... Casadas...

Sofia: Vários horários. Tinha horário de turno, horário de 17:05, horário noturno... Organizar uma fábrica de 8.000 funcionários em vários prédios, em plena ditadura militar, precisa ter um trabalho de base consistente, senão não conseguiria. E com fundamentos, você fundamentando o trabalhador adere, o trabalhador não é levado a fazer por fazer, ele faz porque ele tem confiança e sabe porque que está parando...

Maria José: Sente na pele...

Sofia: É muito emocionante parar uma fábrica. Uma greve é uma emoção muito grande porque você tem o chefe, o subchefe, o chefinho, você tem um monte...

Maria José: Tem segurança...

Sofia: Tem segurança... Um monte de gente em cima de você, observando você, dedo duro observando...

Maria José: E os infiltrados né Sofia, que é sempre...

Sofia: Aí é muito chefe em cima de você, é uma hierarquia na fábrica, muito grande, para reprimir mesmo. Então você romper... Na greve você rompe com toda essa estrutura, é muito emocionante. É muito (...). Precisa ter coragem. Coragem porque se não você não pára a máquina. Você tem que ter muita coragem, mais consciência política...

Não teve piquete?

Sofia: Não, essa foi de ocupação. Em junho de 1978 foi ocupação.

Maria José: Por exemplo, a militância que entrava às 6 da manhã já combinava não ligar as máquinas. Aí quem, por exemplo, eu trabalhava das 2 às 10, a Sofia eu não sei, eu entrava às 2 horas...

Sofia: Eu entrava às 7.

Maria José: Aí quando a gente chegava já tinha notícias. A Rádio peão funcionava: "Oh, o pessoal da manhã não trabalhou gente!". Tal e tal... Eu me lembro quando veio...

Sofia: Porque a nossa turma acho que foi 9 horas, foi marcado... 9 horas pára as máquinas...

Maria José: Quando nós chegamos às 2 horas já estava parado. Aí é fácil né...

Já tinha começado o movimento...

Maria José: Aí começa a pressão. A chefia vem, vem gerente, vem tudo em cima. Eu me lembro que as minhas pernas batiam uma na outra. Tremia, tremia, tremia e segurando (...). E eles sabiam muito bem, eles tinham o mapeamento das lideranças.

Sofia: O mapeamento todo. A gente não sabia, mas eles sabiam. Nós não sabíamos que eles sabiam do mapa das lideranças...

Maria José: Aí eles chegavam em cima da gente né: "Mas é o pessoal, nós chegamos aqui já estava parado... Né, então não vamos trabalhar (...)". E todos nós tínhamos a pauta de reivindicação nas mãos. Todos os trabalhadores tinham acesso àquilo, já tinha sido feito. Aí: "A nossa reivindicação é isso, isso e isso". Nós ficamos 4 dias dentro da Philco sem trabalhar e comendo. Aí, o ultimo dia, não sei se foi na Philco ou foi na Bosch, que eles cortaram a comida. Acho que foi na Bosch... [risos]. E comendo, almoçando e voltando para o pátio.

Alguém trazia o almoço?

Maria José: Não, ia para o restaurante [da fábrica].

Vocês tomaram o restaurante e começaram a cozinhar?

Maria José: Não. Nós trabalhadores dizíamos assim: "O pessoal da cozinha tem que garantir a nossa alimentação". Eles trabalhavam, mas claro que era trabalhar para alimentar a greve. (Entrevista Maria José).

Uma vez decretada a greve de braços cruzados, as operárias continuavam a se reunir dentro e fora da fábrica durante quatro dias para decidir os rumos daquele movimento, realizaram assembleias no refeitório para discutir suas pautas, criaram uma comissão com 90 pessoas para negociar as reivindicações. Chegaram a realizar uma assembleia com a presença de 6 mil mulheres. O Sindicato Metalúrgico de São Paulo, dirigido por um aliado dos industriais, tentou desmobilizar a greve mas falhou.

Além das greves da Toshiba e da Philco, no ano de 1978 foram deflagradas dezenas de greves em São Paulo, neste ano o jornal O Metalúrgico, órgão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo registra a eclosão de greves em 132 empresas metalúrgicas envolvendo 117.231 trabalhadores. Destas derivaram 103 acordos salariais, sendo a maior parte efetivada via grupo ou comissão de fábrica. (Cf. Jornal O Metalúrgico. Nº. 266/agosto/78).

