Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O que foi o Feudalismo?

  Anotações sobre a sociedade feudal



Em tempos remotos havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa, e, por outro, vagabundos dissipando tudo o que tinham e mais ainda. [...] Assim se explica que os primeiros acumularam riquezas e os últimos, finalmente, nada tinham para vender senão sua própria pele. E desse pecado original data a pobreza da grande massa até agora, apesar de todo o seu trabalho, nada possui para vender senão a si mesma, e a riqueza dos poucos, que cresce continuamente, embora há muito tenham parado de trabalhar. [...] Na história real, como se sabe, a conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência, desempenham o principal papel. Desde o início, o direito e o trabalho têm sido os únicos meios de enriquecimento [...]. Na realidade, os métodos da acumulação primitiva são tudo, menos idílicos. (Karl Marx, “A assim chamada acumulação primitiva”. In: O capital).


INTRODUÇÃO

Partimos da discussão sobre a escravidão na Grécia e no Império Romano para compreender as bases sociais sobre as quais se desenvolveu o feudalismo Ocidental. Este nasce dos restos do modo de produção escravo que constituiu o Império Romano somado a elementos germânicos. Em 476, os hérulos, grupo germano chefiado por Odoacro, invadiram e conquistaram Roma. A dissolução do Império estende-se ao longo dos séculos, sendo que parte de seus territórios serão dominados e reorganizados por Carlos Magno, constituindo o Império Carolíngio no final do século VIII.

A primeira fase feudal inicia-se durante o século IX, ganha maior estabilidade durante a primeira metade do século XI, sendo que atinge o seu auge durante a primeira metade do século XIII. Após 1250 inicia uma fase de declínio. Sua derrocada no Ocidente inicio-se no final do século XIII e segue aprofundando-se ao longo do século XV. No século XVI os restos feudais deram base ao absolutismo europeu. (BLOCH, 2012: ANDERSON, 2013).

No Oriente o feudalismo estrutura-se com mais tardar, durante o século X. Sua crise inicia-se no século XIV e primeiros anos do século XV (ANDERSON, 1994). Há uma diferença importante em sua cronologia, trata-se de um feudalismo desenvolvido tardiamente em relação ao Ocidental. Também a constituição deste modo de produção tem bases diferentes, pois o Oriente não contou com uma Antiguidade grega, nem latifúndio escravo.

ANTECEDENTES DO FEUDALISMO - GRÉCIA E IMPÉRIO ROMANO

O trabalho escravo existiu durante toda a Antiguidade, mas era praticado em pequena proporção, predominava a escravidão por dívidas e de prisioneiros de guerra. Assim, o modo de produção escravo foi uma invenção decisiva do mundo greco-romano. Na sociedade grega, durante o século V a.C., a escravidão ganhou proporção cada vez maior.

Creta antiga - o inicio da sociedade europeia

A região da Grécia antiga era ocupada por diversos povos semi-nômades, sendo que, por volta do ano 5.000 a.C já havia tribos sedentárias na região. No entanto, como sabemos, a formação de cidades na Europa começou bem depois, por volta de 2.000 a.C. na Ilha de Creta, onde foram construídas grandes cidades como Cnossos, Mália, Faina e Cânia.

Os cretenses criavam animais como cabras, bois e ovelhas, produziam leite, iogurtes, queijos, etc. Também plantavam uvas, azeitonas, trigo e cevada. Fabricavam objetos e ferramentas de cobre e bronze. Produziam cerâmica (vasos, potes) e inventaram uma escrita própria. O próprio Zeus teria nascido na ilha, apontado a relevância desta primeira fase para a sociedade grega. Também era de Creta o mito do Minoutaro (metade homem e metade touro) que vivia em um labirinto. A sociedade cretense se desenvolveu e dominou toda a região do Mar Egeu. Todos os povos que viviam na região era obrigados a pagar tributos aos reis de Creta, demonstrando a hegemonia politica e econômica dos cretenses.

No entanto, a sociedade cretense entrou em crise por volta de 1.400 a.C, perdendo seu poder politico e econômico. Com isso, foi dominada pelos Aqueus que ja viviam na Peninsula de Peloponeso desde 1.800 a.C. na cidade de Micena. O mito da morte do minotauro cretense, morto por Teseu (do povo aqueu) com a ajuda de Ariadne, marcou a crise de Creta e a ascensão do povo aqueu.

A hegemonia dos Aqueus de Micenas
Quatro povos formaram o povo grego: Aqueus, Eoleos, Jônios e Dórios. Os povos Aqueus chegaram na península de Peloponeso por volta de 1.800 a.C. Foram eles que construíram a cidade de Micena e desenvolveram a civilização micênica. Nesse período, eram os cretenses que dominavam toda a região do Mar Egeu, por isso os Aqueus eram obrigados a pagar tributos a Creta.


















A sociedade micênica era predominantemente rural, com forte poderio militar, era organizada em torno de palácios, o que lhe valeu a designação de sociedade palaciana, isso porque era liderada pelo palácio e seus guerreiros. Seus palácios eram fortificados como palácios-fortaleza cercados por grandes muralhas. Além de micenas, também construíram as cidades de Pilos e Tirinto. Em tal contexto, frente a uma infinidade de povos e guerreiros nômade que circulavam pela Europa, os camponeses pagavam tributos aos palácios para receber proteção. 
Os micênicos também criavam animais como ovelhas, bois e vacas, plantavam uvas e olivas. Possuíam uma camada de guerreiros e de sacerdotes. Também possuíam escrita própria para registrar a vida nos palácios. O auge da sociedade micênica se deu entre os anos 1600 a 1200 a.C, nessa fase, os micênicos passaram a dominar a Ilha de Creta. Neste processo, a cultura micênica se misturou com a cretense, surgiu assim a cultura creto-micênica.















Durante o século XIII a.C. sociedade micênica entrou em crise e foi dominada pelos Dórios. A dispersão de aldeões dos entornos dos palácios, somada às guerras, disputa territoriais e invasões, desagregaram todo o sistema palacial micênico. Ainda assim, o intercâmbio cultural dos minoicos, micênicos e dórios lançaram as bases do que viria a ser a sociedade grega.

A hegemonia dos Dórios em Esparta: guerra e desigualdade
A cidade-Estado de Esparta foi fundada pelos Dórios, um povo guerreiro que chegou na Península de Peloponeso por volta do ano 1.200 a.C. Eles dominaram os Aqueus e iniciaram uma nova cultura na península. Os dórios assimilaram a cultura, os deuses e tradições creto-micênicas, bem como as técnicas de agricultura e cerâmica. Ao mesmo tempo, os dórios inseriram a utilização do ferro em larga escala na península para a fabricação de armas e ferramentas. A cidade-Estado de Esparta se desenvolveu muito entre os anos 800 a.C. e 500 a.C., chegando a dominar toda a Península de Peloponeso.

Os espartanos eram totalmente devotados à guerra e ao combate, as crianças eram iniciadas na arte da guerra aos 7 anos e treinavam durante a vida toda. Os grandes generais do exército eram também os maiores proprietários de terra e riquezas (expropriaram os antigos habitantes da península).

Esparta construiu um respeitado legado militar, sendo vista como uma potência bélica-militar. Os espartanos dominavam os micênicos e os fez de servos, obrigando-os a ceder 50% de sua produção como tributos. Por causa dessa dominação e exploração, os antigos habitantes da península (chamados de Hilotas) viviam se revoltando contra os espartanos dominadores. Por isso, o espartanos viviam em um "estado permanente de guerra" para manter sua dominação.

Atenas antiga: comércio marítimo e escravidão de massa

A cidade de Atenas foi formada pelos povos Jônios que chegaram na Península Ática por volta do ano 1.500 a.C. Com o fim do domínio creto-micênico, os jônios puderam desenvolver sua produção e sua sociedade, edificando Atenas por volta do ano 900 a.C.  e dominando a península Ática por volta do ano 800 a.C. Também produziam trigo, cevada, azeitonas, produzindo azeite e vinho. Neste processo, pôde se especializar-se no comercio marítimo, dominando todo o mar Egeu (lembremos que a antiga potência cretense havia sido abatida).

Formou-se uma nobreza em Atenas, esta foi chamada de Eupátridas (bem nascidos). Eles dominavam a propriedade das terras e a produção agrícola de exportação, com isso dominavam o comercio marítimo com as outras cidades-Estados por meio do mar Egeu. Os Eupátridas eram a aristocracia de Atenas e dominavam os camponeses e artesãos. Por outro lado, os camponeses e artesão viviam endividados e por isso acabavam sendo escravizados. Neste processo de endividamento contínuo, metade da população de Atenas era de escravos.

