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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Marx em defesa da liberdade de imprensa (1842)

Alessandro de Moura


      Apresento aqui uma breve resenha do texto Debate sobre a liberdade de imprensa e comunicação publicado em 1842. O texto foi escrito por Marx para atacar a censura imposta em 1841 pelo governo de Frederico IV na Alemanha. Marx apontava que o nível de desenvolvimento da imprensa, em sua capacidade de crítica à realidade e ao estado de coisas, reflete sempre o nível de desenvolvimento político e social da sociedade que a produziu. Assim, se a imprensa é politicamente mais desenvolvida, politizada e crítica, isso se deve ao próprio grau de ebulição de idéias e praticas da sociedade que produziu tal imprensa. Nesse aspecto ganha relevo a imprensa livre, que é capaz de sintetizar e debater as principais idéias e problemas sociais. A liberdade de imprensa é fundamental, pois é uma via de formulação e objetivação do pensamento sobre o mundo (subjetivação e objetivação).

           Sendo assim, para Marx, a liberdade de imprensa permite ampliar as possibilidades de intervenção crítica na realidade, tanto em relação ao tecido social, político como em relação a forma de governo e Estado. Já nesse texto de 1842, Marx aponta que o Estado é uma forma de emanação das províncias que o constituí. (p. 34). Então, é a sociedade que constrói o Estado. Dessa forma, o Estado não deve agir contra a liberdade de pensamento e de publicação da sociedade como forma de resguardar-se de suas críticas. Ao contrário disso, para Marx: "a província exige que as palavras dos Estados sejam transformadas numa pública e compreensível voz do país". (p. 36). Ou seja, a função do Estado é refletir os interesses da população que o compõe e não sufocar sua voz coletiva.
            Uma das justificativas utilizadas pelos defensores da censura era de que a sociedade era imatura para gozar de plena liberdade de publicação. Marx combateu essa perspectiva argumentando que a própria humanidade faz-se imatura, ainda: "Tudo aquilo que se desenvolve é imperfeito" (p. 43). Defende que apenas experienciando o mundo e a liberdade, com a possibilidade dos erros e acertos, é que se pode seguir-se na marcha do desenvolvimento humano. Denota ainda que os governos também são imperfeitos, assim como as assembléias legislativas, a imprensa  e cada uma das esferas de atividade humana (p. 44).
              Ao mesmo tempo, mesmo o governo não sendo perfeito, acha-se no "direito" de perseguir opiniões críticas que possam emanar da população. Dessa forma, a censura estatal impõe a perseguição às opiniões públicas, ao mesmo tempo em que assegura a liberdade total à imprensa do governo. Tem-se então um monopólio estatal e governamental da liberdade de imprensa. (p. 46). Como pode um governo imperfeito julgar-se na prerrogativa de censurar outras opiniões por considerá-las imperfeitas... A imperfeição não pode achar-se no direito único de julgar que é ou não perfeito.
            Assim, o ataque governamental à liberdade de imprensa é um ataque à liberdade humana geral. Marx problematiza ainda mais a questão apontando que a censura não é uma lei que regulamenta a liberdade de imprensa, com diretivas claras, direitos e sanções, é na verdade a proibição e publicação pura e simples encarregada ao bel prazer do censor. Para Marx, por amordaçar a população em prol da liberdade total do governo: "a censura mata o espírito público". (p. 66). Por isso é necessária a liberdade geral e não apenas para o governo e seus parceiros, coligados e funcionários devotados.
            Em defesa da liberdade de imprensa, Marx argumenta que a imprensa é uma ferramenta de auxílio para formulação teórico-social do povo, que aborda problemas sócio-materiais, as lutas materiais, possibilitando converte-las em lutas intelectuais gerais:
A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria. É a mente do Estado que pode ser vendida em cada rancho, mais barata que gás natural. É universal, onipresente, onisciente. É o mundo ideal que flui constantemente do real e transborda dele cada vez mais rico e animado. (p. 60).
