Pages

Páginas

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O trotskismo no Brasil (1928-1964) - Osvaldo Coggiola

(In: Corações Vermelhos (os comunistas brasileiros no século XX). São Paulo: Cortez, 2003, p. 239-269.)

No final da década de 1920, quando diversas frações surgidas no interior dos partidos comunistas latino-americanos se aproximaram da Oposição de Esquerda Internacional encabeçada por Leon Trotski, teve lugar o nascimento do trotskismo no Brasil. Em 1928 houve abalos sérios no Partido Comunista do Brasil (PCB). O embrião do trotskismo provavelmente surgiu em 1928, com a rebelião da célula 13 do PCB, no Rio de Janeiro, sob liderança de João da Costa Pimenta, antigos militantes presentes ao congresso de fundação do partido, e dirigentes da Federação sindical regional do rio de Janeiro, lideraram a Oposição Sindical que terminaria por excluir-se do Partido. As divergências se situavam em torno da política sindical adotada pelo partido. Aqueles dirigentes acusavam-no de converter os sindicatos em instrumento político: “Como o partido era ilegal, a táctica da direção consistia em fazer dos sindicatos meros órgão de expressão legal de sua política. As sedes dos sindicatos dirigidos por comunistas eram transformadas em células partidárias”. (Pedrosa, 1947). Segundo esses dirigentes, a orientação podia revestir de aspectos grotescos: “Nessa época, a palavra de ordem do partido em qualquer greve era sempre ´libertação de Thaelmann´. Imagine: os operários tinham que gritar isso”. (Mario Pedrosa, in Maia 1980)”.
Por outro lado, um grupo de intelectuais, descontentes com a orientação geral do partido, com o que consideravam excesso de nacionalismo, e também discordando da proposta de aproximação com a Coluna Prestes, rompeu com a liderança do partido. Eram nomes de destaque, entre eles Lívio Xavier, Flúvio Abramo e Rodolfo Coutinho. O primeiro era escritor e aderira ao Partido Comunista no ano anterior, segundo Dulles, tinha contato com a oposição anti-stalinista do partido comunista francês. Rodolfo Coutinho era nome influente no partido, membro do CC, tinha sido membro suplente da Comissão Central Executiva (CCE) eleita no Congresso de Fundação do PCB, em 1922. Ambos tinham muita influencia na Juventude Comunista e atraiam para suas posições Hilcar Leite, então com dezesseis anos, e Aristide Lobo. Segundo Leandro Konder, “ecos das concepções de Trotski poderiam ser identificadas nas criticas feitas à linha de Astrojildo [Pereira] por Rodolfo Coutinho, Lívio Xavier, e outros” (Konder, 1981). Rodolfo Coutinho, à época, já tinha conhecimento (ainda que precário) das teses da Oposição de Esquerda. Delegado do PCB no V Congresso da Terceira Internacional, em 1924 – quando o partido obteve seu reconhecimento -, demorou-se na Alemanha até 1927, entrando em contato ali com militantes oposicionistas. De volta ao Brasil, reintegrou-se à CCE, para a qual havia sido eleito suplente no I Congresso do PCB. Foi então encarregado da organização dos trabalhadores rurais do Rio de Janeiro e escrevia para o jornal A nação, controlado pelo PCB. Com os acontecimentos do ano de 1928 Rodolfo Coutinho demitiu-se da CCE no dia 27 de abril e se afastou do partido em 8 de maio. Por outro lado, sua influencia na Juventude Comunista (JC) acabou fazendo com que a crise também a atingisse e logo no seu nascedouro. Aristides Lobo, que trabalhava pela organização da JC em São Paulo, passou para a Oposição, e quatro membros da CCE da JC romperam com a direção, entre os quais Hilcar Leite.
A dimensão do impacto na vida partidária dessas cisões pode ser avaliada pela decisão da CCE de editar uma revista destinada ao debate das questões levantadas. Em um documento interno, era assim apresentada:

“A CCE declara aberta a discussão interna, entre os membros do partido, acerca das questões de ordem política, sindical orgânicas, e outras, de interesse do partido e que possam constituir material de estudo para o III Congresso [do PCB]. Para este fim, a CCE decide criar um órgão especial de discussão, a ser divulgado exclusivamente entre os membros  do partido, até a reunião do III Congresso” (Pereira, A., 1979? 131).

Da revista Auto-Critica se publicaram oito números: Astrojildo Pereira, no texto citado, atribuiu a decisão da CCE ao acúmulo de criticas e divergências, e ao surgimento de um “movimento de oposição organizada abrangendo algumas dezenas de membros do partido”. De nenhum dos dois grupos restou uma organização, fora ou dentro do partido (Astrojildo Pereira, 1976:159), que fala das “oposições”, mas não as vincula ao trotskismo, relatou que “o novo Comitê Central ficou encarregado de examinar a questão da readmissão ao partido na base de declarações individuais”), mas foi entre esses elementos que os documentos da Oposição de Esquerda Internacional obtiveram repercussão. Eles foram enviados, da Europa, por Mario Pedrosa. Edgard Carone refere-se a este, junto com Lívio Xavier, Leôncio Basbaum e Mário Grazini, como membros da primeira geração de formação marxista do PCB. Sua posição de destaque no partido, na época, era ilustrada pelo fato de se encontrar, em 1929, na Alemanha, a caminho de Moscou, para estudar no Instituto Marx-Engels-Lenin. Tendo entrado em contato com os documentos (e os militantes) da oposição de esquerda na própria Alemanha, desistiu da viagem e rumou para Paris. De lá enviou documentos e publicações para o Brasil, onde Lívio Xavier, Hilcar Leite e Rodolfo Coutinho, entre outros, aderiram às posições dos já chamados “trotskistas”. Quando voltou da Europa, Mario Pedrosa trazia consigo o programa dos oposicionistas de esquerda:

“Mandado pelo PCB, em 1928, para a escola Leninista de Moscou, Mário Pedrosa, ao chegar na Alemanha, adoeceu, ficando sem condições de seguir imediatamente para a Rússia. Estagiou em Berlin, militando no PC alemão, e participou dos combates de rua contra os nazistas. Vai a Paris, onde trava contato com Benjamin Péret, Pierre Naville, e outros escritores integrantes do movimento surrealista. De volta a Berlin, correspondeu-se com Naville (então diretor da revista Clarité) e ligou-se aos oposicionistas alemães. Tomando o partido de Trotski, resolveu abandonar definitivamente o projeto de estudar em Moscou” (Pedrosa, in: Marie, 1981:7).

Regressando ao Brasil em fins de 1929, foi expulso do PCB devido às suas “ligações europeias”. Começou-se a trabalhar então para estabelecer vínculos entre a oposição brasileira e o movimento internacional.
Pedrosa logrou reunir elementos daqueles dois grupos na formação do Grupo Comunista Lênin, que a partir de maio de 1930 aditou o jornal A Luta de Classe, no Rio de Janeiro. O grupo agia com a mesma orientação dos agrupamentos semelhantes em outros países; voltava-se para os “elementos de vanguarda” da classe operária e propunha-se a alterar a linha política do PCB, conforme se vê no editorial do primeiro número de A Luta de Classe, onde se afirma que o jornal não visa combater o PCB, mas reintegrá-lo “na linha que se traçou por ocasião de sua fundação.” É só em janeiro do ano seguinte, no dia 21  e “comemorando a data de morte de Lênin” que se formaliza a existência da Liga Comunista Internacionalista (oposição leninista do Partido Comunista do Brasil – Seção Brasileira da Oposição de Esquerda Internacional). Além do jornal A Luta de Classe editavam o Boletim da Oposição, que tinha por função “estreitar a ligação entre o proletariado revolucionário e a Oposição Internacional, fração de esquerda da IC”.
A nova organização, com base no Rio de Janeiro e em São Paulo, vive por toda a primeira metade da década de 1930 e exerce considerável influencia nos sindicatos, chegando a controlar a União dos Trabalhadores Gráficos (que tinha sido fundada por João da Costa Pimenta, membro fundador da Liga) e por meio da Federação dos Sindicatos, em várias categorias: marceneiros, metalúrgicos, comerciários, tecelões. A influencia dos trotskistas em vários e importantes sindicatos paulistas fica confirmada pelo comentário publicado em 31 de agosto pelo órgão da Internacional Sindical Vermelha:

“Os trotskistas apoderaram-se da liderança de muitos sindicatos – não apenas os pequenos, mas também de algumas importantes organizações, como a recém-formada união dos trabalhadores em estações elétricas e transportes com milhares de membros – e o velho sindicato revolucionário dos gráficos. Também ganharam definida influencia no Sindicato dos trabalhadores Têxteis de São Paulo”.

Desde o seu início, a Liga alertou para o perigo representado pela política varguista para o movimento operário:
“O Ministério do Trabalho foi criado especialmente para exercer um trabalho contínuo de mistificação entre os operários. A policia política não poderia realizar a tarefa do Ministério do Trabalho, mas este não é menos infame do que aquela, e está a merecer a hostilidade permanente do proletariado. Não há sindicato em São Paulo e no Rio que não tenha sentido claramente quais os verdadeiros objetivos desse órgão ‘técnico’ da administração burguesa ‘revolucionária’.”

