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sexta-feira, 18 de março de 2016

A carne é fraca, assim como a memória: apoiar ou não o governismo e o petismo nesse momento de crise?

Alessandro de Moura


Depois de cerca de 10 anos de crescimento econômico (ancorado na exportação de bens primários), com superfaturamento dos banqueiros, agronegócio e industriais, a crise econômica e desaceleração da economia mundial iniciada em 2008, adentrou ao solo brasileiro chacoalhando a estabilidade política e iniciando uma nova etapa histórica da luta de classes. Nesse cenário coloca-se a pergunta que não quer calar: devemos apoiar ou não o governo nessa fase crítica? Como produto da polarização entre governistas e anti-governistas, cresce a onda de que todos devem apoiar os atos governistas em defesa da presidente e seu quase Super-Ministro Lula.

         Se por um lado não devemos apoiar o impeachment, por outro lado, não devemos apoiar o governismo. Precisamos lutar contra as políticas da direita e seu "golpe branco", mas também contra as políticas anti-trabalhadores levadas a cabo pelo Governo Federal. Ou seja, precisamos sim participar dos atos e mobilizações contra a direita, só não dá para fazer isso indo ao encontro dos atos convocados e dirigidos pelo governo e seus aliados.

           Sabemos que essa disputa entre a esquerda e direita do status quo não resolve em nada as principais misérias estruturais do país (derivadas da escandalosa concentração de renda, concentração de terras e concentração imobiliária). Então, em princípio, entrar nessa polarização, entre aderir ou não ao governismo, é algo como escolher com qual molho seremos devorados... Se não tem trabalhadores no poder, tem patrão, concentração de renda, pacotes de ajustes que atacam direitos, maior favorecimento à super-exploração e repressão. São disputas abertas na casa grande pela manutenção da senzala.

         Por mais pressões e confusões políticas que se apresentem nesse cenário polarizado, onde se espera a defesa do PT como forma de unificar a esquerda, o fato é que não dá pra confiar em uma mudança estratégica-política advinda do PT, um setor que administra as misérias sociais em prol do patronato, dos banqueiros, industriais e latifundiários, não pode romper com a estrutura fundiária, concentração mobiliária, capital financeiro e privatizações. Não dá pra apoiar qualquer setor da burguesia e seu secretariado político-sindical.

        Apoiar o governo nesse momento de crise é uma opção frente à polarização de duas tendências administrativas do capitalismo nacional. Mas que se faça sem ilusões e mea-culpa... A fração dirigente do PT, à frente do Governo Federal, surgiu em 1978-1979 como intermediária entre multidões operarias radicalizadas e os interesses da ditadura. Como mediadora com os interesses burgueses de auto-reforma. Ainda que a base proletária lhe obrigasse a sustentar um programa mais à esquerda, surfou na onda do ascenso das lutas desviando a radicalidade das bases para as disputas parlamentares dos cargos de administração da ordem burguesa e do capital financeiro.

        A partir de 1989, o núcleo dirigente do PT, que conciliava com os interesses administrativos da classe dominante, venceu a base radicalizada e definiu um programa reformista precário e restrito. Com isso, ainda na primeira metade da década de 1990 setores expressivos da esquerda de base abandonaram o Partido. De 1994 em diante, essa tendência avolumou-se.

       Assim, durante a década de 1990, com expulsão e afastamento de setores combativos e revolucionários, mudança do programa e busca pela chegada aos postos de comando a qualquer custo, o PT tornou-se um partido burguês.

   A Carta ao povo brasileiro selou novas dissidências e pavimentou o caminho do servilismo. Uma vez no leme do Governo Federal, optou-se abertamente por atender aos interesses do agronegócio, latifundiários, do capital financeiro, banqueiros e industriais... Lula chegou a dizer que "foi necessário um sindicalista pra ensinar os capitalistas a fazer capitalismo". Em seu discurso na Avenida Paulista no dia 18 de março de 2016, reafirmou sua forma de gestão do Estado:
O que eu posso fazer é conversar, é dialogar. É dialogar com trabalhador, com sem terra, com com-terra, com pequeno empresário, com mega-empresário, com grande empresário, com fazendeiro, com banqueiro. Eles sabem que, nunca na história do Brasil, um presidente conversou tanto com eles. E eles sabem que, nunca na história do Brasil, eles ganharam tanto dinheiro como ganharam quando eu fui presidente da república nesse país. (Lula, discurso na Av. Paulista, 18/03/2016. Confira: https://www.youtube.com/watch?v=VzLZGFZ2AvE).
      O PT e Lula ajudaram tanto os capitalistas que, nesse momento de crise deveriam pedir pros capitalistas lhes ajudarem a sair dessa lama. A burguesia deveria se sentir em dívida com ele. Burguesia ingrata. Aceitou o colaboracionismo do PT e depois jogou fora!

