Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
Traduzido do francês por FM, revisto e
cotejado com o russo por CN, 28.07.2010
(Original
francês em http://www.marxists.org/francais/inter_com/1928/ic6_prog.htm)
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Programa da Internacional Comunista
Adoptado pelo VI Congresso Mundial
Moscovo, 1 de Setembro de 1928
A época do
imperialismo é a do capitalismo em agonia. A guerra mundial de 1914-1918 e a
crise geral do capitalismo que desencadeou foram resultado de uma profunda
contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas da economia mundial e
as fronteiras dos estados. Mostraram e provaram que as condições materiais do
socialismo no seio da sociedade capitalista já se encontram amadurecidas e que,
tendo-se o invólucro da sociedade tornado um obstáculo intolerável para o
desenvolvimento ulterior da humanidade, a história colocou na ordem do dia o
derrubamento do jugo capitalista pela revolução.
O imperialismo
sujeita as inumeráveis massas proletárias de todos os países – tanto nas
metrópoles do poder capitalista como nos mais recônditos lugares do mundo
colonial – à ditadura de uma plutocracia capitalista financeira. O imperialismo
põe a nu e aprofunda com uma força cega todas as contradições da sociedade
capitalista, leva ao extremo a opressão das classes, agudiza ao mais alto grau
a luta entre os estados capitalistas, engendra a inevitabilidade das guerras
imperialistas mundiais que abalam todo o sistema das relações de dominação e
encaminha a sociedade, com uma necessidade irresistível, para a revolução
proletária mundial.
Amarrando o
mundo inteiro nos laços do capital financeiro, unindo pelo sangue, pelo ferro e
pela fome os proletários de todos os países, de todas as nacionalidades e de
todas as raças sob o seu jugo, agravando formidavelmente a exploração, a
opressão e a sujeição do proletariado que coloca diante da tarefa imediata de
conquistar o poder, o imperialismo cria a necessidade de uma estreita coesão
dos operários num exército internacional único dos proletários de todos os
países, formado independentemente das fronteiras dos estados, das diferenças de
nacionalidade, de cultura, de língua, de raça, de sexo e de profissão. O
imperialismo, desenvolvendo e criando assim as condições materiais do socialismo,
coloca o proletariado frente à necessidade de organizar-se numa associação
operária internacional de combate e assegura desse modo a coesão do exército
dos seus próprios coveiros.
Por outro lado, o imperialismo
separa das grandes massas a parte mais abastada da classe operária. Esta
«aristocracia» operária, corrompida pelo imperialismo, que constitui os quadros
dirigentes dos partidos sociais-democratas, interessada na pilhagem
imperialista das colónias, devotada à «sua» burguesia e ao «seu» Estado
imperialista, encontra-se, na hora das batalhas decisivas, ao lado do inimigo
de classe do proletariado. A cisão do movimento socialista provocada pela
traição de 1914 e pelas traições ulteriores dos partidos sociais-democratas,
tornados de facto em partidos operários burgueses, provaram que o proletariado
mundial não pode cumprir a sua missão histórica – quebrar o jugo do
imperialismo e conquistar a ditadura do proletariado – senão através de uma
luta implacável contra a social-democracia. A organização das forças da
revolução internacional não é, portanto, possível senão na base do comunismo. À
II Internacional oportunista da social-democracia, opõe-se inelutavelmente a
III, a Internacional Comunista, organização universal da classe operária,
encarnando a unidade autêntica dos operários revolucionários de todos os
países.
A guerra de
1914-1918 provocou as primeiras tentativas de criar uma nova Internacional
revolucionária, como contraposição à II Internacional social-chauvinista e como
instrumento de resistência ao imperialismo militarista (Zimmerwald, Kienthal).
A vitória da revolução proletária na Rússia impulsionou a constituição de
partidos comunistas nas metrópoles capitalistas e nas colónias. Em 1919 foi
fundada a Internacional Comunista que, pela primeira vez na história, uniu
efectivamente na luta revolucionária os elementos avançados do proletariado da
Europa e da América aos proletários da China e das Índias, aos trabalhadores
negros da África e da América.
Partido
internacional único e centralizado do proletariado, a Internacional Comunista é
a única continuadora dos princípios da Primeira Internacional, aplicados sobre
a nova base de um movimento proletário revolucionário de massas. A experiência
da primeira guerra imperialista, da crise revolucionária do capitalismo que lhe
sucedeu e das revoluções da Europa e dos países coloniais, a experiência da
ditadura do proletariado e da edificação do socialismo na URSS, a experiência
do trabalho de todas as secções da Internacional Comunista, fixada nas decisões
dos seus congressos, e, por fim, a internacionalização cada vez maior da luta
entre a burguesia imperialista e o proletariado tornam indispensável a
elaboração de um programa da Internacional Comunista, único e comum a todas as
suas secções. O programa da IC realiza assim a mais alta síntese crítica da
experiência do movimento revolucionário do proletariado, um programa de luta
pela ditadura mundial do proletariado, um programa de luta pelo comunismo
mundial.
A Internacional Comunista, que une os operários
revolucionários e mobiliza milhões de oprimidos e explorados contra a burguesia
e os seus agentes «socialistas», considera-se como a continuadora histórica da
Liga dos Comunistas e da Primeira Internacional que estiveram sob a direcção
imediata de Karl Marx, e como herdeira das melhores tradições de antes da
guerra da II Internacional. A Primeira Internacional fundou as bases doutrinais
da luta internacional do proletariado pelo socialismo. A II Internacional, na
sua melhor época, preparou o terreno para uma larga expansão do movimento
operário entre as massas. A III Internacional Comunista, prosseguindo a obra da
Primeira Internacional e recolhendo os frutos do trabalho da Segunda,
rejeitou-lhe o oportunismo, o social-chauvinismo, a deformação burguesa do
socialismo, e começou a realizar a ditadura do proletariado. A Internacional
Comunista prossegue assim as tradições heróicas e gloriosas do movimento
operário internacional: as dos cartistas ingleses e dos insurrectos franceses
de 1830; as dos operários revolucionários franceses e alemães de 1848; as dos
combatentes imortais e dos mártires da Comuna de Paris; as dos valorosos
soldados das revoluções alemã, húngara e finlandesa; as dos operários outrora
curvados sob o despotismo tsarista e concretizadores vitoriosos da ditadura do
proletariado; as dos proletários chineses, heróis de Cantão e de Xangai.
Inspirando-se na experiência histórica do
movimento revolucionário de todos os continentes e de todos os povos, a
Internacional Comunista coloca-se inteiramente e sem reservas na sua actividade
teórica e prática no terreno do marxismo revolucionário, do qual o leninismo –
que é o marxismo da época do imperialismo e das revoluções proletárias – é o
desenvolvimento ulterior.
Defendendo e
propagando o materialismo dialéctico de Marx e de Engels, aplicando-o como
método revolucionário de conhecimento da realidade visando a sua transformação
revolucionária, a Internacional Comunista combate activamente todas as
variedades do pensamento burguês e o oportunismo teórico e prático. Mantendo-se
no terreno da luta de classe proletária consequente, subordinando os interesses
conjunturais, parciais, corporativos e nacionais do proletariado aos seus
interesses permanentes, gerais e internacionais, a Internacional Comunista
desmascara impiedosamente, em todas as suas formas, a doutrina da «paz social»
tomada pelos reformistas à burguesia. Exprimindo a necessidade histórica da
organização internacional dos proletários revolucionários, coveiros do sistema
capitalista, a Internacional Comunista é a única força internacional que tem
como programa a ditadura do proletariado e o comunismo e que age abertamente
como organizadora da revolução proletária mundial.
I. O sistema
mundial do capitalismo,
o seu
desenvolvimento e a sua inevitável ruína
1. As leis
gerais do desenvolvimento do capitalismo e a época do capital industrial
A sociedade
capitalista, fundada sobre o desenvolvimento da produção de mercadorias, é
caracterizada pelo monopólio da classe dos capitalistas e dos grandes proprietários
de terras sobre os mais importantes e decisivos meios de produção, pela
exploração da mão-de-obra assalariada da classe dos proletários, privados dos
meios de produção e obrigados a vender a sua força de trabalho, pela produção
de mercadorias com o objectivo da obtenção de lucro, pela ausência de
planificação e pela anarquia que resulta destas diversas causas no conjunto do
processo de produção. As relações sociais de exploração e a dominação económica
da burguesia encontram a sua expressão política na organização do Estado
capitalista, aparelho de coerção contra o proletariado.
A história do
capitalismo confirma inteiramente a doutrina de Marx sobre as leis do
desenvolvimento da sociedade capitalista e sobre as contradições inerentes a
esse desenvolvimento que levam o sistema capitalista à sua inelutável perda.
Na sua corrida ao lucro, a
burguesia foi obrigada a desenvolver, em proporções sempre crescentes, as
forças produtivas, a reforçar e alargar o domínio das relações capitalistas de
produção. O desenvolvimento do capitalismo, por esse motivo, reproduziu
constantemente, numa base alargada, todas as contradições internas do sistema,
antes do mais a contradição decisiva entre o carácter social do trabalho e o
carácter privado da apropriação, entre o crescimento das forças produtivas e as
relações capitalistas de propriedade. A propriedade dos meios de produção e o
funcionamento espontâneo e anárquico da própria produção provocaram a ruptura
do equilíbrio económico entre os diferentes ramos da produção devido ao
desenvolvimento da contradição entre o alargamento ilimitado da produção e o
consumo limitado das massas proletárias (sobreprodução geral), o que
arrastou a crises periódicas devastadoras e levou ao desemprego massas de
proletários. O domínio da propriedade privada traduziu-se por uma concorrência
incessantemente crescente, tanto no interior de cada país capitalista como no
mercado mundial. Esta última forma de rivalidade entre capitalistas teve como
consequência as guerras que acompanham inevitavelmente o desenvolvimento
capitalista.
As vantagens
técnicas e económicas da grande produção provocaram, por outro lado, através do
jogo da concorrência, a eliminação e a destruição das formas pré-capitalistas
da economia e uma concentração e uma centralização crescente do capital.
Na indústria, esta lei de concentração e de centralização manifestou-se antes
de tudo através do definhamento da pequena produção ou pela sua redução a um
papel de auxiliar subordinado às grandes empresas. Na agricultura, cujo
desenvolvimento é necessariamente atrasado em consequência do monopólio da
propriedade do solo e da renda absoluta, esta lei exprimiu-se não apenas pela
diferenciação do campesinato e pela proletarização de largas camadas de
camponeses, mas também e sobretudo por formas visíveis ou veladas da dominação
do grande capital sobre a pequena economia rural que, neste caso, não pode
conservar uma aparência de independência senão ao preço de uma extrema
intensidade do trabalho e de um subconsumo sistemático.
A utilização
crescente das máquinas, o aperfeiçoamento constante da técnica e, nesta base, o
crescimento incessante da composição orgânica do capital, acompanhadas da
crescente divisão do trabalho, do aumento da sua produtividade e a sua
intensificação, significaram igualmente o emprego mais amplo da mão-de-obra
feminina e infantil e a formação de enormes exércitos industriais de reserva,
engrossados sem cessar pelos camponeses proletarizados, expulsos dos campos, e
pela pequena e média burguesia arruinada das cidades. Num dos pólos das
relações sociais, a formação de massas consideráveis de proletários,
intensificação contínua da exploração da classe operária, reprodução numa base
alargada das contradições profundas do capitalismo e das suas consequências (crises,
guerras, etc.), aumento constante da desigualdade social, crescimento da
indignação do proletariado, concentrado e educado pelo próprio mecanismo da
produção capitalista, tudo isto mina infalivelmente as bases do capitalismo e
aproxima o momento da sua derrocada.
Uma profunda
convulsão produziu-se simultaneamente em toda a ordem moral e cultural da
sociedade capitalista: decomposição parasitária dos grupos rentistas da
burguesia, dissolução da família, exprimindo a contradição crescente entre a
participação em massas das mulheres na produção social e as formas da família e
da vida doméstica herdadas em larga medida das épocas económicas anteriores;
desenvolvimento monstruoso das grandes cidades e mediocridade da vida rural em
consequência da divisão e da especialização do trabalho; empobrecimento e
degenerescência da vida intelectual e da cultura geral; incapacidade da
burguesia de criar, a despeito dos grandes progressos das ciências naturais,
uma síntese filosófica científica do mundo; desenvolvimento das superstições
idealistas, místicas e religiosas, todos estes fenómenos assinalam a
aproximação do fim histórico do sistema capitalista.
2. A época do
capital financeiro (imperialismo)
O período do capitalismo industrial foi, em geral, um período de «livre
concorrência» durante o qual o capitalismo evoluiu com uma relativa
regularidade e se expandiu por todo o globo através da repartição das colónias
ainda livres, conquistadas pela força das armas, recaindo o peso das
contradições internas do capitalismo, em crescimento incessante, principalmente
sobre a periferia colonial oprimida, aterrorizada e sistematicamente espoliada.
Este período
deu lugar, por volta do princípio do século XX, ao do imperialismo,
caracterizado pelo desenvolvimento do capitalismo por saltos bruscos e por
conflitos, num momento em que a livre concorrência cedeu o seu lugar ao
monopólio, em que as terras coloniais antes «livres» se encontravam repartidas
e em que a luta por uma nova partilha das colónias e das esferas de influência começou
a tomar, inevitavelmente e em primeiro lugar, a forma da luta armada.
Deste modo, as
contradições do capitalismo adquiriram em toda a sua dimensão e à escala
mundial a sua expressão mais nítida na época do imperialismo (capitalismo
financeiro), que representa uma nova forma histórica do próprio capitalismo,
uma nova relação entre as diferentes partes da economia capitalista mundial e
uma modificação das relações entre as classes fundamentais da sociedade
capitalista.
Este novo
período histórico resulta da acção das leis essenciais do desenvolvimento da
sociedade capitalista. Amadurece com o desenvolvimento do capitalismo
industrial e é a sua continuação histórica. Acentua a manifestação das
tendências fundamentais e das leis do movimento da sociedade capitalista, das
suas contradições e antagonismos fundamentais. A lei da concentração e da
centralização do capital conduz à formação de poderosos grupos monopolistas
(cartéis, sindicatos, trusts), a uma nova forma de empresas gigantes
combinadas. Ligadas num só feixe pelos bancos. A fusão do capital industrial e
do capital bancário, a entrada da grande propriedade fundiária no sistema geral
do capitalismo, caracterizado a partir de então pelos monopólios, transformaram
o período do capital industrial no do capital financeiro. A «livre
concorrência» do capitalismo industrial, que tinha outrora substituído o
monopólio feudal e o monopólio do capital comercial, transformou-se ela própria
em monopólio do capital financeiro. Os monopólios capitalistas, saídos da
livre concorrência, embora não a suprimam, dominam-na ou coexistem com ela,
provocando assim contradições, confrontos e conflitos de uma acuidade e
gravidade particulares.
O emprego
crescente de máquinas complexas, de processos químicos e de energia eléctrica,
o aumento da composição orgânica do capital nesta base e a queda da taxa de
lucro que daqui decorre – que só parcialmente é travada em favor das maiores
associações monopolistas pela política de altos preços dos cartéis – provocam a
continuação da corrida aos superlucros coloniais e a luta por uma nova partilha
do mundo. A produção em massa, standardizada, exige novos mercados externos de
escoamento. A procura crescente de matérias-primas e de combustíveis provoca
ásperas rivalidades pelo controlo das suas fontes. Por fim, o alto
proteccionismo, impedindo a exportação de mercadorias e assegurando um
superlucro ao capital exportado, cria estímulos complementares à exportação de
capitais que se torna na forma decisiva e específica da conexão económica entre
as diferentes partes da economia capitalista mundial. Em resultado, o controlo
monopolista dos mercados coloniais de escoamento, das fontes de matérias primas
e das esferas de investimentos de capitais acentua fortemente a desigualdade do
desenvolvimento capitalista e agrava os conflitos entre as «grandes potências»
do capital financeiro por uma nova partilha das colónias e das esferas de
influência.
O crescimento das forças
produtivas da economia mundial conduz portanto a uma maior internacionalização
da vida económica e, ao mesmo tempo, à luta por uma nova partilha do mundo, já
repartido entre os grandes estados do capital financeiro; provoca igualmente
uma alteração e um agravamento das formas desta luta: a substituição cada vez
mais frequente da concorrência mediante o abaixamento dos preços pelo apelo
directo à força (boicote, alto proteccionismo, guerras alfandegárias, guerras
no sentido próprio da palavra, etc.). O capitalismo, sob a sua forma
monopolista, é, por consequência, acompanhado de guerras imperialistas
inevitáveis que, pela sua amplitude e poder destrutivo da técnica usada, não
têm precedente na história do mundo.
3. As forças do
imperialismo e as forças da revolução
A forma
imperialista do capitalismo, que exprime a tendência para a coesão das diversas
facções da classe dominante, opõe as grandes massas do proletariado não a um
patrão isolado, mas, cada vez mais, a toda a classe dos capitalistas e ao seu
Estado. Por outro lado, esta forma de capitalismo desfaz as fronteiras dos
estados nacionais tornadas demasiado estreitas e alarga o quadro do poder
capitalista das grandes potências, opondo a esse poder os milhões de homens das
nacionalidades oprimidas, das «pequenas» nações e dos povos coloniais. Enfim,
esta forma de capitalismo opõe com mais agudeza os estados imperialistas uns
aos outros.