Dessa forma, a sociedade grega foi produto da desagregação do velho mundo creto-micênico. A dissolução desta sociedade produziu “os núcleos comunais que irão caracterizar a civilização grega” (ANDERSON, 1994, p. 59). Os antigos palácios foram reapropriados e, assim, nasceram as pólis como núcleos de poder. Este processo se deu entre os séculos XII e VII a.C., período também denominado de “Idade das Trevas”, talvez porque nele os núcleos urbanos sofreram refluxo, a produção e a economia regrediram. Ao longo da passagem da Idade das Trevas para o Mundo Arcaico, os núcleos urbanos se recompuseram na região da Grécia lançando as bases para a sociedade Ateniense e Espartana.

Foi dentro dessa nova processo que se deu a introdução do trabalho escravo em larga escala, marcadamente no século V a.C. Assim, foi nessa fase em que se verificou a expansão da produção com base no trabalho escravo. Nesse período que a democracia escravista grega atingiu o seu ápice. Com a grande produção de manufaturados, acumulada com base no trabalho escravo Atenas enriquecia.

Conforme sabemos, a democracia escravista ateniense se estruturava com base na desigualdade – mulheres, estrangeiros e escravos não podiam votar. Os pequenos proprietários tinham dificuldade de exercer seu poder de voto. Os grandes proprietários coagiam e compravam votos. Atenas chegou a possuir uma população de 150 mil habitantes, tendo entre 60 e 80 mil escravos. Apenas 6 mil de seus habitantes participavam efetivamente das decisões.

ESCRAVIDÃO COMO BASE DO IMPÉRIO ROMANO

O trabalho escravo utilizado largamente nas propriedade gregas foi expandido ao máximo pelo Império Romano com a implementação do latifúndio escravista. Na Grécia, a escravidão era empregada em áreas pequenas. Já na península itálica deu-se “o surgimento de propriedades agrícolas trabalhadas por escravos em uma até então desconhecida imensidão” (ANDERSON, 1994, p. 59). Recordemos que a grande propriedade sustentada sobre trabalho escravo já era notável durante a república romana (509 a.C.-27 a.C). No ano 43 a.C., estima-se que a Itália tivesse quatro milhões e meio de habitantes livres e um total de três milhões de escravos (ANDERSON, 1994, p. 61). Tudo estava organizado sobre a base do latifúndio escravo. Mas, durante a fase do Império Romano (27 a.C-395 d.C), a base escravista latifundiária foi multiplicada. O latifúndio escravocrata foi a condição primeira da conquista e colonização permanente de extensas terras interiores do Ocidente e do Norte (ANDERSON, 1994, p. 61). Roma dominou todo o Mediterrâneo rapidamente. Já possuía um sistema jurídico que vinha sendo desenvolvido desde o ano 300 a.C.

Conforme podemos observar na figura abaixo, durante a fase monárquica, hegemonizada pelos etruscos (753 a.C.-509 a.C.), o reinado romano possuía um constrito território. Na fase republicana o território foi multiplicado em guerras de conquista e escravização de adversários. Mas foi em 117 d.C, com o imperador Trajano, que o império romano chegou a sua maior extensão territorial: 


Figura: Império Romano.

Quanto mais expandia suas fronteiras pelo continente europeu, mais o Império tinha que se defrontar com a resistência, enfrentamentos e invasões de nômades e outros povos guerreiros. O Império Romano chegou a dividir sua capital para melhor resistir aos ataques, contra-ataques e resistência de outros povos. Em 395, o imperador Teodósio dividiu a administração do Império Romano entre seus filhos: Honório ficou com o Império Romano do Ocidente, e Arcádio com o Império Romano do Oriente. Assim, uma capital continuava em Roma e outra foi estabelecida mais ao leste, onde hoje se localiza Istambul, que foi chamada de Bizâncio, tendo por capital Constantinopla. Esta segunda capital do Império Romano estabelecida no Oriente será responsável por transplantar elementos culturais do ocidente para aquela região, sobretudo o cristianismo. As duas capitais do romanas existiram por quase cem anos. A capital romana foi derrubada em 473, a de Constantinopla será profundamente metamorfoseada e existirá até o século XV. 

Na imagem a seguir podemos observar a configuração do Império Romano do Ocidente e o Império Romano do Oriente:


Figura : A divisão do Império Romano entre Ocidente e Oriente.

Durante o Império Romano importantes obras arquitetônicas foram construídas e resistem ao tempo até nossos dias. A segui podemos observar um Aqueduto construído para o transporte de água:


Figura: Aqueduto romano para transporte de água – Segóvia/Espanha, entre os séculos I e III.

Figura: Aqueduto Pegões – Tomar/Portugual.

CRISE DO IMPÉRIO ROMANO

A crise do Império Romano teve como causa principal o crescimento exagerado de seu exército expansionista, do peso parasitário da Igreja, da estagnação da produção, e também um grande crescimento da população. Com imenso gasto militar, grande gasto com a Igreja, reduzidíssimo investimento em técnicas produtivas e grande crescimento populacional, o Império passou por profundas crises, ciclos de fome, doenças e favelização. 

Em condições de paz, sem aferir novas conquistas territoriais e de novos escravos, o Império entrava em crise de abastecimento. Os preços começaram a subir continuamente nos séculos I, II e III (ANDERSON, 1994). O Estado romano era o maior consumidor individual do Império. Era o foco real de apropriação da produção em massa. Influenciou assim diretamente na origem de um setor manufatureiro dinâmico. Os serviços públicos comuns, estradas, construções, aquedutos, esgotos eram realizados com trabalho escravo (ANDERSON, 1994, p. 78). Espanha, Galícia e Itália eram as províncias romanas mais marcadas pela escravidão.

No século III d.C., entre os anos 235 e 284, a inflação foi estratosférica. O dinheiro desvalorizava-se. A instabilidade política degenerava (ANDERSON, 1994, p. 80). As guerras civis eram ininterruptas. Dos vinte imperadores daqueles anos, dezoito tiveram morte violenta. Às contradições internas somam-se as invasões estrangeiras ininterruptas. Nos últimos anos do Império, assistiu-se a uma devastadora seqüência de invasões de suas gigantescas fronteiras. Tratavam-se de invasões dos povos francos, germanos, alamanos, jutungidas, hérulus, godos, persas e outros povos nômades.

Figura: Templo romano de Córdoba/Espanha, construído no ano 41 d.C. Foto: Alessandro de Moura.

Centrado na escravidão, o Império investia pouco em técnicas produtivas. Mesmo tendo inventado o moinho de água e a colhedeira, estas descobertas ficaram abandonadas só sendo retomadas durante a fase feudal. Anderson aponta que “a máquina militar e a burocracia ampliada ao final do Império cobrou um preço terrível de uma sociedade cujos recursos econômicos haviam, na verdade, declinado” (ANDERSON, 1994, p. 92). Assiste-se a uma intensa polarização social ao final do século IV.



Figura: Ponte Romana em Córdoba/Espanha, construída no século II a.C. Foto: Alessandro de Moura.

Figura: Forte de Tossa del Mar, vila romana do século I a.C. Foto: Alessandro de Moura.

O vasto aparato clerical existente nos últimos anos do Império “foi uma das principais razões da sobrecarga parasitária que exauriu a economia e a sociedade romana” (ANDERSON, 1994, p. 127). Ainda de acordo com Perry Anderson “por volta do século VI, os bispos e o clero no Império remanescente eram em muito maior número que os agentes administrativos e funcionários do Estado, e recebiam salários consideravelmente altos” (1994, p. 127). Dessa forma, para o autor, o cristianismo teria sido uma das causas fundamentais a influir na queda do Império Romano.

Após a queda do Império Romano do Ocidente (476), conquistado por Odoacro, chefe da confederação de tribos germânicas dos hérudus, o território do Império foi dividido em numerosos reinos romano-germânicos. O domínio recém-estabelecido não pôde fixar uma centralização administrativa que repelisse os ataques de nômades e as pilhagens. 





Apenas durante o reino franco de Carlos Magno avançou-se para a conquista de diversos povos vizinhos.

OS NORMANDOS CONQUISTAM FRONTEIRAS DO DECADENTE IMPÉRIO

Em plena decadência do Império Romano (entre os séculos V e VI), os normandos tiveram grande protagonismo nas invasões na Europa. Eles tinham imensa vantagem sobre os povos sedentários do antigo Império Romano, sobretudo porque dominavam cavalos e eram nômades. A guerra era seu estilo de vida, por isso desenvolveram muito as estratégias de ataque e defesa, eram guerreiros por sua própria natureza social. Tinham ampla vantagem nas lutas e disputas, seu objetivo central era a pilhagem de ouro e prata. Os nômades eram povos formados para a guerra. As invasões de domínio de territórios na Europa, sobretudo pós-queda do Império Romano, eram facilitadas porque as populações europeias, em geral, contavam com pouca densidade populacional. Dessa forma, os normandos, guerreiros nômades, tinham imensa vantagem sobre aquelas rarefeitas populações sedentárias. Tinham especial estratégia guerreira provada na prática. Organizavam metodologicamente suas defesas e ataques.