Pierre Broué informa sobre a atividade de Plínio Gomes de Mello,

“jornalista, organizador das Juventudes Comunistas, membro do partido em 1927, enviado ao Rio Grande do Sul para ser candidato do Bloco operário e Camponês. Detido e golpeado, fugiu para Montevidéu, onde participou em maio de 1930 na reunião do Boreau Latino-Americano da Internacional Comunista. Excluído por sua posição política do ‘Terceiro Período’, reorganizou legalmente o PCB em São Paulo em novembro de 1930, o que lhe valeu a acusação de ‘renegado’ e ‘trotskista’. Aderiu à Oposição de Esquerda em 1931, e dirigiu em São Paulo a grande greve da Light & Power, sendo detido pela policia. Nos anos seguintes foi um dos dirigente do Sindicato dos Jornalistas”.

Datam dessa época os contatos que Aristides Lobo e depois Mário Pedrosa buscaram manter com Luis Carlos Prestes. Aristides Lobo foi enviado em 1930 a Buenos Aires para discutir com Prestes, tentando convencê-lo tanto a ingressar no PCB, como a defender no seio deste as orientações da Oposição de Esquerda. De acordo com Michel Lowy (in Sader, 1980: 28).

“durante certa fase, Prestes parece atraído pelas teses trotskistas, e é possível que Aristides Lobo tenha influenciado alguns dos textos que o ‘Cavaleiro da Esperança’ publicará no decorrer de 1930, particularmente o Manifesto de Agosto no qual anuncia a criação de uma organização, a Liga de Ação Revolucionária (LAR), que se propõe a dirigir a insurreição proletária e camponesa, numa frente única com o PCB. Nesse documento, Prestes já reconhece a necessidade da hegemonia do proletariado, para que a revolução não conheça uma derrota como na China e no México. Em artigo autobiográfico publicado em 1973, Prestes afirma que esse manifesto continha opiniões ‘tipicamente trotskistas’, de fato, o texto corresponde ao período de maior aproximação entre Prestes e o trotskismo. O PCB rejeitará a LAR como empresa ‘confusionista’, e a nova organização não conseguirá implantar-se no país, limitando-se a um círculo de amigos de Prestes no exílio.”

Preste deu ouvidos a Lobo no inicio, fazendo-o seu conselheiro político. Existem versões que atribuem à pena de Lobo o famoso Manifesto de Agosto de Prestes, conclamando a uma insurreição nacional antiimperialista: Lobo chegou a ser, junto com o ‘tenente’ Siqueira Campos, um dos quatro dirigentes da LAR criada por Prestes para os fins enunciados no manifesto. Os rivais stalinistas da LCI aproveitaram, aparentemente, uma ausência de Lobo, enviado por Prestes a estudar a situação no Rio Grande do Sul, para convencer Prestes de unir-se ao PCB, não sem antes criticar o “Manifesto”, repudiar o “trotskismo” e dissolver a LAR.
Ainda em 1930, circulou o Boletim Internacional da Oposição de Esquerda da Terceira Internacional, registrando a convocação e adesão de dezessete organizações de diferentes países – entre elas o grupo brasileiro – para um encontro que lançaria a Oposição Internacional, o que acaba acontecendo em abril desse ano, em Paris, com a criação de um bureau e de um secretariado (Marie, 1975:6). Foi, na verdade, em conseqüência desse fato que o Grupo Comunista Lênin, em São Paulo, transformou-se em Liga Comunista Internacionalista: no ato de fundação estavam presentes Aristides Lobo, João Mateus, Manuel Medeiros, Mario Pedrosa, Benjamim Péret (poeta surrealista francês que se encontrava a época no Brasil), Lívio Xavier e outros. Posteriormente, deu-se o mesmo no Rio de Janeiro, com participação, entre outros, de Rodolfo Coutinho, João Dalla Dea, Otavio du Pin Galvão e José Neves, assim como Salvador Pintaude (diretor da Editora Unitas, responsável pelas primeiras traduções de livros de Trotski para o português). O jornal A Luta de Classe transformou-se em seu órgão teórico e, além dele, a Liga passou a editar, como foi dito, o Boletim da Oposição. No seu primeiro número em janeiro de 1931, o Boletim da Oposição apresentou sua análise sobre a revolução de 1930 e sobre o movimento comunista internacional. Fiel aos princípios da Oposição trotskista, declarava-se em luta pela regeneração do PCB. Em fins de 1933 os trotskistas criaram a Coligação dos Sindicatos proletários, organização que procurava unificar o movimento sindical em São Paulo, segundo Robert Alexander, os trotskistas tinham nessa época mais influencia sindical que o PCB. Confirmando, Prestes acusava “a traição dos chefes trotskistas e anarcosindicalistas, que não souberam conduzir o proletariado à vitória nas greves de 1931 e 1932” (Prestes, 1935).
A diferença do PCB, a LCI realizou uma verdadeira análise da revolução de 1930: “a economia nacional exprimiu-se, pela primeira vez, sob uma forma bastante nítida, em outubro de 1930, com a revolta de suas forças produtivas contra a hegemonia da economia cafeeira... Sem cair no erro da direção burocrática do PCB (que identifica) cada um dos grupos políticos em luta com os dois grupos Imperialista, que agem como um fator externo à luta de classes no Interior do País, o processo de diferenciação política das classes, que decorreu do movimento, reagiu por sua vez sobre a própria base social, alargando-a e preparando ocasiões para a intervenção independente do proletariado na luta partidária”. Após uma análise do problema da unidade nacional do Brasil, a LCI colocou a reivindicação de Assembléia Constituinte, o que lhes valeu a qualificação de “lacaios do imperialismo” por parte do PCB (que teriam recebido ainda que dissessem outra coisa). Para a LCI, as reivindicações democráticas decorriam da estrutura mesma do país: “o desenvolvimento combinado da nação que se industrializa, no quadro da economia colonial, impede que as formas de dominação política da burguesia se façam nos quadros normais da democracia, isto é, as palavras de ordem democráticas transformam-se em arma na mão do partido do Proletariado, que congrega assim as massas oprimidas”. O PCB, como se sabe, considerou a revolução de 1930 um simples episódio da luta interimperialista, o que isolou totalmente o partido da situação política e provocou uma crise nas suas fileiras (Leôncio Basbaum, entre outros, criticou o primarismo e esquematismo da análise do PCB).
A LCI defendia uma Assembléia Constituinte a partir da análise que fazia da formação histórica brasileira e das tarefas políticas decorrentes no período contemporâneo, ou seja, do entendimento que o proletariado deveria possuir da Constituinte e da pratica daí derivada. Para a Liga, seria uma espécie de Constituinte do proletariado, a se diferenciar da Constituinte da burguesia e da pequena burguesia. Como isso seria possível? Lutando, o proletariado e o PCB, pela formação de soviets (conselhos) paralelamente á Constituinte, e por autonomia municipal, possibilitando a gestão direta do povo. O quadro social e político pós 1930, no entender da Liga Comunista Internacionalista, dava certos contornos que possibilitavam a compreensão de alguns possíveis desdobramentos não interessantes ao proletariado, a não ser que o PCB realizasse uma guinada na sua política. Se para a Liga Comunista, os acontecimentos de 1932 diziam respeito à unidade política do País no âmbito da própria classe dirigente, a unidade nacional efetiva somente poderia ser realizada pelo proletariado.

“As forças produtivas do Brasil não podem mais desenvolver-se, na escala nacional, sob controle da burguesia e a tutela opressora do imperialismo. Só a ditadura do proletariado poderá, libertando o Brasil das garras do imperialismo, conservar a unidade nacional, de modo a garantir o desenvolvimento harmonioso das forças produtivas em todo o país, e o melhoramento sistemático das condições de vida das massas exploradas. A luta pela unidade nacional é assim uma luta direta contra o imperialismo e contra a burguesia secessionista”.

A colonização imposta pela metrópole portuguesa tinha impedido uma organização econômica estruturada da pequena propriedade, por não ter florescido em seu propósito a ideia de territórios livres, de colonos livres: “A classe dos pequenos proprietários, fator da pequena produção geralmente anterior ao regime capitalista, e cuja expropriação e um dos fatores determinantes deste, não pôde se desenvolver na formação econômica do Brasil. O Estado brasileiro se caracterizou sempre por um esquematismo de classe”. Esse regime de produção, que gerou a escravidão no Brasil, em outro momento do seu desenvolvimento a superou, abrindo um espaço específico para suas relações com o capitalismo europeu, sobretudo o inglês. A burguesia brasileira, à diferença da européia, tinha sua origem no campo, não no meio urbano:

“O formidável desenvolvimento da cultura cafeeira é tipicamente um desenvolvimento capitalista. A investigação da produção cafeeeira permite deslindar os segredos do capitalismo brasileiro, suas já ditadas especialidades com a escravidão, e sua ruptura qualitativa com a imigração do trabalhador assalariado. Resolvida a contradição escravo/produção propriamente capitalista, com a geração do valor possibilitada agora pela presença do trabalhador assalariado, todas as condições necessárias para a grande exploração estavam reunidas: terras virgens, ausência de rendas fundiárias, possibilidades de monocultura. Assim, o cafeicultor faz convergir, simultaneamente, todos os seus meios de produção para um único objetivo e, por conseguinte, obtém benéficos até desconhecidos. O tipo da exploração determinou, portanto, prosperidade de favorável ao desenvolvimento do capitalismo sob todas as suas formas. Desse modo, o sistema de crédito, o crescimento da dívida hipotecária, o comércio nos portos de exploração, tudo ajudava a preparar uma base capitalista nacional. Os braços que faltavam foram importado. A imigração adquiriu, a partir daí, caráter de empresa industrial.”