Neste estado de
coisas, o poder político adquire para a burguesia uma importância particular,
torna-se na ditadura de uma oligarquia financeira e capitalista, a expressão do
seu poderio concentrado. As funções desse Estado imperialista, que compreende
numerosas nacionalidades, desenvolvem-se em todos os sentidos. O
desenvolvimento das formas do capitalismo de Estado facilita ao mesmo tempo a
luta nos mercados externos (mobilização militar da economia) e a luta contra a
classe operária. O desenvolvimento monstruoso ao extremo do militarismo
(exército, frotas aérea e naval, armas químicas e biológicas), a pressão
crescente do Estado imperialista sobre a classe operária (exploração acrescida
e repressão directa, por um lado, corrupção sistemática da burocracia
reformista dirigente, por outro), exprimem o enorme crescimento do papel do
Estado. Nestas condições qualquer acção mais ou menos importante do
proletariado se transforma numa acção contra o Estado, quer dizer, numa acção
política.
Assim, o
desenvolvimento do capitalismo e, mais particularmente, a época imperialista
reproduzem as condições fundamentais do capitalismo a uma escala cada vez mais
considerável. A concorrência entre pequenos capitalistas não cessa senão para
dar lugar à concorrência entre grandes capitalistas; quando esta se acalma,
desencadeia-se a concorrência entre as formidáveis coligações dos magnatas do
Capital e dos seus estados; as crises locais e nacionais estendem-se a diversos
países e acabam por abraçar o mundo inteiro; as guerras locais dão lugar às
guerras de coligações e às guerras mundiais; a luta de classes passa da acção
isolada de certos grupos de operários às lutas nacionais, depois à luta
internacional do proletariado mundial contra a burguesia mundial. Enfim,
levantam-se e organizam-se contra as forças do capital financeiro poderosamente
organizado, duas grandes forças revolucionárias: de um lado, os operários dos
estados capitalistas e, do outro lado, as massas populares das colónias
curvadas sob o jugo do capital estrangeiro, mas lutando sob a direcção e
hegemonia do movimento revolucionário proletário internacional.
Esta tendência revolucionária
fundamental é no entanto temporariamente paralisada pela corrupção de certos
elementos do proletariado europeu, norte-americano e japonês vendidos à
burguesia imperialista e pela traição da burguesia nacional dos países
coloniais e semicoloniais assustados pelo movimento revolucionário das massas.
A burguesia das grandes potências imperialistas, arrecadando um lucro
suplementar, tanto em razão da sua posição no mercado mundial em geral (técnica
mais desenvolvida, exportação de capitais para países onde a taxa de lucro é
mais alta, etc.) como em razão da pilhagem das colónias e das semicolónias,
pôde aumentar, graças a esses superlucros, os salários dos «seus» operários,
despertando-lhes assim o interesse pelo desenvolvimento do capitalismo da sua «pátria»,
pela pilhagem das colónias e pela fidelidade para com o Estado imperialista.
Esta corrupção sistemática manifestou-se e manifesta-se particularmente ainda
em larga escala nos países imperialistas mais poderosos; encontra a sua
expressão mais relevante na ideologia e na acção da aristocracia operária e nas
camadas burocráticas da classe operária, quer dizer nos quadros dirigentes da
social-democracia e dos sindicatos que se revelaram como agentes directos da
influência burguesa no seio do proletariado e os melhores apoios do regime
capitalista.
Mas após ter
desenvolvido a aristocracia corrompida da classe operária, o imperialismo acaba
por destruir a sua influência sobre o proletariado, na medida em que se
acentuam as contradições do regime, o agravamento das condições de vida e o
desemprego de grandes massas operárias, as despesas e os enormes custos
provocados pelos conflitos armados, a perda de certas posições que os
monopólios detinham no mercado mundial, a separação das colónias, etc., abalam
a base do social-imperialismo nas massas. Do mesmo modo, a corrupção
sistemática de diversas camadas da burguesia das colónias e das semicolónias, a
sua traição ao movimento nacional-revolucionário e aproximação às potências
imperialistas não paralisam senão temporariamente o desenvolvimento da crise
revolucionária. Este processo leva, por fim, ao reforço da opressão
imperialista, ao enfraquecimento da influência da burguesia nacional sobre as
massas populares, ao agravamento da crise revolucionária, ao desencadear da
revolução agrária de grandes massas camponesas e à criação de condições favoráveis
à hegemonia do proletariado dos países coloniais e dependentes na luta das
massas populares, pela independência e por uma completa libertação nacional.
4. O
imperialismo e a queda do capitalismo
O imperialismo
elevou as forças produtivas do capitalismo mundial a um alto grau de
desenvolvimento. Concluiu a preparação das premissas materiais para a
organização socialista da sociedade. Demonstra, pelas suas guerras, que as
forças produtivas da economia mundial ultrapassaram o quadro restrito dos estados
imperialistas e exigem a organização da economia a uma escala internacional
mundial. O imperialismo esforça-se por resolver esta contradição, rompendo a
ferro e fogo a via para um trust capitalista de Estado mundial e único
que organizaria a economia mundial. Esta sangrenta utopia é glorificada pelos
ideólogos sociais-democratas que vêem nela o método pacífico do novo
capitalismo «organizado». Na realidade, ela confronta-se com obstáculos
insuperáveis objectivos de uma tal dimensão que o capitalismo sucumbirá
inevitavelmente sob o peso das suas próprias contradições. A lei da
desigualdade do desenvolvimento capitalista, acentuada na época imperialista,
torna possíveis agrupamentos estáveis e duradouros de potências imperialistas.
Por outro lado, as guerras imperialistas, que se transformam em guerras
mundiais pelas quais a lei de concentração do capital se esforça por atingir o
seu limite extremo – o trust mundial único –, são acompanhadas de tais
devastações, impõem à classe operária e aos milhões de proletários e de
camponeses das colónias tais agravos, que o capitalismo perecerá
inevitavelmente sob os golpes da revolução proletária, bem antes de ter
atingido essa finalidade.
Fase suprema do desenvolvimento
capitalista, levando as forças produtivas da economia mundial a um
desenvolvimento de amplitude formidável, recriando o mundo inteiro à sua
imagem, o imperialismo arrasta para o campo da exploração do capital financeiro
todas as colónias, todas as raças e todos os povos. Mas a forma monopolista do
capital desenvolve simultaneamente num grau crescente os elementos de
degenerescência parasitária, de apodrecimento e declínio do capitalismo.
Destruindo em certa medida essa força motriz que é a concorrência, levando a
cabo uma política de altos preços fixados pelos cartéis, dispondo sem
restrições do mercado, o capital monopolista tende a travar o desenvolvimento
ulterior das forças produtivas. Arrancando a milhões de operários e de
camponeses coloniais superlucros fabulosos e acumulando enormes proventos dessa
exploração, o imperialismo cria um tipo de Estado dependente da renda, em
degeneração parasitária e apodrecimento, e camadas inteiras parasitas que vivem
de cupões de renda. Concluindo o processo da criação das premissas materiais do
socialismo (concentração dos meios de produção, imensa socialização do
trabalho, crescimento das organizações operárias), a época imperialista agrava
as contradições existentes entre as «grandes potências» e engendra guerras que
culminam na desagregação da unidade da economia mundial. O imperialismo é, por
esse motivo, o capitalismo em decomposição e agonizante e, em
geral, a última etapa da evolução capitalista, o prelúdio da revolução
socialista mundial.
A revolução
proletária internacional decorre assim das condições do desenvolvimento do
capitalismo em geral e da sua fase imperialista em particular. O sistema
capitalista conduz no seu conjunto a uma falência definitiva. A ditadura do
capital financeiro perece, dando lugar à ditadura do proletariado.
II. A crise
geral do capitalismo
e a primeira
fase da revolução mundial
1. A guerra
mundial e o desenvolvimento da crise revolucionária
A luta entre os
principais estados capitalistas por uma nova partilha do mundo provocou a
primeira guerra imperialista mundial (1914-1918). Esta guerra abalou o sistema
capitalista mundial e inaugurou o período da sua crise geral. Colocou ao
seu serviço toda a economia nacional dos países beligerantes, criando assim o
punho de ferro do capitalismo de Estado; obrigou a fabulosas despesas
improdutivas, destruiu uma enorme quantidade de meios de produção e de
mão-de-obra, arruinou amplas massas populares, colocou cargas incalculáveis
sobre os operários industriais, os camponeses e os povos coloniais. Agravou
inevitavelmente a luta de classes, que se transformou em acção revolucionária
de massas e em guerra civil. A frente imperialista foi rompida no seu
sector mais fraco, a Rússia tsarista. A revolução russa de Fevereiro de 1917
estilhaçou o poder, a autocracia dos grandes latifundiários. A revolução
de Outubro derrubou o poder da burguesia. Esta revolução proletária
vitoriosa expropriou os expropriadores, retirou à burguesia e aos
latifundiários os meios de produção, estabeleceu e consolidou, pela primeira
vez na história da humanidade, a ditadura do proletariado num grande país,
realizou um novo tipo de Estado, o Estado soviético, e inaugurou a revolução
proletária internacional.
O profundo abalo do capitalismo mundial, o agravamento da luta de
classes e a influência imediata da revolução proletária de Outubro determinaram
as revoluções e os movimentos revolucionários, tanto na Europa como nos países
coloniais e semicoloniais: Janeiro de 1918, revolução operária na Finlândia;
Agosto de 1918, «revoltas do arroz» no Japão; Novembro de 1918, revoluções na Áustria
e na Alemanha, derrubando monarquias semifeudais; Março de 1919, revolução
proletária na Hungria e sublevação na Coreia; Abril
de 1919,
República dos Sovietes na Baviera; Janeiro de 1920, revolução nacional burguesa
na Turquia; Setembro de 1920, ocupação das fábricas pelos operários na Itália;
Março de 1921, sublevação da vanguarda operária na Alemanha; Setembro de 1923,
insurreição na Bulgária; Outono de 1923, crise revolucionária na Alemanha;
Dezembro de 1924, insurreição na Estónia; Abril de 1925, sublevação em
Marrocos; Agosto de 1925, sublevação na Síria; Maio de 1926, greve geral em
Inglaterra; Julho de 1927, insurreição operária em Viena. Estes factos e
acontecimentos tais como a insurreição da Indonésia, a profunda efervescência
na Índia, a grande revolução chinesa que abalou todo o continente asiático,
formam os elos da cadeia da acção revolucionária internacional e são os
elementos constitutivos da grave crise geral do capitalismo. O processo da
revolução mundial compreende a luta imediata pela ditadura do proletariado, as
guerras de libertação nacional e as sublevações coloniais contra o
imperialismo, indissoluvelmente ligadas ao movimento agrário das grandes massas
camponesas. Uma massa incalculável de homens achou-se assim arrastada pela torrente
revolucionária. A história do mundo entrou numa nova fase, a fase da crise
geral e duradoura do sistema capitalista. A unidade da economia mundial
exprime-se pelo carácter internacional da revolução; e a desigualdade de
desenvolvimento das diversas partes da economia mundial no facto de que as
revoluções não eclodem simultaneamente em diferentes países.
As primeiras
tentativas de revolução, nascidas da crise aguda do capitalismo (1918-1921),
terminaram com a vitória e consolidação da ditadura do proletariado na URSS e
com a derrota do proletariado em diversos outros países. Estas derrotas são
devidas, antes de mais, à táctica de traição dos chefes sociais-democratas e
dos líderes reformistas do movimento sindical; ao facto de que os comunistas
não tinham ainda atrás de si a maioria da classe operária e que em muitos
países importantes ainda não existiam partidos comunistas.
Na sequência
destas derrotas, que tornaram possível a exploração acrescida das massas
proletárias e dos povos coloniais e uma brusca redução do seu nível de vida, a
burguesia alcançou uma estabilização parcial do regime capitalista.
2. A crise
revolucionária da social-democracia contra-revolucionária
Os quadros
dirigentes dos partidos sociais-democratas e dos sindicatos reformistas e as
organizações capitalistas de choque de tipo fascista adquiriram, no decurso da
revolução internacional, a maior importância como força contra-revolucionária
que combate activamente a revolução e apoia ao mesmo tempo a estabilização
parcial do capital.
A guerra de 1914-1918 foi acompanhada pela vergonhosa falência da II
Internacional social-democrata. Em contradição absoluta com a tese do Manifesto
do Partido Comunista de Marx e Engels, que afirma que os proletários não
têm pátria em regime capitalista, em contradição absoluta com as resoluções
adoptadas contra a guerra pelos congressos socialistas internacionais de
Estugarda e de Basileia, os chefes dos partidos sociais-democratas nacionais,
com algumas excepções, votaram os créditos de guerra, pronunciaram-se
resolutamente pela «defesa nacional» das suas «pátrias» imperialistas (quer
dizer, dos estados da burguesia imperialista) e, em lugar de opor-se à guerra
imperialista, tornaram-se seus fiéis soldados, seus propagandistas, seus
incensadores (o social-patrotismo transformou-se assim em social-imperialismo).
No período seguinte, a social-democracia defendeu os tratados espoliadores
(Brest-Litovsk, Versalhes); interveio activamente ao lado dos generais na
repressão sangrenta das sublevações proletárias
(Noske1); combateu com
armas nas mãos a primeira República proletária (a Rússia dos Sovietes); traiu
vergonhosamente o proletariado no poder (Hungria); aderiu à Sociedade das
Nações imperialista (A. Thomas,2 Paul-Boncour,3 Vandervelde4); colocou-se abertamente ao lado dos
esclavagistas imperialistas contra os escravos coloniais (o Labour Party inglês);
apoiou activamente os carrascos mais reaccionários da classe operária
(Bulgária, Polónia); promoveu as «leis militares» imperialistas (França); traiu
a grande greve geral do proletariado inglês; ajudou a estrangular a greve dos
mineiros ingleses; ajudou e ajuda ainda a oprimir a China e a Índia (governo
Mac Donald5); assume o
papel de propagandista da Sociedade das Nações imperialista, de arauto do
capital e de força organizadora da luta contra a ditadura do proletariado na
URSS (Kautsky,6
Hilferding7).
1 Noske, Gustav (1868-1946),
social-democrata alemão da ala direita, ministro da Defesa da Alemanha(
1919-1920), comandou a repressão dos comunistas e sociais-democratas de
esquerda e o assassínio de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht , tendo declarado a
propósito que «È preciso que alguém faça o papel de cão sangrento. Não temo as
responsabilidades». Demitido em 1933 pelos nazis do cargo de governado de
Nanover, que ocupava desde 1920, é preso em 1937 e internado em campos de
concentração até ser libertado pelos soviéticos em Maio de 1945. (N. Ed.)
2 Thomas, Albert (1878-1932), político
francês, socialista de direita. social-chauvinista durante a I Guerra Mundial,
membro do governo burguês francês. Em 1917, após a revolução de Fevereiro,
deslocou-se à Rússia para agitar em defesa da continuação da guerra . Em 1919,
foi um dos organizadores da Internacional de Berna, constituída por partidos
reformistas. (N. Ed.)
3 Paul-Boncour, Joseph (1873-1972),
advogado próximo dos socialistas franceses, é eleito deputado em 1909, entrando
para o governo como ministro do Trabalho em 1911. Ingressa na SFIO em 1916,
partido com o qual rompe em 1931, regressando ao Partido Republicano-Socialista
que se funde em 1935 na União Socialista Republicana. Senador (1931-1940),
ministro da Guerra (1932), torna-se presidente do Conselho de Ministros entre
Dezembro de 1932 e 1933. Após a queda do seu governo, permanece como ministro
dos Negócios Estrangeiros até 1934, ministro de Estado até 1936 e de novo dos
Negócios Estrangeiros entre Março e Abril de 1938. Perseguido pela Gestapo
adere em Junho de 1944 à Resistência. Após a libertação volta a aderir à SFIO. (N.
Ed.)
4 Vandervelde Émile, (1866-1938), professor
universitário da cadeira de sociologia, foi um dos principais dirigentes do
Partido Socialista Belga desde a sua fundação em 1885. Foi presidente do Bureau
Socialista Internacional, destacando-se pelas suas posições de direita no
panorama da época do socialismo europeu. Em 1900 pronunciou-se contra o
reconhecimento imediato do direito de voto das mulheres, apesar tal
reivindicação constar no programa do seu partido. Em 1914 aceita participar no
governo como ministro dos Negócios Estrangeiros, de 1918 a 1921 é ministro da
Justiça e volta aos Negócios Estrangeiros entre 1925 e 1927. (N. Ed.)
5 Mac Donald, James Ramsay (1866-1937),
fundador e dirigente do Partido Trabalhista Independente e do Partido
Trabalhista, pregou a teoria da conciliação de classes e da gradual
transformação do capitalismo em socialismo. Apoiou a burguesia na I Guerra
Mundial. Em 1924 torna-se primeiro-ministro da Grã-Bretanha, com o apoio dos
liberais, aliança que se desfaz ao fim de nove meses. Regressa à chefia do governo
em 1929, formando, em 1931, um governo de unidade nacional, constituído
maioritariamente por conservadores, que provocou a sua expulsão do Partido
Trabalhista.
