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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Octavio Brandão e a nacionalização do Stalinismo no Brasil: o debate com Mario Pedrosa e Lívio Xavier

Alessandro de Moura

            Esboçamos aqui uma breve resenha sobre as perspectivas apresentadas por Octávio Brandão em Agrarismo e industrialismo e as contraposições desenvolvidas por Mario Pedrosa e Lívio Xavier. O Debate tem como eixo central a questão: quais grupos sociais seriam os sujeitos da revolução no Brasil. Enquanto Brandão defende a revolução por etapas protagonizada pelos militares e a burguesia industrial e comercial, o grupo de Pedrosa defendia que a burguesia brasileira nasceu do campo, nutrindo dependência com a burguesia internacional e que, dessa forma, já nascera reacionária e indisposta a qualquer revolução democrática em conjunto com o proletariado. Assim, apenas o proletariado é que emerge como sujeito revolucionário no cenário nacional.



Octávio Brandão e o stalinismo no Brasil

No Brasil o Partido Comunista Brasileiro terá as formulações da fração de Stalin sintetizados pela pena de Octávio Brandão. O PCB havia sido fundado no Brasil em março de 1922. No mesmo ano pleiteava a filiação e o reconhecimento da Internacional Comunista organizada a partir da URSS. Para isso enviou um de seus membros como delegado para o IV Congresso realizado entre novembro e dezembro de 1922, seu nome era Antonio Bernardo Canellas. No entanto o partido brasileiro foi aceito apenas como partido simpatizante, e não como membro efetivo da Internacional comunista. Isso porque os delegados do Congresso avaliavam que o PC brasileiro tinha membros ligados a maçonaria e com muitas influencias anarquistas.
Para o V Congresso da Internacional Comunista, realizado em julho de 1924, foi enviado Astrogildo Pereira como delegado brasileiro. Por conta de atrasos nos prazos da realização do congresso, Astrogildo voltou para o Brasil e foi substituído por Rodolfo Coutinho. A direção do PCB esforçava-se para adequar o partido as determinações do partido de Moscou e as suas linhas políticas. É nesse movimento que buscamos compreender as formulações de Octávio Brandão em seu trabalho Agrarismo e Industrialismo. Este trabalho começou a ser produzido em julho de 1924 para ser finalmente publicado em abril de 1926. Desta forma, absorveu tanto as formulações de Stalin dos Fundamentos do leninismo (publicado 18 de maio de 1924), mas também as d’A Revolução de Outubro e a Tática dos Comunistas Russos (publicado em dezembro de 1924), incorporou ainda as resoluções do V Congresso da Internacional Comunista, dirigida por Stalin, e Questões do Leninismo (publicado em janeiro de 1926). Este conjunto de textos é que ditam a estratégia exposta no livro de Brandão e que norteará a pratica política dos militantes do PCB durante toda a década de 1920. (Confira o debate sobre esses textos em seu contexto: http://glem-r.blogspot.com.br/2015/08/stalinismo-na-russia-e-no-brasil-parte-i.html).
O livro em seu conjunto dedica-se a dois objetivos centrais, 1) defender a tese segundo a qual predomina no Brasil elemento políticos e econômicos e sociais da Idade Média e do feudalismo, este se manifesta em forma de dominação dos agrários sobre os industrialistas, bem como sobre a pequena burguesia, o proletariado e os demais setores sociais. 2) Desta formulação desdobra-se que no Brasil a estratégia dos militantes do PCB seria organizar em grande bloco heterogêneo, composto pelo proletariado, pequena-burguesia e burguesia nacional contra os agrários para lutar por uma “revolução democrática pequeno-burguesa”.

A análise do PCB



            Octávio Brandão será o autor do primeiro ensaio teórico do PCB sobre a realidade brasileira, buscando definir as teses para a revolução brasileira, expressas em seu livro Agrarismo e industrialismo: ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil. Brandão tinha origem anarquista e ingressou no PCB em 1922, tornando-se membro do Comitê Central Executivo em 1923. Seu primeiro rascunho escrito em 1924 serviu como base teórica para o PCB para o II Congresso, em 1925, até o III Congresso, realizado em 1929.