Os normandos vão tornando-se sedentários e estabelecendo-se no antigo Império Romano. Seus reinos vão se estabelecendo na Europa e construindo fronteiras. Com isso, o cristianismo penetra em suas tradições, ou seja, as invasões ao decadente Império Romano produziram intensa interação socio-linguística, constituindo assim um caldo de cultura comum. Normandos, húngaros (durante o século VIII e IX) e escandinavos misturam-se consanguineamente com os povos europeus. Bloch aponta que nesse período, decorrido até por volta do ano 991, “o nacionalismo era um sentimento desconhecido” (BLOCH, 2012, p. 66). Destaca ainda que a influência normanda foi muito mais forte na Inglaterra do que na França.

Além dos normandos, os árabes também avançavam Europa adentro por meio da Espanha. Por outra face, lutando para resistir às invasões dos normandos e vikings, os árabes estabelecidos na Espanha chegaram a bloquear a navegação dos piratas escandinavos em suas águas meridionais.


IMPÉRIO CAROLÍNGIO E AS BASES PARA O SISTEMA FEUDAL

Para defenderem-se dos ataques bárbaros, na Europa, os reis e barões construíam fortificações e castelos. Aos poucos foram contidas as invasões, com destaque para o Império de Carlos Magno – Império Carolíngio – que encontra seu auge durante o final do século VIII. Conseguiu-se estabelecer fronteiras. Magno constitui uma nova unidade em grande parte do Ocidente. O Império Carolíngio expande-se durante todo o período de decadência do Império Romano, encontrando seu ápice no início do ano 800. Perry Anderson registra que o Império Carolíngio entrou em colapso no século IX. Na noite de natal do ano 800, em Roma, Magno foi coroado como Imperator Romanorum. Este processo foi entendido como uma restauração do Império no Ocidente. Magno conquistou imenso prestígio e poder político. No entanto, a unidade do novo Império não durou muito. Após a morte de Magno, seu filho Luís, o Piedoso, assumiu o poder. Com a morte de Luís, o Império foi dividido em três partes pelo Tratado de Verdum (843).



No ano 843, os três netos de Carlos Magno dividiram entre si o Império. Carlos, o Calvo, recebeu a Frância Ocidental (que se tornará França); Luís, o Germânico, ficaria com a Frância Oriental (que se tornará a Germânia); e Lotário ficou com o centro da Itália até Frísia (que se tornará a Lotaríngia).


Para Perry Anderson o Estado Carolíngio marcaria o início do feudalismo (1994, p. 131). Pois neste ínterim foram dados passos decisivos para a formação feudal. No século VIII já se tinha vassalagem (homenagem pessoal) e o benefício (concessão de terras em troca de serviços) (ANDERSON, 1994, p. 134). No século IX passa-se a usar o termo “feudo”. A França, nesse período ficou cheia de castelos e fortificações privadas levantadas por senhores rurais sem autorização imperial. Frente à divisão do Império Carolíngio, buscava-se resistir aos ataques bárbaros e consolidar o poder local. “Essa paisagem cheia de castelos era ao mesmo tempo uma proteção e uma prisão para a população rural” (Anderson, 1994, p. 137). Perpassa-se a multiplicação das relações feudais, tal como a monopolização das relações vassalo-cavaleiro.

A partir desse núcleo social organizado no centro da Europa, foi possível desenvolver uma nova forma de organização social partindo dos escombros do Império Romano e das bases recentes deixadas pelo Império Carolíngio. Os fortes e castelos construídos de forma independente serão também importantes pontos de apoio no controle das invasões. Teve centralidade essas formas de defesa “autônomas” sem um Estado centralizado. Os reinados e principados organizavam-se de forma independente para proteger as riquezas acumuladas, plantações, animais e terras. Ofereciam proteção à massa trabalhadora em troca de trabalho, assim surgiriam as primeiras formas de vassalagem e servidão. Tanto a vassalagem como a servidão são formas oriundas dos germânicos e dos romanos. Com a síntese romano-germânica passa-se a ter os elementos iniciais que delineariam a primeira idade feudal, que para Bloch vai do inicio do século IX até a primeira metade do século XI (por volta de 1050).

É nesse período que os árabes edificam o palácio da Alhambra, na Espanha:


Como destaca Perry Anderson, entre os elementos que definem o feudalismo como uma fusão dos legados do Império Romano com o germânico, considera-se a vassalagem, que é um produto que pode ser atribuído tanto ao Império Romano como aos germânicos (ANDERSON, p. 125).

Esse autor destaca ainda que durante o feudalismo tem-se no Ocidente um grande salto produtivo baseado na utilização de técnicas produtivas, tal como o arado de ferro, os arreios para tração equina, o moinho de água para força mecânica, o adubo calcário e três campos de rotação para a agricultura (ANDERSON, 1994, p. 178). Durante o feudalismo a expectativa de vida quase dobrou, passou de uma média de 25 para 35 anos.

A feudalidade é produto do profundo enfraquecimento do Estado romano. Sem uma instituição unificadora e coletiva, afluíram profundas relações de dependência pessoal. Com a dissolução do Império havia uma legião de chefes e principados dispersos com seus exércitos e suas propriedades. Assim, além de produto resultante da brutal dissolução das sociedades antigas, o feudalismo foi produto também da busca por defesa dos ataques e invasões bárbaras. Formou-se mais como “uma sociedade desigual do que hierarquizada” (BLOCH, 2012, p. 516). Constituiu-se como uma sociedade com “muita gente humilde sujeita a alguns poderosos”. Os chefes dessa sociedade eram guerreiros profissionais, “cavaleiros pesadamente armados” (BLOCH, 2012, p. 516). A subordinação se dava ao chefe mais próximo, e não a um coletivo ou classe.

O feudalismo não constituía um sistema homogêneo, pelo contrário, a Europa feudal era feudalizada de forma desigual (BLOCH, 2012, p. 518), tendo como laço comum a dependência pessoal hereditária. A subordinação entre duas pessoas desiguais era a principal característica do feudalismo, completada pela sujeição pessoal ao invés do regime de salário, com vínculo de proteção e obediência, fracionamento de poderes, supremacia dos guerreiros e da cavalaria cristalizada em uma nobreza armada (surgida no século XII) como braço de defesa dos chefes, reis e principados.



A PRIMEIRA IDADE DO FEUDALISMO
 Bloch define que a primeira idade do feudalismo desenvolveu-se a partir do século IX e estende-se até por volta do ano 1050. Para o autor, a partir do século XI ter-se-ia início a segunda fase do feudalismo, ou a segunda idade feudal, marcada por intenso desenvolvimento, onde se destaca “admirável florescimento artístico” (BLOCH, 2012, p. 82), uma “nova sensibilidade religiosa”, salto na arquitetura romana, mas também por um adensamento populacional, aumento da produção, do comércio e dos exércitos.
Durante a primeira idade feudal as técnicas agrícolas exigiam grandes extensões territoriais para o cultivo. Enquanto metade do solo “descansava”, apenas a outra metade do solo podia ser usada (BLOCH, 2012, p. 84). Para assegurar seus domínios e o estabelecimento dessa primeira idade feudal, “os reis da primeira idade feudal mataram-se literalmente de tanto viajar” (BLOCH, 2012, p. 86). Iam de vilarejo em vilarejo, de feudo em feudo. Muitas vezes, ao cobrar a corveia em produtos, os reis tinham que consumi-las no local onde eram cobradas. Nesse período “existiam várias correntes de troca entre as civilizações circulantes” (BLOCH, 2012, p. 89).

Sendo que as mercadorias mais apreciadas funcionavam como “padrão de troca”, faziam função de criar equivalentes, como uma moeda. Não existia nessa fase a compra e venda como forma determinante, viviam de trocas embora se pudesse vender e comprar (BLOCH, 2012, p. 91). Nesta fase, as prestações de serviços ocupavam ainda lugar mais importante do que a troca, sobretudo para a massa de pobres. O salário tinha um papel ínfimo. 
Figura 12: Castelo de Consuegra/Espanha, construído no século X. Foto: Alessandro de Moura.