6 Kautski, Karl (1854-1938), dirigente do
Partido Social-Democrata Alemão e da II Internacional. Inicialmente marxista,
mais tarde renegado da teoria revolucionária, torna-se ideólogo do centrismo.
Depois da Revolução de Outubro na Rússia, manifesta-se contra a ditadura do
proletariado, o Partido Comunista e o Estado Soviético. (N. Ed.)
7 Hilferding, Rudolf
(1877-1941), dirigente e teórico da social-democracia alemã e da II
Internacional. Jornalista, participou na revolução de Novembro de 1918,
tornando-se ministro das Finanças, em 1923 e entre 1928 e 1929. Exila-se em
França na sequência da ascensão do fascismo em 1933, onde é assassinado Gestapo
em 1941. (N. Ed.)
Prosseguindo
sistematicamente esta política contra-revolucionária, a social-democracia opera
alternadamente por meio das suas duas alas: a ala direita, abertamente
contra-revolucionária, indispensável às negociações e à ligação directa com a
burguesia, e a ala esquerda, destinada a enganar os operários com uma
subtileza particular. A «esquerda» social-democrata, usando de bom grado a
frase pacifista e por vezes mesmo a frase revolucionária, age na realidade
contra os operários, sobretudo nas horas mais críticas (os «independentes»
ingleses e a «esquerda» do Conselho Geral das Trade-Unions durante a
greve geral de 1926; Otto Bauer8 e C.ª durante a insurreição vienense, etc.) e
constitui por essa razão a fracção mais perigosa dos partidos
sociais-democratas. Servindo no seio da classe operária os interesses da
burguesia e colocando-se inteiramente no terreno da colaboração de classes e da
coligação com a burguesia, a social-democracia é, em certos momentos,
constrangida a passar à oposição e mesmo a simular a defesa dos interesses da
classe do proletariado na sua luta económica; fá-lo com a única finalidade de
adquirir a confiança de uma parte da classe operária e de trair os seus
interesses permanentes, tanto mais vergonhosamente na hora das batalhas
decisivas.
O papel
essencial da social-democracia é agora o de minar a indispensável unidade de
combate do proletariado em luta contra o imperialismo. Cindindo e dividindo a
frente vermelha única da luta proletária contra o capital, a social-democracia
é o principal apoio do imperialismo na classe operária. A social-democracia
internacional de todos os matizes, a II Internacional e a sua filial sindical,
a Federação Sindical Internacional de Amsterdão, tornaram-se deste modo nas
reservas da sociedade burguesa, na sua mais segura trincheira.
3. A crise do
capitalismo e o fascismo
Ao lado da
social-democracia, com a ajuda da qual a burguesia reprime o movimento operário
ou adormece a sua vigilância de classe, ergue-se o fascismo.
Na época do
imperialismo, o agravamento da luta de classes e o desenvolvimento, sobretudo
após a guerra imperialista mundial, dos elementos da guerra civil, conduziram a
uma crise do parlamentarismo. Daí os «novos» métodos e as novas formas de
governo (o sistema de «pequenos gabinetes», a formação de oligarquias agindo
nos bastidores, a degradação e a falsificação da «representação popular», as
restrições às «liberdades democráticas», que por vezes são abolidas, etc.).
Esta ofensiva da reacção burguesa imperialista, toma, em certas condições
históricas, a forma do fascismo. Essas condições são: a instabilidade das
relações capitalistas, a existência de importantes elementos sociais
desclassificados, o empobrecimento de grandes camadas da pequena burguesia dos
campos e, por fim, a constante ameaça da acção de massas do proletariado. Para
garantir uma estabilidade, uma firmeza e uma continuidade maiores do seu poder,
a burguesia vê-se cada vez mais na necessidade de passar do sistema parlamentar
ao método fascista, independentemente das relações e das composições de
partidos. Este método da ditadura directa, ideologicamente camuflada com a
ajuda da «ideia nacional» e da representação «corporativa» (que é na realidade
a dos diversos grupos das classes dominantes), explora o descontentamento das
massas pequeno-burguesas, dos intelectuais e doutros meios sociais
8 Bauer, Otto, verdadeiro
nome Heinrich Weber (1882-1932), social-democrata austríaco, dirigente da II
Internacional, ideólogo do oportunismo, elaborou a teoria da
«autonomia-nacional-cultural. Ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria,
combateu o movimentou revolucionário da classe operária da Áustria. Em 1934
exila-se em França onde vem a falecer. (N. Ed.)
através de uma
demagogia social bastante particular (anti-semitismo, ataques parciais contra o
capital usurário, indignação contra a «palração parlamentar») e mediante a
corrupção através da criação de uma hierarquia sólida e remunerada das milícias
fascistas, de um aparelho partidário e de um corpo de funcionários. Além disso,
o fascismo esforça-se por penetrar nos meios operários, onde recruta os
elementos mais atrasados, aproveitando o descontentamento causado pela
passividade da social-democracia, etc. O fascismo atribui-se como tarefa
principal a destruição da vanguarda operária revolucionária, isto é, os
sectores comunistas do proletariado e os seus quadros. A combinação da
demagogia social com a corrupção e o terror branco a par de uma política
externa imperialista muito agressiva constituem os traços característicos do
fascismo. Recorrendo nos períodos mais críticos para a burguesia a uma
fraseologia anticapitalista, o fascismo perde pelo caminho os seus adornos
anticapitalistas e revela-se cada vez mais, a partir do momento em que se
consolida no poder, como ditadura terrorista do grande capital.
Adaptando-se às
mudanças da conjuntura política, a burguesia utiliza à vez os métodos do
fascismo e os da coligação com a social-democracia, sendo que esta última, nas
horas mais críticas para o capitalismo, desempenha frequentemente um papel
fascista. Manifestando no seu desenvolvimento tendências fascistas, isto não a
impede, noutras conjunturas políticas, de censurar o governo burguês, na
qualidade de partido de oposição. A burguesia serve-se dos métodos fascistas e
da coligação com a social-democracia, enquanto métodos inabituais do
capitalismo «normal» que atestam a crise geral do regime, para atrasar a marcha
ascendente da revolução.
4. As
contradições da estabilização capitalista e a inelutabilidade da queda
revolucionária do capitalismo
A experiência
de todo o período histórico do pós-guerra demonstra que a estabilização do
capitalismo, realizada mediante a impiedosa repressão da classe operária e o
agravamento sistemático das suas condições de vida, não pode ser senão parcial,
temporária e precária.
O
desenvolvimento febril e brusco da técnica, correspondendo em alguns países a
uma nova revolução técnica, a aceleração do processo de concentração e
centralização do capital, a criação de trusts gigantescos, de monopólios
«nacionais» e «internacionais», a interpenetração dos trusts e do Estado, o
crescimento da economia capitalista mundial não podem no entanto remediar à
crise geral do sistema capitalista. A divisão da economia mundial em sectores
capitalista e socialista, a contracção dos mercados, o movimento
anti-imperialista das colónias agravam ao extremo todas as contradições do
capitalismo que se desenvolve sobre a sua nova base do pós-guerra. O próprio
progresso técnico e a racionalização da indústria, cujo reverso é o fecho e a
liquidação de empresas, a limitação da produção, a exploração impiedosa e
rapace da mão-de-obra levam a um desemprego crónico de uma amplitude sem
precedentes. O agravamento absoluto das condições de vida da classe operária,
mesmo nos países capitalistas muito desenvolvidos, torna-se um facto evidente.
A concorrência crescente entre os países imperialistas, a ameaça constante de
guerras criam as condições de uma fase nova e superior do desenvolvimento da
crise geral do capitalismo e da revolução proletária mundial.
No seguimento do primeiro ciclo destas guerras imperialistas (guerra
mundial de 1914-1918) e da vitória conquistada em Outubro de 1917 pela classe
operária no antigo império dos tsares, a economia mundial cindiu-se em duas
partes irredutivelmente opostas: os
estados
imperialistas e a ditadura do proletariado na URSS. As diferenças
da estrutura de classes, da natureza de classe do poder, as diferenças de
princípio dos objectivos prosseguidos na política interna e externa, na
política económica e cultural, a diferente orientação de princípio de todo o
desenvolvimento dos dois sistemas opõem violentamente o mundo capitalista ao
Estado do proletariado vitorioso. Dois sistemas antagónicos confrontam-se no
quadro da economia mundial anteriormente único: capitalismo e socialismo. A
luta de classes, que até agora era conduzida sem que o proletariado tivesse
poder de Estado próprio, reproduz-se agora numa escala imensa, verdadeiramente
universal, tendo já a classe operária o seu Estado, a sua única pátria. A
existência da União soviética e a influência mundial que exerce sobre as massas
laboriosas e oprimidas são a manifestação mais clara da crise profunda do
sistema capitalista mundial, do alargamento e agudização sem precedentes da
luta de classes.
O mundo
capitalista, incapaz de ultrapassar as suas contradições internas, tenta criar
associações internacionais (Sociedade das Nações) cujo objectivo principal é o
de travar o desenvolvimento irresistível da crise revolucionária e de
estrangular pelo bloqueio ou a guerra a União das Repúblicas proletárias.
Simultaneamente todas as forças do proletariado revolucionário e das massas
coloniais oprimidas concentram-se em redor da URSS: face à coligação mundial do
capital, precário e roído no seu interior, mas armado até aos dentes,
ergue-se a coligação mundial, única, do trabalho. Deste modo, no
seguimento do primeiro ciclo das guerras imperialistas surgiu uma nova
contradição fundamental de uma envergadura e de um significado históricos
mundiais: a contradição entre a URSS e o mundo capitalista.
Os antagonismos
também
se agravaram no sector capitalista da economia mundial. A deslocação do
centro económico mundial para os Estados Unidos da América, a transformação da
«república do dólar» em explorador mundial agravaram as relações entre os
Estados Unidos e o capitalismo europeu, em primeiro lugar com a Grã-Bretanha. O
conflito entre o mais poderoso dos velhos países imperialistas e conservadores,
a Grã-Bretanha, e o maior país do jovem imperialismo, que já conseguiu
conquistar a hegemonia mundial, os Estados Unidos, torna-se no eixo dos
conflitos mundiais entre os Estados do capital financeiro. A Alemanha,
despojada pelo tratado de Versalhes, restabeleceu-se economicamente e envereda
mais uma vez pela via da política imperialista, apresentando-se novamente como
um sério concorrente no mercado mundial. Em torno do Pacífico tece-se uma trama
de contradições, onde o conflito americano-japonês é a base principal. A par
destes antagonismos fundamentais, desenvolvem-se conflitos de interesses entre
agrupamentos de potências instáveis e em constante alteração, encontrando-se os
estados de segunda ordem reduzidos a um papel auxiliar nas mãos dos gigantes
imperialistas e das suas coligações.
O crescimento
da capacidade de produção do aparelho industrial do capitalismo mundial, num
quadro de redução dos mercados internos da Europa, na sequência da guerra e da
saída da União Soviética da esfera das trocas puramente capitalistas, e de
extrema monopolização das principais fontes de matérias-primas e de
combustíveis, tem como consequência o desenvolvimento de conflitos entre
estados capitalistas. A luta «pacífica» pelo petróleo, a borracha, o algodão, a
hulha, os metais, por uma nova partilha dos mercados e das zonas de exportação
de capitais conduz inevitavelmente a uma nova guerra mundial, que será
tanto mais devastadora quanto a técnica militar progride a uma velocidade
louca.
Paralelamente aumentam as contradições entre as metrópoles e os
países coloniais e semicoloniais. O enfraquecimento, em certa medida, do
imperialismo europeu como
consequência da
guerra, o desenvolvimento do capitalismo nas colónias, a influência da
revolução soviética, as tendências centrífugas no seio da maior potência naval
e colonial, a Grã-Bretanha (Canadá, Austrália, África do Sul) facilitaram as
sublevações nas colónias e semicolónias. A grande revolução chinesa, que
envolveu um povo de centenas de milhões de pessoas, abre uma enorme brecha no
sistema do imperialismo. A constante agitação revolucionária de centenas de
milhões de operários e de camponeses das Índias ameaça quebrar o domínio da
Grã-Bretanha, cidadela do imperialismo mundial. O crescimento das tendências
hostis ao poderoso imperialismo dos Estados Unidos nos países da América Latina
constitui aí uma força contrária à expansão do capital norte-americano. O
movimento revolucionário das colónias, que arrasta para a luta contra o
imperialismo a imensa maioria da população do globo submetida pela oligarquia
financeira e capitalista de algumas «grande potências» imperialistas, demonstra
por seu lado a profunda crise geral do sistema capitalista. Mas também na
Europa, onde o imperialismo esmaga as pequenas nações sob o seu talão de ferro,
a questão nacional é um factor de agravamento das contradições internas do
capitalismo.
Enfim, a crise
revolucionária amadurece irresistivelmente nos próprios centros do
imperialismo: a ofensiva da burguesia contra a classe operária, contra o
seu nível de vida, contra as suas organizações e direitos políticos, e a
extensão do terror branco provocam a resistência crescente das grandes massas
proletárias e o agravamento da luta de classes entre o proletariado e o capital
dos trusts. As grandiosas batalhas entre o trabalho e o capital, a
radicalização crescente das massas, a influência e autoridade crescentes dos
partidos comunistas, o imenso movimento de simpatia das massas operárias pelo
país da ditadura do proletariado, tudo isto assinala claramente um novo impulso
revolucionário nas metrópoles do imperialismo.
O sistema do
imperialismo mundial e a estabilização parcial do capitalismo são portanto
minadas por diversos lados: contradições e conflitos entre as potências
imperialistas; profusão dos povos coloniais erguidos para a luta; proletariado
revolucionário das metrópoles; ditadura do proletariado na URSS e a hegemonia
do movimento revolucionário mundial. A revolução internacional está em marcha.
O imperialismo
junta as suas forças contra ela. Expedições coloniais, nova guerra mundial,
campanha contra a URSS estão na ordem do dia. Isto levará ao desencadear de
todas as forças da revolução mundial e à queda inevitável do capitalismo.
III. O
comunismo mundial, objectivo final
da
Internacional Comunista
O objectivo
final a que aspira a Internacional Comunista é a substituição da economia
capitalista mundial pelo sistema do comunismo mundial. Preparada por
todo o desenvolvimento histórico, a sociedade comunista é a única saída para a
humanidade. Só ela destruirá as contradições do sistema capitalista que ameaçam
a humanidade de degenerescência e a levam à sua destruição.
A sociedade comunista abolirá a
divisão da sociedade em classes, isto é, suprimirá a anarquia da produção e ao
mesmo tempo todos os aspectos e todas as formas de exploração do homem pelo
homem. Não haverá mais classes em luta, mas membros de uma só e da mesma
associação mundial de trabalho. Pela primeira vez na história, a humanidade
tomará o destino nas suas próprias mãos. Em lugar de destruir um número
incalculável de vidas humanas e de imensas riquezas nas lutas de classes e de
povos, a humanidade usará toda a sua energia na luta pelo domínio das forças da
natureza, para desenvolver e aumentar o seu próprio poder colectivo.
Abolida a
propriedade privada dos meios de produção e transformada em propriedade
colectiva, o sistema comunista mundial substitui as leis elementares do mercado
mundial e da concorrência, o processo cego da produção social, pela organização
consciente e concertada – num plano de conjunto – tendente a satisfazer as
necessidades rapidamente crescentes da sociedade. As crises devastadoras e as
guerras ainda mais devastadoras desaparecerão ao mesmo tempo que a anarquia da
produção e da concorrência. Ao colossal esbanjamento das forças produtivas, ao
desenvolvimento convulsivo da sociedade, o comunismo opõe o uso sistemático de
todas as fontes materiais da sociedade e uma evolução económica indolor,
baseados no desenvolvimento ilimitado, harmonioso e rápido das forças
produtivas.
A abolição das
classes e da propriedade privada suprime a exploração do homem pelo homem. O
trabalho deixa de ser feito em proveito do inimigo de classe: de meio de
existência, transforma-se numa necessidade primordial e vital; a pobreza, a
desigualdade económica, a miséria das classes dominadas, o nível miserável da
vida material, em geral, desaparecem; a hierarquia dos homens na divisão do
trabalho e a contradição entre o trabalho intelectual e o trabalho físico
desaparecem, assim como todos os traços de desigualdade social dos sexos. Os
organismos de dominação de classe, o poder do Estado em primeiro lugar,
desaparecem ao mesmo tempo. Incarnação da dominação de classe, o Estado vai
perecendo ao mesmo tempo que desaparecem as classes e todas as formas de constrangimento.
O
desaparecimento das classes é acompanhado da abolição do monopólio da
instrução. A cultura torna-se património de todos e as antigas ideologias de
classes cedem lugar a uma concepção materialista científica do mundo. Toda a
dominação do homem pelo homem se torna a partir de então impossível: abre-se um
campo ilimitado à selecção social, ao desenvolvimento harmonioso de todas as
faculdades da humanidade.