O livro deveria expor analises marxistas-leninistas (ou stalinistas) sobre a composição de classes no Brasil, para com isso definir qual seria a melhor estratégia para organizar a classe trabalhadora na luta pela transformação da sociedade. Seguindo as determinações do Partido Comunista da União soviética, sob direção de Stalin e Bukharin, o estudo baliza-se sobre a estratégia da revolução por etapas, caracterizando no Brasil uma disputa entre o agrarismo (identificado como feudalista) e industrialismo (burguesia industrial e pequena burguesia).
Assim, o processo revolucionário deveria passar por duas fases: na primeira, o proletariado se aliaria a pequena burguesia, representada pelo movimento tenentista, este aliado com a burguesia industrial, derrubaria do governo as oligarquias agrárias. Em uma segunda fase o proletariado lutaria pela hegemonia no interior deste processo, buscando transformar a revolução democrática em revolução socialista. A este processo de revolução por etapas, Brandão denominou “Revolução democrática pequeno-burguesa”. Esta revolução pequeno-burguesa deveria ser dirigida pela pequena burguesia pela abolição das relações feudais (leia-se: pelos tenentistas em defesa do burguesia industrial).
A segunda fase da revolução seria proletária, pautada nas demandas históricas do proletariado, dirigida pelo PC, como o foi a revolução russa em outubro de 1917. De acordo com essa leitura, é retirado o protagonismo do proletariado na primeira fase da revolução pequeno-burguesa. Ao proletariado só cabe buscar apoiar a luta da pequena burguesia. Ficando então impedido de nesta fase levantar suas próprias bandeiras históricas. A diretiva era ainda seguir o exemplo do Kuomitang chinês, um partido policlassista pequeno-burguês. É seguindo tal perspectiva que o PCB cria em 1927 o Bloco Operário Camponês – BOC e busca estreitar relações com Luiz Carlos Prestes. Este deveria ser o dirigente da revolução democrático-burguesa que seria protagonizada pelos militares. O BOC deveria ser um Kuomitang tupiniquim, com fim de articular a burguesia nacional e a pequena burguesia oprimida.
De acordo com o paradigma explicativo defendido no livro, laborado a partir das lentes stalinistas, a burguesia e a pequena burguesia urbana viviam sem poder político e exploradas pelos latifundiários que detinham o poder político e econômico no Brasil. Assim desenvolvia-se “A rivalidade entre os grandes industriais e os grandes fazendeiros de café”. Isso, segundo Brandão o que fazia da burguesia e pequena-burguesia agentes revolucionários:
As restrições aos interesses dos grandes comerciantes, dos grandes usineiros e exportadores de açúcar, que não se resignam a ver seus lucros diminuírem. A exploração desenfreada do país pelos grandes fazendeiros de café. A concentração capitalista e o seu corolário – o empobrecimento sistemático dos pequenos proprietários, pequenos comerciantes, industriais e funcionário nestes últimos dez anos, isto é a proletarização da pequena burguesia. Os novos impostos. (p. 26).
     Aprofundando tal caracterização, em Agrarismo e Industrialismo defende-se que para desencadear a suposta revolução antifeudal contra a oligarquia agrária, a pequena burguesia, que tinha seus diretos eleitorais “pisados pela política atual”, poderia ainda organizar frações da própria burguesia antifeudal contra os agrários. Isso porque para Brandão as demandas e necessidades dos industriais também eram desprezadas pelos grandes produtores de café. Os direitos de setores da burguesia industrial e da pequena burguesia eram pisoteados e desprezados pelo “espírito tacanho, feudal, dos governantes”. (p. 28). Afirmando que o proletariado brasileiro ainda estava em formação, e portanto era demasiadamente fraco, Brandão avalia ainda que havia “A desilusão da pequena burguesia, de obter melhorias pelos canais competentes, isto é, pela via legal, jurídica, pacifica, reformista” (p. 28), a revolução anti-agrária era a única saída possível.