A SEGUNDA IDADE DO FEUDALISMO

Mudanças importantes acontecem durante a segunda idade feudal (1050-1250), esta fase transformou a face da Europa. Ela será a fase mais importante das realezas e principados, em que terão surgimento as burguesias urbanas e ampliação do comércio e de grandes construções públicas. “Quantas pontes não foram lançadas sobre todos os rios da Europa, no decurso do século XII” (BLOCH, 2012, p. 94). Bloch aponta que a segunda idade feudal chegou a ser chamada de “renascimento do século XII”. Além das poesias, construções, houve muitas traduções de obras árabes. Os romances e poemas buscavam analisar e explicar os sentimentos. Os moinhos de vento são construídos a partir desse período na Europa. Podemos encontrar doze moinhos, construídos no século XVI, na cidade de Consuegra localizada em La Mancha. Esses foram inspiradores de Dom Quixote de La Mancha, obra de Miguel de Cervantes (1547-1616).


 Figura 13: Moinhos de Vento e o Castelo de Consuegra/Espanha.

Ainda nessa segunda idade feudal, aumenta-se a quantidade de barcos circulantes e as trocas entre países (feitas via Alemanha) intensificam-se sobremaneira na Europa feudal. De acordo com Marx, n’A ideologia alemã, desde a metade do século XII até o final do século XIII “[...] o comércio e a navegação haviam se expandido mais rapidamente do que a manufatura, que desempenhava um papel secundário; as colônias começaram a tornar-se fortes consumidoras, as diversas nações dividiram-se, por meio de longas lutas, no mercado mundial que se abria” (MARX; ENGELS, 2007, p. 58).

Bloch também afirma que a classe dos artesãos e de mercadores ganha grande centralidade durante esse período e tornam-se indispensáveis no ambiente urbano. O comerciante consegue sobrepor-se ao produtor. As cidades tornam-se atrativas também para servos descontentes, conforme apontara Marx “a fuga dos servos para as cidades deu-se incessantemente durante toda a Idade Média” (MARX; ENGELS, 2007, p. 53).

Durante toda a época feudal, o latim era a língua comum. No entanto, conviviam uma infinidade de outras línguas regionais. Logicamente, o latim era a única língua veicular que se ensinava nas escolas monásticas e catedrais. A imensa maioria da população era iletrada, havia apenas um pequeno punhado de pessoas letradas. Não apenas o povo (artesão e camponeses), mas também a maioria dos pequenos e médios senhores eram analfabetos. Dessa forma, ganham importância social e administrativa os clérigos e religiosos letrados que se colocavam a serviço dos poderosos e autoridades. A reforma gregoriana do século XI produz um despertar religioso. O Papa Gregório VII buscou colocar o padre acima do simples crente. Os padres, que até o século XI, tinham suas sacerdotisas foram proibidos de se casar. Com as reformas de Gregório, a Igreja galgou lugar de superioridade na sociedade feudal, aproximando-se das classe mais poderosas. Junto com os senhores, a Igreja compunha o corpo de grandes juízes feudais.

Como a maioria da população era iletrada, as poesias guerreiras, épicas, místicas, glorificações dos chefes em epopeias eram, em sua maioria, transmitidas por via oral. A Itália antiga, sede do Império Romano, era a região mais letrada da Europa.

Interessante notar que esta nova sociedade que surge não contava com um sistema próprio de leis. Assim, os textos e costumes romanos e germânicos, bem como suas leis foram essenciais para constituir a base jurídica para a organização do feudalismo. Além disso, utilizava-se ainda as leis criadas por soberanos de reinos bárbaros, tanto o que se tinha escrito como as tradições puramente orais. A “Itália erudita” continuava a fornecer fontes escritas para as leis, “o que foi tem o direito de ser”, como destaca Bloch, “a maior parte dos tribunais contentavam-se com decisões puramente orais” (BLOCH, 2012, p. 144). Visando a transmissão das leis para as novas gerações, nas decisões dos tribunais, era comum levar crianças para que aprendesse a tradição jurídica. Para Bloch “o grande erro do feudalismo foi precisamente a sua inaptidão para construir um sistema jurídico verdadeiramente coerente e eficaz” (BLOCH, 2012, p. 273). Por não ter estabelecido um sistema jurídico próprio para a resolução das contendas, havia uma gigantesca margem de manobra no que tangia a direitos e deveres. As lacunas jurídicas existentes eram sempre preenchidas em favor do mais forte. Muitos acordos jurídicos eram rompidos por base no equilíbrio de forças.

JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS

Uma vez houvesse prejuízo, garantia-se o direito à vingança. Nas relações sociais, de trabalho, de produção e de posse, os laços consanguíneos exerciam grande importância. As relações de parentesco junto com as relações de vassalagem são as centrais, daí desdobram-se as vinganças de consanguíneos, onde se podia punir e matar o criminoso e seus descendentes. A desgraça de um caía sobre toda a família. “A honra ou a desonra de um dos membros recaía sobre a pequena coletividade inteira” (BLOCH, 2012, p. 158). O cadáver pedia a vingança consanguínea.

As famílias se vingavam umas das outras, mas também se uniam para fortalecer suas posses e poderes. Neste plano, o casamento era uma associação de interesses coletivos e não uma simples opção pessoal. Nesse caso, o amor só existia em relações extraconjugais.

O senhor também podia vingar-se por um prejuízo ou mal feito causado a seu vassalo, assim como o vassalo tinha a obrigação de defender o seu senhor. O feudalismo era a sociedade em que o homem pertencia a outro homem. Ao prejudicar um vassalo, podia-se prejudicar também o seu senhor. Como a vassalagem se dava sempre entre um mais forte e outro mais fraco, a defesa mútua era determinante. A vassalagem era, sobretudo, uma relação das classes superiores, assim a mesma dinâmica social não se aplicava aos camponeses, vilãos e artesãos (BLOCH, 2012, p. 180). Porém, “por toda parte os fracos sentiam a necessidade de se aproximar de alguém mais poderoso do que eles” (BLOCH, 2012, p. 180). Embora pudessem ser revogadas, as relações de vassalagem faziam-se hereditárias.

Durante o extinto Império Romano, a população contava com a proteção do Estado. Também era o Estado que protegia a propriedade privada. Com a queda do Império, foi necessário instituir uma ordem de guerreiros profissionais para trabalharem em serviço dos reinados e principados. As guardas privadas tornam-se uma necessidade objetiva. Tal especialização e armamento ganhavam corpo ainda durante a primeira idade feudal. O vassalo tinha que proteger seu senhor com armas nas mãos. Por isso começou-se a treinar as habilidades de combate ainda na infância, antes dos doze anos de idade. O rei fazia seus vassalos as pessoass às quais confiava os primeiros cargos do Estado, comandos territoriais, condados e ducados. Porém, nenhuma concessão era vitalícia, o rei poderia cassá-las. A hereditariedade vai ganhando terreno durante a segunda idade feudal, ou seja, de 1050 em diante. Na Normandia, em 1066, o feudo passou a ser hereditário. Depois do século XII os feudos podiam ser vendidos ou cedidos.

Enquanto os reinados e principados garantiam a proteção dos vassalos, “o dever primordial do vassalo era o auxílio de guerra”. Raramente o vassalo aparecia sozinho para auxiliar seu senhor em uma guerra. O vassalo tinha ainda como desígnio fazer guarda no castelo senhorial, “se ele próprio possuía uma fortaleza, deveria pô-la à disposição de seu senhor” (BLOCH, 2012, p. 262). O vassalo devia ajudar seu senhor com a sua espada, com conselho e, por fim, com dinheiro (BLOCH, 2012, p. 265). Também o senhor tinha que proteger e auxiliar seu vassalo, “o homem será defendido pelo seu senhor”. A vassalidade era comparada ao parentesco consanguíneo (BLOCH, 2012, p. 267) e o vassalo confiava a seu senhor a educação de seu filho, que viveria na casa de seu senhor, tornando-se dele um auxiliar permanente. O sistema de proteção determinava que “o acordo vassálico unia dois homens que, por definição, não eram do mesmo nível” (BLOCH, 2012, p. 270). Começava do rei ou príncipe para com um súdito, um subordinado, e descia criando outras relações de dependência. “O primeiro dever do bom vassalo, naturalmente, é saber morrer pelo seu chefe, com a espada na mão” (BLOCH, 2012, p. 276). Tanto a Igreja como os poetas propagavam este dever com honras e louros. No entanto, a fidelidade não era absoluta. As relações de vassalagem oscilavam entre a dedicação e a infidelidade.

Com o passar do tempo, a posse das terras é que passaram a determinar a relação entre os homens. O interesse pela terra é que balizaria as relações pessoais durante a segunda idade feudal “o herdeiro só prestava homenagem com vista a conservar o feudo” (BLOCH, 2012, p. 281). A honra ficaria secundarizada. O vassalo passava a ser uma espécie de locatário que pagava com “serviços e obediência”. Mas ainda existiam senhores que contavam com vassalos fiéis, que reproduziam os primeiros vínculos de vassalagem (BLOCH, 2012, p. 282).