Portanto, a produção cafeeira redefine também a política econômica com o capital financeiro, internacional e internamente, quando – e por conseqüência – certas regiões se desenvolveram mais do que outras. A estagnação e incorporação de determinadas áreas a esse desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro impediu o entendimento dessa enorme diferenciação como formadora de dois “Brasis”, ou seja, uma interpretação dualista: “Mas o processo econômico estendeu-se pouco a pouco a todo o território brasileiro, e o capitalismo penetrou todo o Brasil transformando as bases econômicas mais retardatárias. À medida que progride economicamente, o Brasil integra-se cada vez mais á economia mundial, e entra na esfera de atração imperialista”. A burguesia nacional dependia de um executivo forte, de um Estado estruturado, com burocracia e ministérios cúmplices com o tipo de industrialização capitalista: “Além disso, as exigências do desenvolvimento industrial obtêm, como condição essencial, o apoio direto do Estado: a indústria nasce ligada ao Estado pelo cordão umbilical”. Assim, a Federação que se instituiu com a proclamação da república em 1989 era escamoteada na prática, com a centralização do poder político, imposta por um Estado comprometido com os anseios de uma burguesia nascente. Para Pedrosa e Xavier, esse quadro explicava por que os governadores eram dependentes do poder central, e não o contrário: “Os representantes parlamentares dos estados secundários tornaram-se representantes do poder central nos estados, ao invés de – segundo a ficção constitucional – representarem os estados junto ao poder central”. A instabilidade política, a explicitação de suas contradições quase que á tona da sociedade civil eram explicáveis por um desenvolvimento econômico que se alterava constantemente, jogando avant-la-banque, como diria Marx, sem controle por partes da burguesia nacional, que pôde, enfim, dispensar partidos políticos nacionais.
No terreno sindical, a LCI desenvolvia a linha da frente Única, chegando a ter forças bem superiores ás do PCB, como constatou Robert Alexander, em São Paulo, onde a LCI concentrou suas forças, por considerá-lo o centro operário do Brasil. Foi fundamental a atividade de João da Costa Pimenta na direção do sindicato dos gráficos, mas os trotskistas possuíam também bastante força nos sindicatos dos tecelões, ferroviários e bancários. Junto aos anarquistas, puseram em pé a Coligação dos Sindicatos, em 1934. No mesmo ano, foi graças à impulsão dos trotskistas que surgiu a Coligação das Esquerdas, reunindo também os anarquistas, os socialistas, os grupos operários estrangeiros e inclusive o Comitê São Paulo do PCB, dirigido por “Paulo” (Hermínio Sacchetta), para lutar contra o fascismo “camisa-verde”: o Integralismo. Este seria o principal feito da LCI. Vários trotskistas (como Mario Pedrosa e Flúvio Abramo) já vinham participando da redação de um jornal democrático antifascista – O Homem Livre -, onde Pedrosa tinha realizado, de modo pioneiro, uma análise do fascismo a partir do filme de Howard Hawks. Scarface (isto é, uma analogia entre o fascismo e a máfia, uma espécie de lumpemproletariado que toma conta do Estado como beneplácito das classes dominantes, para se livrar de um perigo revolucionário). Juntamente com a Coligação dos Sindicatos e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a LCI participou da chamada Coligação das Esquerdas ou Proletária, que se formou visando as eleições para Constituinte estadual paulista e para a Câmara Federal. A LCI apresentou para essa frente um programa de 42 pontos, dividido em três partes: reivindicações políticas e democráticas )extensão do direito ao voto, milícias antifascistas, instituição do divórcio, reconhecimento da URSS), reivindicações econômicas imediatas (redução da jornada de trabalho, alteração na legislação trabalhista, aumento dos salários, salário mínimo com base em escala móvel, etc); reivindicações econômicas em benefício das massas em geral e dos camponeses em especial (nacionalização, desconhecimento da dívida externa, organização de fazendas geridas pelos sindicatos rurais). A Coligação das Esquerdas, com pequena votação em relação aos grandes partidos, ficou à frente da Ação Integralista Brasileira e do PCB, que se apresentou como União Operária e Camponesa. O PCB obteve 1716 votos para deputado federal e 1709 para deputado estadual, enquanto a coligação das Esquerdas obteve, respectivamente, 8.508 e 8289 votos (Carone, 1974: 246).
Os trotskistas participaram também da luta antifascista. Um momento significativo dessa luta foi o 1o de maio de 1934, manifestação pública contra os integralistas, organizada pela Liga, pelo PSB e pelos anarquistas. Nesse dia, Mario Pedrosa lançou, pela primeira vez no Brasil, a necessidade de construção da Quarta Internacional, depois da capitulação sem luta do PC alemão em 1933, abrindo o caminho para Hitler. De acordo com Mário Pedrosa, “para concretizar a frente antifascista, a campanha se desenrolou durante o ano de 1934, a LCI, os anarquistas e os socialistas lançaram um jornal chamado O Homem Livre. O PCB não participava da Frente Única. Preferia levar a campanha à parte. Somente participou da grande luta contra os integralistas, a 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé”.
As esquerdas unidas convocaram uma contramanifestação em oposição a uma reunião convocada pelos integralistas em 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé. Flúvio Abramo (então fazendo “entrismo” trotskista no PSB) foi o orador da esquerda: pouco pôde dizer, pois explodiu uma batalha campal, inclusive com o uso de armas de fogo. Um estudante comunista morreu, Mário Pedrosa levou um tiro nas nádegas, mas os integralistas também sofreram perdas e se retiraram, semeando as ruas de São Paulo de camisas-verdes apavorados diante da reação antifascista das organizações operárias. Pouco tempo depois, o PCB lançaria a ANL (Aliança Nacional Libertadora), que finalizaria deflagrando um putsch militar, a partir de Natal (Rio Grande do Norte) quase exatamente um ano depois, em novembro de 1935. O fracasso do putsch de 1935, em que o PCB pretendeu organizar um levante nacional com um programa burguês, deu um golpe mortal ao curso ascendente do movimento operário, cujo ponto mais alto tinha sido justamente a batalha antifascista protagonizada pelo operariado paulista na Praça da Sé, quando as colunas operárias transformaram a marcha triunfal do fascismo “camisa-verde” no que a imprensa chamou “a revoada das galinhas verdes”: os pequeno-burgueses mussolinianos de Plínio Salgado abandonaram até as camisas na fuga. No ano seguinte, os trotskistas combateram o “aventureirismo” do PCB, o que não lhes poupou, da mesma maneira que o resto da esquerda, a repressão consecutiva ao fracasso do levante da ANL: seus dirigentes foram parar na prisão da Ilha Maria Zélia (onde morreu o dirigente operário trotskista Manuel Medeiros, em condições atrozes) ou no exílio (Mario Pedrosas conseguiu fugir do país, assim como Flúvio Abramo, que se exilou na Bolívia, junto com Mariano e Inês Besouchet, onde passaria vários anos e acompanharia os primeiros passos do POR, Partido Obrero Revolucionário). Sua batalha política, contudo, teria repercussões na posterior adesão de uma importante fração do PCB (a maioria do Comitê de São Paulo, como Hermínio Sacchetta e a poetisa Pagú, Patrícia Galvão) ao trotskismo, o que garantiria a continuidade do trotskismo sob o Estado Novo, com o Partido Socialista Revolucionário.
Mas, antes disso, em conseqüência da insurreição de 1935, o movimento operário sofreu uma repressão brutal, os trotskistas tiveram sua organização desmantelada:

“A LCI cindiu-se em 1935. Sacchetta publicou em A Classe Operária um artigo intitulado ‘A liga se desliga’. Em outro artigo chamou Aristides Lobo de ‘velho gagá, de cujo cérebro escorre pus’. Os dois terminaram amicíssimos. Quase que diariamente estavam juntos na redação do Shopping News, onde Aristides, ao sair do trabalho na Folha de S. Paulo, indo para casa, parava para conversar com Sacchetta. Encontrei-o lá muitas vezes, nos anos entre 1965 e 1967, quando morei em São Paulo, ao voltar do exílio no Uruguai”.

Os quadros remanescentes da LCI, buscando articular-se, fundaram, em 1936, no Rio de Janeiro, o Partido Operário Leninista (POL) que, no entanto, não se consolidaria. Ainda assim, em julho desse ano fizeram circular a revista Sob Nova Bandeira. A LCI, na verdade, tinha entrado também em crise política, desagregando-se: houve uma cisão política, em que alguns militantes (Aristides Lobo, a futura romancista Rachel de Queiroz, Vitor Azevedo) objetivaram o “aventureirismo” e o “militarismo” da LCI. O POL, num documento público, tentou fazer um balanço rigoroso da derrota de 1935:

“O proletariado, que não chegou a tomar parte no golpe aliancista de novembro, sofreu porém todas as conseqüências da derrota. O movimento ascendente das massas trabalhadoras que se vinha assinalando desde 1934 (vaga de greves) foi quebrado. A pequena Burguesia, que se vinha deixando arrastar á esquerda, recuou, voltando a abrigar-se sob as asas do governo, ou caindo no velho indiferencismo político, quando não correu simplesmente para o seio do integralismo. A derrota, porém, será apenas uma etapa do caminho – e uma etapa progressista – se a vanguarda revolucionária souber tirar todas as lições da mesma”.
“Os acontecimentos de novembro deslocaram o debate sobre o caráter de classe da revolução no Brasil do campo abstrato da teoria para o terreno da prática. Nesse fato reside a sua grande importância histórica. Antes do golpe, o debate se travava entre duas concepções opostas: a da IC burocratizada e a dos marxistas revolucionários. Segundo a primeira, o caráter das revoluções nos países semi-coloniais, coloniais, dependentes, se mede por uma escala muito complicada, em que cada um dos seus graus representa uma revolução diferente e separada da outra. O primeiro grau representa a ‘revolução agrária e antiimperialista’, o ultimo a revolução proletária socialista. De cada vez só se pode andar um degrau. Desde a formação da ANL e das Frentes Populares (1935) o comunismo oficial achou acrescentar ainda um grau na extremidade inferior da escala, a ‘revolução popular nacional’, cujo caráter de classe é um mistério. A esse esquema abstrato, fora da realidade, era oposta à verdadeira concepção marxista: a luta revolucionária é um processo permanente que, uma vez iniciado, ocorre sem parar todos os graus da escala (não detendo diante de operações escolásticas traçadas de antemão no papel. Essa concepção, formulada inicialmente por dedução teórica, foi confirmada pela experiência das revoluções de 1905 e 1917 na Rússia, e posteriormente pelos acontecimentos revolucionários da china (1925-28) e da Espanha. E, finalmente, em novembro de 1935, teve em nosso país a sua principal experimentação prática com o fracasso político da ANL e do PCB.
Na realidade, quais as causas da derrota de novembro? De um lado, a importância em mobilizar os trabalhadores exclusivamente com palavras de ordem democráticas vulgares. De outro lado, a hostilidade, não só da burguesia, como até mesmo da maior parte da pequena burguesia para com a ANL e seu golpe. Grandes e pequenos burgueses não viram nem as palavras de ordem oportunistas, nem as tranquilizações, nem as concessões que lhe faziam os aliancistas e prestistas. Eles só tinham olhos para enxergar soldados, operários e militantes tidos e havidos como comunistas, de armas na mão; só tinham ouvidos para ouvir os apelos insistentes às massas exploradas que os insurretos, tangidos por uma contradição insuperável, eram obrigados a lançar para obter o apoio dos trabalhadores”.

O documento concluía com uma caracterização histórica da configuração política do Brasil contemporâneo, do maior interesse:

“Só agora, depois que o proletariado brasileiro deu provas de capacidade de luta independente (greves, movimento sindical) e de consciência política (formação do PCB, manifestações de massa) é que apareceu afinal, pela primeira vez, um partido de âmbito nacional. E, coincidência decisiva, este partido foi o integralismo, um fascismo nacional, montado e pago pelos capitalistas para esmagar o proletariado brasileiro e sua futura revolução. Por sua vez, em contraposição ao atraso e covardia da burguesia nacional, o proletariado foi, no Brasil, a primeira classe que se organizou nacionalmente e constituiu seu partido político. E, coincidência decisiva, este partido foi o PC, seção brasileira da III Internacional. Isto significa que, no Brasil, não existem outras tradições políticas ‘esquerdistas’ ou democráticas além das que se formam ou formaram no seio das massas, já sob influencia do comunismo, da revolução russa e do anarquismo. Essa ausência de tradições propriamente pequeno-burguesas é o que explica, em grande parte, o fato da ANL ter saído de um conchavo entre dirigentes do PC e alguns militares e políticos pequeno-burgueses, não ter tido outra vida senão a que lhe soprava o próprio PC. A ANL nunca teve existência própria. Sua base era constituída sobretudo de militantes de vanguarda, de simpatizantes do comunismo e entusiastas da URSS, pequeno-burgueses e operários adiantados. Sua ação se fazia sentir principalmente nas esferas já mais ou menos influenciadas pelo comunismo, os seus sucessos foram alcançados sobretudo nos setores mais avançados das massas trabalhadoras das cidades. Mas foram tão exagerados que os dirigentes aliancistas chegaram a se convencer que já haviam conquistado as massas profundas do proletariado e do campesinato de todo país. Aos olhos dos chefes, esses êxitos foram interpretados como confirmação da justeza de sua política, como a prova da falta de caráter de classe do movimento aliancista. Entretanto, o que as massas aclamavam nos comícios aliancistas era, na realidade, a bandeira do comunismo, e não a da ANL. A derrota de novembro destroçou a vanguarda, atirando uma parte nas masmorras e ilhas getulistas e dispersando a outra. É preciso reuni-la, mas desta vez sob nova bandeira. Chegou a hora de reconstruir o instrumento indispensável à vitória e à emancipação das massas trabalhadoras do Brasil. O novo reagrupamento de vanguarda não será uma invenção de meia dúzia de descontentes, mas o resultado da experiência do movimento operário no passado até o putsch aliancista de novembro. Visto sob ângulo histórico, o atual PCB não terá sido o partido da revolução vitoriosa – o partido bolchevique do Brasil -. Mas um precursor de um mesmo modo que o movimento anarquista... O seu atual desvio para a direita é definitivo, e ele não poderá voltar mais às suas antigas posições de classe. A sua linha direitista de agora foi traçada não por ele mesmo, mas pelo próprio Congresso da IC (1935), do qual se pode dizer que foi o Congresso de dissolução da III Internacional como partido mundial da revolução proletária”.

O POL realizou, à diferença dos outros partidos, e inclusive da historiografia atual, uma análise do programa do levantamento da ANL como causa do seu fracasso (e não somente da sua ‘inoportunidade militar’):

“Em Recife, alguns elementos de massa chegaram a participar do levante, aceitando as armas que lhes eram oferecidas; não se mostraram, contudo, dispostos a uma luta a fundo... Em Natal, cidade tipicamente pequeno-burguesa, apesar dos boletins do Comitê Revolucionário pretenderem que as forças revolucionárias se manteriam na maior fidelidade e respeito à propriedade e o lar, os ‘senhores comerciantes’ não quiseram saber de nada, e conservaram suas portas fechadas. Nas mãos dos soldados e trabalhadores em armas, o esquema aliancista-pretista de revolução popular nacional não conseguiu apagar as contradições de classe e não serviu para abrir-lhes as portas da burguesia.”

Sob Nova Bandeira, o órgão do POL, fez também uma reavaliação do integralismo:

“[na Europa] o movimento fascista não poderia deixar de se operar com inteira autonomia dos governos, não podia se colocar na dependência direta do aparelho de Estado sem se condenar a um isolamento inevitável. Aqui se passa precisamente o oposto. O Integralismo tem sido ultimamente apenas uma renovação do velho e arquiconhecido cravo vermelho, que teve sua glória no quadriênio Bernardes. Sem as camisas, os gestos e passeatas e discusseiras, esses auxiliares de segunda ordem da polícia, esses delatores profissionais, capangas de poderosos e empreiteiros de manifestações, já teriam sido há muito tempo identificados como simples agentes pagos de políticos sem popularidade. As teses do POL estabelecem suas escassas possibilidades de chegar ao poder pelas próprias forças.”