A situação revolucionária internacional. A vontade de dominação dos grandes industriais, cujos interesses muitas vezes são desprezados pelos grandes fazendeiros de café. A rivalidade crescente entre ambos, rivalidade política resultante da rivalidade econômica – comparar a produção manufatureira do Estado de São Paulo com a exportação cafeeira para ver que aquela, proporcionalmente, tem progredido mais que esta e caminha para nivelar-se-lhe e, posteriormente, ultrapassá-la. (p. 27).
            Por determinação da política do café-com-leite, dos acordos entre frações dos agrários que monopolizavam o poder político e econômico, a pequena-burguesia teria seus direitos “pisados pela política atual” (p. 27). Assim, “o próprio grande agrário é quem mais enfraquece politicamente o seu Estado, estado agrário do Brasil”.
            O PCB, sob a pena de Brandão, analisava a atuação dos militares na Revolta do 18 do forte (5 de julho de 1922) e do Movimento tenentista (de 5 a 28 de julho de 1924) como momentos em que a “pequena burguesia nacional travou contra os fazendeiros do café, senhores da nação. (p. 25). Argumenta que:
Se juntarmos a todas essas razões a dureza da repressão desta segunda tentativa de aniquilamento dos elementos feudais do país, repressão que será um dos maiores auxiliares dos revoltosos, compreendemos integralmente a fatalidade da terceira tentativa, que poderá ser vitoriosa se os combatentes souberem aproveitar as lições das derrotas. (p. 28).
            Assim, os limites da institucionalidade brasileira transformavam a pequena burguesia e setores da burguesia industrial em protagonistas da primeira fase da revolução brasileira.  No Agrarismo e industrialismo analisa-se que o Brasil era um país ainda muito atrasado, sobretudo na formação se seus sujeitos políticos coletivos. A burguesia era vista como muito fraca, e a pequena burguesia como elemento difuso e sincrético, então para que se realizasse a revolução burguesa seria necessário que a força do proletariado pudesse ser plenamente aproveitada pela burguesia industrial e pequena-burguesia urbana. Segundo o autor, no Brasil “o homem ainda não conhece a terra, mal desbravada. Trata-se de um país ainda selvagem, onde a barbárie da mata é mais poderosa que o esforço civilizador do homem. (p. 32). Brandão compara a luta no Brasil a Primavera dos povos de 1848, período em que setores da burguesia, pequena burguesia e o proletariado combatiam a nobreza e os resquícios feudais na Europa.
No Brasil, os pequeno-burgueses lutam contra os agrários feudais como na Alemanha em 1848. No Egito de Zuglul Pacha, na Turquia de Mustapha Kemal, no Afeganistão de Amanullah, na Pérsia de Riza-Khan, na Síria e na Mesopotâmia do Partido Nacional árabe, os burgueses em geral lutam contra os agrários feudais e lutam ao mesmo tempo pela independência nacional. (p. 31).
            Desta sua formulação desdobra-se a analise segundo a qual no Brasil: “O homem, como a terra, ainda está em formação. Não há o brasileiro – um tipo definido. Há uma mistura desordenada de raças e sub-raças”. Sendo que: “O duplo caos da terra e do homem projeta-se sobre numerosos aspectos da vida nacional. (p. 33). No marco de alianças intencionadas pelo PCB não se considera a população negra como sujeito político, abandonado a defesa de suas demandas históricas, desconsiderando que tal população constitui maioria da classe trabalhadora nacional, sem a qual não se pode realizar uma revolução proletária. Diametralmente oposto a isto, para Brandão: “O trabalhador rural negro, proveniente do escravo, exatamente como o vilão-servo da Idade Média”. (p. 50).