 COMO ERAM DIVIDIDOS OS PRODUTOS DOS FEUDOS

No feudo havia uma organização que estabelecia a divisão da produção entre senhor e vassalo, entre vassalo e servo. Havia o domínio ou reserva, onde se produzia o que seria destinado à apropriação direta pelo senhor. Havia ainda a tenures, que eram pequenas e médias áreas do mesmo feudo destinadas à exploração camponesa, onde o camponês trabalhava para si próprio durante três dias da semana.

Mesmo aldeias que estavam fora do domínio de qualquer senhor, para conseguirem proteção de seu exército, por vezes aldeias inteiras, se colocavam sob a autoridade de um senhor (Bloch, p. 291). Com a proteção vinha também a opressão senhorial e a apropriação direta dos frutos do trabalho camponês. No século XII se pagava a dízima, a corveia, a talha, banalidades aos senhores. As obrigações de pagar ao senhor foram se agravando (BLOCH, 2012, p. 299). Apenas os guerreiros contavam com liberdade frente à opressão senhorial. Ainda assim, os servos não se viam em proximidade alguma com os antigos escravos do Império Romano, o servo feudal se sentia livre, dono do produto de seu trabalho e com obrigações apenas com outro homem mais poderoso que ele. Não se sentia preso à terra. Assim, o vilão, que vivia na vila, era um camponês considerado livre.

Já na segunda idade feudal (a partir do ano 1050) podia-se substituir as corveias por pagamentos em dinheiro. No século XIII já haviam as alforrias que liberavam da servidão aldeias inteiras (BLOCH, 2012, p. 329).

NOBREZA: UM BRAÇO ARMADO DAS MONARQUIAS E PRINCIPADOS

Por haver a dominação de diversos grupos, em fios paralelos, não se pode dizer que o feudalismo era o domínio estrito da nobreza, pois muitos outros grupos dominantes não faziam parte da nobreza mas exerciam sua dominação. Ainda, a nobreza só apareceria enquanto classe de fato durante a segunda idade feudal. Só depois do século XII a nobreza tornou-se uma classe com privilégios hereditários e direitos próprios. Toda a primeira idade feudal ignorava sua existência.


Descendentes de guerreiros subordinados aos reis e príncipes, a nobreza só surge na fase inicial do declínio das relações de vassalagem. O enfraquecimento dos laços de vassalagem deixam um flanco aberto que expõe os reis e principados tornando-os mais vulneráveis. Durante a segunda idade feudal os nobres tornaram-se conselheiros e companheiros de armas da coroa. Os nobres eram, eles próprios, o corpo nobre dos guerreiros. Eram homens que comandavam outros homens e podiam mover batalhões em favor dos senhores. Depois da segunda metade do século XII proibiu-se armar às classe inferiores, constituindo um monopólio de armas nas mãos da nobreza. A nobreza torna-se a classe bem armada. Frente a todos os guerreiros, “o guerreiro nobre era mais bem armado e um guerreiro profissional” (BLOCH, 2012, p. 343). Tinha cavalos e armamento completo. O cavaleiro tornou-se o equivalente ao nobre.

O orgulho dos nobres era um orgulho guerreiro. Viviam para a guerra, sendo que “a guerra para eles não era apenas um dever ocasional para com o senhor, para com o rei, para com a linhagem. Ela representava muito mais: uma razão de viver” (BLOCH, 2012, p. 345). Era direito dos guerreiros apossarem-se de todos os bens da pilhagem, assim, quanto mais se guerreava e vencia, mais se podia acumular. Por ser um guerreiro nato, descendente de outros guerreiros que serviam o castelo, o nobre nada tinha de agricultor. Guerreava e participava de torneios que eram convocados por reis e barões. Demonstrava suas habilidade e força publicamente. Apenas os nobres de linhagem comprovada podiam lutar. Os vencedores se apoderavam dos equipamentos, do cavalo do vencido e às vezes até de sua pessoa, que só poderia recuperar sua liberdade mediante um resgate. O combate podia ser uma profissão muito lucrativa. Unia alegria da luta com altos ganhos. O nobre era, assim, um fiel bem armado e testado no calor do combate. A mulher nobre podia comandar com dureza o feudo e seus criados, ela era letrada e culta. Os nobres deviam ter talentos literários, ler e escrever poemas. Consagrando matrimônios que eram verdadeiros negócios entre família, o amor raramente se dava dentro do casamento, “o amante nunca é o marido” (BLOCH, 2012, p. 364).

A Igreja buscava beneficiar-se dos serviços dos guerreiros. Lutou para poder abençoar os rituais de armamentos, fazendo-os guerreiros a serviço de Deus que, por sua vez, ganhavam como incumbência da “Santa Igreja” perseguir os malfeitores e pagãos. O clero possuía feudos e vassalos, laicos e fiéis, vassalos militares e simples camponeses. Os párocos homenageavam seus senhores e recebiam homenagens de seus vassalos.

Também a cavalaria não se manteve fechada para si. No século XII surge também o patriarcado urbano, ricos comerciantes que facilmente adquiriram senhorios para si próprios ou para seus filhos. Os guerreiros não gostaram disso, mas no século XIII passou-se a possibilidade de acesso à cavalaria a novas personagens que, por terem muitas posses, puderam ascender à nobreza. Na Inglaterra, a nobreza não existia, seu equivalente era o fidalgo. A nobreza era símbolo da França e da Alemanha. Os nobres não constituíam uma classe homogênea, havendo entre eles hierarquia. Assim, um nobre podia se tornar chefe de outros nobres, fazendo-se nobre de maior dignidade.


O SURGIMENTO DA BURGUESIA

É também durante a segunda idade feudal, a partir de 1250, que surge a burguesia. Ela deriva de um desdobramento do vilão, lavrador, trabalhador braçal. Daí surgem os comerciantes e artesãos que ganham maior densidade na segunda idade feudal. N’A ideologia alemã, Marx apontava que “o século XIII foi o século do comércio”. Esses comerciantes e artesãos podiam escolher um lugar para trabalhar, morar em uma vila, fortificá-la para se proteger de ataques, assim formando o burg que era apenas “um lugar fortificado” (BLOCH, 2012, p. 418). Nas palavras de Marx e Engels, “dos servos da Idade Média nasceram os moradores dos primeiros burgos; dessa população municipal saíram os primeiros elementos da burguesia” (MARX; ENGELS, 2004, p. 41).

Os burgueses são urbanos e conquistaram um lugar próprio. Marx e Engels, ainda n’A ideologia alemã, mostravam que “o comércio e a manufatura criaram a grande burguesia, enquanto nas corporações concentrava-se a pequena burguesia” (MARX; ENGELS, 2007, p. 57). Sempre que enriqueciam compravam feudos e portavam armas, viviam de trocas por meio das quais acumulavam do sobre-preço. Os lucros da burguesia provinham do vender mais caro do que custou. Viviam do lucro intermediário, viajavam percorrendo estradas em busca de novas vendas. Por sua função e posição social, a burguesia era um corpo estranho na sociedade feudal (BLOCH, 2012, p. 419). Para se protegerem, ao invés de buscar um senhor que lhes oferecesse proteção, os burgueses associavam-se a outros burgueses de poderes compatíveis, criavam as comunas que ligavam-nos com seus iguais. As relações entre burgueses não se davam de baixo para cima como as relações de vassalagem onde um fraco ligava-se a um forte. Pelo contrário, “a originalidade do juramento comunal foi ligar dois iguais” (BLOCH, 2012, p. 420). Era algo revolucionário e que atraía antipatia de um mundo hierarquizado. Em meio a uma multidão de chefes que tinham o poder de morte durante a primeira idade feudal, o estabelecimento de relações entre iguais era uma deturpação da ordem feudal. N’A ideologia alemã Marx descreve o processo de surgimento da burguesia como classe:

[...] Na Idade Média, os burgueses eram forçados, em cada cidade, a se reunir contra a nobreza rural a fim de salvar a sua pele; a expansão do comércio e o desenvolvimento das comunicações levaram as diversas cidades a conhecer outras cidades que haviam defendido os mesmos interesses na luta contra a mesma posição. Das muitas burguesias locais das diversas cidades nasceu pouco a pouco a classe burguesa. As condições de vida dos burgueses singulares, pela oposição às relações existentes e pelo tipo de trabalho que daí resultava, transformaram-se em condições que eram comuns a todos eles e, ao mesmo tempo, independentes de cada um individualmente. Os burgueses criaram essas condições na medida em que se separaram da associação feudal, e foram criados por elas na medida em que eram determinados por sua oposição contra a feudalidade então em vigor. Com o estabelecimento do vínculo entre as diferentes cidades, essas condições comuns desenvolveram-se em condições de classe. Condições idênticas, oposição idêntica e interesses idênticos também tinham que provocar, necessariamente em todas as partes, costumes idênticos. A própria burguesia desenvolve-se progressivamente dentro de suas condições, divide-se novamente em frações distintas, com base na divisão do trabalho, e termina por absorver em si todas as preexistentes classes de possuidores (enquanto desenvolve a maioria das classes possuidoras preexistentes e uma parte da classe até então possuidora em uma nova classe, o proletariado), na medida em que toda a propriedade anterior é transformada em capital industrial ou comercial [...] (MARX; ENGELS, 2007, p. 63).

