Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Para entender o Stalinismo

Alessandro de Moura
Essa foi a primeira tentativa de elaboração sobre a questão do stalinismo. Continuamos tal esforço em três outros textos: 1) http://combateclassista.blogspot.com.br/2015/09/revolucao-russa-1905-e-1917.html 2) http://combateclassista.blogspot.com.br/2015/09/stalinismo-na-russia-estado-operario.html 3) http://combateclassista.blogspot.com.br/2015/08/stalinismo-na-russia-e-no-brasil-parte-i.html

De forma resumida, stalinismo foi uma corrente social-política que se originou com a burocratização da U.R.S.S. Um dos efeitos colaterais dos 4 anos de guerra civil na Rússia, fruto da invasão do país por 14 potencias imperialista, foi a exterminação de parte considerável dos milhares de operários e operárias que compunham a vanguarda que fizera a Revolução em 1917. Tem-se no período pós-guerra civil, 1918-1921, o considerável esgotamento dos revolucionários sobreviventes. As contradições sociais não cessam ai. Começam a desenvolver-se importantes lutas internas no país, primeiro pelo restabelecimento das forças produtivas que ficaram arrasadas com a guerra. Depois ter-se-ia que combater elementos contraditórios gerado pela política criada em 1921 para a reconstrução do país a NEP – Nova Política Econômica, que tinha por fim aumentar a produção agrícola para melhorar a qualidade de vida do proletariado russo, ao estabelecer que quem produzisse mais ganharia mais, possibilitou que uma camada de produtores acumulasse capital.

Foi centralmente a partir da NEP que se desenvolveram os Kulaks, camponeses que conseguiram acumular recursos e privilégios por meio da exploração das massas camponesas (mujiks). Os camponeses acumulavam e com isso desenvolveu-se o comércio de produtos agrícolas nas cidades, os comerciantes, por sua vez também acumulavam. Assim, os Kulaks articularam-se com os Nepmans, comerciantes que também conseguiram enriquecer tirando vantagens da NEP. Após o adoecimento de Lenin em 1922 assume a direção do Partido Comunista a Troica (Zinoviev, Kamenev e Stalin). Porém, Lenin em seu “testamento político” recomenda ao congresso do partido o imediato afastamento de Stalin da Secretaria Geral, porém a troika censurou o documento.

Após a morte de Lenin no inicio de 1923, tem-se o fortalecimento da Troica (Zinoviev, Kamenev e Stalin) que durou de 1922 a 1925, seguida pelo Triunvirato (Stalin, Rykov e Bukharin) que manteve-se no poder de 1925 a 1928, desenvolve-se de forma profunda uma aliança com os Kulaks e os Nepmans, centralmente sobre tal base politica-governamental tem-se consolidação do período do terrorismo anti-soviético.

Para que sustentassem os privilégios atingidos neste período, os Kulaks, Nepmans e a ala burocrática do partido Bolchevique precisavam evitar que a revolução socialista se aprofundasse na Rússia ou que se espalhasse pelo mundo. Então no plano teórico, sob a pena de Bukharin, desenvolveram a teoria do Socialismo num só país, segundo esta, a revolução em si, já implementava 90% do socialismo. Para os outros países onde eclodiam levantes operários, ao invés de defender a autonomia política-organizativa da classe trabalhadora, para que se organizasse contra a burguesia o patronato e os ricos, a burocracia do partido defendia que era necessário realizar a revolução por meio de etapas, primeiro, dever-se-ia desenvolver a democracia burguesa, por meio da aliança com as frações mais progressistas desta.

Trotsky, revolucionário russo que dirigiu o soviete (conselho operário em russo) de Petrogrado em 1905 e também fundou o Exército Vermelho, resgatando o marxismo revolucionário articulou-se com dirigentes e intelectuais e em 1923 lançaram a “Declaração dos quarenta e seis” exigindo a democratização do partido (que burocratiza-se a largos passos) e mudanças na política econômica do país para aprofundar o processo revolucionário. Porém, com a derrota da revolução alemã em 1923 o isolamento da Rússia é consolidado, com isso a troika sai fortalecida. A derrota da revolução alemã leva a marca da troika. Zinoviev então presidente da internacional negara apoio ao proletariado alemão, o que contribuiu para fosse massacrado o proletariado da Alemanha em 1923. A partir de 1924 a ala mais conservadora do Partido Bolchevique chega ao controle do processo revolucionário, desse ano em diante tem-se o desenvolvimento progressivo do Termidor Soviético.