            Também não busca dar uma resposta marxista a questão indígena no Brasil. Pelo contrário encara as populações indígenas como transmissoras de forma animalescas e selvagens. É assim que refere-se à população indígena no estado de Minas Gerais destacando: “(…) o grupo dos botocudos, antropófagos, tapuia, Gê (…) Exatamente Viçosa, a terra de Bernardes, era a aldeia dos ferozes índios “arrepiados”. Os políticos mineiros têm, pois ainda hoje, o atraso e a ferocidade do tapuia”. (p. 126). Todos estes elementos são somados para atestar a incapacidade do protagonismo proletário e para defender a aliança com setores da burguesia nacional. Toda a população do país seria dominada política e economicamente pelos agrários: “Há uns nove milhões de trabalhadores rurais, isto é, a dispersão, a descentralização, o analfabetismo, a inconsciência de classe, a servidão medieval. (…). (p. 33-34)”.
            Desta forma para Brandão e o PCB: “economicamente, o Brasil é um país agrário, país dominado pelo agrarismo e não pelo industrialismo, como a Alemanha”. Adverte que, tomado por latifundiários, no Brasil: “A pequena propriedade rural não alcança sequer a décima parte do território: 9%. Portanto, o agrarismo nacional é o da grande propriedade, do latifúndio”.
            Como conseqüência da dominação econômica dos agrários, desdobra-se também sua dominação política, uma vez que “A política é fatalmente agrária, política de fazendeiros de café, instalados no Palácio do Catete. Existe uma oposição burguesa desorganizada, caótica. (…). Uma burguesia industrial e comercial politicamente nula, desorganizada…” (p. 35-36).
     Esta frágil burguesia não pode desempenhar sua fase revolucionária sem o auxilio da pequena burguesia brasileira anti-feudalista. Buscando referendar as determinações stalinistas, o autor afirma que o Brasil estava ainda na fase de desenvolvimento econômico e política característica da Idade Média. Apenas com o protagonismo da pequena burguesia, que deveria organizar a burguesia industrial e os setores proletarizados é que se conseguiria desencadear a primeira fase da revolução contra a predominância da forma social medieval que imperava no território brasileiro:
Dominado por esse agrarismo econômico, bem centralizado, o Brasil tinha que ser dominado pelo agrarismo político, conseqüência direta daquele. O agrarismo político é a dominação política do grande proprietário. O grande no Brasil é o fazendeiro de café, de São Paulo e Minas. O fazendeiro de café, no Sul, como o senhor de engenho, no Norte, é o senhor feudal. O senhor feudal implica a existência do servo. O servo é o colono sulista das fazendas de café, é o trabalhador de enxada dos engenhos nortistas. A organização social proveniente daí é o feudalismo na comieira e a servidão nos alicerces. Idade Média. A conseqüência religiosa é o catolicismo. A religião que predominou na Idade Média, “tão justamente chamada a idade cristã”, segundo o clerical Mathieu, no seu curso de história universal, abençoado pelo papa Pio IX. E a conseqüência psicológica: no alto, a mentalidade aristocrática, feudal; em baixo a humildade. (p. 36).
            De acordo com sua análise, o Brasil seria formado por uma composição de “Estados agrários, estados feudais, ou semi-feudais”. Toda a estrutura estatal (jurídica, econômica e política brasileira) estaria voltada para assegurar a dominação dos agrários e a manutenção do feudalismo no país:
(…) A política tem de girar facilmente em torno dos dois estados mais produtores de café – São Paulo e Minas. A miséria econômica e política da nação provem, em primeiro lugar, dos fazendeiros de café de São Paulo e Minas. Tudo é para eles. Os impostos caem implacavelmente sobre a burguesia industrial e comercial, mas não sobre eles. Vede, por exemplo, o imposto sobre a renda. A lavoura e a propriedade imobiliária estão isentas dele. (p. 37-38).
            Assim, de acordo com o autor “Todo país está envenenado pelo agrarismo católico, feudal e reacionário”. (p. 38). Sendo que só se poderia superar tal atraso a partir do desenvolvimento da burguesia industrial que poderia tirar o país do atraso. Argumenta que “O agrarismo político manifesta-se na luta política das classes pela reação. Reação agrária, feudal”. (p. 43). Por outro lado, para Brandão “O burguês industrial não é tão reacionário. (p. 46). Desta forma, para o autor a contradição fundamental da sociedade brasileira expressa-se no fato de que “São dois mundos que se chocam: o feudalismo e o industrialismo”, sendo que “o industrialismo despedaçará o feudalismo” (p. 47).