As greves em São Paulo retroalimentam o surgimento das comissões e o clima geral de insubordinação operária na cidade, coroando-a com uma greve geral em outubro de 1978, acabaram por paralisar todo o parque produtivo, enterrando a lei de greve e colocando em questão a política salarial da ditadura. Conforme nos relatou Jorge Preto (operário que trabalhava na Villares de Santo Amaro em 1978), este ano marcou o despertar da consciência de classe no operariado:

Então, esse ano de 1978 foi o ano, assim... Aonde o despertar da consciência de classe, principalmente da classe operária que é a classe que produz, começou a despertar e aí que começou a abrir fissuras no Regime Militar, porque até a época, assim, o forte era o movimento estudantil. Que aí, ia lá, brigava, fazia uma manifestação, mas, assim, não arranhava o sistema. O que começou a arranhar o sistema, começou a quebrar a muralha do sistema, praticamente, é a produção, parou a produção, aí se questiona o sistema. Porque, o que que acontece, no despertar da consciência de classe? Como eu falei para você, a gente começa com coisas pequenas, você vai reivindicar assim: 'a comida está ruim, então vamos fazer um movimentozinho para melhorar a porra dessa comida que está uma merda, esse banheiro está sujo pra caralho'. Aí, para o operário aquilo é normal, quando ele vê essas pequenas reivindicações, o que que aparece, qual é a primeira coisa que aparece? O que aparece é que (...), você acha que vai negociar com o patrão, mas, quando você vê, você não está mais negociando com o patrão, você está conversando com o Estado. Porque, a primeira coisa, o que que o Estado fazia? Era um movimento, por menor que seja, aí eles já mobilizavam a polícia e já montava uma barreira na porta da fábrica para proteger a empresa. Aí, o que que o operário pensava? 'Pô, mas eu não estou fazendo nada demais, eu estou trabalhando, estou querendo só que melhore um pouquinho o local de trabalho, eu quero no mínimo uma comida que eu possa comer. Por que que a polícia está aqui?' Aí já abria assim: 'está aqui para proteger o patrão'.  Aí, quando você já ia indo, assim, no processo de negociação, não era mais o patrão, já era o sindicato, depois já não era o sindicato, era o Ministério do Trabalho e já era o Estado. Aí é o despertar da consciência de classe. Aí você fala: 'oh, eu não estou lutando só contra o (...) Luiz Villares [proprietário da fábrica], eu estou lutando contra o Luiz Villares, contra a direção do sindicato dos metalúrgicos, contra o governo do Estado e aí tem o Ministério do Trabalho que é o Governo Federal. Sim! Aparece primeiro para nós a fábrica, só que, quando assim, no enfrentamento você vê que é muito além da fábrica. O enfrentamento, assim, aí o despertar da consciência de classe vem por aí... É nos primeiros enfrentamentos. Então, assim, não há consciência sem enfrentamento. Porque se não há enfrentamento, assim, o pessoal vai e se limitar ao fazer no dia a dia... Tá ruim mas tá bom... Aí um dia fala assim, 'um dia vai melhorar', aí vêm todas as crendices e tudo mais. Mas, assim, a partir do enfrentamento, o operário, ele só se conscientiza de fato, no enfrentamento de fato, que aí ele vai ver toda a máquina que ele está enfrentando. Ele não está enfrentando o chefinho dele que fica lá enchendo o saco dele lá, o encarregadozinho ou o diretor da empresa, ele vê que a coisa é bem maior, por isso que 1978 foi um ano assim, que marcou na história do movimento operário a consciência de classe. E isso, assim, se espalhou, se espalhou assim, para todas as regiões fabris de São Paulo e para várias regiões do Brasil. É tanto que, muitos militantes nossos... E eu faço um parêntese nesse patamar de espalhar o movimento, os setores progressistas, principalmente da pastoral operária, da JOC, da Igreja Católica, ajudou bastante. (Entrevista - Jorge Preto).