Em novembro de 1937, foi instaurado o Estado novo: Mário pedrosa seguiu então para a França, onde trabalharia com antigos conhecidos da sua viagem de 1928 para preparar o congresso de fundação da Quarta Internacional de setembro de 1938, do qual participou (sob o codinome Lebrun) e no qual foi indicado para integrar o Comitê Executivo (CEI) da nova organização internacional, como representante da América Latina. Nesse mesmo ano, Pedrosa se deslocou para os EUA, seguindo a transferência da sede do CEI, em decorrência da sede do CEI, em decorrência da guerra (Alexandre, 1973: 76). Em 1937, além disso, teve início no Brasil a campanha das eleições presidenciais (depois canceladas), a repressão amainou um pouco: alguns prisioneiros foram soltos, e o PCB conseguiu reorganizar-se. Sob a direção de Bangu (Lauro Reginaldo da Rocha), uma fração do partido resolveu apoiar o candidato semi-oficial José Américo de Almeida, mas encontrou resistência, sobretudo no Comitê Regional de São Paulo, favorável ao lançamento da candidatura de Luis Carlos Prestes, que se encontrava preso (cf. Karepovs, 1995).
O apoio direto do Comitern (por meio de conclamação de apoio emitida nas transmissões da Rádio Moscou para o Brasil) permitiu a Bangu vencer a fração opositora e, em seguida, excluí-la do partido. Esse grupo saiu do partido com a maioria do Comitê estadual de São Paulo, a organização comunista do Paraná e fragmentos do partido de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco (cf. Chilcote, 1982: 87). Seu líder era o já mencionado Hermínio Sacchetta, então um dos principais redatores de A Classe Operária, órgão oficial do PCB, e dirigente do Comitê Estadual de São Paulo. O grupo de Sacchetta, denominando-se Dissidência Pro-Reagrupamento da Vanguarda, negou-se em principio, mas aproximou-se depois do trotskismo. Juntando-se ao POL, formou com ele o Comitê Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária do Brasil (Flúvio Abramo desaconselha o POL a realizar essa fusão, pois achava que o POL seria “engolido” pelo superativismo de Sacchetta, a quem definia como “um vulcão”). A fusão definida se daria em agosto 1939, por ocasião da Primeira Conferencia de Militantes da Quarta Internacional, sendo então constituído o Partido Socialista Revolucionário (PSR), ao qual enviara sua adesão, desde a prisão, a poeta Pagú, e que também, no inicio da década de 1940, a adesão de um jovem assistente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, núcleo-matriz da Universidade de São Paulo, chamado Florestan Fernandes; tendo conhecido Sacchetta, lhe atraiu “a maior complexidade do debate intelectual” existente no interior do grupo trotskista. Florestan se afastaria do PSR no final da década de 1940, não sem antes participar da Coligação democrática radical, “setor” de atividade legal do PSR. Este afastamento provocaria uma crise de consciência em Florestan, que tinha recebido a proposta de uma bolsa de estudos no exterior (ele foi aconselhado, na ocasião, pelo seu amigo Antônio Cândido), crise à qual ele referiu, ulteriormente e de modo indireto, ao caracterizar sua intensa atividade intelectual como “autopunitiva”.
Durante a crise, em 1939, no Socialist Worers’ Party (SWP), seção norte-americana da IV Internacional, decorrente da política de “defesa incondicional da URSS”, defendida por Trotski e a maioria do CEI (cf, Trotski, s.d.), Mário pedrosa apoiaria a fração, encabeçada por Marx Schatchman, que acabaria por abandonar o SWP e a IV Internacional. Na reorganização do Secretariado Internacional, operada por Trotski no ano seguinte, Pedrosa foi excluído (“Ele pouca ou nenhuma influência teve na formação da IV Internacional no Brasil, que resultou na cisão no PCB, dirigida por Hermínio Sacchetta, acompanhada pelo velho Alberto Moniz da Rocha Barros, que usava o pseudônimo de Cintra”, nos disse Luiz Alberto Moniz Bandeira). Em 1940, Pedrosa fez uma turnê pela América Latina, visitando entre outras cidades, Buenos Aires, angariando adeptos para a fração internacional chamada de “antidefensista” (em Buenos Aires, conquistou adesão de Pedro Milessi, operário e um dos pioneiros do trotskismo argentino, mas foi “esnobado” por outro trotskista importante, Liborio Justo, filho do presidente argentino (1932-28), Augustin P. Justo). Em Lima, chegou a realizar uma reunião latino-americana da nova e efêmera corrente política, na casa do dirigente do Aspra (Acción Popular Revolucionária Americana) Victor Raúl de la Torre, que lhe facilitara a ocasião. Depois Pedrosa também se afastaria de Schatchman e, influenciado pelas idéias do social-democrata norte-americano Norman Thomas, retornaria ao Brasil em 1941, disposto a criar um Partido Socialista “independente”. A empreitada culminaria, junto a outros ex-militantes da LCI, já desligados do trotskismo, na fundação do periódico Vanguarda Socialista em 1945 (cf. Loureiro, 1984).
O PSR, por sua vez, estreitou relações com a Quarta Internacional, a partir de 1943 (foi reconhecido como “seção brasileira” pelo II Congresso Mundial da Quarta Internacional, em 1948). Depois da queda de Vargas, na “redemocratização”, o PSR criticou, nas páginas de Vanguarda Socialista, a posição de Pedrosa, defendida por Arnaldo Pedroso d’Horta, no sentido de apoiar a candidatura presidencial de Eduardo Gomes (o PSR defendia uma candidatura de classe ou voto nulo, tal como tinha feito o Comitê São Paulo do PCB em 1937: o grupo de Sacchetta foi o percussor de uma posição que seria um dos centros do debate da esquerda diante da ditadura militar de 1964).  Em outubro de 1946, o PSR começou a publicar seu próprio jornal, Orientação Socialista, onde Sacchetta publicou uma série de artigos (“Prestes e o problema agrário”) atacando a raiz da concepção “etapista” do PCB. O PSR tinha por centro São Paulo, onde chegou a controlar o Sindicato dos Jornalistas, e também no Sindicato dos Vidreiros, onde seu militante Domingos Taveira exercia a presidência, possuía, ainda, bases no Rio de Janeiro e no Paraná. José Stacchini, depois destacado jornalista de O Estado de S. Paulo, também fez parte das suas fileira.
Em 1946, o problema político central era a passagem do regime ditatorial de Vargas para uma “democratização” que não provocasse um transbordamento revolucionário para os interesses das classes dominantes. Os trotskistas entenderam nesse momento a política de alianças com o capital, propostas pelo PCB, como produto das influências stalinistas e das suas interpretações sobre a realidade brasileira. O colaboracionismo classista rondava o projeto de “revolução democrática” defendido pelo PCB. Segundo o Cavaleiro da Esperança, “para transformar a possibilidade em uma realidade precisa-se de toda uma série de condições, entre as quais a linha do partido e sua justa aplicação não deixam de ser das menos importantes” (prestes, 1984: 201). E a linha justa passava por certa observação do programa agrário no Brasil. A confiscação da terra proposta pelo PCB não revela o caráter da transformação que se quer operar na estrutura do campo brasileiro. De um lado, porque o campesinato poderia intensificar o antagonismo contra o capital, inviabilizando a aliança com a burguesia nacional-industrial (defendida pelo PCB). De outro, porque se ignorava como se extraía a renda da terra, com a questão do semifeudalismo”. Para o PCB, a burguesia nacional-industrial estava interessada na derrota dos representantes do semifeudalismo na formação social brasileira. Os grandes proprietários de terra representam, segundo o partido, uma forma de realização do imperialismo em países como o Brasil. O pressuposto da confiscação das terras para os camponeses, defendido pelo PCB, não esclarece se se busca instituir um preço de produção na agricultura, que seja exatamente a diferença entre o preço individual de produção e o mais elevado. No final dos duros anos de repressão da ditadura varguista, que desorganizaram o movimento sindical e atingiram frontalmente as organizações de esquerda, o PCB (desde 1943 com a Conferência da Mantiqueira) propõe a “unidade nacional e a luta contra o fascismo” – unidade em torno de Vargas: “Não há, pois, União Nacional, sem a continua e permanente movimentação da opinião pública e das forças de todo o povo em torno dos problemas nacionais ligados à guerra, da compreensão e solução desses problemas. Evidentemente, essa união há de realizar-se em torno do governo do presidente Vargas” (apud Carone, 1981: 14).
Com essa lógica, a linha justa que se opõe às deflagrações de greves do proletariado seria a que se afirmaria. O PCB arrolou a tese da participação nacional como condição de combate ao fascismo. Na visão dos pecebistas, o êxtase de um país em conciliação nacional devia ser vivido também pelo proletariado, principalmente por ele saber que qualquer esforço social da sua parte contribuía para a derrota do inimigo maior: o fascismo. Prestes chegou a dizer que, vencido o nazi-fascismo, o imperialismo desapareceria e, finalmente, o capital estrangeiro até poderia contribuir para com o desenvolvimento nacional, caso fossem observados os acordos internacionais (principalmente a Carta do Atlântico). Como será possível? Vencendo o “feudalismo”, desenvolvendo uma burguesia nacional, varrendo da cena política a aristocrática feudal. Ditada em momento de soma de esforços materiais e militares contra o fascismo, a anistia dos presos políticos e conseqüentemente, dos comunistas, no final da ditadura varguista, a “linha justa” conduziu o PCB a fortalecer a luta pela sua legalidade e por algumas reformas burguesas. Já no “queremismo”, a burguesia nacional e internacional (as investidas do embaixador norte-americano para a queda de Getúlio Vargas), intranqüilizada pela aliança dos pecebistas com o ditador, num momento de greves do proletariado, impõe resistência a esse projeto do PCB. Este respira aliviado após o 29 de outubro. Mas o governo Linhares lhe reserva algumas visitas em seu escritório. A elas o PCB se refere como “fruto da esperança de alguns fascistas em importantes pontos do governo”. A anistia, a legalidade conquistada, a expressiva votação na primeira eleição pós-ditadura Vargas empolgam o PCB, fazendo-o mais resoluto ainda na defesa da unidade nacional, mas a democracia burguesa logo esgota se ciclo com a coalizão partidária PSD-UDN-PR. A cassação do registro do PCB em 1947, foi seu resultado: esta questão foi denunciada na própria Tribuna Popular por Pedro Motta Lima, em 10 de novembro de 1945.
A “política popular” do PCB não esclarecia o proletariado. Os trotskistas nunca deram a “revolução democrática para o Brasil, país de capitalismo retardatário com um proletariado atuante, que não podia ser visto como semifeudal. O movimento operário não devei contentar-e com uma possível revolução nacional, dado que as contradições do regime social de produção já tinham alcançado níveis que não podiam retroagir. O PSR pretendia lutar contra o imperialismo, porém não com medidas capitalistas. O capitalismo no Brasil preservava modos distintos de acumulação, encontrando no Estado a possibilidade de se evitar o antagonismo profundo entre eles. Mas a distinção não obstaculizava o imbricamento desses modos de acumulação de capital. Na crítica às “teses antiimperialistas” do PCB, Orientação Socialista evidenciava a falta de concretização na realidade social do feudalismo brasileiro. Não seria preciso um grande esforço intelectual para se distinguir latifúndio de feudalismo. E nem cabia comparar o latifúndio no Brasil com o feudo na Europa. A tese da feudalidade brasileira, defendida pelo PCB, era uma espécie de crença que projetava a possibilidade de um capitalismo progressista no Brasil. A análise do PSR sobre a industrialização capitalista no Brasil procurava acentuar os possíveis elos  entre aquela e o capitalismo internacional. Esse entendimento passava anteriormente pela identificação das formas de acumulação existentes na economia brasileira: quais as reais relações entre a agricultura e a indústria
? Assim, o PSR esforçou-se para compreender a produção no latifúndio a partir da produção capitalista propriamente dita. O desenvolvimento desigual e combinado da produção brasileira impunha a verificação das forças de acumulação de caspital, suas especificidade. Não se podia pensar em torno de uma paridade entre elas, senão o “desigual” seria improcedente. Escapando da dualidade de “novo” e “atrasado” supunha-se uma síntese dessas diferenças sob a hegemonia do capital financeiro. O capitalismo internacional impunha limites à produção, mesmo em períodos favoráveis a uma maior capacidade de importar, como no caso da conjuntura do pós-guerra: o ritmo do desenvolvimento da indústria de bens de capital, lento, era determinado pelos interesses do imperialismo. Entretanto, para os trotskistas, a revogação da “lei Malaia”, o problema de transferência de tecnologia, principalmente em um país sem muitos recursos financeiros na iniciativa privada, não condicionavam linearmente antagonismos radicais entre a burguesia industrial nacional e o capital internacional.
Para o PSR o capitalismo tardio estava sob o bordão da crise geral do sistema social da produção burguesa, crise que se manifestava de várias formas: o fascismo fora uma delas, não a ultima. Contrariando o PCB, Orientação Socialista expunha a impossibilidade de democracia formal burguesa em um capitalismo tardio, como o brasileiro. Não se tratava de uma questão conjuntural, mas de uma crise institucional endêmica: a burguesia não conseguia criar mecanismos mais ou menos duradouros para enfrentar o proletariado na arena social e política, devido à estrutura do capitalismo no Brasil. Era delírio do PCB crer em um jacobinismo retardatário. O legislativo no Brasil do imediato pós-guerra não podia abrir espaços para acomodar as contradições entre capital e trabalho. Ficava a impressão de que o executivo e Legislativo atuavam quase que monoliticamente. A democracia decretada (por meio dos decretos-leis de Dutra) era a ante-sala para a constituinte de 1946. As greves do proletariado aterrorizavam o capital: a burguesia nacional exigia do governo Dutra o fim do movimento paredista. Finalmente, em nome do capitalismo progressista, o próprio PCB condena as greves do proletariado. O PCB adotava um projeto de revolução para o Brasil baseado nas teses dimitrovistas do VII Congresso Mundial da IC, realizado em 1935, a via das Frentes Populares. E por fim, adota também inimigos, a luta contra “os inimigos da URSS”, os trotskistas.
A tática da frente Popular era mais consentânea com a concepção da revolução democrática burguesa, já que devia contar com a burguesia nacional. Segundo Orientação Socialista se, na Europa, a Frente Popular era um engano tático, no Brasil era uma “dialética do absurdo”, haja vista a repressão ao movimento operário desencadeada em 1946, prova inconteste da impossibilidade histórica de uma aliança entre a burguesia nacional, pequena burguesia, o proletariado e o campesinato. Com o colaboracionismo entre as classes sociais, o PCB confundia o proletariado entregando-o desarmado ao capital. Assim a burguesia nacional sentia-se mais á vontade para recusar qualquer política social que viesse ao encontro dos interesses do proletariado. A política da Frente Popular levava a uma perda do caráter do proletariado do PCB, transformando-o em instrumento de descaracterização proletária no âmbito da pequena burguesia. Distante da “unidade nacional”, o que se processava era a intensificação do conflito entre capital e trabalho. Para das expressão a esse conflito, o PSR propôs a frente única dos operários trabalhadores que pressupunha um arco de alianças que não ultrapassava a constituição da própria classe operária. Na conjuntura, não se via uma burguesia jacobina, mas sim burgueses “liberais” conservadores. A defesa da frente Única dos trabalhadores vem na esteira da concepção de organização política nos locais de trabalho: é bom lembrar que várias greves desencadeadas em 1946 partiram de operários organizados em comissões de fábricas. A frente única, para o PSR, não era porém um substituto do partido revolucionário.
Os êxitos eleitorais do PCB no imediato pós-guerra ocorreram diante de uma burguesia mais ou menos desorientada, mais ou menos desorganizada. Depois, a burguesia reconstituiu seu domínio, com recessão, destruindo uma parte da economia. Dutra combatia a inflação com desemprego e com o fechamento de algumas fábricas. Orientação Socialista propôs que essas fábricas fosse reabertas (por exemplo, as de tecido) e que o proletariado tivesse uma jornada de trabalho menor, recebendo o mesmo salário. Daí a defesa da escala móvel de horas de trabalho e de salários. O proletariado não podia pagar pela crise do capitalismo. Para esse momento, Orientação Socialista apresentou suas reivindicações mínimas: Liberdade e autonomia sindicais, extinção da polícia política e dos órgãos de repressão, direito de organização, reunião, manifestação escrita e oral, reconhecimento legal dos comitês de fábrica, escala móvel de salários e horas de trabalho, abolição do segredo comercial, expropriação dos bancos comerciais (particulares), sistema de crédito em mãos do estado, expropriação sem indenização dos monopólios e trustes estrangeiros, expropriação das fortunas adquiridas em exercício de cargos públicos, centraslização das aposentadorias e benefícios em único instituto (Previdência Social) sob controle dos contribuintes, taxação com impostos diretos para os ricos e abolição de impostos indiretos para o povo, imposto de renda crescente aos ricos, abolição desse imposto para os assalariados, nacionalização da terra, reforma completa da lei eleitoral, direito ao voto estendido aos soldados, marinheiros e analfabetos. A lei eleitoral devia garantir efetivamente registros de candidatos avulsos e de organizações proletárias socialistas.
Fiz Pedro Roberto Ferreira (1991b):