O crescimento
das forças produtivas não se depara com nenhuma limitação social. A propriedade
privada dos meios de produção, o ganância do lucro, a ignorância
artificialmente mantida nas massas, a sua pobreza, obstáculo ao progresso
técnico da sociedade capitalista, as enormes despesas improdutivas, tudo isso
deixa de existir na sociedade comunista. A utilização tão racional quanto
possível das forças da natureza e das condições naturais da produção nas
diversas partes do mundo, a abolição da contradição entre a cidade e o campo
(contradição que se deve ao sistemático atraso da agricultura e ao baixo nível
da sua técnica), a união íntima da ciência e da técnica, a investigação
científica e as suas aplicações práticas na mais larga medida social, a
organização racional do trabalho científico, o emprego dos métodos mais
aperfeiçoados de estatística e de regulação planificada da economia, o
crescimento rápido das necessidades sociais – poderoso motor que anima todo o
sistema – tudo isso assegura o máximo rendimento no trabalho colectivo e
liberta, por seu lado, a energia humana para um vigoroso surto da ciência e das
artes.
O desenvolvimento das forças
produtivas da sociedade comunista mundial permite elevar o bem-estar de toda a
humanidade, reduzir ao mínimo o tempo consagrado à produção material,
determinando assim uma expansão da cultura desconhecida pela história. Esta
nova cultura da humanidade, pela primeira vez unificada – tendo abolido todas
as fronteiras de Estado –, assentará, contrariamente à cultura capitalista,
sobre relações serenas e transparentes entre os homens. Enterrará também para
sempre toda a mística, toda a religião, todo o preconceito, toda a superstição
e dará um poderoso impulso ao desenvolvimento do conhecimento científico que
não conhecerá obstáculo algum.
Esta fase
superior do comunismo, na qual a sociedade comunista se desenvolverá sobre a
sua própria base, em que o desenvolvimento harmonioso dos homens será
acompanhado de um conhecimento prodigioso das forças produtivas, no qual a
sociedade terá inscrito na sua bandeira: «De cada um segundo as suas
capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!» supõe, como condição
histórica prévia, uma fase inferior da sua evolução, o socialismo. Aí, a
sociedade comunista não faz senão sair da sociedade capitalista; sai dela
coberta, em todos os sentidos da vida económica, moral, intelectual, pelas
taras da velha sociedade de que nasceu. As forças produtivas do socialismo não
estão ainda suficientemente desenvolvidas para assegurar a repartição dos
produtos do trabalho segundo as necessidades; estes são repartidos segundo o
trabalho. A divisão do trabalho, isto é, a atribuição de certas funções
especiais a determinados grupos de pessoas, ainda subsiste; a oposição entre o
trabalho intelectual e o trabalho físico em particular, não foi ainda
radicalmente suprimido. Apesar da abolição das classes, os vestígios da antiga
divisão da sociedade subsistem e, a partir daí, os vestígios do poder, da
coacção, do direito. Existem ainda sobrevivências retardadas da desigualdade. A
contradição entre a cidade e o campo não foi eliminada e ainda não desapareceu
inteiramente. Mas nenhuma força social apoia ou defende esses vestígios da
antiga sociedade. Relacionados a um determinado nível das forças produtivas,
eles desaparecem gradualmente à medida que a humanidade, liberta das cadeias do
regime capitalista, domina rapidamente as forças da natureza, se reeduca no
espírito do comunismo e passa do socialismo ao comunismo integral.
IV. O período
de transição do capitalismo ao socialismo
e a ditadura do
proletariado
1. O período de
transição e a conquista do poder pelo proletariado
Entre a
sociedade capitalista e a sociedade comunista estende-se um período de
transformação revolucionária, a que corresponde um período de transição
política, no decurso do qual o Estado não pode ser senão uma ditadura
revolucionária do proletariado. A transição da ditadura mundial do
imperialismo à ditadura mundial do proletariado preenche um longo período de
lutas, de derrotas e de vitórias do proletariado, um período de crise contínua
do sistema capitalista e de desenvolvimento das revoluções socialistas, isto é,
de guerras civis do proletariado contra a burguesia; período de guerras
nacionais e de sublevações coloniais que, não sendo propriamente movimentos
socialistas do proletariado revolucionário, se tornam objectivamente, porque
socavam a dominação imperialista, partes integrantes da revolução proletária
mundial; período que compreende a coexistência, no seio da economia mundial,
dos sistemas sociais e económicos capitalista e socialista com as suas relações
«pacíficas» e as suas lutas armadas; período de formação de uniões de estados
soviéticos socialistas e de guerras dos estados imperialistas contra elas;
período de ligação cada vez mais estreita entre os estados soviéticos e os
povos coloniais, etc.
A desigualdade do desenvolvimento económico e político é uma lei
absoluta do capitalismo. Essa desigualdade acentua-se e agrava-se na época
imperialista. Daí resulta que a revolução proletária internacional não pode ser
considerada como uma acção única,
simultânea e
universal. A vitória do socialismo é portanto possível, primeiro em alguns
países capitalistas, mesmo num só isoladamente. Mas cada vitória do
proletariado alarga a base da revolução mundial e, por consequência, a crise
geral do capitalismo. O conjunto do sistema capitalista encaminha-se deste modo
para a sua falência definitiva. A ditadura do capital financeiro sucumbe, dando
lugar à ditadura do proletariado. As revoluções burguesas consistiam na
libertação política de um sistema de relações de produção já dominante na economia
e na passagem do poder de uma classe de exploradores para uma outra. A
revolução proletária significa, pelo contrário, a intervenção violenta
do proletariado no regime de propriedade da sociedade burguesa, na expropriação
das classes exploradoras e na passagem do poder para uma classe que coloca como
tarefa fundamental a reconstrução total da base económica da sociedade e a
destruição de toda a exploração do homem pelo homem. Mas, se as revoluções
burguesas demoraram séculos a abolir a dominação política da nobreza feudal no
mundo inteiro, quebrando esta dominação por revoluções sucessivas, a revolução
proletária internacional, embora não seja um acto único e se estenda por toda
uma época, poderá, graças à ligação mais estreita entre os países, cumprir mais
rapidamente a sua tarefa. Só após a vitória completa do proletariado no mundo e
a consolidação do seu poder mundial se abrirá uma longa época de intensa
edificação da economia socialista mundial.
A conquista do
poder pelo proletariado é a condição preliminar do crescimento das
forças socialistas da economia e do desenvolvimento cultural do proletariado
que, transformando-se conscientemente a si próprio, se torna no dirigente da
sociedade em todos os domínios da vida, arrasta no processo de mudança as
outras classes e cria assim um terreno favorável ao desaparecimento das
classes.
Na luta pela
ditadura do proletariado e pela subsequente transformação do regime social, a
união dos operários e camponeses, base da ditadura do proletariado
realizada sob a hegemonia ideológica e política dos proletários, organiza-se
face ao bloco dos latifundiários e dos capitalistas.
O período de
transição é, no seu conjunto, caracterizado pela implacável repressão da
resistência dos exploradores, pela organização da edificação socialista, pela
reeducação em massa dos homens no espírito do socialismo e pela superação
progressiva das classes sociais. Só cumprindo estas grandes tarefas históricas
a sociedade do período de transição começa a transformar-se em sociedade comunista.
Assim, a
ditadura do proletariado mundial é a condição prévia e necessária da
passagem da economia capitalista mundial à economia socialista. Esta ditadura
não pode instituir-se senão pela vitória do socialismo em diferentes países ou
grupos de países, novas repúblicas proletárias unindo-se por laços federativos
às suas antecessoras e alargando-se a rede destas uniões federativas incluindo
as colónias libertas do jugo do imperialismo, para constituir finalmente a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas do Mundo e realizar a
unificação da humanidade sob a hegemonia internacional do proletariado
organizado em Estado.
A conquista do poder pelo proletariado não é uma «conquista» pacífica da máquina já
pronta do Estado burguês por uma maioria parlamentar. A burguesia usa todos os
meios de coacção e de terror para defender e consolidar a sua propriedade
conquistada pela pilhagem e a sua dominação política. Como antes a nobreza
feudal, não pode ceder o seu lugar histórico a uma nova classe sem lhe opor uma
resistência encarniçada e desesperada. A violência da burguesia não pode ser
vencida senão através da violência implacável do proletariado. A conquista do
poder pelo proletariado é a abolição violenta do poder da burguesia, a
destruição do aparelho de Estado capitalista (exército burguês, polícia,
hierarquia
burocrática, tribunais, parlamento, etc.) substituída pelos novos órgãos
do poder proletário que são, antes de tudo, os instrumentos de repressão
destinados a quebrar a resistência dos exploradores.
2. A ditadura
do proletariado e a sua forma soviética
Como demonstrou
a experiência da revolução russa de 1917 e da revolução húngara, que alargaram
infinitamente a experiência da Comuna de Paris de 1871, a forma de poder
proletário que melhor corresponde ao objectivo é o novo tipo de Estado: o
Estado soviético, diferente no seu princípio do Estado burguês, não
apenas pela sua essência de classe, mas também pela sua estrutura interna. Este
tipo de Estado, que surgiu directamente do grande movimento das massas,
assegura-lhes o máximo de actividade e oferece, por consequência, as maiores
garantias de uma vitória definitiva.
O Estado do
tipo soviético, que realiza a forma superior da democracia proletária,
opõe-se claramente à democracia burguesa, forma velada da ditadura da burguesia.
O Estado soviético é a ditadura do proletariado, a classe operária detendo o
monopólio do poder. Ao contrário da democracia burguesa, ele proclama bem alto
o seu carácter de classe e coloca abertamente como sua tarefa a repressão da
resistência dos exploradores no interesse da imensa maioria da população. Priva
de direitos políticos os seus inimigos de classe e pode, em condições
históricas particulares, dar ao proletariado privilégios temporários, a fim de
o consolidar no seu papel dirigente em relação ao campesinato pequeno-burguês
infinitamente disseminado. Desarmando os inimigos de classe e quebrando a sua
resistência, considera a supressão dos seus direitos políticos e uma certa
limitação da sua liberdade como medidas temporárias destinadas a combater as
tentativas dos exploradores para defender ou restabelecer os seus privilégios.
Na sua bandeira tem inscrito que o proletariado detém o poder não para o
perpetuar, não para usá-lo para os seus interesses estreitamente corporativos e
profissionais, mas para agrupar cada vez mais as massas atrasadas e
disseminadas do proletariado e do semi-proletariado dos campos e unir os
camponeses trabalhadores aos operários mais avançados, eliminando progressiva e
sistematicamente todas as divisões da sociedade em classes.
Forma de
unificação e de organização universal das massas sob a direcção do
proletariado, os sovietes envolvem as grandes massas dos operários, dos
camponeses e de todos os trabalhadores na luta, na edificação do socialismo e
na administração do Estado. No seu trabalho apoiam-se sobre as organizações de
massas da classe operária e realizam uma ampla democracia entre os
trabalhadores; estão mais perto das massas que qualquer outra forma de poder. O
direito de reeleger delegados e de revogar os seus mandatos, a união do poder
executivo e do poder legislativo, as eleições com base nas empresas (fábricas,
oficinas, etc.) e não em circunscrições territoriais são outros tantos factores
que asseguram ao proletariado e às restantes massas de trabalhadores sob a sua
influência uma participação sistemática constante e activa em todos os assuntos
públicos económicos, políticos, militares e culturais. Estabelecem por isso uma
profunda linha de demarcação entre a república parlamentar burguesa e a
ditadura soviética do proletariado.
A democracia burguesa repousa, com a sua igualdade puramente formal dos
cidadãos perante a lei, sobre uma desigualdade flagrante das classes no domínio
material e económico. Mantendo como intocável e consolidando a posse exclusiva
dos meios de produção essenciais pela classe capitalista e dos grandes
latifundiários, a democracia burguesa transforma por isso mesmo a igualdade
puramente formal perante a lei, os
direitos e as
liberdades democráticas, aliás sistematicamente limitados na prática, numa
ficção jurídica para as classes exploradas, e em primeiro lugar para o
proletariado, e, por consequência, num instrumento de logro e de submissão das
massas. A pretensa democracia exprime a dominação política da burguesia e é por
isso mesmo uma democracia capitalista. O Estado soviético, privando a classe
exploradora dos meios de produção que monopoliza nas mãos do proletariado,
classe dirigente, garante antes do mais e além do mais as condições
materiais de realização dos direitos da classe operária e dos trabalhadores
em geral, assegurando habitações, edifícios públicos, tipografias, meios de
transporte, etc.
No domínio dos direitos
políticos e gerais, o Estado soviético, privando desses direitos os
inimigos do povo e os exploradores, destrói completamente pela primeira vez a
desigualdade dos cidadãos, fundada, nos regimes de exploração, sobre as
diferenças de sexo, de religião, de nacionalidade; estabelece neste domínio uma
igualdade que não existe em nenhum país burguês; a ditadura do proletariado
constrói inexoravelmente a base material que permite realizar esta igualdade: é
este o sentido das medidas de emancipação da mulher, da industrialização das
antigas colónias, etc.
A democracia
soviética é assim uma democracia proletária, uma democracia das massas
trabalhadoras, uma democracia dirigida contra os exploradores.
O Estado
soviético pressupõe o desarmamento completo da burguesia e a concentração de
todas as armas nas mãos do proletariado: é o Estado do proletariado armado. A
organização das forças armadas efectua-se com base no princípio de classe, que
é conforme a todo o regime da ditadura do proletariado e assegura o papel
dirigente do proletariado industrial. Esta organização ancorada na disciplina
revolucionária, garante ao mesmo tempo a ligação estreita e permanente dos
soldados do Exército Vermelho e da Armada Vermelha às massas laboriosas e a sua
participação na administração do país e na edificação do socialismo.
3. A ditadura
do proletariado e a expropriação dos expropriadores
O proletariado
vitorioso usa o poder conquistado como uma alavanca da revolução económica, ou
seja, da transformação revolucionária do regime de propriedade capitalista num
regime de produção socialista. O ponto de partida desta profunda revolução
económica encontra-se na expropriação dos grandes latifundiários e dos
capitalistas, isto é, na transformação da grande propriedade monopolista da
burguesia em propriedade do Estado proletário.
A Internacional
Comunista consigna neste domínio à ditadura do proletariado as seguintes
tarefas fundamentais:
A. Indústria,
transportes, telecomunicações
a) Confiscação
e nacionalização proletária de todas as grandes empresas (empresas industriais,
minas, centrais eléctricas) pertencentes ao capital privado; transferência para
os sovietes de todas as empresas estatais e municipais;
b) Confiscação e nacionalização proletária dos transportes
ferroviários, rodoviários e fluviais pertencentes do capital privado, bem como
transportes aéreos (frota aérea de comércio e de passageiros); transferência
para os sovietes de todos os meios de transporte pertencentes ao Estado e aos
municípios;
c) Confiscação
e nacionalização proletária dos serviços de telecomunicações pertencentes ao
capital privado (telégrafo, telefone, rádio); transferência para os sovietes de
todos estes serviços pertencentes ao Estado, aos municípios, etc.;
d) Organização
da gestão operária da indústria. Criação de organismos governamentais de gestão
com participação directa dos sindicatos, sendo assegurado um papel
correspondente aos comités de empresa, etc.;
e) Adaptação da
actividade industrial às necessidades das grandes massas de trabalhadores.
Reorganização dos ramos da indústria que produziam para o consumo das classes
dirigentes (artigos de luxo, etc.). Reforço dos ramos da indústria que
favorecem o desenvolvimento da agricultura, a fim de consolidar a ligação com a
economia rural, de assegurar o progresso dos domínios agrícolas do Estado e de
acelerar o desenvolvimento da economia nacional em geral.
B. Agricultura
a) Confiscação
e nacionalização proletária da grande propriedade fundiária nas cidades e nos
campos (propriedades privadas, propriedades da Igreja, conventos, etc.);
transferência para os sovietes das propriedades fundiárias do Estado e dos municípios,
compreendendo as florestas, o subsolo, a água, etc.; nacionalização ulterior de
todo o solo;
b) Confiscação
de todos os bens constituindo os utensílios dos grandes latifúndios (edifícios,
alfaias e material diverso, gado, empresas de transformação dos produtos
agrícolas, grandes moagens, queijarias, leitarias, secagens, etc.);
c)
Transferência dos grandes latifúndios e mais particularmente daqueles que têm
grande importância económica ou podem servir de empresas modelo para os
organismos da ditadura do proletariado; organização de explorações agrícolas
soviéticas;
d) Entrega em
usufruto de uma parte dos antigos latifúndios e de outras terras confiscadas
aos camponeses (aos camponeses pobres e médios) – nomeadamente daquelas que
estavam arrendadas a camponeses e serviam para subjugá-los economicamente. A
parte das terras transmitidas aos camponeses é determinada pelas necessidades
económicas e pela necessidade de neutralizar os camponeses e de os aliar ao
proletariado; varia portanto segundo as condições;
e) Interdição
da venda e da compra das terras, a fim de conservar a terra nas mãos dos
camponeses e de impedir que passe para as mãos dos capitalistas, especuladores,
etc; repressão enérgica de toda a infracção a esta lei;
f) Luta contra
a usura. Anulação dos contratos iníquos. Anulação das dívidas dos camponeses
explorados. Isenção de impostos aos camponeses mais pobres, etc.;
g) Amplas
medidas de conjunto, por parte do Estado, para elevar as forças produtivas da
agricultura; desenvolvimento da electrificação dos campos, da fabricação de
tractores, da produção de adubos químicos e de sementes seleccionadas, criação
de gado de raça nas explorações soviéticas, ampla organização do crédito
agrícola para melhoramento do solo, etc.;
h) Apoio geral e financeiro à cooperação agrícola e a todas as formas
de produção colectiva nos campos (associações, comunas, etc.). Propaganda
sistemática da cooperação camponesa (cooperativas de venda, de
aprovisionamento, de crédito), na base da iniciativa das massas camponesas:
propaganda a favor da passagem à grande produção agrícola que, pela sua
incontestável superioridade técnica e económica e pelas suas grandes vantagens
económicas imediatas, constitui o meio de transição para o socialismo mais
acessível às grandes massas de trabalhadores camponeses.