Em meio à onda grevista, de um "despertar" massivo da consciência de classe, em oposição ao empresariado industrial e as forças repressivas do Estado militarizado, os trabalhadores buscavam formas de se organizar para se contrapor a um poder que é evidentemente muito maior do que o de cada operário individual. Nesse momento, buscam auto-organização dentro e fora dos locais de trabalho, grupos de fábrica, comissões e sindicatos. Frente a tal demanda, os militantes nucleados em torno da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo encontravam condições mais favoráveis para divulgar as mobilizações, mas também a necessidade de criação de mais comissões de fábricas, isso porque compreendiam que era das comissões que emanava o poder de auto-organização operária. Conforme nos relatou Waldemar Rossi:

Em 1978, naquela greve das fábricas, nós soltávamos material divulgando as greves, pegando recorte de jornal, formando folheto e mostrando onde estava havendo greve. Soltávamos nas fábricas em grande quantidade e isso foi gerando outras greves, e sempre colocando entre as reivindicações a importância das comissões de fábrica: 'É onde os trabalhadores vão ter a sua força, etc'. Foi isso que a FIESP registrou, naquele ano de 1978 na cidade de São Paulo, o conhecimento 200 comissões de fábrica, isso, declaração da FIESP, [comissões] que não tiveram vida longa, morreram em seguida porque não tinha nem estrutura para isso, mas algumas ficaram, como a da MWM, na Massey Ferguson e algumas outras. E, essas, inspiraram a comissão de fábrica da ASAMA, que é a mais evoluída politicamente (...), muito interessante, muito rica. (Entrevista - Waldemar Rossi).

Em 1978 a Oposição, que se fortaleceu desde 1975, se tornou a responsável pela decretação da primeira greve geral pós-golpe militar. Organizando sua base de apoio, em uma assembleia com cerca de 20 mil operários na Rua Do Carmo, conseguiu aprovar a decretação da greve em 27 de outubro de 1978. Formou-se uma Comissão de Salários, que chegou a contar com 100 operários. No entanto, ao final da assembleia que decretou a greve geral em 1978, os dirigentes da Oposição sentaram com Joaquinzão para redigir o boletim da greve, informando que "toda e qualquer informação a respeito da greve" deveria ser buscada no Sindicato. Assim, não conferiram qualquer autonomia à Comissão de Salários formada na assembleia, ou mesmo à interfábricas como direção alternativa do processo grevista. Deixaram que o poder deliberativo se concentra-se nas mãos da diretoria pelega.

Foto I: novembro de 1978: a primeira greve geral pós-golpe militar

As mobilizações em São Paulo refletiam o ânimo geral do operariado paulistano, que tinha como pauta unificadora o reajuste de 70% nos salários. Essa primeira greve geral metalúrgica, envolvendo 300 mil operários e operárias, coroou aquele ano com a unificação e o fortalecimento da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Conforme relatou Jorge Preto, que militou ativamente naquele 1978, a Oposição estava determinada a decretar a greve geral em assembleia:

(...) E, a partir daí, com a continuidade do movimento, aconteceu greves localizadas em várias fábricas, chegou o mês de novembro, porque era outubro que era o mês de campanha salarial, como já tinha essa força acumulada por fábrica, a Oposição já tinha militantes em toda São Paulo e já teve a experiência da chapa, tinha tido a eleição em maio de 1978, no meio do ano (...). A Oposição ganhou a eleição, foi constatado várias fraudes, foi anulada, depois o Ministro do Trabalho Arnaldo Pietro, foi ele pessoalmente no sindicato e empossou a Diretoria, aí já tinha essa experiência acumulada de fardo do trabalho de Oposição e na campanha salarial nós mobilizamos os que nós podíamos para ir para o sindicato. Porque assim, mesmo contra nós, o sindicato tinha a premissa da categoria, e o que que nos fizemos: 'Vamos mobilizar a categoria e vamos forçar o sindicato a decretar greve na categoria'. Então essa foi uma decisão em reuniões paralelas que a gente fazia nos bairros, principalmente nas Igrejas, né... Tinha as Igrejas aí, o setor progressista da Igreja, eles davam muito espaço para a gente, se reunia, a gente ia para dentro do sindicato com essa posição. (Entrevista - Jorge Preto).