Bloch destaca que os burgueses se protegiam e atacavam; eram muito duros com os pobres e devedores. Eram impiedosos com os credores. Ao mesmo tempo, por possuir dinheiro e armas, também podiam oferecer proteção e entreajuda. Quanto mais se aprofundava a crise do feudalismo, mais se fortalecia e se fazia livre a burguesia. Tornava-se uma classe “armada e autônoma” em sua comuna. Com a dissolução dos laços feudais, com sua imensa liberação de mão-de-obra que se tornará disponível (vassalos, servos, mestres e aprendizes), a burguesia, formando-se como classe de ricos comerciantes, conseguirá direcionar todas as forças produtivas em favor das manufaturas e comércio. As classes que eram oprimidas pelo feudalismo entrarão sob o domínio burguês. Como formulariam Marx e Engels no Manifesto Comunista “a sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das que existiam no passado” (MARX; ENGELS, 2004, p. 30). É também durante a segunda idade feudal que se formaria a Câmara dos Comuns, onde se constitui uma justiça senhorizada (BLOCH, 2012, p. 438). Participando desse espaço, a burguesia pôde tomar parte nas decisões administrativas.


O ESTADO FEUDAL

Durante a segunda idade feudal ganha força a unificação em Estados, com moeda, funcionalismo assalariado e exército pago. O Estado passa a acumular muito mais recursos do que qualquer coletividade privada (BLOCH, 2012, p. 494). Voltam à tona lembranças e histórias da majestosa grandeza do Império Romano. No entanto, ao invés de dar lugar a um novo Império Europeu com apenas um governo unificador como foi o Império Romano ou algo parecido com o Império de Carlos Magno, a administração feudal concentrada é a base para a formação dos Estados nacionais independentes. Os Estados nacionais sobreviverão à queda do sistema feudalista e serão base central da estrutura determinante nos próximos séculos.


A CRISE DO FEUDALISMO NO OCIDENTE EUROPEU

A crise do feudalismo foi essencialmente uma crise produtiva. A divisão do trabalho do feudalismo determinava que os servos produzissem para si mesmos e para os seus senhores. Os senhores exigiam cada vez mais produção dos camponeses. Chegou-se a um momento de superprodução com consequente exaustão dos solos. Isso, por sua vez, consequentemente levou a uma queda da produção, escassez e fome. Eclodem grande número de revoltas camponesas, guerras, a peste negra e intensificação do comércio, que por fim produziram uma crise de morte em todo o sistema feudal.

Perry Anderson denota que houve abrupta ascensão dos preços dos cereais entre o ano 1000 e 1300, um aumento de 300%. Com isso, as vendas podiam ser muito lucrativas, o que intensificava o comércio. Mas, no entanto, as altas de preços causavam revoltas. Para Anderson, a crise do feudalismo foi produto de um crescimento populacional exagerado que agravou o pouco investimento em técnicas produtivas e em fertilidade dos solos. São problemas que se interligam: a crise produtiva, populacional, o crescimento da inflação e as revoltas populares. Tem-se uma crise de fome na Europa entre os anos 1315 e 1316. As terras começaram a ser abandonadas, a natalidade cai. O declínio da população levou ao declínio da demanda (ANDERSON, 1994, p. 193). As forças de produção encontraram limites objetivos. A Guerra dos Cem Anos (1337 a 1453) intensificou a crise na Europa, a população ainda teve que enfrentar a peste negra em 1348 e a Guerra das Duas Rosas na Inglaterra (de 1455 a 1485). De acordo com Anderson, “estes desastres acumulados desencadearam uma luta de classes desesperada pela terra”. Nesse processo, perdeu-se 40% da população europeia (ANDERSON, 1994, p. 195).

De acordo com Perry Anderson, com as grandes concentrações populacionais nas cidades, os centros urbanos tornaram-se também lugares onde eclodiam os movimentos contestatórios. As principais ondas de levantes se deram em Bugres, Gand em Flandes, Paris, norte da França, Condres no sudeste da Inglaterra, Barcelona e Catalunha. “Os violentos levantes rurais da época, mesmo em caso de derrota, traziam mudanças no equilíbrio das forças de classe na terra” (ANDERSON, 1994, p. 198).

Os movimentos rebeldes das cidades influenciavam o clima político no campo. “No Ocidente, a relativa densa rede de cidades exercia uma constante influência gravitacional no equilíbrio de forças sociais no interior”. A existência desses centros de mercado tornava-se também uma alternativa de fuga para os camponeses descontentes (ANDERSON, 1994, p. 199). Ao mesmo tempo, enquanto prejudicava a ordem de dominação e de produtividade no campo, as fugas de camponeses para os centros urbanos eram uma fonte de mão-de-obra para os artífices urbanos e para a manufatura.
A nobreza, percebendo este movimento, passou a investir mais na atividade pastoril para abastecer a indústria de lã que se desenvolvia nas cidades. Em meio a esse processo, já no início do século XIV, na primeira e segunda décadas de 1300, no Norte da Itália a servidão havia desaparecido. Nos próximos cinquenta anos, o mesmo se daria na França e Inglaterra (ANDERSON, 1994, p. 202). Assim, a dissolução do feudalismo começou na Europa no final do século XIII e início do século XIV. De acordo com Marx, esse processo libera enorme contingente de vassalos feudais e militares que tornam-se mão-de-obra supérflua no feudalismo decadente. Com isso “uma massa de proletários livres como pássaros foi lançada no mercado de trabalho pela dissolução dos séquitos feudais” (MARX, 1985, p. 264). Enquanto as propriedades dos grandes senhores foi conservada, as casas dos pequenos proprietários, todos que tinham menos de vinte acres de terra, foram destruídas (MARX, 1985, p. 265).
Os expulsos das terras pela dissolução dos séquitos feudais e pela intermitente e violenta expropriação da base fundiária, esse proletariado livre como pássaros não podia ser absorvido pela manufatura nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo. Por outro lado, os que foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vida não conseguiram enquadrar-se de maneira igualmente súbita na disciplina da nova condição. Eles se converteram em massas de esmoleiros, assaltantes, vagabundos, em parte por predisposição e, na maioria dos casos, por força das circunstâncias. Daí ter surgido em toda Europa ocidental, no final do século XV e durante o século XVI, uma legislação sanguinária contra a vagabundagem. Os ancestrais da atual classe trabalhadora foram imediatamente punidos pela transformação, que lhes foi imposta, em vagabundos e paupers. A legislação os tratava como criminosos “voluntários” e supunha que dependia de sua boa vontade seguir trabalhando nas antigas condições, que já não existiam. Na Inglaterra, essa legislação começou sob Henrique VIII. Henrique VIII, 1530: “Esmoleiros velhos e incapacitados para o trabalho recebem licença para mendigar. Em contraposição, açoitamento e encarceramento para vagabundos válidos. Eles devem ser amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue corra de seu corpo, em seguida devem prestar juramento de retornarem a sua terra natal ou ao lugar onde moraram nos últimos três anos e ‘se porem em trabalho’. [...]. Aquele que for apanhado pela segunda vez por vagabundagem deverá novamente ser açoitado e ter metade da orelha cortada; na terceira reincidência, porém, o atingido, como criminoso grave e inimigo da comunidade, deverá ser executado”. (MARX, 1985, p. 275).

Como aponta Marx e Engels n’A ideologia alemã, por conta dessa vagabundagem, na Inglaterra, as execuções foram feitas em massa.

Com o começo das manufaturas deu-se, simultaneamente, um período de vagabundagem, causado pela dissolução das vassalagens feudais, pela dissolução dos exércitos que haviam sido formados e servido aos reis contra os vassalos, pela agricultura melhorada e pela transformação de grandes porções de terra cultiváveis em pastagens. Por aí já se mostrava como a vassalagem encontra-se inteiramente ligada à dissolução da feudalidade. Já no século XIII sucederam-se diferentes épocas desse tipo, muito embora a vagabundagem só tenha se estabelecido de forma geral e permanente com o fim do século XV e início do século XVI. Esses vagabundos tão numerosos que o rei Henrique VIII da Inglaterra, entre outros, mandou enforcar 72 mil deles [...] (MARX; ENGELS, 2007, p. 56).