            Brandão via “No grande burguês industrial, a iniciativa, o espírito progressista, a preocupação do método, a sede de renovação técnica”. E por outro lado, via “No fazendeiro do café, a mentalidade reacionária do barão feudal, a falta de escrúpulos, a rotina, a arrogância do junker e do boiardo, o mesmo apego a sua propriedade. No funcionário, o servilismo”.
            Sem uma revolução contra os agrários, não se poderia superar a “medievalite crônica – social, econômica, política, psicológica”. (p. 48), e o Brasil permaneceria: “no seu conjunto, uma país medieval, atrasado, sob este ponto de vista, cinco séculos no mínimo. (p. 48). Por isso, para Brandão todas as classes devem se juntar contra o agrarismo, sob a direção das frações rebeldes do exército e do PCB. Ou seja, o problema das teses assinadas por Brandão não reside apenas na caracterização do Brasil com um país feudal, mas também no sujeito revolucionário que é identificado. O proletariado, efetivamente, ao invés de protagonista, é apenas uma base de apoio dos militares revoltosos e dos industriais progressistas.
            Para o autor, entre os anos 1923-1924: “a sociedade brasileira atravessa ainda a primeira fase da luta entre industrialismo e feudalismo”. (p. 50). Desconsiderando as lutas políticas anteriores a 1922 (como o Quilombo dos Palmares e Canudos), Brandão considera que a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi a “primeira tentativa de destruição dos elementos feudais do país” (p. 53). Acreditando na possibilidade do protagonismo de uma burguesia revolucionária, demonstra entusiasmo com a atuação da burguesia comercial e industrial: “É que a grande burguesia comercial e industrial, apesar de todo seu atraso, começara a compreender que a revolta iria aplainar o caminho para a sua sucessão política”. (p. 58). Por isso a burguesia seria indispensável para o arco de alianças da revolução brasileira. Pois para Brandão:
 (…) O fazendeiro do café só será derrubado pela frente única momentânea do proletariado com a pequena-burguesia e a grande burguesia industrial. Por tanto, todas as vezes que a pequena-burguesia auxilia a reação contra o proletariado, está forjando cadeias contra ela própria. (p. 61).
            A partir de tal perspectiva conclama-se a união entre burguesia, proletariado e pequena burguesia para realizar a revolução burguesa no Brasil contra os agrários:
Lutemos por impelir a fundo a revolta pequeno-burguesa, fazendo pressão sobre ela, transformando-a em revolução permanente no sentido marxista-leninista, prolongando-a o mais possível, a fim de agitar as camadas mais profundas das multidões proletárias e levar os revoltosos às concessões mais amplas, criando um abismo entre eles e o passado feudal. Empurremos a revolução da burguesia industrial – o 1789 brasileiro, o nosso 12 de março de 1917 – aos seus últimos limites, a fim de, transposta a etapa da revolução burguesa, abrir-se a porta da revolução proletária, comunista. (p. 133).
            Assim, Brandão, como dirigente do Comitê Central do PCB, defendia que estava na ordem do dia: “Fundir todas as vítimas do feudalismo, todos os demais revoltados, todos os oprimidos, todos quantos foram pisados, humilhados". (p. 134). Apenas por tal via seria possível: “a vitória do industrialismo sobre o agrarismo; a vitória da burguesia industrial sobre os agrários; a vitória da burguesia progressista sobre os elementos rotineiros”. (p.138). Apenas consolidada a vitória da revolução burguesa, que tem como sujeitos centrais a pequena-burguesia e a burguesia industrial,  poder-se-ia iniciar a nova fase de luta pela revolução proletária. Assim, conclama a classe trabalhadora brasileira a lutar, “Concentremos todas as nossas energias, esporeemos a pequena-burguesia e a grande burguesia industrial e, unidos num bloco, agitemos as massas em torno de palavras de ordem fundamentais” (p. 188). Termina seu trabalho reivindicando o Kuomitang Chines e Stalin. A perspectiva de Brandão e do PCB de apoio a frações da burguesia na luta contra os resquícios feudais será retomada por Luiz Carlos Prestes, em uma série de escritos de Nelson Werneck Sodré, este consolidará a visão dos resquícios feudais no Brasil[12].