     Lula e o PT não governaram para a classe trabalhadora. Se a luta de classes continuar radicalizando-se daqui pra frente, o PT e seu núcleo dirigente continuarão opondo-se diametralmente aos interesses históricos estruturais e fundamentais da classe trabalhadora. Dessa forma, o que está em jogo é: defesa ou não de uma forma de governo que operou "políticas sociais" temporárias, em um período de ampla expansão da economia internacional, mas que é pata esquerda da dominação burguesa e patronal no país. Não dá pra esquecer que as duas frações em disputa são formas de gestão das misérias centenárias do Brasil.

        Por isso é ruim sustentarmos qualquer esperança de soluções advindas do Governo Federal (o comitê de negócios das classes dominantes). Para construir uma alternativa real de esquerda, é preciso partir de um balanço crítico, coerente e profundo do "modo petista de governar", mas também ter clareza da necessidade de ruptura com o governismo e, assim, buscar a construção de alternativas a partir das bases, dos locais de trabalho e não servir de público e partícipes do entorno dessa polarização entre os administradores da estruturação de classes e de suas misérias sociais...

         Assim, a polarização: apoiar ou não o governismo, é falsa. O único caminho, de luta independente em relação ao patronato, a burguesia e seus lacaios, é uma frente de esquerda sem os governistas e demais serviçais do regime.

   Apoiar o governismo nos coloca em um dos blocos administrativos sem nos possibilitar qualquer papel como sujeitos. Além disso, frente à polarização social, é inevitável que surjam alternativas à esquerda nos próximos anos. Aí, quanto menos tempo perdermos com esperanças no governismo, melhor. O central nessa discussão, em toda essa polarização, é a independência de classe. Nós, trabalhadores e trabalhadoras, só podemos confiar em nossas próprias forças. E não na capacidade redentora de uma ou outra fração da administração do Estado burguês. Se nesse momento não temos força, é preciso buscar reuni-la...

       Tem se usado o argumento de que não se trata apenas de apoiar o PT indo nos seus atos públicos, mas sim lutar contra o fascismo ascendente. Mas para fazer isso é necessário... engrossar as fileiras do governismo... É necessário lutar contra a ascensão da direita, mas podemos fazer isso sem engrossar as fileiras do governismo, para isso precisamos construir atos sem os lacaios da burguesia e seus correligionários. O que, por outro lado, não quer dizer que não pode encontrar críticos ao petismo nos atos governistas e até mesmo setores que estão em fase de ruptura com o governismo pela esquerda... É com esses setores que devemos construir uma alternativa que nos possibilite lutar contra os ajustes recessivos planejados pelo empresariado, banqueiros, e latifundiários que tem o congresso a seu favor.

   Lembremos que o PT governou apartado dos interesses e demandas estruturais dos trabalhadores do campo e das cidades, longe das demandas da juventude, isso produziu os descontentamentos que eclodiram nas Jornadas de junho de 2013. Agora o PT, em sua crise agônica, desespera-se para conseguir apoio para manter-se no poder. Governou para a burguesia e agora quer apoio do povo para... resistir aos setores da burguesia que assediam sua administração...

          O que precisamos é de uma via independente que levante um programa de lutas contra os ajustes do governo federal. Por isso não acho que o apoio ao governo possa ajudar nisso. A crise econômica e política vai se aprofundar, pois não há possibilidade imediata de reversão do quadro econômico internacional. Com isso, segue-se degradando a política interna; emprego, inflação com redução de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, o que, por sua vez, tende a gerar novos descontentamentos com o Governo Federal. Ainda, sabemos que quem for para as ruas engrossar as fileiras de defesa do governo, com uma perspectiva de critica aos ajustes, terá suas opiniões e demandas sufocadas. Os atos convocados pelo PT e correligionários são pra unificar a defesa do governo.

     Precisamos construir mobilizações e atos próprios, com independência de classe. Dessas ações é que surgirão setores combativos independentes do patronato e do governismo. Em síntese, embora se possa ter a sensação de ativismo ao posicionar-se entre governismo e anti-governismo, de fato isso não significa a defesa dos interesses históricos e políticos da classe trabalhadora do país, pois para isso é necessário construir uma alternativa classista.

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