A Diretoria de Joaquinzão prezava pelos acordos com a patronal, buscando obstruir a participação direta das bases operárias, mas frente às mobilizações massivas, a Diretoria ficou encurralada e aceitou a decretação da greve. Essa seria a oportunidade para a Oposição provar-se em meio ao ascenso operário. No entanto, como analisa Cleodon Silva, um dos principais dirigentes da Oposição Sindical, no que tange à orientação dos rumos daquele confronto, a Oposição falhou, pois não conseguiu de fato implementar uma orientação alternativa para aquele processo:

Eu mesmo que fui para a sede do sindicato, junto com outros companheiros da Oposição, vi e contatei grupos e comissões de muitas fábricas que chegavam com os nomes de operários eleitos. Os trabalhadores não foram ali atrás do sindicato, porque confiassem em sua diretoria. Precisavam de uma direção, de guia para o que fazer diante da situação. Queriam conseguir 70% de aumento e fazer a greve. E qual era a nossa orientação? Não tínhamos nem material próprio nosso para organizar e articular as comissões e continuávamos insistindo: tirem comissões! Hoje acho que isto foi pura demagogia. Ajudamos a confundir a massa operária. Somos responsáveis por isto. Não aparecemos para os trabalhadores como Oposição, com outra proposta alternativa. Não demos direção! Perdemos uma chance de sermos a direção independente. (Entrevista - Cleodon Silva ao GEP/Urplan: Apud: BATISTONI, 2001, p. 244 - grifos da autora).

Em 1978, os operários vão aos milhares à procura de seu Sindicato, com isso, o Sindicato de São Paulo é posto no centro da luta de classes e a Oposição não consegue cercar esse sindicato de uma base militante, influindo de forma diretiva nos rumos da greve geral. A Oposição Sindical nutria um dilema em seu âmago: dar ou não sustentação ao Sindicato. Um setor hegemônico da Oposição acreditava que as comissões de fábrica deveriam substituir o Sindicato. Outro setor acreditava que o sindicato era imprescindível e deveria ser tomado. Um terceiro setor, mais oportunista (PCB, PCdoB e MR8) optou por compor com Joaquinzão pelego para chegar ao aparato Sindical.

A greve geral, realizada em 30 e 31 de outubro, colocou-se como um grande desafio para a Oposição, que estava adaptada aos trabalhos miúdos no chão de fábrica. Em apenas dois dias, a greve envolveu cerca de 300 mil operários, englobando São Paulo, Guarulhos e Osasco. Essa greve influenciou objetivamente as bases operárias do ABC e na decisão da Diretoria de São Bernardo para a decretação da greve geral em 1979.

No momento da ação qualitativa, em meio ao ascenso, essas indefinições prejudicaram sobremaneira sua prática. A falta de coesão político-estratégica e programática, impunha uma forma de atuação caótica no momento crucial da greve geral. as comissões de fábrica não eram células ou núcleos da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Surgiram centenas de comissões autonomamente, dispersas, muito além da iniciativa e capacidade de organização e construção da Oposição. As comissões que surgiram em 1978, por seu próprio caráter, não puderam atuar de comum acordo político-estratégico com a Oposição. Sobretudo porque a Oposição não tinha tais definições.

A Oposição não era um movimento revolucionário que formou centenas de comissões em centenas de fábricas com o mesmo objetivo estratégico, como um todo orgânico e que podia, a partir disso "bater como um punho só", organizando uma greve geral que envolvesse os 400 mil operários de São Paulo, por exemplo. As centenas de comissões surgiram "espontaneamente" em 1978-1979 como células dispersas. Surgiram por múltiplas determinações sem constituírem-se como síntese organizada. Embora funcionassem como elemento de mediação entre operários e patrões, não eram parte de um todo orgânico articulado que pudesse efetivamente colocar-se como direção alternativa. As comissões representavam a multiplicidade do diverso, contando inclusive com grande nível de caoticidade.

Acostumada com os pequenos trabalhos organizativos no chão de fábrica, mas sem enfrentar os debates estratégicos, não pôde dar um salto de qualidade em sua atuação na hora do ascenso da luta operária. Não atuou como uma organização preparada realmente para dirigir a classe operária. Com isso, quem venceu foi a máquina sindical dirigida pela burocracia pelega serviçal do empresariado industrial e da ditadura.