C. Comércio e
crédito
a)
Nacionalização proletária dos bancos privados (entrega ao
Estado proletário de todas as reservas de ouro, valores, depósitos, etc.) e
transferência para o Estado proletário dos bancos nacionalizados, municipais,
etc.;
b)
b) Centralização de todas as operações bancárias e
subordinação de todos os grandes bancos nacionalizados ao Banco Central do
Estado;
c)
Nacionalização e transferência para os organismos do Estado soviético do
comércio grossista e das grandes empresas comerciais de distribuição
(entrepostos, silos, armazéns, stocks de mercadorias, etc.);
d)
Encorajamento por todos os meios da cooperação de consumo considerada como uma
parte integrante extremamente importante do aparelho de repartição; unificação
do sistema de trabalho da cooperação e da participação activa das massas na sua
edificação;
e) Monopólio do
comércio externo;
f) Anulação das
dívidas do Estado aos capitalistas estrangeiros e nacionais.
D. Protecção do
trabalho, condições de vida dos trabalhadores, etc.
a) Redução da
jornada de trabalho para sete horas – seis nas indústrias insalubres. Redução
ulterior da jornada de trabalho e passagem à semana de cinco dias nos países de
produção desenvolvida. Jornada de trabalho correspondente ao aumento da
produtividade do trabalho;
b) Interdição,
como regra geral, do trabalho nocturno das mulheres e nas indústrias
insalubres. Interdição do trabalho infantil. Interdição das horas
extraordinárias;
c) Redução da
jornada de trabalho dos jovens (jornada de seis horas no máximo para os
adolescentes até aos 18 anos). Reorganização socialista do trabalho dos jovens,
combinando a produção material com a instrução geral e política;
d) Seguros
sociais de todos os tipos (invalidez, velhice, acidentes, desemprego, etc.)
financiados pelo Estado (financiados pelo patronato na medida em que subsistam
empresas privadas) e geridos de modo completamente autónomo pelos segurados;
e) Amplas
medidas de sanidade social, assistência médica gratuita, luta contra as doenças
sociais (alcoolismo, doenças venéreas, tuberculose);
f) Igualdade
social dos sexos perante a lei e nos costumes, transformação radical da
legislação do casamento e da família, reconhecimento da maternidade como função
social, protecção da maternidade e da infância. Primeiras medidas tendentes ao
cuidado e à educação das crianças e da juventude pela sociedade (creches,
jardins e casas de infância, etc.). Criação de instituições permitindo reduzir
progressivamente o trabalho doméstico (restaurantes e lavandarias públicas),
luta sistemática, no domínio da cultura geral, contra a ideologia e as
tradições que sujeitam a mulher.
E. Habitação
a) Confiscação
da grande propriedade imobiliária;
b)
Transferência dos imóveis confiscados para os sovietes locais que assegurarão a
sua gestão;
c) Instalação
dos operários nos bairros burgueses;
c)
Colocação à
disposição das organizações operárias dos palácios e dos edifícios privados
mais importantes;
d)
e)
Realização de um vasto programa de construção de habitações.
F. Questões
nacional e colonial
a)
Reconhecimento do direito de todas as nacionalidades, sem distinção de raça,
disporem livremente de si próprias, incluindo a formação de estados
independentes;
b) Unificação e
centralização voluntárias das forças militares e económicas de todos os povos
libertos do capitalismo para a luta contra o imperialismo e a edificação da
economia socialista;
c) Luta
enérgica, por todos os meios, contra qualquer restrição ou limitação dos
direitos de um povo, de uma nacionalidade ou de uma raça, quaisquer que sejam.
Igualdade completa das nações e das raças;
d) Garantia de
desenvolvimento e apoio por todas as forças e todos os meios do Estado
soviético, da cultura nacional das nações libertas do capitalismo, prossecução
de uma política proletária perseverante no desenvolvimento do conteúdo destas
culturas;
e) Ampla
assistência ao desenvolvimento económico, político e cultural das «regiões» e
das «colónias» antes oprimidas, a fim de constituir aí bases sólidas de uma
igualdade nacional efectiva e completa;
f) Luta contra
todas as sobrevivências do chauvinismo, dos ódios nacionais, dos preconceitos
de raça e de todos os outros produtos da barbárie feudal e capitalista.
G. Meios de
influência ideológica
a)
Nacionalização das tipografias;
b) Monopolização
dos jornais e das edições;
c)
Nacionalização das grandes empresas de cinema, teatros, etc.;
d) Utilização
dos meios nacionalizados de «produção intelectual» para fins de larga instrução
política e geral dos trabalhadores e da edificação de uma nova cultura
socialista sobre uma base proletária de classe.
4. As bases da
política económica da ditadura do proletariado
No cumprimento
das diversas tarefas da ditadura do proletariado é preciso tomar em
consideração as seguintes regras:
1. A abolição
completa da propriedade privada do solo e a sua nacionalização não podem ter
lugar de forma imediata nos países capitalistas mais avançados, nos quais o
princípio da propriedade privada está profundamente enraizado nas grandes
massas camponesas. A nacionalização do solo não pode ser realizada nestes
países senão progressivamente, através de diversas medidas transitórias.
2. A
nacionalização da produção não deve estender-se, regra geral, às pequenas e
médias empresas (de camponeses, de artesãos, de pequenos e médios comerciantes,
etc.).
Primeiro, porque o proletariado deve
estabelecer uma distinção rigorosa entre a propriedade do simples produtor de
mercadorias, fundada sobre o seu próprio trabalho, e que é possível fazê-lo
entrar na via da edificação socialista, e a propriedade do capitalista,
explorador de outrem, cuja liquidação é condição indispensável de toda a
edificação do socialismo.
Segundo, porque o proletariado, chegado
ao poder, não possui forças organizadoras suficientes, sobretudo durante as
primeiras fases da ditadura, para destruir o capitalismo e organizar ao mesmo
tempo a ligação das unidades individuais de produção – pequenas e
médias – sobre
uma nova base socialista; estas pequenas explorações individuais (sobretudo as
explorações camponesas) só pouco a pouco serão integradas na via da organização
socialista geral da produção, graças ao apoio sistemático e poderoso que o
Estado proletário dará a todas as forças da sua colectivização. Toda a
tentativa de transformação do seu regime económico pela coacção, toda a
colectivização forçada só dará resultados negativos.
3. A existência
de um grande número de pequenas unidades de produção (em primeiro lugar de
explorações camponesas, de quintas, de oficinas de artesãos, de fundos do
pequeno comércio, etc.), não apenas nas colónias, semicolónias e países
economicamente atrasados, em que as massas pequeno-burguesas formam a
esmagadora maioria da população, mas também nos centros da economia capitalista
mundial (Estados Unidos, Alemanha e, até certo ponto, Inglaterra, tornam em
certa medida necessário, num primeiro grau de desenvolvimento, a manutenção do
mercado como forma da ligação económica, a manutenção do sistema
monetário, etc. A diversidade dos tipos económicos (desde a grande indústria
socializada à pequena produção artesanal e camponesa), que não pode deixar de
ser acompanhada pela sua luta, a diversidade das classes e agrupamentos de
classes que lhe correspondem, que têm estímulos económicos diversos na sua
actividade e que lutam pelos seus interesses económicos, enfim, a existência,
em todos os domínios da vida económica, de costumes e de tradições herdadas da
sociedade burguesa, que não podem desaparecer num ápice – exigem que a direcção
económica do proletariado combine em justas proporções, na base do mercado, a
grande indústria socialista e a pequena exploração de simples produtores de
mercadorias, realize, noutros termos, uma combinação susceptível de assegurar
simultaneamente o papel dirigente da indústria socialista e o máximo impulso da
massa principal das explorações camponesas. Quanto maior for a importância do
trabalho dos pequenos camponeses disseminados no conjunto da economia nacional,
maior é o papel do mercado, menor é a importância da gestão directa segundo um
plano estabelecido, maior é a dependência do planeamento geral da economia da
previsão das relações económicas espontâneas. Inversamente, quanto menor for o
peso da pequena economia na economia nacional, mais importante será a parte do
trabalho socializado, mais poderosa a massa dos meios de produção concentrados
e socializados e menor será a extensão do mercado, maior a importância do plano
geral em relação ao jogo espontâneo das leis de troca e mais importantes e
universalmente aplicáveis serão os métodos da gestão directa da produção e da
repartição conforme a um plano estabelecido.
As vantagens técnicas e económicas da grande indústria socializada, a
centralização por parte do Estado proletário de todas as alavancas de comando
da economia (indústria, transportes, grandes explorações agrícolas, bancos,
etc.), a gestão planificada da economia, o poder do Estado no seu conjunto
(orçamento, impostos, legislação administrativa e legislação geral) conduzem,
com a condição de que a ditadura do proletariado siga uma política justa – por
outras palavras, que compreenda exactamente as relações das forças sociais –, à
eliminação constante e sistemática dos vestígios do capital privado e dos novos
elementos capitalistas que, nas cidades como nos campos (camponeses ricos,
kulaques), nascem do desenvolvimento da simples produção mercantil, nas
condições criadas por uma liberdade de comércio mais ou menos ampla e pelo
mercado. A massa principal das explorações camponesas (isto é, de pequenas e
médias explorações) é, por outro lado, sistematicamente incorporada pela
cooperação e extensão das formas colectivas da agricultura no sistema geral do
socialismo em via de desenvolvimento. As formas e os métodos de actividade
económica, de aparência capitalista, ligadas às relações econômicas
do mercado
(cálculo do valor, retribuição do trabalho em dinheiro, compra e venda,
créditos e bancos, etc.) têm um papel de alavancas do socialismo, uma vez que
servem em maior medida as empresas de tipo socialista consequente, ou seja, o
sector socialista da economia.
Assim, as
relações económicas de mercado, nas condições da ditadura do proletariado e com
uma política justa por parte do Estado soviético, contêm no seu desenvolvimento
os germes da sua própria destruição: contribuindo para a eliminação do capital
privado, para a transformação da economia rural, para a centralização e a
concentração dos meios de produção nas mãos do Estado proletário, facilitam a
eliminação das relações económicas do mercado.
No caso
provável de uma intervenção militar dos capitalistas e de uma guerra
contra-revolucionária de longa duração contra a ditadura do proletariado, a
direcção económica deverá inspirar-se, antes de mais, nos interesses da defesa
da ditadura do proletariado; pode impor-se a necessidade de uma política
comunista económica de guerra (comunismo de guerra), que não é senão a
organização racional do consumo com vista à defesa, acompanhada de uma pressão
acrescida sobre os elementos capitalistas (confiscações, requisições, etc.), de
uma revogação mais ou menos completa das relações do mercado e de uma alteração
profunda dos estímulos individuais da pequena produção, num quadro de quebra
das forças produtivas do país. Esta política de «comunismo de guerra», minando
a base material dos inimigos da classe operária no interior do país,
assegurando a repartição racional dos stocks existentes, apoiando a
defesa armada da ditadura do proletariado e encontrando aí a sua justificação
histórica, não pode ser considerada como um sistema «normal» de política
económica da ditadura do proletariado.
5. A ditadura
do proletariado e as classes sociais
A ditadura do
proletariado continua a luta de classes em novas condições. É uma luta
tenaz, sangrenta e sem efusão de sangue, violenta e pacífica, militar e
económica, pedagógica e administrativa, contra as forças e as tradições da
antiga sociedade, contra os capitalistas externos, contra os restos das classes
exploradoras no interior do país, contra os rebentos de uma nova burguesia que
nasce da produção mercantil ainda não eliminada.
No período de liquidação
da guerra civil, a luta de classes obstinada continua sob novas formas e, antes
de mais, sob a forma da luta entre os vestígios e os novos rebentos dos velhos
sistemas económicos, por um lado, e as formas socialistas da economia, por
outro. As próprias formas dessa luta modificam-se nas diferentes etapas do
desenvolvimento socialista, em cujo início podem revestir uma certa aspereza.
No início da
ditadura do proletariado, a política do proletariado em relação às outras
classes e grupos sociais do país é determinada pelos seguintes princípios:
1. A grande
burguesia e os grandes latifundiários, os oficiais de carreira devotados a
essas classes, os generais e a alta burocracia são inimigos irredutíveis da
classe operária; contra eles a luta é mais implacável. A utilização das
capacidades de organização de uma determinada parte deles não é possível, regra
geral, senão depois da consolidação da ditadura do proletariado e da repressão
decisiva de todas as conspirações e sublevações dos exploradores.
2. No que respeita aos intelectuais-técnicos educados nas
tradições burguesas, cujas camadas superiores se encontram estreitamente
ligadas aos postos de comando do capital,
o proletariado,
ao mesmo tempo que reprime com toda a energia qualquer veleidade de movimento
contra-revolucionário dos intelectuais hostis, deve ter em conta a necessidade
de utilizar esta força social qualificada na obra da edificação socialista e
encorajar por todos os meios os neutros e mais ainda aqueles que simpatizam com
a revolução operária. O proletariado, desenvolvendo as perspectivas da
edificação económica, técnica e cultural do socialismo em toda a sua amplitude,
esforça-se sistematicamente por conquistar os intelectuais-técnicos, por
submetê-los à sua influência ideológica e assegurar a sua estreita colaboração
na obra de transformação social.
3. A tarefa do
Partido Comunista relativamente aos camponeses consiste em ganhar para a
sua causa, apoiando-se no proletariado rural, todas as populações exploradas e
laboriosas dos campos. Estabelecendo uma distinção entre as diversas camadas
camponesas e tendo em conta a sua importância respectiva, o proletariado
vitorioso deve apoiar por todos os meios os camponeses pobres e os
semi-proletários dos campos, entregar-lhes uma parte das terras dos grandes
latifundiários, facilitar a sua luta contra o capital usurário, etc. O
proletariado deve ainda neutralizar os camponeses médios e reprimir toda a
resistência da burguesia rural aliada aos latifundiários. O proletariado, à
medida que consolida a sua ditadura e desenvolve a edificação socialista, deve
passar de uma política de neutralização da massa dos camponeses médios a uma
política de aliança duradoura com esta, sem nunca admitir alguma partilha do
poder. Isto porque a ditadura do proletariado exprime o facto de que apenas os
operários industriais estão capacitados para dirigir o conjunto dos
trabalhadores; monopólio proletário do poder, ela é, por outro lado, uma forma
particular da aliança do proletariado, vanguarda dos trabalhadores, contra o
capital para consumar o seu derrubamento irreversível, para reprimir a fundo a
resistência e as tentativas de restauração da burguesia e para instaurar e
consolidar o socialismo.
4. A pequena
burguesia das cidades, oscilando sempre entre a reacção mais negra e a
simpatia pelo proletariado, deve igualmente ser neutralizada e, tanto quanto
possível, conquistada pelo proletariado. Atinge-se tal finalidade, conservando
a sua pequena propriedade e uma certa liberdade de transacções económicas,
libertando-a do jugo do crédito usurário, assegurando-lhe o apoio múltiplo do
proletariado na luta contra todas as formas da opressão capitalista.
6. As
organizações de massas no sistema da ditadura do proletariado
Os objectivos e as funções das organizações de massas – e em primeiro lugar das organizações operárias
– mudam radicalmente no cumprimento de todas estas tarefas da ditadura
proletária. Os sindicatos, organizações operárias de massas nas quais se
organizam e se educam pela primeira vez as camadas mais amplas do proletariado,
são, em regime capitalista, o principal instrumento da luta através da greve,
depois pela acção de massas contra o capital dos trusts e do seu Estado.
Transformam-se sob a ditadura proletária em alavanca essencial da ditadura,
numa escola do comunismo que arrasta as grandes massas do proletariado na obra
de gestão socialista da indústria, em organizações directamente ligadas
a todos os órgãos do Estado, agindo em todos os ramos da sua actividade,
defendendo ao mesmo tempo os interesses permanentes e imediatos da classe
operária e combatendo as deformações burocráticas dos órgãos do Estado
soviético. Os sindicatos fornecem quadros dirigentes da edificação, trazem para
esse trabalho as grandes camadas do proletariado e lutam contra as deformações
burocráticas que nascem inevitavelmente da influência das classes estranhas ao
proletariado e da insuficiente cultura
de massas, e
formam assim a estrutura das organizações económicas e sociais do proletariado.
As cooperativas
operárias, a despeito das utopias reformistas, são condenadas no regime
capitalista a um papel relativamente modesto. Subjugadas pelas condições gerais
do sistema capitalista e da política reformista dos seus dirigentes, elas
degeneram frequentemente em apêndice do regime; sob a ditadura do proletariado
podem tornar-se e tornar-se-ão partes constitutivas essenciais do aparelho de
repartição.