             É a partir dessa perspectiva que Marx volta-se contra a censura à imprensa. Sua preocupação central é que a censura impede a livre intervenção e crítica social sobre os problemas vivenciados pela sociedade. A censura sanciona a impossibilidade do exercício crítico da população em relação ao Estado e o governo. Para Marx, a liberdade de crítica e publicação podia fortalecer a luta da população contra a monarquia constitucional. Ampliava a possibilidade de difusão das críticas produzidas pela burguesia liberal antimonárquica, bem como pela esquerda hegeliana. Assim, Marx investia frontalmente contra censura argumentando que por meio de tal proibição ouve-se apenas a voz do governo, que reflete apenas suas próprias necessidades de auto-afirmação. A imprensa censurada é na verdade uma forma de propaganda permanente do próprio governo que tem por objetivo fortalecer sempre o seu próprio poder, capacidade de dominação e governabilidade:
A imprensa censurada é a que produz um efeito desmoralizador. O vício da hipocrisia é inseparável dela e, além disso, é desse vício que surgem todos os seus outros defeitos, pois inclusive sua capacidade de virtude básica perde-se através do revoltante vício da passividade, mesmo se visto esteticamente. O governo ouve somente a sua voz; sabe que ouve somente a sua voz; entretanto, tentar convencer-se de que ouve a voz do povo, e exige a mesma coisa do povo. O povo, portanto, cai parcialmente numa superstição política, parcialmente na heregia política, ou isola-se totalmente da vida política, tornando-se uma multidão privada. (p. 65).
            A censura bloqueia o livre acesso à vida política nacional, de acordo com Marx ela determina quem deve pensar publicamente e quem não deve, quem deve ser livre para expressar seu pensamento e quem deve ser sufocado: "A censura nos leva todos à sujeição e, como num despotismo, todo mundo é igual, se não em merecimento, na falta deste; esse tipo de liberdade de imprensa deseja introduzir a oligarquia na mente". (p. 81). Contrário a isso: "A liberdade de imprensa prossegue com a presunção de antecipar a história mundial, sentindo com antecedência a voz do povo". (p. 81). Marx compreende que "A imprensa é a forma mais comum de comunicar aos indivíduos seu ser intelectual" e assim conclui que: "Como todo mundo aprende a ler e a escreve, todo mundo deveria ter licença para ler e escrever". (p. 81).
        Cabe destacar mais dois trechos de outro texto escrito por Marx sobre a liberdade de imprensa, publicado em 1849. Nessa ocasião Marx, Engels e Korff, foram julgados por causa de publicações que fizeram pela Nova Gazeta Renana. Marx elaborou uma defesa própria, onde retoma o debate pela imprensa livre. Nesse texto argumenta que: "A função da imprensa é ser o cão de guarda público, o denunciador incansável dos dirigentes, o olho onipresente, a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade. (p. 103). Por fim defende que:
(...) de uma vez por todas, é o dever da imprensa tomar a palavra em favor dos oprimidos à sua volta. E também, cavalheiros, a casa de servidão tem seus próprios alicerces nas autoridades políticas e sociais subordinadas, que confrontam diretamente a vida privada da pessoa, o indivíduo vivo. Não basta combater as condições gerais e as altas autoridades. A imprensa precisa decidir entrar na liça contra este policial em particular, este procurador, este administrador municipal (...). O primeiro dever da imprensa, portanto, é minar todas as bases do sistema político existente. (p. 106-107).
           Em síntese, podemos observar que já em 1842, o ímpeto de Marx passa a ocupar-se dos problemas sociais e políticos. Então, o texto aqui debatido avança em relação a sua tese Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro, publicada no ano anterior (Confira: http://combateclassista.blogspot.com.br/2016/04/marx-antes-do-marxismo-diferenca-entre.html). Por meio da luta pela liberdade de publicação colocava-o no front da luta contra o Estado. Note-se que nesse período Marx ainda não havia desenvolvido os conceitos de burguesia e proletariado, a oposição social era centrada entre estado e povo. Entre o governo e as províncias. No entanto, já nesse texto de 1842 pode-se encontrar elementos iniciais para um crítica ao poder do Estado, que será aprofundada na Crítica da filosofia do direito de Hegel, escrita no ano seguinte. (Confira: http://combateclassista.blogspot.com.br/2011/03/sobre-critica-da-filosofia-do-direito.html).
         Se em sua tese de doutorado, concluída no ano anterior (1841), Marx enfatizava que o ser humano era o verdadeiro ser de seu próprio destino, capaz de mudar sua vida e a realidade, advertindo que a filosofia deveria se engajar na transformação do real, nesse texto de 1842 acrescenta que era necessário cerrar fileiras para lutar contra o Estado em prol da ampliação das liberdades humanas.

Bibliografia
MARX, K. Liberdade de imprensa. L&PM. 2006.


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