“O objetivo é traçar uma política que possa refletir os anseios do movimento social e fazer avançar, em alguns aspectos, certos elementos nitidamente revolucionários já manifestos neste ultimo. Os trotskistas não conseguiram organizar um grande partido, mas deixaram uma grande contribuição para o movimento operário. Orientação Socialista representou um momento anti-ilusionista no movimento operário, denunciou a farsa das propostas do capital, aparentemente tão sedutoras, a uma sociedade que almejava sua redemocratização. O governo Dutra, de unidade e de pacificação nacional, reprimiu, como de hábito, o proletariado, sobretudo quando ele se organizava politicamente para sustentar suas reivindicações, seus direitos, etc. estava em jogo a possibilidade de autonomia política dos operários e trabalhadores brasileiros. O discurso de Orientação Socialista ensejou essa possibilidade”.

Segundo depoimento de Luiz Alberto Moniz bandeira:

“Em 1938, o trotskismo no Rio de Janeiro era representado pelo Partido Operário Leninista (POL), do qual participava Edmundo Moniz, mas não integrou a IV Internacional. A posição do POL com respeito ao estado Novo, de Vargas, era divergente a posição do PSR, seção brasileira da IV Internacional. Enquanto o PSR considerava fascista a ditadura de Vargas, o POL qualificava-a como ditadura bonapartista, policial militar. Eu tenho ainda os documentos escritos por Cintra (Alberto Luiz da Rocha Barros [pai]) e Edmundo Moniz no quais se pode ver a divergência de conceitos. No Rio de Janeiro, os trotskistas, como Edmundo Moniz. Ilkar Leite, Cursino Raposo e outros, acompanharam, na sua maioria, a posição de Mario Pedrosa. Em 1945, eles formavam a União Socialista Popular (USP), participando da Esquerda Democrática, que integrava a UDN, e editoravam o jornal Vanguarda Socialista, cuja coleção eu possuía, assim como Orientação Socialista, órgão do PSR, editado por Sacchetta. A Vanguarda Socialista defendia a tese de que a URSS era um capitalismo de Estado e passou depois a ser editado pelo Partido Socialista Brasileiro, fundado em 1947, com adesão de Mario Pedrosa e do seu grupo. Edmundo Moniz e outros divergiam e não entraram no PSB. Em 1954 Mário Pedrosa apoiou a candidatura de Juarez Távora, da UDN, e foi depois expulso do PSB por ‘desvios direita’. Se a memória não me falha, ele participou até da Ação Democrática e do Movimento pela Liberdade da Cultura, que Julian Gorkin (um ex-militante do POUM espanhol), tentou estender ao Brasil, e que depois se soube serem iniciativas da CIA. A IV Internacional, no Rio de Janeiro, estava então reduzida a não mais que uns três ou quatro militantes (conheci dois deles). Os outros chamados trotskistas que acompanhavam Mario Pedrosa, ou estavam no PSB oi, como Edmundo Moniz e outros, não mais participavam de qualquer organização. Em uma vez que Edmundo Moniz escrevia artigos no Correio da Manhã, de Paulo Bittencourt, que era casado com sua prima e cunhada de Niomar Moniz Sodré, também minha tia, Prestes atacava-o, chamando de o ‘canalha trotskista do Correio da Manhã. Mario Pedrosa, creio que em 1956 ou 1957, foi expulso com direitista do PSB, juntamente com Ilkar Leite e outros que haviam sido trotskistas”.