Por fim, a
cooperação agrícola dos camponeses (cooperativas de venda, de compra, de
crédito, de produção) pode e deve – se for bem dirigida, se combater
sistematicamente os elementos capitalistas e assegurar a participação efectiva
da grande massa dos camponeses trabalhadores que apoiam o proletariado –
tornar-se uma das formas de organização fundamentais ligando a cidade ao campo.
As associações cooperativas formadas pelos camponeses e que nas condições do
capitalismo – na medida em que forem viáveis – se transformam, na sua maioria,
em empresas capitalistas (colocadas sob a dependência da indústria capitalista,
dos bancos capitalistas, do meio económico capitalista em geral, e dirigidas
por reformistas, pela burguesia rural e por vezes mesmo por latifundiários), em
regime de ditadura proletária transformam-se num sentido completamente diverso;
elas dependem da indústria proletária, dos bancos proletários, etc. Se o
proletariado seguir uma política justa, se os elementos capitalistas forem
sistematicamente combatidos na cooperação como fora dela, se a indústria
socialista exercer o seu papel dirigente, a cooperação agrícola torna-se uma
das principais alavancas da transformação socialista dos campos e da
colectivização da agricultura. As cooperativas de consumo, e mais
particularmente as cooperativas agrícolas dirigidas pela burguesia e pelos seus
agentes sociais-democratas, podem ser, pelo menos ao princípio, em certos
países, focos de actividade contra-revolucionária e de sabotagem da edificação
económica e da revolução operária.
O proletariado
assegura a união da vontade e da acção em todo o trabalho da luta e da
edificação dos seus mais diversos organismos, chamados a constituir as
alavancas do Estado soviético e a ligá-lo às grandes massas de todas as camadas
da classe operária através do papel dirigente do Partido Comunista no
sistema da ditadura do proletariado.
O partido do
proletariado apoia-se directamente nos sindicatos e nas outras
organizações que englobam as massas operárias e, por seu intermédio, os
camponeses (sovietes, cooperativas, juventudes comunistas, etc.). Com estas
alavancas, ele dirige o conjunto do sistema. O proletariado não poderá cumprir
o seu papel de organizador da nova sociedade senão graças ao apoio abnegado e
absoluto ao poder dos sovietes por parte de todas as organizações de massas
animadas de uma vontade de classe inteiramente unânime dirigida pelo partido.
7. A ditadura
do proletariado e a revolução cultural
Este papel de organizador da nova sociedade supõe, no domínio da cultura geral, o
amadurecimento cultural do próprio proletariado, uma transformação da sua
própria natureza pelos seus próprios esforços, a formação incessante nas suas
fileiras de novos quadros de militantes susceptíveis de assimilar todos os
recursos da ciência, da técnica e da administração e de os pôr ao serviço da
edificação do socialismo e da nova cultura socialista.
Se a revolução burguesa,
consumada contra o feudalismo, pressupunha a existência no próprio seio do
antigo regime de uma nova classe superior, pela sua maturidade cultural, à
classe dominante e exercendo já a hegemonia na vida económica, a revolução proletária
desenvolve-se noutras condições. Explorada no plano económico, oprimida no
plano político, esmagada no domínio da cultura no regime capitalista, a
classe operária não se transforma ela própria senão no período de transição, depois
de ter conquistado o poder, destruindo o monopólio burguês da instrução,
assimilando a ciência, aproveitando as lições da mais vasta obra edificadora. A
formação de uma consciência comunista de massas e a realização do socialismo
exige uma transformação das massas humanas só possível pela acção prática,
pela revolução; a revolução é portanto necessária não apenas porque a classe dominante
não pode ser derrubada por nenhum outro meio, mas também porque a classe
que a derruba não pode sair das margens lamacentas da velha sociedade e
tornar-se capaz de criar a nova sociedade senão pela revolução.
A classe
operária, abolindo o monopólio dos meios de produção, deve igualmente abolir o
monopólio burguês da instrução, isto é, apoderar-se de todas as escolas,
mesmo das escolas superiores. A preparação, no seio da classe operária de
especialistas da produção (engenheiros, técnicos, organizadores, etc.,), de
especialistas militares, de cientistas, de artistas, etc., é tarefa de
particular importância para a causa do proletariado, à qual é necessário juntar
o desenvolvimento geral da cultura das massas proletárias, da sua
instrução política, do aumento dos seus conhecimentos e da sua qualificação
técnica, da criação entre elas de hábitos de trabalho social e administrativo,
da luta contra os vestígios dos preconceitos burgueses e pequeno-burgueses,
etc.
Só na medida em
que o proletariado forme as suas próprias forças de vanguarda para colocá-las
em todos os «postos de comando» da cultura e da edificação socialista, só na
medida em que as suas forças crescerem arrastando consigo novos elementos da
classe operária no processo de transformação revolucionária da cultura, e
suprimirem assim, pouco a pouco, no seio da própria classe operária a divisão
entre elementos «avançados» e atrasados» é que o sucesso da edificação vitoriosa
do socialismo será assegurado e garantido contra a gangrena burocrática e a
degenerescência da classe operária.
Mas o
proletariado transforma também, no decurso da revolução, as outras classes,
os numerosos elementos da pequena burguesia das cidades e dos campos, em
primeiro lugar e muito especialmente os trabalhadores camponeses. Fazendo
acorrer as grandes massas à revolução cultural, conduzindo-as para a edificação
socialista, unindo-as e educando-as no espírito comunista por todos os meios à
sua disposição, lutando energicamente contra todas as ideologias
antiproletárias e corporativas, combatendo obstinadamente e sistematicamente o
obscurantismo dos campos, a classe operária prepara (na base do desenvolvimento
das formas colectivas da economia) a eliminação da divisão da sociedade em
classes.
Entre os objectivos da revolução cultural que interessam às mais amplas
massas, a luta contra a religião, esse ópio dos povos, ocupa um lugar
especial; esta luta deve prosseguir inflexível e sistematicamente. O poder
proletário deve suprimir todo o apoio do Estado à Igreja, agente das classes
dominantes, pôr termo a qualquer intervenção da Igreja na educação e no ensino
organizados pelo Estado e reprimir sem piedade a actividade
contra-revolucionária das organizações eclesiásticas. O poder proletário,
admitindo a liberdade religiosa e abolindo os privilégios da religião
anteriormente dominante, pratica ao mesmo tempo por todos os meios ao seu
alcance, uma activa propaganda anti-religiosa e reconstrói todo o ensino e toda
a educação na base da concepção científica materialista do mundo.
8. A luta pela
ditadura mundial do proletariado e os principais tipos de revoluções
A revolução
proletária internacional resulta de processos diversos e não simultâneos:
revoluções proletárias propriamente ditas; revoluções de tipo
democrático-burguês que se transformam em revoluções proletárias; guerras de
emancipação nacional, revoluções coloniais. Só em última instância é que
o processo revolucionário termina na ditadura mundial do proletariado.
A desigualdade
do desenvolvimento capitalista, acentuada no período imperialista, gerou a
diversidade dos tipos de capitalismo de amadurecimento desigual nos diversos
países e as condições diversas e específicas do processo revolucionário. As
circunstâncias tornam historicamente inevitável a diversidade das vias e do
ritmo da conquista do poder pelo proletariado; elas tornam necessárias em
diversos países certas etapas transitórias para a ditadura do proletariado, bem
como a diversidade das formas do socialismo em via de construção.
A diversidade
das condições e das vias que conduzem à ditadura do proletariado nos diferentes
países pode ser esquematicamente reduzida a três tipos principais.
Países do
capitalismo altamente desenvolvido (Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra,
etc.) possuindo poderosas forças produtivas, uma produção fortemente
centralizada em que a pequena economia tem uma importância relativamente
pequena, gozando de um regime político de democracia burguesa há muito tempo formado.
Nestes países, a passagem directa à ditadura do proletariado é a principal
reivindicação política do programa. No domínio económico, os pontos essenciais
são: a expropriação de toda a grande produção, a organização de um grande
número de empresas agrícolas soviéticas de Estado e, inversamente, a entrega de
uma parte relativamente pequena de terras aos camponeses; uma dimensão
relativamente reduzida das relações económicas espontâneas de mercado; um ritmo
elevado da evolução socialista em geral e da colectivização da economia
camponesa em particular.
Países de desenvolvimento capitalista médio (Espanha, Portugal, Polónia, Hungria, Balcãs,
etc.) que conservam vestígios bastante importantes do regime semi-feudal na
agricultura, possuem no entanto um certo mínimo de condições materiais
indispensáveis à edificação socialista, mas não têm ainda concluída a sua
transformação democrática-burguesa. Em alguns destes países, uma
transformação mais ou menos rápida da revolução democrático-burguesa em
revolução socialista é possível; noutros, são possíveis diversos tipos
de revoluções proletárias, tendo no entanto que levar a cabo tarefas de
carácter burguês-democrático de grande amplitude. Aqui, a ditadura do
proletariado pode portanto não se estabelecer de imediato; institui-se no
decurso da transformação da ditadura democrática do proletariado e dos
camponeses em ditadura socialista do proletariado; quando a revolução reveste
imediatamente um carácter proletário, pressupõe a direcção pelo proletariado de
um amplo movimento camponês-agrário; a revolução agrária tem aí, em geral, um
grande papel, por vezes decisivo; no decurso da expropriação da grande
propriedade fundiária, uma grande parte das terras confiscadas são colocadas à
disposição dos camponeses; as relações económicas do mercado conservam uma
grande importância a seguir à vitória do proletariado; trazer os camponeses à
cooperação, depois agrupá-los em associações de produção é uma das tarefas mais
importantes da edificação socialista. O ritmo desta edificação é relativamente
lento.Países coloniais e semicoloniais (China, Índia, etc.) e países
dependentes (Argentina, Brasil e outros) possuindo um embrião de indústria,
por vezes mesmo uma indústria desenvolvida, insuficiente embora, na maioria dos
casos,
para a
edificação independente do socialismo; países em que predominam as relações
sociais da Idade Média feudal ou o «modo asiático de produção», tanto na vida
económica como na sua superestrutura política; países, enfim, em que as
principais empresas industriais, comerciais, bancárias, os principais meios de
transporte, os maiores latifúndios, as maiores plantações, etc., se encontram
nas mãos de grupos imperialistas estrangeiros. Aqui têm uma importância
primordial, por um lado, a luta contra o feudalismo, contra as formas
pré-capitalistas de exploração e a consequente revolução agrária e, por outro
lado, a luta contra o imperialismo estrangeiro, pela independência nacional. A
passagem à ditadura do proletariado só é possível nestes países, regra geral,
depois de uma série de etapas preparatórias, esgotado todo um período de
transformação da revolução burguesa-democrática em revolução socialista, sendo
que o sucesso da edificação socialista é, na maior parte dos casos,
condicionado pelo apoio directo dos países de ditadura proletária.
Nos países
ainda mais atrasados (em determinadas partes de África, por exemplo), em
que quase não existem operários assalariados, em que a maioria das populações
vive em tribos, ou ainda subsistem formas primitivas de organização social,
onde quase não há burguesia nacional, onde o imperialismo estrangeiro tem,
antes de mais, um papel de ocupação militar para se apoderar das terras, a luta
pela emancipação nacional encontra-se em primeiro plano. A insurreição nacional
e a sua vitória podem aqui abrir a via para uma evolução no sentido do
socialismo sem passar pelo estado do capitalismo se uma ajuda efectiva e
poderosa for prestada pelos países de ditadura proletária.
Assim, a época
em que a conquista do poder pelo proletariado está na ordem do dia nos países
capitalistas avançados, em que a ditadura do proletariado já existe na URSS e
constitui um factor de importância mundial, os movimentos de libertação dos
países coloniais e semicoloniais, suscitados pela penetração do capital mundial,
podem chegar, apesar da insuficiente maturidade das relações sociais destes
países, considerados isoladamente, ao desenvolvimento socialista graças à
ajuda e apoio da ditadura do proletariado e do movimento proletário
internacional em geral.
9. A luta pela
ditadura mundial do proletariado e a revolução colonial
As condições
particulares da luta revolucionária nos países coloniais e semicoloniais, a
inevitabilidade de um longo período de lutas pela ditadura democrática do
proletariado e finalmente a importância decisiva dos factores nacionais impõem
aos partidos comunistas destes países tarefas particulares que constituem o
degrau preparatório para a ditadura do proletariado. Entre estas a
Internacional Comunista designa como principais tarefas as seguintes:
1. Derrubamento
da dominação do imperialismo estrangeiro, dos feudais e da burocracia agrária.
2.
Estabelecimento de uma ditadura democrática do proletariado e dos camponeses na
base dos sovietes.
3. Completa
dependência nacional e formação do Estado nacional.
4. Anulação das dívidas do Estado.
5. Nacionalização das grandes empresas
(indústrias, transportes, bancos, etc.) pertença dos imperialistas.
6. Confiscação
dos domínios pertencentes aos grandes latifundiários, às igrejas e aos
mosteiros. Nacionalização do solo.
7. Jornada de 8
horas de trabalho.
8. Organização
de um exército revolucionário operário e camponês.
No decurso do
alargamento e da intensificação da luta nas colónias e semicolónias onde o
proletariado tem um papel dirigente e predominante (a sabotagem por parte da
burguesia implicará a confiscação das empresas dos elementos sabotares, levando
inevitavelmente à nacionalização da grande indústria), a revolução
democrática-burguesa transformar-se-á em revolução proletária. Nos países onde
não existe proletariado, o derrubamento do poder dos imperialistas deve
significar a organização do poder dos sovietes populares (de camponeses) e a
confiscação a favor do Estado das empresas e das terras na posse dos
estrangeiros.
Do ponto de
vista da luta contra o imperialismo e da conquista do poder pela classe
operária, as revoluções coloniais e os movimentos de libertação têm um enorme
papel. A importância das colónias e das semicolónias no período de transição
resulta igualmente do facto de elas serem, de certo modo, a região rural do
mundo em contraponto aos países industriais que representam o papel da cidade
mundial; a organização da economia socialista mundial e a coordenação
nacional da indústria e da agricultura dependem em larga medida da atitude para
com as antigas colónias do imperialismo. A realização de uma aliança
fraterna e combativa com as massas trabalhadoras das colónias é portanto um dos
objectivos principais do proletariado industrial do mundo que exerce a
hegemonia da direcção na luta contra o imperialismo.
O curso da
revolução mundial, que arrasta os operários das metrópoles na luta pela
ditadura do proletariado, levanta igualmente centenas de milhões de operários e
de camponeses coloniais contra o imperialismo estrangeiro. Dada a existência de
centros do socialismo organizado nas repúblicas soviéticas e o crescimento do
seu poder económico, as colónias desligadas do imperialismo aproximam-se e
juntam-se gradualmente aos focos económicos industriais do socialismo mundial,
são levadas no leito da edificação socialista, evitando a fase do
desenvolvimento capitalista como sistema dominante, e obtêm a possibilidade de
um progresso económico e cultural rápido. Agrupando-se politicamente em redor
dos centros da ditadura do proletariado, os sovietes operários e camponeses das
antigas colónias mais desenvolvidas integram-se no sistema em alargamento da
federação das repúblicas soviéticas e, pelo mesmo caminho, no sistema mundial
da ditadura do proletariado.
O socialismo,
como novo modo de produção, adquire assim no seu desenvolvimento uma
envergadura mundial.
V. A ditadura
do proletariado na URSS
e a revolução
socialista mundial
1. A edificação
do socialismo na URSS e a luta de classes
A divisão da economia mundial
entre países do capitalismo e países que constróem o socialismo é a principal
manifestação da profunda crise do sistema capitalista. A consolidação interna
da ditadura do proletariado na URSS, os sucessos da edificação socialista, a
influência e a autoridade crescente da URSS entre as massas proletárias e os
povos oprimidos das colónias significam por consequência a continuação, o
reforço e o desenvolvimento da revolução socialista mundial.
Dispondo no
próprio país as premissas materiais necessárias e suficientes, não somente ao
derrubamento dos latifundiários e da burguesia mas também à edificação do
socialismo integral, os operários das repúblicas soviéticas, ajudados pelo
proletariado internacional, repeliram heroicamente as agressões das forças
armadas da contra-revolução interna e externa, consolidaram a sua aliança com
as grandes massas camponesas e obtiveram consideráveis sucessos no domínio da
edificação socialista.
O correcto
relacionamento da indústria socialista proletária com a pequena economia rural,
garantindo tanto o crescimento das forças produtivas da agricultura como o
papel dirigente da indústria socialista; a articulação desta indústria com a
agricultura, em detrimento da produção capitalista para o consumo improdutivo
das classes parasitárias; a produção visando não o lucro capitalista mas a
satisfação das necessidades em rápido crescimento das massas, o que constitui
no final de contas um poderoso estímulo à produção; enfim, a grande
concentração das principais alavancas de comando económico nas mãos do Estado
proletário, a importância crescente da direcção planificada, de que resulta uma
economia e uma melhor repartição dos meios de produção, são outros tantos
factores que dão ao proletariado a possibilidade de avançar rapidamente na via
da edificação socialista.