Em 1926 a URSS acumula uma série de contradições sociais que evoluem progressivamente, colocando em risco as conquistas da revolução de outubro e a própria possibilidade de colaboração do proletariado russo para uma revolução mundial. A tendência contrarevolucionária continuou a fortalecer-se. E entre 1926 e 1927 consolidou-se no poder na Rússia, nas palavras de Trotsky em A revolução traída “uma casta incontrolável, estranha ao socialismo”, a revolução social fora traída pelo partido governante que passou à aliança com os setores conservadores e reformistas, pactuando com a democracia burguesa, em ataque direto contra o proletariado e os grupos opositores e semi-opositores, bem como aos elementos isolados que mantiveram atitude critica frente ao termidor soviético. Apostou-se tudo nos Kulaks (camponeses ricos) e nos Nepmans (novos ricos).

Em 1927 Trotsky articula também o grupo denominado “Oposição de Esquerda” para combater forma social-politica contra-revolucionária do Triunvirato Stalin, Rykov e Bukharin, que proclamava “Kulaks enriquecei-vos”. A estratégia desenvolvida por Trotsky ficou conhecida com Teoria da Revolução Permanente, que destacava que a revolução representava na verdade apenas 10% da construção do socialismo, que o socialismo só poderia se objetivar de fato se a revolução socialista fosse realizada em todos os países do mundo.

Por outro lado, os Kulaks e os Nepman que tinham relações diretas com setores dirigentes do Partido Comunista, articulados com a burocracia do Partido, diretamente beneficiados pelas contradições da sociedade russa, buscaram criar mecanismos que prolongassem tal estado de coisas, e que assim assegurassem seus privilégios e benefícios. Para a manutenção de tais benesses era necessário manter as coisas como elas estavam, passar de um Estado de revolução permanente para um Estado de conservação. Os elementos mais conservadores da sociedade russa passam a buscar desmobilizar a todo custo as alas revolucionárias da sociedade. Pois se a busca por transformações constantes na sociedade russa continuasse os Kulaks, os Nepman, e a burocracia inevitavelmente perderiam suas cabeças.

Buscando prevenir-se contra a possibilidade de novos ascensos revolucionários do proletariado, o triunvirato Stalin, Rykov e Bukharin, articulado com os Kulaks, os Nepman e a burocracia estatal, impulsionam uma campanha de amplo alcance afirmando e difundindo interna e internacionalmente que o socialismo já havia sido atingido, que estavam sob o “socialismo real”. Além disso, estes setores passam a afirmar que o socialismo era possível num só pais. Os marxistas revolucionários dentro e fora da Rússia entenderam que essa era uma ruptura profunda com o materialismo histórico dialético. Este chamado “socialismo num só pais” defendia como constitutivo do socialismo real o enriquecimento progressivo dos Kulaks dos Nepmans e os privilégios da burocracia.

Em meio a infinidade de contradições sociais e políticas a ditadura do proletariado foi substituída, por meio de prisões, deportações, desaparecimentos misteriosos, e fuzilamentos, por uma ditadura burocrática, apoiada hora centralmente nos Kulaks hora centralmente nos Nepmans.Victor Serge, que fora membro do Partido Bolchevique, exilado no México em 1947, no livro O ano I da revolução russa afirma que até 1928 havia mais de 30 mil presos políticos na Rússia, mas, segundo o autor, este número cresceu assustadoramente até 1947 para cerca de 10 a 12 milhões! Eliminando os revolucionários aos milhares, quebrando a resistência socialista, cada vez mais aumentava a distancia entre a Rússia e o socialismo.

Já durante a segunda metade da década de 1920 as obras de Trotsky foram proibidas e queimadas na Rússia. Exilando-se em vários países, mas ainda combatendo o regime stalinista e defendendo a emancipação humana Trotsky fora perseguido e assassinado no exílio no México em 1940. De 1927 a 1937 a cúpula contra-revolucionária faz uma nova “limpeza” no partido em âmbito nacional e internacional, em junho de 1937, tem novo impulso a condenação e execução dos dirigentes do Exército Vermelho. Esta nova fase da continuidade a extirpação dos revolucionários, muito mais profunda, elimina desde a raiz os que viveram a experiência da revolução, atinge inclusive a geração intermediária adepta ao bolchevismo e que engajava-se na perspectiva marxista revolucionária. Sabia-se que o stalinismo não poderia triunfar na Rússia caso não se eliminasse a geração revolucionária. Produz-se então uma ruptura sangrenta entre bolchevismo e stalinismo.