Sacchetta, por sua vez, romperia com a IV Internacional, e o PSR se dissolveria em 1952, “no bojo das divergências que dividem de forma irremediável o movimento trotskista a nível internacional” (Lima, 1986). A trajetória política de Sacchetta (que chegou a ser chefe da redação de O Estado de S. Paulo) continuaria até a sua morte em 1982. Só dez anos depois de seu falecimento, pela primeira vez, e reparando uma longa injustiça, seus escritos políticos foram compilados em um volume, com diversos trabalhos daquele que foi uma das figuras mais significativas da história da esquerda brasileira, sem dúvida o principal dirigente trotskista brasileiro do período (ainda mais depois que Mário Pedrosa rompeu com a IV Internacional em 1940), fundador e dirigente de outros grupos de esquerda ativos na década de 1960 (a LSI e, depois, o MCI), e importante jornalista ao longo de quase meio século. A escolha dos textos incluídos no volume, embora muito representativa, ressente-se da penumbra em que foi mantido o autor, não só pela academia, mas inclusive papel própria esquerda. Não há, sem dúvida, como negar a importância de seu principal texto de polemica no PCB *Sacchetta chegou a fazer parte do boreau político), de 1937, no qual recusava a etiqueta de “trotskista” (que  assumiria no ano seguinte, na prisão, vítima da perseguição do regime varguista), atribuindo os erros do partido ao “banguzismo” (de Bangu, codinome do secretário geral do PCB), e não ao stalinismo, que em 1937 Sacchetta ainda defendia. Em nada esclarece a polêmica a apresentação do texto que fez Heitor Ferreira Lima (posteriormente assessor da Fiesp), um “histórico” do PCB o qual diz, a respeito dos fatos que levaram o banimento do Comitê de São Paulo do PCB, que (Sacchetta) foi o responsável  pelos acontecimentos então ocorridos que creio nunca tê-lo compreendido”. Ferreira  Lima, não menciona que sacchetta foi o único membro  do Comitê Executivo de São Paulo, rompido com o partido stalinista (depois de um período que tentou disputar com a fração stalinista a representação da Internacional Comunista, que lhe foi negada pela própria Rádio Moscou) a aderir ao trotskismo.
Também é mito importante o artigo “Jorge Amado e o porões da decência”, no qual Sacchetta se defendeu das calúnias do escritor baiano na sua obra Os subterrâneos da liberdade, em que aparece como personagem “traidor, cínico, corrupto e... trotskista”. Amado, na época (anos 1940) se identificava com Stalin/Zdanov e seu “realismo socialista”. Sacchetta o gratificou com o qualificativo de “analfabeto semiletrado”. O melhor do livro é, sem dúvida, o artigo “Trotskismo”, texto de uma conferencia de 1946, em que são expostas com raro brilho as bases do pensamento político do líder da Revolução de Outubro, sua filiação marxista, sua coincidência objetiva e subjetiva com Lênin, e sua aptidão pra compreender e transformar o mundo contemporâneo: só esse texto já situa Sacchetta num plano teórico superior, no nosso entender, ao de Mario Pedrosa (que deve seu prestígio mais às suas qualidades de crítico de arte do que à sua atuação política). Inclui-se também um texto inconcluso que dá seu título ao volume (O caldeirão das bruxas), tentativa de romancear a ruptura de sacchetta com o PCB, que demonstra no máximo que sacchetta carecia de virtudes de romancista, assim com depoimentos acerca de Sacchetta de figuras intelectuais e políticas (como o já citado Heitor Ferreira Lima, Florestan Fernandes, Michael Lowy, Cláudio Abramo, Jacob Gorender – este, de longe, o mais interessante – e Mauricio Tratenberg). Nada haveria a objetar à inclusão desses textos e não fosse notável a exclusão de qualquer texto de Sacchetta entre 1938-1952, ou seja, quando era dirigente brasileiro da IV Internacional (à exceção do já citado “Trotskismo”). Não são incluídos, portanto, textos essenciais para a compreensão da sua trajetória política, como os publicados em Orientação Socialista (em especial a já mencionada série de artigos “Prestes e o problema agrário”, critica às posições do PCB sobre a questão agrária), órgão do PSR na década de 1940; ou as discussões contra Mario Pedrosa e Arnaldo pedroso d’Horta publicados em Vanguarda Socialista na mesma época, em defesa da independência de classe e contra o voto em Eduardo Gomes, o candidato “progressista” na redemocratização”, defendido pelos ex-trotskistas, transformados em “socialistas” tout court.
Por que Sacchetta rompeu com a IV Internacional e dissolveu o PSR? Michael Lowy, evocando sua relação pessoal, refere-se à ausência de manifestação de Sacchetta sobre o assunto. Alberto Luiz Rocha de Barros, filho do seu companheiro da década de 1930 (advogado trabalhista Albeto da Rocha Barros) e se próprio camarada de militância na década de 1950 e 1960, confiou-nos a desilusão de sacchetta com as resoluções do III congresso Mundial da IV Internacional, em 1951, quando adotou-se a linha “pablista” de apoio crítico à burocracia soviética e de “entrismo sui generes” nos partidos comunistas. É provável que Saccheta tenha visto nessa linha não um revisionismo total do trotskismo e do próprio marxismo, mas uma manifestação inesperada do trotskismo. Só Jacob Gorender se refere a um texto de Sacchetta (não incluído no volume), o “Relatório sobre questões da política organizatória no domínio socialista”, escrito “provavelmente naquela época (em que ) salienta-se a análise do fracasso do trotskismo”. Desiludido Sacchetta passaria para o “luxemburguismo” (ideologia que presidia a PSI, Liga Socialista Independente, e o MCI, Movimento Comunista internacionalista, organizado por Sacchetta na década de 1960. Em qualquer hipótese, esse “luxemburguismo” era politicamente diferenciado do “trotskismo” pablista defendido pelo grupo brasileiro do Birô Latino-Americano da IV Internacional, liderado pó J. Posadas (codinome do argentino Homero Cristalli), o POR, Partido Operário Revolucionário. A LSI defendeu intransigentemente a independência de classe contra os restos do “varguismo” e contra a orientação do PCB, enquanto o POR chamava o PCB a fazer revolução, tendo chegado a apoiar (chamou a votar) Jânio Quadros “pelo se programa nacionalista” (esmiuçado por Sacchetta no artigo “Nem Lott, nem Jânio, por uma política de classe”).
Quais eram as limitações da LSI (que nunca ultrapassou algumas dezenas de militantes) e, depois, do MCI? Os textos do volume correspondente aos anos 1960 permitem apreciá-las. Do ponto de vista dos princípios gerais, havia a defesa da independência de classe, a critica da revolução por etapas e do apoio à “burguesia progressista”. A lua contra o imperialismo (e contra a ditadura militar) era uma luta anticapitalista, que só poderá ser vitoriosa com a instauração de um governo operário e camponês. O problema é a tradução desses princípios numa política correspondente, o que demonstra que não bastavam formulações gerais. A proposta política central era a da “frente única proletária”, dirigida às “organizações marxistas” e aos “socialistas de diversas doutrinas”. A tática da “frente única proletária” tinha sido lançada pela Internacional comunista para os países de capitalismo desenvolvido. Para os países de capitalismo atrasado, coloniais ou semi coloniais, oprimidos pelo imperialismo, a tática da “frente única antiimperialista” era a que, levando em conta as relações políticas objetivas entre as classes, permitia lutar pela direção proletária da luta democrática e antiimperialista, ou seja, pela chefia operária da nação oprimida. As organizações socialistas e “marxistas” que surgiram nos anos 1960 eram menos a expressão da radicalização proletária (que expressavam de modo muito deformado) do que a expressão da paulatina decomposição do PCB, e secundariamente os remanescentes das fracassadas tentativas de se organizar um partido social-democrata. A ruptura com o stalinismo foi, em geral, totalmente empírica, como o demonstra que boa parte delas enveredasse pelo foquismo, fazendo da luta armada, elevada ao nível da estratégia, p eixo de diferenciação com o PCB (o qual, diante da sua crise, chegou a flertar com o foquismo.
Sacchetta, como marxista, tinha elementos de sobra para criticar o terrorismo isolado da evolução das massas (e o fez), mas seus posicionamentos por vezes não deixavam de refletir a pressão exercida pelo foquismo, a procura de um “terreno comum” com as organizações guerrilheiras: “preparemo-nos para a luta armada, desde já, mas num processo dialético que encare a realidade como ela se apresenta”. A “frente única proletária”, portanto apenas poderia ter expressão como frente de “viúvas” do PCB (e, secundariamente, do socialismo reformista) e não como frente dos trabalhadores avançados que, rompendo com o nacionalismo e o stalinismo, enfrentavam o impasse da “democracia populista” e, logo, a repressão antioperária da ditadura militar. Somente a luta por um partido operário independente poderia ter dado expressão política àquela tendência, que explodiu a céu aberto com o processo grevista do ABC em 1979-1980. A “frente única”, por outro lado, era colocada (antes do golpe de abril de 1964) na perspectiva política de “ampliação, em seus limites máximos, das atuais instituições democráticas”. Já sobe o governo militar, a “frente única” seria posta sob um programa de “objetivos imediatos” (táticos) acrescido de outro de “objetivos estratégicos” (Sacchetta, 1992: 106-33 e 133-40): isto significava colocar a “frente única” como ala extrema esquerda da democracia burguesa, não como agente da organização independente do proletariado.
Para o trotskismo, os “objetivos táticos” não sem esgotam em si mesmos: na medida em que as reivindicações imediatas são colocadas tal qual alavanca da constituição do proletariado como classe independente, elas se transformam em reivindicações de transição. Estas palavras de ordem permitem que a luta pelas reivindicações vitais se transforme numa preparação para a luta pelos objetivos estratégicos (isto é, pelo poder operário) num processo permanente, ou seja, não separado por duas etapas históricas diferenciadas. O grande ausente, no pensamento político se Sacchetta, era o programa de transição, justamente um dos últimos grande documentos políticos de Trotski, com o qual armou a vanguarda revolucionária nucleada na IV Internacional. No último documento do volume, um dos últimos da vida de Sacchetta, produzido em meio à crise da ditadura militar e da emergência operária (1979), esta concepção era reafirmada com relação à reivindicação de Assembléia Constituinte:

“Cabe às forças populares organizadas, com o proletariado à frente, conquistar os segmentos da população menos consciente de suas prerrogativas políticas para a obra de inserção na futura lei básica, vale na Constituição, dos direitos fundamentais dos trabalhadores, em especial no âmbito político. E aos trabalhadores cabe fazer cumpri-los, por pressão contínua, com todos os recursos que dispõe... Por esse caminho, o povo deverá participar, por meio de seus representantes, da promulgação das leis e, por conseqüência, da condução dos negócios públicos”.