A critica dos Trotskistas brasileiros
Mario Pedrosa e Lívio Xavier partem de formulações e análises elaboradas por Marx em “O Capital” e na teoria do desenvolvimento desigual e combinado, do mesmo autor, que são desenvolvidas por Leon Trotski. Seguindo tal continuidade teórica, os autores vão buscar constituir uma leitura sobre aspectos econômicos, sociais e políticos da realidade brasileira.
Argumentarão que o modo de produção capitalista, e a forma de organização e distribuição da propriedade privada foram exportados diretamente da metrópole européia para o Brasil. Com isso inaugura-se conseqüentemente no Brasil uma forma de desenvolvimento econômica já subordinada, considerando que a produção agrícola era centralmente destinada desde o começo aos mercados externos. (ABRAMO & KAREPOVS, 1987, p. 66-67: ALMEIDA, 2003, p. 89-90). Segundo os autores:
No Brasil, a acumulação primitiva do capital fez-se de maneira direta: a transformação da economia escravagista em salariado do campo se fez diretamente e o afluxo imigratório, que já começara antes da abolição da escravatura, teve como objetivo oferecer braços à grande cultura cafeeira. Produziu-se aqui o que Marx chama de ‘uma simples troca de forma’. O Brasil nunca foi, desde sua primeira colonização, mais do que uma vasta exploração agrícola. Seu caráter de exploração rural colonial precedeu historicamente sua organização como Estado. Nunca houve aqui terras livres; aqui também não conhecemos o colono livre, dono de meios de produção, ma o aventureiro da Metrópole, o fidalgo português, o comerciante holandês, o missionário jesuíta – que não tinham qualquer outra base a não ser o monopólio das terras. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987, p. 68).
 O Estado brasileiro atuou intensivamente para organizar a produção e distribuição de mercadorias, bem como a regulação da contratação da força de trabalho. A burguesia nasce do campo, por meio das mãos do Estado. Ou seja, tanto a burguesia como os latifundiários dependem diretamente do auxilio direto do Estado para desenvolver seus empreendimentos e acumular lucros. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987). Desta forma, não teríamos no Brasil uma burguesia revolucionária aos moldes da Revolução Francesa. Também no Brasil, como decorrido na Rússia, o proletariado seria o único sujeito social em antagonismo contra o Estado e seus apêndices constituídos pela burguesia dependente. Segundo os autores, sob o arbítrio da coroa Portuguesa, combinava-se no Brasil o
(...) trabalho escravo, latifundium, produção dirigida pelos senhores de terra com a sua clientela, burguesia urbana e uma camada insignificante de trabalhadores livres, tanto nas cidades quanto nos campos - tais foram as particularidades que marcaram com a sua chancela a formação econômica e política do Brasil na América Latina, onde, em geral, a ausência de uma agricultura organizada teve como conseqüência  luta pela terra contra o indígena e a luta contra o monopólio do comércio detido pela coroa de Espanha. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987. 69).
E continuam
A destruição do regime escravista, que foi determinada pela necessidade do desenvolvimento capitalista no Brasil, abria ao mesmo tempo nova expansão à indústria inglesa que monopolizava, então, o mercado mundial. A burguesia brasileira nasceu do campo, não da cidade. A produção agrícola colonial foi destinada desde o começo aos mercados externos. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987, p.69).
Os autores argumentam ainda que para sustentar o desenvolvimento econômico no país a atuação o Estado era central para conseguir organizar os distintos interesses das frações da burguesia brasileira. Mesmo a constituição nacional por meio de federações serviria para assegurar a coexistência das distintas frações da burguesia, “capaz de conciliar as tendências centrifugas das antigas províncias com as necessidades de desenvolvimento capitalista numa unidade social harmônica” (pg.155-156).