Ao invés da Oposição se centrar no papel do Sindicato, buscando cercá-lo e obrigá-lo a trabalhar para as greves, focou-se nas negociações por fábrica e na institucionalização das comissões que surgiram. Ao invés de uma investida decidida para tomada do Sindicato, despenderam muitas energias para a legalização das comissões como forma de isolar a ação do Sindicato. A Oposição, com variadas tendências, não pôde oferecer um programa coeso para a ação operária naquele ascenso, pois seu único ponto programático era a formação de comissões. Findado o ciclo grevista de 1978, a Oposição repetiria os mesmos erros fundamentais no ano seguinte.

Novembro de 1979: nova greve geral metalúrgica em São Paulo

Em 1979 a Oposição sindical metalúrgica organizou sua segunda greve geral na categoria. Dessa vez será uma greve mais longa que a de 1978. Essa foi também o ponto alto da organização do operariado de São Paulo. Em marcha, os operários conquistam as ruas, formam os "piquetões", piquetes móveis que iam de fábrica em fábrica parando a produção e convidando mais operários para aderirem ao movimento paredista, chegam-se a organizar 15 mil operários. Todo o processo grevista dura 12 dias, encerrando-se apenas no dia 10 de novembro.

Com a efervescência operária em São Paulo, marcada por mobilizações no chão de fábrica, formação de comissões, grupos clandestinos e assembleias da campanha salarial, construiu-se uma nova greve geral decretada no dia 28 de outubro de 1979. Na madrugada, véspera de início da greve, o governo ditatorial prendeu 343 operários dos Comandos de Greve. Mesmo assim, foi impossível contê-la. O movimento avançou conquistando cada vez mais adesões e ganhando autoconfiança e coragem para se enfrentar-se com o empresariado industrial e a ditadura.

Diferentemente da greve de 1978, na greve de 1979 a Oposição trabalhou com material próprio, com o jornal Luta Sindical. Também, em assembleia, deliberou-se pela formação de uma Comissão de Mobilização que foi composta por 260 operários eleitos a partir das diferentes regiões. Formaram-se Comandos Regionais de Mobilização, que contavam com independência organizativa, garantindo a implementação das resoluções votadas em assembleia. Pois ganhar a assembleia não implicava convencer a Diretoria do Sindicato a construir a greve e batalhar para que a luta dos trabalhadores contra os patrões fosse vitoriosa. Os comandos formados nas regiões de maior mobilização operária, eram abertos a participação de qualquer força política que atuasse no interior das fábricas.

Em Santo Amaro os operários se auto-organizaram em piquetões, que eram piquetes móveis que marchavam de fábrica em fábrica parando a produção, conquistando as ruas e convidando mais operários para aderirem ao movimento paredista. Eram piquetes multitudinários, independentes, que se auto-denominavam “corrente de trabalhadores” ou “piquetões”, que chegaram a contar com até 15 mil operários.

Foto II - Piquetão na zona sul em 1979

Apud: IIEP, 2014, p. 151.

No segundo dia de mobilizações, dia 30 de outubro, enquanto a repressão dissolveu com pancadas e tiros um piquete na frente da Indústria Sylvânia, o soldado da Polícia Militar Herculano Leonel atirou e assassinou Santo Dias da Silva, que era operário e importante dirigente sindical da Oposição. O operariado, que vinha impondo-se se contra as determinações da ditadura, já atuando em massa, respondeu ao assassinato com um protesto massivo no dia seguinte (31 de outubro), que reuniu cerca de 30 mil operários. A greve continuava a crescer e chegou a paralisar 80% da categoria metalúrgica.

Esta greve geral metalúrgica de 1979 apresentou como principal avanço organizativo os comandos regionais, que permitiam a organização nas bases operárias nas diferentes regiões de São Paulo, descentralizando e possibilitando expandir a auto-organização operária para além da influência da diretoria do Sindicato. No entanto, embora melhor organizada do que a greve de 1978, os comandos de greve acabaram por atuar de forma desarticulada, não se conseguiu constituir um comando geral que articulasse uma direção alternativa para o processo, o que por sua vez tornou-se ponto fraco da greve. De acordo com relato de Cleodon Silva:

Se a organização dos comandos foi um grande avanço, tivemos problemas em relação à negociação durante a campanha salarial e preparação da greve. Não conseguimos estabelecer um comando geral. Ele se dava ainda "dentro" do sindicato, com a representação regional da categoria, militantes das oposições, mas ainda com forte participação da ala do Joaquim e cia, que quando perdia na votação, encaminhava as decisões com atraso, com manobras, levando a um funcionamento bastante precário e capenga. O funcionamento de fato, com a representação direta a partir dos comandos regionais só aconteceu no fim da greve e já não respondia mais às necessidades. (Entrevista - Cleodon Silva, GEP/Urplan, apud BATISTONI, 2001, p. 282).