Eis a Constituinte como alicerce de um regime democratizante, e não como palavra de ordem de transição, na luta pela qual os órgãos do poder operário poderiam e deveriam surgir. Dessa maneira, Sacchetta expressou até suas última conseqüências as contradições que puseram em tensão toda a trajetória intelectual e política, as quais ilustram concentradamente as dificuldades para construir a seção brasileira da IV Internacional ao longo de quatro décadas. Sacchetta, portanto, não foi apenas um dos principais jornalistas deste século.
Luiz Alberto Moniz Bandeira, em depoimento, assim nos descreveu a situação criada e desenvolvida depois da dissolução do PSR:

“A IV Internacional, fundada em 1938, praticamente desapareceu quando, por volta de 1952, Sacchetta rompeu com Pablo, sendo um dos motivos da divergência a política do ‘entrismo’ e evoluiu para a tese de que a URSS era um capitalismo de Estado. Aliás, ele passou a ver o bolchevismo – e a responsabilizá-lo – as origens do stalinismo. Por volta de 1953/1954, havendo a IV Internacional praticamente desaparecido no Brasil, o BLA (Boureau Latino-Americano) mandou gente tratar de reorganizá-la, o que foi feito com José Maria Crispin, que promovera uma dissidência no PCB, do qual fora expulso, creio que em 1951-1952. Aí foi organizado o POR e em começo de 1955 estava no Brasil Manuel (esse era seu codinome e creio que ele era argentino), como representante do BLA. No inicio de 1956 foram presos no Rio, Leôncio Martins Rodrigues, Marimbondo (esqueço o primeiro nome), José barroso e Leon (um operário, remanescente do PSR, de Sacchetta). O fato foi noticiado por O Globo. Nessa época, Manuel procurou Edmundo Moniz, em cujo apartamento eu morava, eu vim com ele para São Paulo, onde então me reuni com Crispim, os irmãos fausto (Boris, Rui e um outro). Mas nem eu nem Sacchetta nem Alberto Luiz [da Rocha Barros] aceitamos a conceituação da URSS como Estado operário degenerado, nem as posições que considerávamos muito sectárias dessa pessoa. E por isso decidimos criar a Liga Socialista Independente (eu escrevi o programa e Alberto Luiz os estatutos). Lembro-me de Ottaviano De Fiore, que era também trotskista e militava na faculdade de Filosofia, na Maria Antônia. Mas algum tempo de pois, em fins fé 1956, encontrei Eric Sachs , um austríaco, que dizia haver sido discípulo de [Heinrich] Brandler [ex-dirigente do PC alemão], e resolver tomar uma iniciativa mais ampla e abrangente, organizando a Juventude Socialista, no Rio de Janeiro e na Bahia, onde em 1954 (eu tinha dezoito anos e ainda morava entre Rio e Salvador) organizava com mais três colegas uma Liga Socialista Revolucionária. Em 1957, veio para o Brasil, como representando do BLA, um uruguaio, Estrada (parece que o nome real dele era Labat) e o POR absorveu militantes da UJC (um deles, Boris, que hoje é médico nos EUA), que fora dissolvida, em função da dissidência de Agildo Barata, após o 20o Congresso do PCUS. Na juventude Socialista, editamos o jornal Esquerda Socialista. Fizemos muitas reuniões conjuntas com o pessoal do Agildo, Liga socialista Independente, POR, ai em São Paulo. Nessas reuniões estavam Almino Afonso, Paul Singer e muitos outros. Quando vinha ao Rio, Crispim ficava hospedado no meu apartamento, apesar de que eu não fosse da IV Internacional. A revista Novos Tempos, editada por Oswaldo Peralva e o grupo de Agildo Barata, no Rio de Janeiro, abriu suas páginas para nós e ai eu publiquei artigos, um dos quais sobre Trotski, respondendo a um stalinista, Calvino, que detinha a propriedade do título e o tomou”.

De fato, o Brasil foi um dos principais terrenos de ação do BLA (Birò Latino-Americano da IV Internacional), dirigido por Posadas, que depois conformaria “sua” Internacional, a IV Internacional posadista, cuja seção mais importante, a da Argentina, teve bastante força entre meados das décadas 1950 e 1960. No Brasil, o POR (Partido Operário Revolucionário) incorporava em 1956 uma fração dissidente do PCB, encabeçada pelo deputado José Maria Crispim. O POR teve influência nas lutas metalúrgicas de São Paulo e participou da organização dos sindicatos agrários do Nordeste, onde foi um de seus militantes, “Jeremias” (codinome de Paulo Roberto Pinto) foi assassinado pelos jagunços dos latifundiários em 1963, quando organizava os trabalhadores agrários de Também (no estado de Pernambuco). Durante as décadas de 1950 e 1960. O POR também publicou com bastante regularidade seu jornal Frente Operária, este legalmente sob a direção do depois conhecido sociólogo Leôncio Martins Rodrigues. As suas elaborações teórico-políticas, que passavam obrigatoriamente pelo filtro autoritário, e depois delirante, do endeusado “líder mundial” J. Posadas, apresentam muito menos interesse do que as realizadas previamente pela LCI, POL e o PSR.
Já sob a ditadura militar, o POR sofreria o assassinato do metalúrgico Olavo Hansen, em 1970. Durante a “democracia populista” quando o POR fora a única expressão do trotskismo organizado no Brasil, a sua linha foi de apoio aos setores nacionalistas, chegando a apoiar, como vimos, Jânio Quadros em 1953, “pelo seu programa antiimprialista”. As elaborações dos “posadistas” sofriam então influência do principal dirigente do Secretariado Internacional da IV Internacional, Michel Pablo, caracterizadas como “objetivistas” por desprezar o peso dos obstáculos subjetivos para a revolução. O POR afirmava, em 1959, no seu jornal Frente Operária, que “já se pode descartar como praticamente impossível uma inversão da situação, uma derrota efetiva as massas e o restabelecimento da normalidade capitalista”, ou, em 1960, que “a burguesia não tem força para submeter o movimento dos sargentos...”.
Se o POR foi a escola para militantes que teriam destaque em décadas posteriores, não teve o monopólio da matéria na década de 1960. Em suas lembranças, Luiz Alberto Bandeira pondera:

“Ai fundamos a revista Movimento Socialista, da qual saíram dois números. E em janeiro de 1961, no Congresso de Jundiaí, reuniram-se os militantes da Juventude Socialista, Mocidade Trabalhista, juventude do PTB (Teotônio dos Santos, Ruy Mauro Marine) de Minas Gerais, da Liga Socialista Independente e do POR. Nesse Congresso foi que se criou a Polop – Política Operária -, mas o POR decidiu não integrar a organização, assim como Sacchetta e mais uns dois ou três militantes da Liga Socialista Independente, que foi dissolvida. Os irmãos Sader (Emir e Eder) e Michael Lowy eram muito jovens e haviam entrado na LSI muito tempo depois de sua fundação. E aí lançamos a revista Política Operária, da qual fui diretor e que depois se transformou em jornal semanário, nos primeiros meses de 1964. Nessa época, houve a cisão na IV Internacional, com Posadas a dominar o BLA. Crispim foi expulso do POR, porque aderira ao nacionalismo de Agildo Barata (tenho muitas histórias engraçadas desse período). E, curiosamente, apesar de todo o sectarismo posadista, o POR cresceu no Brasil. Foram militantes Tullo Vigevani, Maria Hermínia Tavares de Almeida, entre outros.”

Com o golpe de 1964 e a repressão militar, o POR foi perdendo expressão. Durante a ditadura foi mais notável a atuação do POC (Partido Operário Comunista). O POC surgiu em 1968, a partir do que restou de uma cisão da Polop, resto que se fundiu com a dissidência do PCB, no Rio Grande do Sul. As outras organizações que emergiram do racha da Polop foram a VPR, Var Palmares e Colina. Outros militantes entraram na ANL, de Marighella. Estas organizações também sofreriam desagregação até dar lugar, no período de abertura política, a novas organizações, constituídas com base nas correntes trotskistas internacionais: a Convergência Socialista (Fundada no Chile, em 1973, como “Ponto de Partida”), a OSI (Organização Socialista Internacionalista, fundada em 1975 sobre a base da fusão de grupos preexistentes e que se tornaria conhecida pela sua tendência estudantil a “Libelú”, e seu jornal O Trabalho), a democracia Socialista, que recolheu os restos do POC e da Polop, e outros grupos “foquistas”. Mas isto pertence a outra etapa política, e até histórica, do Brasil.
Durante mais de três década o trotskismo brasileiro envidou esforços para a construção de organizações revolucionárias, inclusive durante períodos políticos muito difíceis e repressivos. Os resultados obtidos atingiram alguma importância, mas sempre efêmera e, como corrente política, o trotskismo brasileiro se caracterizou pela descontinuidade, além das já conhecidas divisões, as mais das vezes refletindo debates internacionais (que provocavam divisões e cisões também dessa escala). O trotskismo, por outro lado, foi uma referência mais que notável para a intelectualidade revolucionária, a ponto de vários dos mais destacados intelectuais de esquerda dessas quatro décadas (1930 até 1960), como Mario Pedrosa, Hermínio Sacchetta, Pagú, Lívio Xavier, Rodolfo Coutinho, Florestan Fernandes, Moniz Bandeira, Edmundo Moniz e outros também mencionados acima, terem no trotskismo e na IV Internacional u quadro fundamental das suas experiências e elaborações teórico-politicas. Mas estas mal e mal conseguiram se estabelecer com “tradição teórica”, provavelmente devido à própria descontinuidade político-organizativa do quadro partidário que lhe servia de referência estratégica. O resgate dessa tradição, que com certeza inclui boa parte do que melhor produziu o pensamento marxista brasileiro, implica porém, para ser completa e crítica, a reconstrução da trajetória política que lhe forneceu o seu leito histórico.

NOTAS

Nenhum comentário:

Postar um comentário