Com o fim da escravidão, desmorona a Monarquia, com isso intensifica-se o desenvolvimento do capitalismo. O trabalho escravo é convertido em trabalho assalariado. Para os autores: “A república foi imposta ao Brasil pela burguesia cafeeira do Estado de São Paulo, que não podia aceitar a forma de produção reacionária e patriarcal. Com o advento da república, este Estado impôs sua hegemonia à Federação. (p. 70). Nesse sentido, a constituição nacional por meio de federações serviria para assegurar a coexistência das distintas frações da burguesia: “capaz de conciliar as tendências centrifugas das antigas províncias com as necessidades de desenvolvimento capitalista numa unidade social harmônica” (pp.155-156). Mesmo com a transição do Estado Monárquico, sob domínio colônia português, para constituição de um Estado nacional autônomo, ainda que sob domínio do capital inglês, mantém-se no poder os grandes proprietários de terras que sob égide paulistana conseguiram impor o governo republicano por meio de um golpe militar em 1889.
No entanto, a burguesia no Brasil não seria dependente apenas da atuação e recursos do Estado, mas também das grandes potencias econômicas e políticas internacionais. Nesse sentido, a burguesia brasileira já nasce subalternizada à burguesia internacional. Segundo os autores, em território nacional, ela “não tem bases econômicas estáveis que lhe permitam edificar uma superestrutura política social progressista”. (p. 74). Argumentam ainda que as distintas frações da burguesia no país não estão organizadas de forma harmônica, com interesses unificados em torno do desenvolvimento social e econômico do país. Os autores argumentam que desde sua mais tenra idade as distintas frações da burguesia vivem em disputas permanentes entre si (embora se unifiquem contra as revoltas e movimentações proletária).
Além das constantes disputas entre si, essas frações da burguesia ainda tem que disputar constantemente mercados e buscar acordo políticos e econômicos com as potencias internacionais. Como se trata de um capitalismo retardatário, se comparado ao desenvolvimento do capitalismo inglês ou americano, depende diretamente de aporte internacional para o desenvolvimento de suas forças produtivas. Isto faz com que a burguesia brasileira se faça subalterna às potencias internacionais que encontram condições de pressionar o país e fazer-lhe exigências.
A principal forma encontrada para acumular divisas é produzir mercadorias com preços mais baixos, para que possam concorrer com os produtos de países mais industrializados. A forma mais barata para realizar tal feito é a super-exploração do trabalho.  O Estado contribui diretamente para a acumulação capitalista, em favor da burguesia, atua disciplinando (e reprimindo) a força de trabalho, e desviando a maior parte de seus recursos para os empreendimentos capitalistas. Mario Pedrosa e Lívio Xavier argumentam que esta posição na divisão internacional do trabalho, que é combinada com a super-exploração e repressão a classe trabalhadora, internamente acaba por colocar a burguesia brasileira em condição de pressão permanente, de um lado pelas potencias econômicas e políticas internacionais, e por outro pelos movimentos da classe trabalhadora que luta por melhores condições de salário, habitação, saúde educação, saneamento etc... Nas palavras dos autores
O imperialismo não lhe concede tempo para respirar e o fantasma da luta de classe proletária tira-lhe o prazer de uma digestão calma e feliz. Ela deve lutar em meio ao turbilhão imperialista, subordinando a sua própria defesa à defesa do capitalismo. Daí a sua incapacidade política, seu reacionarismo cego e velhaco – em todos os planos – a sua covardia. Nos países novos, diretamente subordinados ao imperialismo, a burguesia nacional, ao aparecer na arena histórica, já era velha e reacionária, com ideais democráticos corruptos. A contradição que faz com que o imperialismo – ao revolucionar de modo permanente a economia dos países que lhe são submetidos – atue como fator reacionário em política encontra a sua expressão nos governos fortes e na subordinação da sociedade ao poder executivo. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987, pp. 74-75).