Elevando as
forças produtivas de toda a economia, prosseguindo inflexivelmente uma política
de industrialização da URSS, cujo ritmo acelerado é ditado por toda a situação
internacional e interna, o proletariado da URSS, apesar das tentativas
reiteradas de boicote financeiro e económico de que é objecto por parte das
potências capitalistas, aumenta sistematicamente a importância do sector
socializado (socialista) da economia nacional, tanto no domínio dos meios de
produção como nos da produção global e da circulação das mercadorias. A
indústria, os transportes e o sistema bancário estatal socialista arrastam
assim, sem cessar, cada vez mais, na sua esteira a pequena economia rural sobre
a qual agem através das alavancas do comércio do Estado e da cooperação em
rápido crescimento, nas condições determinadas pela nacionalização do solo e
pelo impulso da industrialização.
Na agricultura,
em particular, o crescimento das forças produtivas decorre em condições que
limitam a diferenciação social dos camponeses (nacionalização do solo e, por
consequência, interdição de comprar e de vender terras, impostos fortemente
progressivos, crédito à cooperação dos camponeses pobres e às suas associações
de produção, legislação reguladora do emprego de mão-de-obra assalariada,
supressão de certos direitos políticos e sociais aos camponeses ricos –
kulaques – organização de camponeses pobres, etc.). Mas não se encontrando
ainda suficientemente desenvolvidas as forças produtivas da indústria
socialista para dotar amplamente a agricultura de uma nova técnica e reunir
rapidamente as explorações camponesas em grandes explorações agrícolas
colectivas, os kulaques aumentam em determinado número e estabelecem uma
ligação, primeiro económica, depois política, com os elementos da «nova
burguesia».
Tendo nas suas mãos as posições estratégicas dominantes da vida
económica; desalojando sistematicamente os vestígios do capital privado urbano,
cuja importância foi sensivelmente reduzida no decurso do último período da
«nova política económica»; limitando por todos os meios a acção dos
exploradores da população rural, que brotam do desenvolvimento das relações
mercantis e monetárias; apoiando as propriedades do Estado e encorajando a sua criação;
envolvendo as restantes massas dos simples produtores mercantis camponeses no
sistema geral da organização económica soviética e, por
consequência,
na obra da edificação socialista por meio da cooperação, cujos progressos
rápidos, em regime de ditadura do proletariado e sob a direcção económica da
indústria socialista, se identificam com o impulso do socialismo; passando do
período de reconstrução ao da reprodução alargada de toda a base
técnico-produtiva do país, o proletariado da URSS coloca perante si a tarefa –
e iniciou já a sua realização – da construção de um vasto programa de obras
públicas (produção de meios de produção em geral, indústria pesada e, muito em
particular, electrificação) e, paralelamente ao desenvolvimento contínuo da
cooperação na venda, compra e crédito, a tarefa da organização cada vez mais ampla
dos camponeses em cooperativas de produção, concebidas numa base colectivista
com o apoio material por parte do Estado proletário.
O socialismo,
que é já o factor decisivo do desenvolvimento da economia da URSS, regista
assim grandes progressos e ultrapassa, por um esforço sistemático, as
dificuldades suscitadas pelo carácter pequeno-burguês do país e ligadas ao
agravamento momentâneo dos antagonismos de classes.
A necessidade
do reequipamento da indústria e da realização de grandes obras de construção
coloca sérias dificuldades ao desenvolvimento do socialismo, que se explicam,
em última instância, pelo estado atrasado da tecnologia e da economia do país e
pelas devastações de anos de guerra imperialista e de guerra civil. No entanto,
apesar disso, o nível de vida da classe operária e das grandes massas
laboriosas eleva-se constantemente e, a par da racionalização socialista e da
organização científica da indústria, a jornada de 7 horas é gradualmente
introduzida. Estão assim criadas novas perspectivas de melhoria das condições
de trabalho e de vida da classe operária.
Unida sob a direcção de um Partido Comunista temperado pelas lutas
revolucionárias, apoiada nos campos pelos camponeses pobres, solidamente aliada
às massas de camponeses médios e combatendo sem desfalecimento os kulaques, a
classe operária arrasta massas cada vez mais amplas de dezenas de milhões de
trabalhadores para a obra de edificação do socialismo, na base do crescimento
económico da URSS e da importância crescente do sector socialista da sua
economia. Os principais meios para atingir esse objectivo são: o
desenvolvimento de grandes organizações de massas (o partido como força
dirigente, os sindicatos, alicerce do regime da ditadura do proletariado, a
Juventude Comunista, todos os tipos de cooperação, as organizações de mulheres,
operárias e camponesas, as diversas associações de voluntários, as organizações
de correspondentes operários e camponeses da imprensa, as organizações
desportivas, científicas, de instrução e cultura), o alargamento por todos os
meios da iniciativa das massas, a promoção de operários para postos de
responsabilidade em todos os órgãos económicos e administrativos. O
envolvimento incessante e crescente das massas na edificação do socialismo, a
renovação constante do aparelho de Estado, dos órgãos económicos, dos
sindicatos e do partido com novos quadros proletários, a formação sistemática
de operários e mais particularmente de jovens operários em estabelecimentos de
ensino superior, em cursos especiais, etc., tornando-os em novos quadros
técnicos socialistas em todos os ramos da edificação – tais são as principais
garantias contra a burocratização e contra a degenerescência social dos quadros
proletários dirigentes.
2. A
importância da URSS. As suas obrigações revolucionárias internacionais
Esmagado o
imperialismo russo, emancipadas as antigas colónias e as nacionalidades
oprimidas pelo império tsarista, a ditadura do proletariado assegura a
igualdade não apenas formal mas também efectiva das diversas nacionalidades da
União, lançando uma base sólida para o seu desenvolvimento cultural e político
mediante a industrialização dos seus territórios, consagrando na Constituição
da União os direitos das regiões e das repúblicas federadas e realizando
integralmente o direito das nações a dispor de si próprias.
País da
ditadura do proletariado e da edificação do socialismo, país das imensas
conquistas da classe operária, da aliança dos operários e dos camponeses e de
uma nova cultura em desenvolvimento sob a bandeira do marxismo, a URSS torna-se
necessariamente na base do movimento mundial das classes oprimidas, no foco da
revolução internacional e no maior factor da história do mundo.
O proletariado
de todos os países encontra pela primeira vez na URSS uma verdadeira pátria, e
os movimentos nas colónias um poderoso centro de atracção.
A URSS é assim,
no meio da crise geral do capitalismo, um factor dos mais importantes, não
somente porque, desligada do sistema capitalista mundial, colocou os
fundamentos de um novo sistema económico socialista, mas também porque tem um
papel revolucionário, de uma importância excepcionalmente grande: o papel de
motor internacional da revolução proletária, que incita os proletários de todos
os países à conquista do poder; o papel de exemplo vivo de que a classe
operária é capaz não só de destruir o capitalismo, mas também de edificar o
socialismo; o papel de protótipo das relações fraternas de todas as
nacionalidades no seio da União Mundial das Repúblicas Socialistas Soviéticas e
da união dos trabalhadores de todos os países no sistema económico mundial
único do socialismo que o proletariado estabelecerá depois da conquista do
poder.
A existência
simultânea de dois sistemas económicos, o sistema socialista da URSS e o
sistema capitalista dos outros países, impõe ao Estado proletário o dever de
repelir os ataques do mundo capitalista (boicote, bloqueio, etc.), de manobrar
no domínio económico e de utilizar as relações económicas com os países
capitalistas (através do monopólio do comércio externo, que constitui uma das
condições essenciais de uma edificação socialista eficaz, através dos créditos,
empréstimos, concessões, etc.). Trata-se em primeiro lugar e principalmente de
estabelecer relações mais amplas quanto possível com o estrangeiro, na condição
de que sejam vantajosas para a URSS, sobretudo para a consolidação da sua
indústria, para o lançamento das bases de uma indústria pesada própria e da
electrificação e, finalmente, para a criação de uma indústria socialista de
construção de máquinas. Só na medida em que esta independência económica da
URSS for assegurada nas condições do cerco capitalista, se criará uma sólida
garantia contra a ameaça de destruição da obra de edificação socialista e
contra a sua submissão ao sistema capitalista mundial.
Os estados
capitalistas, apesar de estarem interessados no mercado da URSS, oscilam
constantemente entre os interesses comerciais e o temor do crescimento da URSS,
o qual significa também o crescimento da revolução mundial. A tendência para o
cerco à URSS e para a guerra contra-revolucionária com vista a restaurar um
regime universal de terrorismo burguês constitui a tendência principal e
fundamental da política das potências capitalistas.
Todavia, as tentativas
sistemáticas de cerco político da URSS e o perigo crescente de uma agressão não
impedirão o PC da URSS(b), secção da Internacional Comunista, dirigente da
ditadura do proletariado na URSS, de cumprir os seus deveres internacionais e
de apoiar todos os oprimidos: o movimento operário dos países capitalistas, o
movimento dos povos coloniais contra o imperialismo, a luta contra todas as
formas de opressão nacional.
3. As
obrigações do proletariado internacional em relação à URSS
O proletariado
internacional, do qual a URSS é a única pátria, trincheira das suas conquistas,
factor essencial da sua libertação internacional, tem como dever contribuir
para o sucesso da edificação do socialismo na URSS e de defendê-la por todos os
meios contra os ataques das potências capitalistas.
«A situação
política mundial colocou agora na ordem do dia a ditadura do proletariado e
todos os acontecimentos da política mundial se concentram inevitavelmente em
torno de um ponto central, a saber: a luta da burguesia mundial contra a
República dos Sovietes na Rússia, que agrupa necessariamente em torno de si,
por um lado, os movimentos soviéticos dos operários avançados de todos os
países e, por outro, todos os movimentos de libertação nacional das colónias e
das nacionalidades oprimidas.» (Lénine)9
No caso de
agressão dos estados imperialistas e de guerra contra a URSS, o proletariado
internacional deve responder com as mais audaciosas e mais resolutas acções de
massas e a luta pelo derrubamento dos governos imperialistas sob a palavra de
ordem da ditadura do proletariado e da aliança com a URSS.
Nas colónias, e
mais particularmente naquelas do país imperialista agressor da URSS, é
necessário utilizar a dispersão das forças armadas do imperialismo para
desenvolver ao mais alto grau a luta anti-imperialista e organizar acções
revolucionárias com vista ao derrubamento do jugo do imperialismo e à conquista
da completa independência.
O
desenvolvimento do socialismo na URSS e o crescimento da sua influência
internacional mobilizam contra ela o ódio das potências capitalistas e dos seus
agentes da social-democrata, mas suscitam, por outro lado, as mais vivas
simpatias das grandes massas de trabalhadores do mundo inteiro e fazem nascer
nas classes oprimidas a firme vontade de combater por todos os meios, em caso
de agressão imperialista, pelo país da ditadura do proletariado.
Assim, o
desenvolvimento das contradições da economia mundial, o desenvolvimento da
crise geral do capitalismo e a agressão imperialista contra a URSS conduzirão
infalivelmente a uma poderosa explosão revolucionária que enterrará o
capitalismo nos países «civilizados», desencadeará a revolução vitoriosa nas
colónias, alargará imensamente a base da ditadura do proletariado e constituirá
desta forma um grande passo no sentido da vitória definitiva do socialismo no
mundo.
9 «Teses para o II
Congresso da Internacional Comunista», Junho de 1920, V.I. Lénine, Obras
Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!», Lisboa, 1979, Tomo III, pág.
352. (N. Ed.)
VI. A
estratégia e a táctica da Internacional Comunista
na luta pela
ditadura do proletariado
1. As
ideologias hostis ao comunismo no seio da classe operária
O comunismo
revolucionário defronta-se, na luta contra o capitalismo pela ditadura do
proletariado, com numerosas tendências no seio da classe operária, expressando
em grau mais ou menos elevado a subordinação ideológica à burguesia
imperialista ou à pressão ideológica sobre o proletariado, da pequena e média
burguesia que se insurge de tempos a tempos contra o duro regime do capital
financeiro, mas é incapaz de seguir uma estratégia e uma táctica firmes,
fundadas num pensamento científico e de travar a luta com a organização e
estrita disciplina que são próprias ao proletariado.
O formidável
poder social do Estado imperialista e de todas as suas instituições auxiliares
– escola, imprensa, teatro, igreja – traduz-se antes de mais na classe operária
pela existência de tendências confessionais e reformistas, obstáculo
principal à revolução socialista do proletariado.
As tendências
confessionais da classe operária, tingidas de religião, encontram a sua
expressão nos sindicatos confessionais, muitas vezes ligados às
organizações políticas correspondentes da burguesia e colados a uma ou outra
organização clerical da classe dominante (sindicatos católicos, juventudes
cristãs, organizações sionistas e outras). Todas estas tendências, que
manifestam com clareza a sujeição ideológica de certos meios proletários, têm
muitas vezes um aspecto romântico feudal. Sancionando em nome da religião todas
as infâmias do regime capitalista e aterrorizando os seus fiéis pela ameaça dos
castigos de além-túmulo, os dirigentes dessas organizações formam no seio do
proletariado a ala dos agentes mais reaccionários da classe inimiga.
O reformismo
«socialista» contemporâneo constitui o aspecto comercial, cínico, laico e
imperialista da submissão ideológica do proletariado à influência da burguesia.
Tomando os seus mandamentos das tábuas da lei imperialista, o reformismo
«socialista» tem, nos nossos dias, o seu modelo acabado, conscienciosamente
anti-socialista e francamente contra-revolucionário, na Federação Americana do
Trabalho. A ditadura «ideológica» da burocracia sindical americana
perfeitamente domesticada, exprimindo ela própria a ditadura «ideológica» do
dólar, tornou-se, por intermédio do reformismo inglês e dos socialistas
monárquicos do Labour Party, parte integrante essencial da teoria e da
prática da social-democracia internacional e dos dirigentes da Internacional de
Amsterdão. Os chefes da social-democracia alemã e austríaca limitam-se a
embrulhar as mesmas teorias numa fraseologia marxista servindo para dissimular
a sua traição completa ao marxismo.
O reformismo
«socialista», inimigo principal do comunismo revolucionário no movimento
operário, que possui uma larga base de organização nos partidos sociais-democratas
e, por seu intermédio, nos sindicatos reformistas, manifesta-se em toda a sua
política e toda a sua teoria como uma força dirigida contra a revolução
proletária.
Em política externa, os partidos sociais-democratas participaram
na guerra imperialista sob a bandeira da «defesa nacional». A expansão do
Estado imperialista e a «política colonial» têm o seu apoio em todos os
momentos; a orientação para a «santa aliança» contra-revolucionária das
potências imperialistas (Sociedade das Nações), a predicação do
«super-imperialismo», a mobilização das massas sob palavras de ordem
pseudo-pacifistas, o apoio activo aos manejos e preparativos de guerra do
imperialismo contra a URSS, tais são os traços característicos da política
externa do reformismo.
Em política
interna, a social-democracia atribui-se como tarefa apoiar o regime
capitalista e colaborar com ele. Apoio sem reservas à racionalização e à
estabilidade do capitalismo, paz de classes, «paz industrial», política de
integração das organizações operárias nas organizações patronais e no Estado
imperialista espoliador, aplicação da «democracia económica», que na realidade
é apenas a subordinação completa ao capital dos trusts, culto do Estado
imperialista e particularmente dos seus símbolos pseudo-democráticos,
participação na formação dos órgãos do Estado (polícia, exército, guarda,
justiça de classe), defesa desse Estado contra qualquer ataque do proletariado
comunista revolucionário, papel de carrasco nas crises revolucionárias, tal é a
política interna do reformismo. Simulando a luta sindical, o reformismo
atribui-se como tarefa, também neste domínio, evitar qualquer abalo à classe
capitalista e assegurar em qualquer caso a inviolabilidade da propriedade
capitalista.
No domínio da teoria,
a social-democracia, passando do revisionismo a um reformismo liberal-burguês
acabado e ao social-imperialismo provado, renegou completamente o marxismo:
substituiu a doutrina marxista das contradições do capitalismo pela doutrina
burguesa do desenvolvimento harmonioso do regime; relegou para os arquivos a
doutrina das crises e da pauperização do proletariado; transformou a ardente e
ameaçadora teoria da luta de classes na exortação banal da paz das classes;
transformou a doutrina do agravamento dos antagonismos de classe na fábula
pequeno-burguesa da «democratização» do capital; à teoria da inevitabilidade
das guerras em regime capitalista contrapôs o logro e a predicação mentirosa do
super-imperialismo; trocou a teoria da queda revolucionária do capitalismo pela
moeda falsa do capitalismo «são» transformando-se pacificamente em socialismo,
substituiu a revolução pela evolução; a destruição do Estado burguês pela
participação activa na sua edificação; a doutrina da ditadura do proletariado
pela teoria da aliança com a burguesia; a doutrina da solidariedade proletária
internacional pela da defesa nacional imperialista; o materialismo dialéctico
de Marx por uma filosofia idealista tricotada com os desperdícios religiosos da
burguesia.
No seio deste
reformismo social-democrata distinguem-se várias correntes que fazem sobressair
particularmente a degenerescência burguesa da social-democracia.