Mediante esta poderosa aliança, todos que criticavam o “Socialismo real” ou criticavam o governo do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), eram acusados de serem contra-revolucionários, sendo perseguidos, presos, exilados e fuzilados. Em 1935 Kamenev é “julgado” e fuzilado no Processo de Moscou, em 1936 é a vez de Zinoviev, Rykov e Bukharin. Tratava-se de uma imensa panacéia inquisitória, uma caçada à todos os opositores da burocracia. Como método, não bastava a falsificação das palavras, era preciso suprimir as letras opositoras, e mesmo a fonte delas, pelo julgamento das baionetas. Dento da URSS, bem como nos países em que os Partidos Comunistas dirigiam os processos sociais milhares tiveram este destino. Esta primeira fase, que estendeu-se de 1925 a 1935 (inicio dos processos de moscou) foi caracterizada por Trotsky como uma fase Termidoriana (alusão a revolução Francesa), em que as frações mais conservadoras do processo revolucionário tomam a diretiva dos processos sociais, freando a possibilidade do aprofundamento da revolução. Esta foi seguida pela fase bonapartista, em que Stalin galga certa autonomia em relação a base que se apoiava anteriormente. A ultima fase foi caracterizada como Totalitarismo, em que Stalin gozava de poderes absolutos. O stalinismo em plano geral, representou a transferência do poder político dos órgãos de democracia de massas (Soviets), para as mãos de uma camarilha do PCUS.

Para Marx, o comunismo significa a socialização mundial da abundância e não a socialização da miséria, ou seja, um estágio social onde as riquezas sociais estejam desenvolvidas a tal ponto em que todos os indivíduos poderão se desenvolver em todas as esferas da vida e em toda a sua plenitude. E para que tal estágio floresça, é preciso que as forças produtivas (maquinaria, tecnologias, nível intelectual, etc) tenham suas potencialidades altamente desenvolvidas. Não é demais dizer que no plano teórico, o stalinismo representou a falsificação do marxismo. Frente às dificuldades econômicas que se passava na Rússia, o stalinismo lançara a seguinte tese:

“ Temos, nós mesmos, filhos da Grande Mãe Rússia, cercada de recursos minerais, de imenso território e de vasta população, condições de desenvolver nossas indústrias, nossa agricultura, e demais esferas da vida. Se a indústria não se desenvolve, se a agricultura vai mal, e se logo, nosso povo passa fome e sofre de carestia de bens materiais, isso se deve a indivíduos que corrompem nossa produção, isso se deve aos sabotadores! ”

Dentre esses “sabotadores”, a principal acusação era a de serem trotskistas. Estes defendiam a necessidade da revolução se deflagrar em outros países, como por exemplo a Alemanha, para que a Rússia pudesse absorver os progressos tecnológicos e científicos mais avançados da época.


O stalinismo manchou a bandeira do comunismo com um rio de sangue


Ao longo da existência da U.R.S.S, houve vários movimentos de massas que contestavam a burocracia e reivindicavam que o planejamento da produção fosse decidido pelos próprios trabalhadores. Se a classe operária de outro país conseguisse tomar o poder, isso contagiaria os operários russos e lhes daria novo ânimo para lutar contra a sua burocracia. Para defender os privilégios de sua casta burocrática, os stalinistas se lançaram a freiar e esmagar diversos processos revolucionários. Estrategicamente, o stalinismo é opositor da auto-organização da classe trabalhadora e dos métodos de luta e de representação de massas, pois esses ameaçam constantemente a burocracia. O stalinismo não se restringiu a U.R.S.S, como se fez presente nos demais Estados Operários (China com Mao Tse Tung, em Cuba com Fidel Castro, no Vietnã, etc.), e é representado pelas devidas castas burocráticas desses países. Foi a corrente hegemônica nos Partidos Comunistas do século XX e ainda mantém resquícios hoje em dia. No Brasil, seus principais representantes são: PCB, PCdoB, PCR, ANL, MR8. No movimento estudantil, preferem realizar acordos com a burocracia acadêmica e com o governo por trás dos estudantes (Vide União da Juventude Socialista – UJS impulsionada pelo PC do B).

A luta contra a buguesia, o patronato e os ricos continua
A tragédia que foi o stalinismo, tanto na URSS como pelo mundo afora está diametralmente oposta à emancipação humana e ao materialismo histórico dialético. Aquela experiência deve ser estudada, criticada e superada, em busca de construir socialmente novas possibilidades estratégicas. Estamos dizendo que a compreensão destas experiências humanas deve ser utilizada na elaboração um programa, que abranja não só os Estados operários burocratizados, mas a sociedade capitalista como totalidade, em suas múltiplas determinações contraditórias. É claro que para nós este programa deve articular emancipação política e emancipação humana. Possibilitando liberar e canalizar as energias humanas para uma profunda mudança de sistema social.