              Mediante tal formação social, composta por setores das diferentes frações da burguesia em território nacional, que tem articular-se com os interesses imperialistas e as demandas históricas dos trabalhadores, dificulta-se sobremaneira a manutenção de um regime social estável no Brasil. Tanto as dissidências das diferentes frações da burguesia, bem como os levantes dos trabalhadores, colocam em risco esta instável dominação burguesa. Segundo os autores, desta arquitetura social deriva a recorrente necessidade de “governos fortes, divinização da ordem”, governos ditatoriais, amparados por períodos de estado de sítio, de intensa repressão aos movimentos sociais, bem como as constantes disputas pelas distintas frações da classe dominante, em fases de desenvolvimento desigual, pelo governo da Nação. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. Desta analise, os autores desdobraram como conseqüência que:
Essa tendência inelutável criará, doravante, permanentemente, situações de choques, conflitos, em uma palavra, de guerra civil, onde o proletariado terá a ultima palavra. As formas transitórias de equilíbrio entre as diversas unidades da Federação só serão conseguidas por meio de vitórias militares, isto é à custa de uma opressão agravada das massas trabalhadoras e das classes médias (Idem, p. 159).
 Segundo os autores, desta arquitetura social deriva a recorrente necessidade de “governos fortes, divinização da ordem”, governos ditatoriais, amparados por períodos de estado de sítio, de intensa repressão aos movimentos sociais, bem como as constantes disputas pelas distintas frações da classe dominante, em fases de desenvolvimento desigual, pelo governo da Nação. (Mario Pedrosa e Lívio Xavier, 1931. In: ABRAMO & KAREPOVS, 1987). A burguesia brasileira nasceria então espremida entre o forte proletariado brasileiro e o imperialismo. Este forte proletariado, herdeiro das lutas negras quilombolas, já desde o inicio da república protagonizava as mobilizações massivas e buscava se organizar por meio de congressos, como o de 1906, 1913, Revolta da chibata, Revolta do Contestado, as mobilizações contra a carestia de vida durante a década de 1910, a greve geral de 1917, os embriões de sovietes no Rio de Janeiro de 1919 e o congresso de 1920. Desta forma a burguesia não pode estabelecer alianças com o proletariado, pois para isso, seria obrigada a ceder às demandas históricas deste.
Para os autores, apenas um governo de trabalhadores, contra a burguesia brasileira e imperialista é que poderia de fato assegurar a unidade nacional. Fora isso, a estabilidade nacional só poderia ser mantida por meio do militarismo e de decretos via poder executivo. Pedrosa e Xavier mantiveram-se na defesa das resoluções, estratégia e ideias dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, negando as formulações do socialismo em um só país e a revolução por etapas. As reflexões iniciadas por tais autores ainda na década de 1930, serão retomadas freqüentemente por uma série de intelectuais e analistas. Caio Prado Junior, no livro Formação do Brasil contemporâneo, publicado em 1942, e em História Econômica do Brasil de 1945 partirá desta base teórica para pensar o desenvolvimento econômico brasileiro.


REFERÊNCIAS



ALMEIDA, M. T. Liga Comunista Internacionalista - teoria e prática do trotskismo no Brasil (1930-1935). Dissertação de mestrado. PUC-2003.

______. Los trotskistas frente a la Alianza Nacional Libertadora y los levantamientos militares de 1935. Disponível: http://www.ceipleontrotsky.org/Los-trotskistas-frente-a-la-Alianza-Nacional-Libertadora-y-los-levantamientos-militares-de-1935

BANDÃO, O. Agrarismo e industrialismo no Brasil. São Paulo. Ed. Anita Garibaldi. 2006.
______. O proletariado perante a revolução democrática pequeno-burguesa. 1928.
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FILHO, R. F. As primeiras interpretações marxistas da realidade brasileira. Dissertação de mestrado. UNESP. 2014: Disponível: http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/110434/000794304.pdf?sequence=1



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