A não existência de um Comando Geral foi uma das principais debilidades organizativas que impediu a articulação orgânica daquele movimento. Conforme destacamos, a auto-organização operária ao longo da década de 1970, como formação de comissões clandestinas e frente de trabalhadores, desempenhou importante papel na organização operária no chão de fábrica. As greves gerais metalúrgicas em São Paulo em 1978 e 1979 constituíram ápice da atuação operária. Dentro deste processo, a oposição encontrou condições para ampliar seu alcance e influência. No entanto, seus erros táticos e debilidades estratégicas impediram que fosse completamente vitoriosa em seus objetivos.

Conclusão

O trabalho de organização de comissões de fábrica como forma de resistência no movimento operário, foi uma herança organizacional da greve de Osasco de 1968. A Oposição Sindical Metalúrgica foi a herdeira daquela importante experiência operária. Os pequeno núcleos clandestinos, que eram apenas polos de aglutinação de vanguarda de trabalhadores, evoluíram exitosamente para as reuniões interfábicas entre 1973 e 1974. Mas, foi com o aprofundamento da crise econômica mundial na década de 1970 que o trabalho da Oposição atingiu novas dimensões.

Na segunda metade da década de 1970 as greves e paralisações tornaram-se mais comuns no eixo industrial da grande são Paulo, englobando Osasco, São Paulo, ABC paulista e Guarulhos. O movimento pela reposição foi outra inflexão do período. Na somatória desse processo, entre 1978-1979, surgiram centenas de novas comissões autônomas na capital paulista. Eram auto-organizadas, espontâneas, autônomas e dispersas, muito além da iniciativa e capacidade de organização e construção da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Embora denotasse um grande impulso em busca de organização, de canalização para ação trabalhista por interesses próprios em oposição aos interesses dos industriais e contra as proibições da ditadura, as comissões não puderam formar um todo orgânico e a partir disso "bater com um punho só".

Naturalmente, as comissões não eram homogêneas ideologicamente, todos os partidos, tendências e correntes políticas procuram influenciá-las. Isso porque as comissões de fábrica, as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes - CIPAS, bem como os cargos de delegados sindicais, são posições políticas importantes para as correntes que atuam no meio sindical e operário, podem funcionar como tática de construção das tendências e correntes, como órgão de agregação operária no chão de fábrica e mesmo como uma tribuna operária. Neste processo, a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, tanto por sua força militante, como por suas limitações político-programática não foi capaz de organizar esse amplo movimento que afluiu do chão de fábrica. A Oposição falhou então na proposição de organizar um programa geral que fizessem do interfábricas uma alternativa real de organização para o operariado no biênio 1978-1979. Habituada aos trabalhos miúdos dos anos de resistência e organização clandestina, não conseguiu dar um salto para a direção do trabalho de massas. Assim, o ascenso operário de 1978-1979 em São Paulo, que se via órfão de uma direção coesa, com clareza politico-programática para o enfrentamento contra o conjunto do patronato industrial, acabou esbarrando nas amarras da burocracia sindical da diretoria de Joaquinzão e na ação repressiva da ditadura militar-burguesa.

 

Assista os documentários:

 Cidadão Boilisen: mostra a articulação entre industriais, empresário e os militares.

A luta do povo: destaca a interligação entre as luas operárias e mobilizações nos bairros.

Braços cruzados, máquinas paradas: sobre as eleições sindicais de 1978 em São Paulo.

O apito da panela de pressão: sobre a luta estudantil em 1977.

Referências

BATISTONI, M. R. Entre a fábrica e o sindicato: os dilemas da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (1967-1987). Tese de doutorado. PUC. 2001.