Em sua fase final, o feudalismo passou por várias etapas transitórias com rápidas transformações significativas, produzidas pelos limites objetivos de expansão e manutenção daquele sistema. No seu auge, a sociedade feudal produziu um comércio vigoroso entre núcleos urbanos, fortes exércitos e Estados centralizados. Surge também uma classe de comerciantes que sobreviverão e colherão os lucros de sua decadência, a classe burguesa. Com a crise do sistema feudal, criam-se as bases para os Estados absolutistas na Europa. De acordo com Perry Anderson em Linhagens do Estado Absolutista:


A longa crise da economia e da sociedade europeias durante os séculos XIV e XV marcou as dificuldade e os limites do modo de produção feudal no fim do período medieval. Qual foi o resultado político final das convulsões continentais dessa época? O Estado absolutista emergiu no Ocidente ao longo do século XVI. As monarquias centralizadas de França, Inglaterra e Espanha representam uma ruptura decisiva com a soberania piramidal e parcelada das formações sociais medievais, com seus sistemas de suseranias e propriedade. (...). (Anderson, 2013, p. 15).

No entanto, para o autor, os Estados absolutistas não representam uma superação completa em relação ao feudalismo. "Pois o fim da servidão não significou o desaparecimento das relações feudais no campo". (Anderson, 2013. p. 17). Pelo contrário, o absolutismo é uma resposta da nobreza feudal ao processo de desagregação do feudalismo ocidental. O domínio da nobreza sobre a massa rural continuava, no entanto, a nobreza concentra seu poder na figura monárquica. Dentro disso: "(...) As monarquias absolutas introduziram exércitos regulares, burocracias permanentes, impostos nacionais, leis codificadas e os primórdios de um mercado unificado". (Anderson, 2013, p. 17). Em outro trecho do mesmo livro, Anderson aponta que:


Em qualquer sociedade pré-industrial, os senhores que continuaram sendo proprietário de meios de produção fundamentais eram, por certo, os nobres donos de terras. Por todo o início da época moderna, a classe dominante – política e economicamente – foi, portanto, a mesma da época medieval: a aristocracia feudal. Essa nobreza passou por profundas metamorfoses nos séculos que se seguiram ao encerramento da Idade Média: mas, do começo ao fim da história do absolutismo, jamais se viu desalojada do comando do poder político. (p. 18).

OU seja, mesmo em meio ao turbilhão de mudanças, desagregação dos feudos e o fim das relações de vassalagem e servidão, a nobreza consegue se manter como classe dominante, mas sobre outra roupagem, por meio da centralização do poder político no Estado absolutista. Instituição social que concentrou o poder político, econômico e militar em favor da nobreza. Segundo Anderson: "Em essência, o absolutismo era apenas isto: um aparato de dominação feudal reimplantado e reforçado, concebido para reprimir as massas camponesas de volta a sua posição social tradicional – a despeito e contra os benefícios que elas haviam conquistado com a comutação generalizada de suas obrigações". (p. 18). Dessa forma, para o autor, "com o desaparecimento gradual da servidão, o poder de classe dos senhores feudais se viu sob risco direto" (p. 129), então, com a unificação da nobreza, o Estado absolutista, enquanto aparato régio, foi "uma nova carapaça política de uma nobreza ameaçada. (...). (Anderson, 2013, p.19). Esse aparato régio da nobreza ameaçada possibilitou a "repressão das massas camponesas e plebeias na base da hierarquia social", e assim estendeu a dominação da nobreza. Segundo Anderson: 

"O efeito derradeiro desse rearranjo generalizado do poder social da nobreza foi a máquina estatal e a ordem jurídica do absolutismo, cuja coordenação viria a incrementar a eficácia doo jugo aristocrático, ao sujeitar o campesinato não servil a novas formas de dependência e exploração. Os Estados régios do Renascimento foram, primeiro e acima de tudo, instrumentos modernizados para a manutenção do domínio nobre sobre as massas rurais". (2013, p. 21).

Beneficiária direta do Estado absolutista, a nobreza fazia frente as massas camponesas despossídas, mas também à burguesia mercantil que se desenvolvia nas cidades medievais. Esse duplo enfrentamento pela manutenção do poder, é denotado por Anderson:

(...). Assim, quando os Estados absolutistas se constituíram no Ocidente, sua estrutura foi fundamentalmente determinada pelo reagrupamento feudal contra o campesinato, após a dissolução da servidão; mas foi secundariamente sobredeterminada pela ascensão de uma burguesia urbana que, depois de uma série de avanços técnicos e comerciais, agora se desenvolvia rumo às manufaturas pré-industriais, em escala considerável. (p. 23).

Uma das formas de assegurar o predomínio de seus interesses no Estado absolutista era a compra de cargos no Estado:

Assim, no Ocidente, o modo predominante de integração da nobreza feudal ao Estado absolutista tomou a forma de aquisição de “cargos”. Aquele que comprava uma posição no aparato público do Estado depois podia reaver a quantia por meio de privilégios e corrupção (sistema de comissões), nem um tipo de caricatura monetizada da investidura no feudo. (...). Esses detentores de cargos – que se proliferaram na França, Itália, Grã-Bretanha e Holanda – podiam esperar por lucros de 300% a 400%, e talvez ainda mais, sobre o valor de compra. O sistema nasceu no século XVI e se tornou um apoio financeiro central dos Estado absolutistas durante o século XVII. (...). O crescimento da venda de cargos foi, é claro, um dos subprodutos mais surpreendentes do aumento da monetarização nos primórdios das economias modernas e da relativa ascensão da burguesia mercantil e manufatureira nesse contexto. Assim, por esse mesmo motivo, a própria integração dessa burguesia ao aparato estatal, por meio da aquisição privada e da herança deposições e honras públicas, marcou sua assimilação subordinada a uma organização política feudal em que a nobreza sempre constituiu, necessariamente, o topo da hierarquia social. (...) (Anderson, 2013, p. 35-36).

Anderson destaca que, em termos econômicos, o mercantilismo foi a doutrina dos Estado absolutistas:

O mercantilismo era, justamente uma teoria da intervenção coerente do Estado político no funcionamento da economia, no interesse conjunto da prosperidade de uma e do poder do outro. (...). As teorias mercantilistas da riqueza e da guerra estavam, de fato, conceitualmente interligadas: o modelo de comércio mundial de soma zero que inspirava o protecionismo econômico derivava do modelo de política internacional de soma zero que era inerente a seu belicismo. (p. 39). 

Em outro trecho o autor infere que: 

O Estado absolutista centralizou cada vez mais poder político e se empenhou em instituir sistemas jurídicos mais uniformes (...). O Estado absolutista eliminou um grande número de barreiras internas ao comércio e patrocinou tarifas externas contra competidores estrangeiros: as medidas de Pombal no Portugal iluminista foram um exemplo drástico. (p. 42).

Em síntese, para Anderson, o Estado absolutista:

(...). Era um estado fundado na supremacia social da aristocracia e confinado ao imperativos da propriedade da terra. A nobreza pôde entregar o poder à monarquia e permitir o enriquecimento da burguesia: as massas continuavam à sua mercê. Jamais ocorreu uma derrogação “política” da classe nobre sob o Estado absolutista. Seguidas vezes, seu caráter feudal acabou frustrando e falsificando as promessas ao capital. (...).. Exército, burocracia, diplomacia e dinastia continuaram formando um rígido complexo feudal a governar toda a máquina estatal e guiar seus destinos. Na época da transição para o capitalismo, o domínio do Estado absolutista pertencia à nobreza feudal. Seu fim viria assinalar a crise do poder de sua classe: o advento das revoluções burguesas e a emergência do Estado capitalista. (p. 44).


O FEUDALISMO NO ORIENTE

Perry Anderson aponta que o feudalismo no Oriente tem uma estruturação muito distinta da ocidental. Enquanto no Ocidente o feudalismo se produziria a partir da síntese do modo de produção escravo com o modo de produção comunal primitivo em desintegração, no Oriente esta síntese não seria possível, uma vez que sua formação não contou com o latifúndio escravo, não teve uma Antiguidade e nem uma civilização urbana com a densidade grega e italiana. Assim, no Oriente a formação do feudalismo assumiria outros contornos, onde não existiu aquela síntese Ocidental.

O NOMADISMO DIFICULTA A CONSOLIDAÇÃO FEUDAL NO ORIENTE

No Oriente, o impacto das invasões nômades retardaram sobremaneira o sedentarismo, a fixação no solo e a evolução interna das sociedade agrícolas. O nomadismo manteve-se dominante (ANDERSON, 1994, p. 210). Era a criação de rebanhos que constituía sua base produtiva e não a posse da terra e seu cultivo. O maior valor da terra era fornecer pastagens.