De um extremo a outro coloca-se como tarefa a expropriação da burguesia, tanto da nova burguesia surgida no Estados operários burocratizados, como da “velha burguesia” emergida com a revolução burguesa. Para os marxistas revolucionários, trata-se ainda de construir a revolução mundial.

Neste sentido, coloca-se como premente a reconstrução da forma partidária da classe trabalhadora, num partido internacionalista, que comprometido com a transformação social radical, com a revolução internacional proletária, faça das experiências de opressão a que os trabalhadores de todos os países do globo estão subalternizados e profunda penúria da esmagadora maioria das massas. Por isso as experiências dos trabalhadores compõem matéria prima para a superação de tudo que existe. A experiência histórica nos mostrou que uma revolução é impossível sem a participação das massas em grande escala, e que estas massas, para serem vitoriosas devem estar munidas de uma estratégia e um programa. É certo que as insurreições proletárias não dependem do partido para eclodirem, porém é inegável o salto qualitativo das insurreições quando o proletariado passou a se organizar em partidos revolucionários.

A sua posição na estruturação social dá ao proletariado o poder de suspender à vontade, parcial ou totalmente, o próprio funcionamento da economia da sociedade, é indispensável a luta conduzida em comum contra a exploração, pois a luta comum, por meio da experiência compartilhada, cria importantes momentos de solidariedade e de sacrifício, por greves parciais ou pela greve geral, esta por sua vez, em uma série de momentos históricos, avançou de greve geral para insurreição armada, e de insurreição armada para revoluções e de revolução para a ditadura do proletariado. O partido do proletariado, o partido revolucionário, deve tencionar-se à liberação e canalização das energias humanas para a superação do sóciometabolismo do capital.

Não cabe para nós a afirmação abnegadora de que a classe trabalhadora não tem consciência de classe. Na sociedade capitalista todo ser humano está esquadrinhado por relações de classe social (possuidor de meios de produção e despossuídos de meios de produção). Bem como todo ser humano tem percepções das relações de dominação. Ter consciência de classe não significa ter consciência de classe revolucionária (consciência de classe contingente). O mais importante é que o partido revolucionário, atento as alterações produzidas por causas históricas profundas, não pode se adaptar passivamente a todas as mudanças no estado de ânimo das massas, cedendo as frações mais incertas do proletariado. Nesse sentido, a função central do Partido Revolucionário é a de trabalhar permanentemente para revolucionar a consciência da classe operária. Transformando a consciência de classe contingente em consciência de classe necessária. Ajustando-a as tarefas do presente.

Pois o melhor momento para construir um partido proletário revolucionário é certamente o momento em que o proletariado encontra-se subalternizado. Não se pode esperar pela “conjuntura revolucionária” para dar inicio a esta tarefa árdua, é necessário começar já a forjar hoje a vanguarda revolucionária que será o coveiro coletivo da burguesia manhã. O partido revolucionário deve forjar-se no período anterior aos ascensos proletários. Os revolucionários necessitam articular-se em um partido revolucionário, o exército conscientemente das necessidades históricas do proletariado deve ser mais forte do que o exército contra-revolucionário do capital, intensificando suas ações defendendo as tentativas de auto-organização operária, pautando o programa histórico do proletariado. Apenas a ditadura do proletariado contra as classes dominantes é que pode realizar a reforma agrária, como apenas sobre o controle operário da produção se elimina a desigualdade sócio-material. Apenas o proletariado pode levar a cabo a dissolução das classes sociais, abolição da propriedade privada e dissolução do Estado, para assim, novamente como dissera o poeta Maiakovski, “desatar o futuro, pois este não virá por si só”.

2 comentários:

betoquintas disse...

existe algum livro que fale com detalhes sobre a época da revolução russa, a construção do modelo socialista e a apropriação da revolução pela ditadura burocrática? os demais regimes que a direita tanto alega serem "provas" de que o socialismo é totalitário [Coreia do Norte/Cuba/Venezuela] tambe´m são casos que mais se explicam pelo processo historico do que a instauração de um regime socialista?

Alessandro de Moura - Doutor em Ciências Sociais pela UNESP/Marília - alessandromouracs@yahoo.com.br. disse...

A principais leituras:

Relatório Sobre a Revolução de 1905 - escrito por Lenin: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/01/22.htm

Balanço e Perspectivas - Léon Trotsky:
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1906/balanco/index.htm

Os Dez dias que abalaram o mundo - John Reed (sobre a rev. de 1917).

Cartas de longe - Lenin

História da revolução russa - Trotski

A revolução traída - Trotski

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