FARIA, J.B.H. A experiência operária nos anos da resistência: a oposição metalúrgica de São Paulo e a dinâmica do movimento operário (1964-1978). SP. Dissertação de mestrado. PUC. 1986.

GET/URPLAN. Nas raízes da democracia operária - a história da oposição sindical metalúrgica de São Paulo. Cadernos do Trabalhador, nº 4. PUC. São Paulo, 1982.

IIEP - OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA. Investigação operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores. 2014 – São Paulo. Projeto Memória, 2014.
PARTIDO OPERÁRIO COMUNISTA - POC. Problemas de organização do movimento operário brasileiro. 1977. In: FREDERICO, C. (Org). A esquerda e o movimento operário: 1964-1984. Vol. II. Oficina de Livros. Belo Horizonte. 1990.

VOZ OPERÁRIA. Os trabalhadores paulistas lutam por seus direitos. Setembro de 1969. In: FREDERICO, C. (Org). A esquerda e o movimento operário: 1964-1984. Vol. II. Oficina de Livros. Belo Horizonte. 1987.

______. Os trabalhadores e a luta contra a ditadura. 1966. In: FREDERICO, C. (Org). A esquerda e o movimento operário: 1964-1984. Vol. II. Oficina de Livros. Belo Horizonte. 1987.

______. O proletariado e a política da ditadura. Junho de 1973. In: FREDERICO, C. (Org). A esquerda e o movimento operário: 1964-1984. Vol. II. Oficina de Livros. Belo Horizonte. 1990.

______. Greves em São Paulo. Dezembro de 1974. In: FREDERICO, C. (Org). A esquerda e o movimento operário: 1964-1984. Vol. II. Oficina de Livros. Belo Horizonte. 1990.

 



[1] Doutor em Ciências Sociais pela Unesp-Marília.

[2] Confira os documentários: Brações cruzados, máquinas paradas, S. T. Segall, 1979: A luta do povo. R. Tapajós, 1980.

[3] Hamilton Faria (1986), no trabalho A experiência operária nos anos da resistência: a oposição metalúrgica de São Paulo e a dinâmica do movimento operário (1964-1978) registrou a formação de um grupo de 5 operários na fábrica Passini, organizado por Raimundo de Oliveira coordenador da União Metalúrgica de Luta (que era um núcleo clandestino da Oposição Sindical). Um grupo de 15 operários foi formado na Fábrica de Motores Carmos S/A, sendo dirigido pelo operário Crispim, membro da coordenação da Oposição. Na Lorenzetti foi formado mais um grupo com 10 operários, articulados por João Chile, que era coordenador da União Metalúrgica de Luta, esses chegaram inclusive a fazer uma greve em 1971 nessa empresa. Na Arno havia outro grupo de 30 operários. Na Massey Ferguson registrou-se um grupo de 5 operários dirigidos por Hélio Bombardi. Na Villares, um grupo de 6 operários articulado por Anízio Batista. Na AMF, um grupo de 15 operários articulados por Waldemar Rossi. Na Hobart Dayton havia outro grupo de fábrica com mais de 10 operários organizados por Elias Stein. Com base neste trabalho de base a Oposição disputa a direção do Sindicato Metalúrgico de São Paulo, sua chapa recebeu 5.500 votos. A chapa de Joaquinzão pelego venceu com 18.000 votos.

[4] Em maio de 1978, realizaram-se eleições para o Sindicato Metalúrgico de São Paulo. Joaquinzão novamente lançou sua chapa pró-patronal. Nesse ano a Oposição vive a primeira divisão importante que marcará seus os próximos anos. Um setor de sindicalistas ligados ao PCB, dirigido por Cândido Hilário (o Bigode), ao invés de compor com a Oposição, lança chapa própria. A Oposição lançou sua chapa apoiando-se sobre as comissões clandestinas já existentes, nas interfábricas, nos trabalhos nos bairros, mas sobretudo no ascenso grevístico deflagrado desde maio de 1978 no ABC paulista. No entanto, durante as votações, a chapa de Joaquinzão viola e frauda as urnas e consegue tomar posse com a intervenção do Ministério do Trabalho. (Veja o documentário Braços cruzados, máquinas paradas).

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