Os nômades combinava a propriedade individual – posse de animais –, com a apropriação coletiva das terras (pastos). Os rebanhos pertenciam às famílias, as pastagens pertenciam aos clãs ou tribos (ANDERSON, 1994, p. 212). Mesmo sem fixarem-se nas terras, entendiam-nas como sendo suas (Marx, Formações econômicas pré-capitalistas). O que interessa aqui é a reprodução e a apropriação do rebanho e não o solo. Por isso, o direito de se mover de terras em terras, de pastos em pastos, era mais importante do que o direito de fixar-se na terra. Os clãs e tribos tomavam decisões em assembleias e assim se organizavam e decidiam sobre a distribuição das pastagens.

Criavam cavalos, o que por sua vez os equipavam preparando-os para as guerras. Possuíam “a melhor cavalaria do mundo” (ANDERSON, 1994, p. 214). Desenvolveram os “arqueiros montados”, cavalaria da qual provinha o seu grande poderio militar. Eram capazes de cobrir longas distâncias em alta velocidade, mantinham-se coesos e organizados em um comando cerrado. Por isso obtinham grande êxito em suas expedições, daí vem a projeção histórica dos nomes de Átila e Gengis Kan. Mediante a organização e predomínio nômade, o feudalismo sedentário só encontraria espaço no Oriente durante o século X.

A consolidação do feudalismo encontraria dificuldades particulares nessas regiões, pois a Europa Oriental tinha uma população muito menos densa em um território muito mais extenso. No século XIII contava com treze milhões de habitantes, enquanto que na Europa Ocidental, no mesmo período, em uma zona muito menor, concentravam-se 35 milhões de habitantes. Ou seja, como completa o autor “o tipo de superpopulação que existia no Ocidente por volta de 1300 era desconhecido no Oriente” (ANDERSON, 1994, p. 237).

Houve uma “lenta transição na lavoura arável regular” que aumentava o excedente disponível, o que por sua vez criou uma “nobreza guerreira, divorciada da produção econômica”. Criou-se assim um estamento social superior fazendo surgir os príncipes e chefes guerreiros. Tal processo foi acompanhado pelo surgimento de pequenas cidades no século IX e X na Rússia, Polônia e Boêmia. Na Polônia eram “centros tribais fortificados, dominados por castelos locais” (ANDERSON, 1994, p. 221). Assim, houve o fortalecimento de aristocracias de clã e tribo, que deram lugar ao surgimento de príncipes e chefes. Esses príncipes e chefes criavam as estruturas para seus próprios Estados territoriais.

Soma-se a esse processo um segundo elemento que contribuiria diretamente para o estabelecimento de estruturas de Estado no Oriente: a Igreja cristã. A Igreja coroou o processo de transição das comunidades tribais em formas de governos territoriais. Ou seja, “a fundação de Estados geridos por príncipes coincidiu com a adoção do cristianismo” (ANDERSON, 1994, p. 223). Isso porque o processo de formação de Estados, marcado pela transição de clãs e tribos para estruturas territoriais, incluía o abandono do paganismo tribal, bem como o abandono dos princípios dos clãs na organização social, dando lugar ao “estabelecimento de autoridade e hierarquia políticas centralizadas”. Dessa forma, a intervenção católica e ortodoxa foi componente essencial na “formação do Estado na Europa Ocidental”. A adoção do cristianismo pelos príncipes e a extensão da cristianização oficial “era um ato inaugural do Estado” (ANDERSON, 1994, p. 223).

Para dar corpo administrativo ao feudalismo, um grupo compacto de guardas e guerreiros leais foi convertido em senhores feudais e vassalos dos monarcas. O sistema feudal estável e integrado consolida-se no século X, sendo necessário criar um campesinato servil fixado à terra e que fornecesse o excedente de seu trabalho para uma hierarquia feudal (ANDERSON, 1994, p. 224).

No feudalismo Oriental a situação dos camponeses era melhor do que no Ocidente. Os camponeses e burgueses contavam com mais direitos sociais. Nobres tornavam-se burgueses e burgueses tornavam-se senhores feudais. De acordo com Anderson, “os príncipes eram obrigados a oferecer isenções de taxas, direitos comunais e mobilidade pessoal aos camponeses, para induzi-los a instalarem-se nas terras recentemente desbravadas” (ANDERSON, 1994, p. 235).

 CRISE DO FEUDALISMO ORIENTAL

Assim como seu surgimento e consolidação, também a crise do sistema feudal começou mais tarde no leste europeu. Constituindo-se tardiamente em relação àquele feudalismo, a estrutura feudal no Oriente era mais recente e frágil do que a do seu predecessor ocidental. Este fator determinou que o impacto da crise fosse maior sobre essas recentes e frágeis estruturas. A resistência à crise foi mais fraca. O ápice da força do feudalismo no leste europeu, na Polônia e na Boêmia, seu apogeu político e cultural, se deram no século XIV. Um século mais tarde do que no feudalismo ocidental. Seu auge coincide com o início do declínio do apogeu feudal ocidental.

O aprofundamento da crise do feudalismo no Ocidente aos poucos penetraria no vizinho feudalismo oriental durante o século XIV, pois eram sistemas interligados. A crise estende-se e migra ao longo dos anos para o leste europeu, ganhando cada vez maiores dimensões, até criar uma crise geral do sistema feudal. Com o avanço da crise no Ocidente, com a deterioração dos seus laços feudais, também na Europa Oriental o impulso à colonização de novos territórios e expansão da produção começou a declinar. Com isso, “no início do século XIV, já havia sinais inquietantes de aldeias abandonadas em Brandenburgo e na Pomerânia”. Os camponeses abandonavam as áreas de fronteiras ocidentais e migravam para o leste. De acordo com Anderson, no “início do século XV havia uma depressão sincronizada nos dois lados da Europa” (ANDERSON, 1994, p. 238).

O abandono de campos colocava em crise todo o processo de colonização e estabelecimento dos feudos. O fato de ter-se muita terra disponível levava o camponês à conclusão de que “ela podia ser explorada com brevidade e depois deixada para trás” (ANDERSON, 1994, p. 238). Os solos eram mais arenosos e se exauriam com maior rapidez, eram mais difíceis de se explorar, o que por sua vez contribuía para a dificuldade de fixação populacional. As técnicas produtivas eram precárias, as queimadas predominavam em Moscou até o fim do feudalismo. Só depois de 1480 foi introduzido o sistema de três campos que permitia a rotatividade da terra e recuperação dos solos. Os arados de ferro só foram introduzidos no século XX.

A queda dos preços dos cereais no Ocidente, com queda da demanda, também influenciou na queda dos preços no Oriente que começava a exportar modestamente parte de sua produção para a Europa Ocidental. Anderson acrescenta ainda que a precária técnica de mineração afetara os estoques de metais e a cunhagem de dinheiro. Houve queda no rendimento dos senhores. Essa crise somou-se às epidemias de pestes, escassez e guerras, houve “onze explosões maiores de pestes na Prússia entre 1340 a 1490. Entre 1350 e 1450 a Rússia foi vinte vezes assolada pela peste” (ANDERSON, 1994, p. 239). Seguiram-se más colheitas na Prússia entre 1437 e 1439, essas foram as piores do século. Seguiu-se no Leste uma série de conflitos militares. “Os otomanos aniquilaram Sérvia e Bulgária no final do século XIV [...] Mais de 150 campanhas foram empreendidas através da Rússia contra mongóis, lituanos, alemães, suecos e búlgaros” (ANDERSON, 1994, p. 239).
As guerras causavam mortes com maciço despovoamento. Os camponeses fugiam para as cidades. Os proprietários prussianos, em 1494, conseguiram direito de enforcar camponeses fugitivos sem julgamento. Em 1497 Ivan III aboliu o direito dos camponeses de saírem das propriedades por vontade própria. As fugas para as cidades continuavam mesmo com as medidas mais repressivas. Magnatas das cidades ignoravam as leis pois estavam ávidos para atrair mão-de-obra para as cidades (ANDERSON, 1994, p. 248). O início da dissolução do feudalismo no Oriente deu-se nos primeiros anos do século XV, cerca de 100 anos depois do início da crise no Ocidente. No Oriente tudo iniciou-se depois, tanto o feudalismo como o surgimento da burguesia. No entanto não passou exatamente pelas mesmas fases pelas quais passou o Ocidente. Houve um complexo desenvolvimento desigual e combinado.


BIBLIOGRAFIA

ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
______. Linhagens do Estado Absolutista. Editora Unesp. 2013.

BLOCH, March. A sociedade feudal. Coimbra: Edições 70, 2012.

MARX, Karl. O capital. vol. II. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2004.

___________. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.


MAZZEO, A. C. O vôo de minerva – a construção da política, do igualitarismo e da democracia no Ocidente antigo. São Paulo: Boitempo, 2009.

 
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