O «socialismo-construtivo»
(Mac Donald e Cia.), que leva até no nome a ideia da luta contra a revolução
proletária e a aprovação do regime capitalista, continua as tradições
burguesas, liberais, filantrópicas e anti-revolucionárias do fabianismo (Webb,
Bernard Shaw, lorde Olivier e outros). Repudiando no seu princípio a ditadura
do proletariado e o recurso à violência contra a burguesia, o «socialismo
construtivo» concorre para a violência exercida contra o proletariado e os
povos coloniais. Apologista do Estado capitalista, preconizando o capitalismo
de Estado sob a máscara do socialismo, proclamando como «pré-científica» a
teoria da luta das classes – em uníssono com os mais vulgares ideólogos do
imperialismo dos dois hemisférios –, o «socialismo construtivo» preconiza em
palavras um programa moderado de nacionalização com indemnizações, de impostos
sobre a renda da propriedade, de impostos sobre as heranças e sobre o
superlucros, como meio de destruir o capitalismo. Adversário decidido da
ditadura do proletariado na URSS, o «socialismo construtivo», estreitamente
ligado à burguesia, é inimigo activo do movimento comunista do proletariado e
das revoluções coloniais.
O cooperativismo ou socialismo
cooperador (Charles Gide, Totomiantz e Cia.), repele com a mesma energia a
luta de classes e preconiza a cooperação de consumo como o meio de vencer
pacificamente o capitalismo, contribuindo na realidade por todos os meios para
a sua consolidação. É uma variedade do «socialismo construtivo». O
«cooperativismo», que dispõe do vasto aparelho de propaganda das organizações
de massas da cooperação de consumo exerce na vida quotidiana uma influência
sistemática sobre as grandes massas, combate encarniçadamente o movimento
operário revolucionário e entrava a realização dos seus objectivos; representa
actualmente um dos factores mais activos da contra-revolução reformista.
O «Guild
Socialism» (Penty, Orage, Hobson, etc.) esforça-se com eclectismo de reunir
o sindicalismo «revolucionário» e o fabianismo liberal burguês, a
descentralização anarquista (guildas10 industriais nacionais) e a centralização
de Estado, o corporativismo artesanal, limitado, medieval, e o capitalismo
moderno. Procedendo da reivindicação verbal da «abolição do salariado»,
considerado como «imoral» e que deveria ser substituído pelo controlo operário
da indústria, o Guild Socialism ilude completamente a questão seguinte:
a do poder. Aplicando-se em reunir os operários, os intelectuais e os técnicos
numa federação nacional industrial de «guildas», e a transformá-las
pacificamente em órgãos de administração da indústria no quadro do Estado
burguês («controlo interno»), o Guild Socialism defende na realidade
esse Estado, dissimula o seu carácter de classe, imperialista, antiproletário,
atribui-lhe um papel «acima das classes» de representantes dos interesses
comuns dos «consumidores» em contraposição aos «produtores» organizados nas
guildas. Pela sua propaganda de «democracia funcional», isto é, de uma
representação das classes da sociedade capitalista sob a forma de profissões e
das suas funções sociais na produção, o Guild Socialism abre a via ao
«Estado corporativo» do fascismo. Repudiando o parlamentarismo e a «acção
directa», a maior parte dos adeptos deste movimento votam a classe operária à
completa inacção e à submissão passiva à burguesia. Este socialismo é uma
variedade utopista e trade-unionista do oportunismo e não pode, por consequência,
deixar de ter um papel contra-revolucionário.
O austro-marxismo
é uma outra forma particular do reformismo social-democrata. Parte
integrante da «esquerda» social-democrata, representa a forma mais subtil de
enganar as massas populares. Prostituindo a terminologia marxista e rompendo ao
mesmo tempo com os princípios fundamentais do marxismo-revolucionário (os
austro-marxistas declaram-se, em filosofia, adeptos de Kant, de Mach, etc.),
namorando a religião, tomando de empréstimo aos reformistas ingleses a teoria
da «democracia funcional», colocando-se no terreno da edificação da república,
isto é, da construção do Estado burguês, o austro-marxismo recomenda a
cooperação das classes nos períodos ditos de «equilíbrio das forças sociais»,
ou seja, precisamente quando amadurece a crise revolucionária. Esta teoria não
é senão a justificação da aliança com a burguesia para o derrubamento da
revolução proletária sob a máscara da defesa da «democracia» contra os ataques
da reacção. A violência admitida pelo austro-marxismo em caso de ataques da
reacção transforma-se objectivamente na prática em violência da reacção contra
a revolução proletária. O «papel funcional» do austro-marxismo consiste em
enganar os operários que avançam para o comunismo; o austro-marxismo é assim um
inimigo particularmente temível, mais temível ainda que os partidários
declarados do social-imperialismo sem escrúpulos.
Se todas as
tendências, partes integrantes do reformismo «socialista», constituem uma
espécie de agência da burguesia imperialista no seio da classe operária, o
comunismo defronta-se, por outro lado, com diversas correntes pequeno-burguesas
reflectindo e exprimindo as flutuações das camadas sociais instáveis (pequena
burguesia urbana, média burguesia em vias de dissolução, lupem-proletariado,
boémia intelectual desclassificada, artesãos caídos na miséria, alguns grupos
de camponeses e muitos outros elementos). Estas
10 Associações que
remontam à Idade Média agrupando artesãos, comerciantes, artistas outros
indivíduos com interesses comuns visando a sua protecção e assistência (N.
Ed.).
correntes, que
se distinguem por uma extrema instabilidade política, dissimulam muitas vezes,
sob uma fraseologia de esquerda uma política de direita ou caem no
aventureirismo, substituem o conhecimento objectivo das forças em presença por
uma ruidosa gesticulação política, passam frequentemente das profissões de fé
revolucionárias mais insolentes ao mais profundo pessimismo e a verdadeiras
capitulações face ao inimigo. Estas correntes podem, em certas condições,
sobretudo no momento de bruscas mudanças na situação política e na necessidade
de recuos momentâneos, ter nas fileiras do proletariado um papel desorganizador
dos mais perigosos e entravar assim o movimento revolucionário.
O anarquismo,
cujos representantes mais destacados (Kropótkine, Jean Grave e outros) traíram
e passaram durante a guerra de 1914-1918 para a burguesia imperialista, nega a
necessidade de grandes organizações centralizadas e disciplinadas do
proletariado e deixa assim este último impotente face às organizações poderosas
do capital. A sua propaganda do terrorismo individual desvia o proletariado dos
métodos de organização e de luta de massas. Repudiando a ditadura do
proletariado em nome de uma «liberdade» abstracta, o anarquismo priva o
proletariado da sua arma mais importante e mais eficaz contra a burguesia,
contra os seus exércitos e os seus órgãos de repressão. Afastado de todo o
movimento de massas nos centros mais importantes da luta proletária, o
anarquismo reduz-se cada vez mais a uma seita que, pela sua táctica e
manifestações, nomeadamente contra a ditadura da classe operária na URSS, se
integra objectivamente na frente das forças anti-revolucionárias
Tal como o
anarquismo, o «sindicalismo revolucionário» cujos numerosos ideólogos
passaram, nas horas mais críticas da guerra, para a contra-revolução
«antiparlamentar» de tipo fascista ou tornaram-se pacíficos reformistas de tipo
social-democrata, constitui, em toda a parte onde exerça qualquer influência,
um entrave à radicalização das massas operárias pela sua negação da luta
política (particularmente do parlamentarismo revolucionário) e da ditadura
revolucionária do proletariado, pela sua propaganda de uma descentralização
corporativa do movimento operário em geral e do movimento sindical em
particular, pela sua negação da necessidade da insurreição e, enfim, pela sua
sobrestimação da greve geral («táctica dos braços cruzados»). Os seus ataques
contra a URSS, ligados à negação da ditadura do proletariado, colocam-no, neste
âmbito, no mesmo plano que a social-democracia.
Todas estas
tendências, todos estes cambiantes se unem à social-democracia, o
principal inimigo da revolução proletária na questão política fundamental da
ditadura do proletariado. É por isso que, mais ou menos decididamente, elas
fazem frente única com a social-democracia contra a URSS. A social-democracia,
tendo renegado completamente o marxismo, apoia-se, por um lado, cada vez mais,
na ideologia dos «fabianos», do socialismo construtivo e do guild socialism.
Assim se forma uma ideologia liberal-reformista oficial do «socialismo» burguês
da II Internacional.
Nos países
coloniais e
entre os povos e as raças oprimidas, o comunismo defronta-se, no seio do
movimento operário, com a influência de tendências particulares que tiveram em
determinada época um certo papel positivo, mas que se tornaram, numa nova
etapa, em forças reaccionárias.
O sun-yat-senismo foi, na
China, a ideologia de um «socialismo» pequeno-burguês e popular. A noção de
povo velava e dissimulava na doutrina dos «três princípios» (nacionalismo,
democratismo, socialismo) a noção das classes sociais; o socialismo já não era
um modo específico de produção, mas tornava-se num estado indeterminado de
bem-estar geral; a luta contra o imperialismo não se juntava ao desenvolvimento
da luta de classes no país. Por isso, o sun-yat-senismo, que teve na primeira
fase da revolução chinesa um grande papel positivo, tornou-se, na sequência da
diferenciação social ulterior e da marcha da revolução chinesa, num obstáculo a
esta revolução. Os epígonos do sun-yat-senismo, exagerando precisamente os
aspectos desta doutrina tornados objectivamente reaccionários, fizeram dela a
ideologia oficial do Kuomitang que se tornou abertamente contra-revolucionário.
A formação ideológica das massas do proletariado e dos trabalhadores camponeses
da China deve, por consequência, ser acompanhada de uma luta enérgica contra o
logro do Kuomitang e ultrapassar os vestígios do sun-yat-senismo.
As tendências
tais como o gandhismo hindu, profundamente penetradas por ideias
religiosas, idealizando as formas mais reaccionárias e mais atrasadas da
economia social, não vendo outra saída senão a do retorno a essas formas
atrasadas e não a do socialismo proletário, tornaram-se, no decurso do
desenvolvimento da revolução, em forças francamente reaccionárias. O gandhismo
é cada vez mais uma ideologia oposta à revolução das massas populares. O
comunismo deve combatê-la com energia.
O garveísmo,
que foi a ideologia dos pequenos proprietários e dos operários negros da
América e que guardou uma certa influência sobre as massas negras tornou-se
também num obstáculo à entrada dessas massas na via revolucionária. Depois de
ter reivindicado para os negros uma completa igualdade social, transformou-se
numa espécie de «sionismo» negro que, em lugar de preconizar a luta contra o
imperialismo americano, lança a palavra de ordem «do retorno a África». Esta
ideologia perigosa, que nada tem de autenticamente democrático e se contenta em
agitar os atributos aristocráticos de um «reino negro» inexistente, deve ser
confrontada com uma resistência enérgica porque, longe de contribuir para a
luta emancipadora das massas negras contra o imperialismo americano, a
obstaculiza.
A todas estas
tendências se opõe o comunismo proletário. Grande ideologia da classe
operária revolucionária internacional, distingue-se de todas, e em primeiro
lugar da social-democracia, pela luta revolucionária, teórica e prática que
trava, em pleno acordo com a doutrina de Marx e Engels pela ditadura proletária
utilizando todas as formas de acção de massas do proletariado.
2. As tarefas
essenciais da estratégia e da táctica comunistas
A luta
vitoriosa da Internacional Comunista pela ditadura do proletariado supõe a
existência, em todos os países, de um partido comunista temperado nos combates,
disciplinado, centralizado, estreitamente ligado às massas.
O partido é a
vanguarda da classe operária, vanguarda formada pelos seus melhores membros, os
mais conscientes, os mais activos, os mais corajosos. Incarna a experiência de
toda a luta proletária. Ancorado na teoria revolucionária marxista,
representando os interesses gerais e permanentes do conjunto da classe, o
partido incarna a unidade dos princípios, da vontade e da acção revolucionárias
do proletariado. Constitui uma organização revolucionária cimentada por uma
disciplina de ferro e pela ordem revolucionária mais estrita do centralismo
democrático; estes resultados são obtidos pela consciência de vanguarda
proletária, pela sua dedicação à revolução, pelo seu contacto permanente com as
massas proletárias, pela justeza da sua direcção política que a própria
experiência das massas ilumina e controla.
O Partido Comunista deve, para
cumprir a sua tarefa histórica, conquistar a ditadura proletária – perseguir e
atingir primeiro os objectivos estratégicos seguintes:
Ganhar para a sua influência a
maioria da sua própria classe – os operários e a juventude operária. Para o
efeito é necessário assegurar a influência decisiva do Partido Comunista sobre as
amplas organizações de massas do proletariado (sovietes, sindicatos, comissões
de empresa, cooperativas, organizações desportivas, culturais, etc.). Importa
sobretudo, para ganhar a maioria do proletariado, conquistar os sindicatos,
verdadeiras organizações de massas da classe operária, ligados à sua luta
quotidiana. O trabalho nos sindicatos reaccionários, que é preciso saber
habilmente ganhar, a conquista da confiança das largas massas de
sindicalizados, a substituição dos dirigentes reformistas destes sindicatos,
constitui uma das tarefas mais importantes do período preparatório.
A conquista da
ditadura do proletariado supõe igualmente a hegemonia do proletariado sobre grandes
camadas das massas laboriosas. Nesse sentido, o Partido Comunista deve
ganhar para a sua influência as massas da população pobre das cidades e dos
campos, as camadas inferiores dos intelectuais, a «arraia-miúda», numa palavra,
ou seja, a população pequeno-burguesa em geral. A acção tendente a assegurar a
influência do partido sobre os camponeses tem particular importância. O Partido
Comunista deve assegurar-se do apoio completo dos elementos mais próximos do
proletariado nos campos: operários agrícolas e camponeses pobres. Impõe-se
portanto a necessidade de organizar como tal os operários agrícolas, de os
apoiar por todos os meios na sua luta contra a burguesia rural e de prosseguir
uma acção enérgica entre os pequenos camponeses e os camponeses parcelares.11 A política do
Partido Comunista deve esforçar-se por neutralizar os camponeses médios (nos
países capitalistas desenvolvidos).
O cumprimento
destas diversas tarefas pelo proletariado, tornado representante dos interesses
do povo inteiro e no guia das grandes massas populares contra a opressão do
capital financeiro, é a condição prévia necessária de uma revolução comunista
vitoriosa.
A luta
revolucionária nas colónias, semicolónias e países dependentes constitui,
do ponto de vista da luta mundial do proletariado, uma das mais importantes
tarefas estratégicas da Internacional Comunista. Esta luta pressupõe a
conquista, sob a bandeira da revolução, das mais amplas massas da classe
operária e dos camponeses das colónias, conquista impossível sem uma estreita
colaboração entre o proletariado das nações opressoras e das massas laboriosas
das nações oprimidas.
Organizando,
sob a bandeira da ditadura do proletariado, a revolução contra o imperialismo
nas potências ditas «civilizadas», a Internacional Comunista apoia toda a
resistência à violência imperialista nas colónias, nas semicolónias e nos
países dependentes (exemplo: a América Latina); combate pela propaganda todas
as variedades do chauvinismo, todos os procedimentos imperialistas usados
contra as raças e os povos subjugados, grandes e pequenos (em relação aos
negros, à «mão-de-obra amarela», ao anti-semitismo, etc.); apoia a luta destas
raças e destes povos contra a burguesia das nações opressoras. A Internacional
Comunista combate sobretudo com energia, o chauvinismo das grandes potências
pregado tanto pela burguesia imperialista como pela sua agência
social-democrata, a II Internacional; à prática da burguesia imperialista opõe
incessantemente a da União Soviética, que soube estabelecer relações fraternas
entre os povos iguais em direitos.
Nos países do imperialismo,
os partidos comunistas devem acorrer sistematicamente em ajuda aos
movimentos revolucionários emancipadores das colónias e de um modo geral aos
movimentos das nacionalidades oprimidas. O dever de prestar a esses movimentos
o apoio
11 O termo camponeses
parcelares designa uma camada do campesinato que dispõe de um ou vários pedaços
de terra, próprios ou arrendados, e se baseia exclusiva ou predominantemente na
força de trabalho familiar. (N. Ed.)
mais activo
incumbe em primeiro lugar aos operários do país do qual a nação oprimida
depende politicamente, economicamente ou financeiramente. Os partidos
comunistas devem um alto reconhecimento ao direito de separação das colónias e
preconizar esta separação, isto é, a independência das colónias em relação ao
Estado imperialista. Devem reconhecer o direito à defesa armada das colónias
contra o imperialismo (direito à insurreição e à guerra revolucionária) e
preconizar e apoiar energicamente esta luta por todos os meios. Os partidos
comunistas têm o mesmo dever em relação a todas as nações oprimidas.
Nas colónias
e semicolónias, os partidos comunistas devem combater vigorosamente o
imperialismo estrangeiro, preconizando ao mesmo tempo a aproximação e a aliança
com o proletariado dos países imperialistas; lançar, difundir e aplicar
abertamente a palavra de ordem da revolução agrária, sublevando as grandes
massas de camponeses para o derrubamento dos latifundiários e combatendo a
influência reaccionária e medieval do clero, das missões e de outros elementos
análogos.
Aqui, a tarefa
fundamental é a de formar organizações independentes de operários e de
camponeses (partido comunista como partido de classe do proletariado,
sindicatos, ligas e comités de camponeses, sovietes nas situações
revolucionárias, etc.) e de as subtrair à influência da burguesia nacional com
a qual não são admissíveis acordos temporários senão na medida em que esta não
entrave a organização revolucionária dos operários e dos camponeses e combata
efectivamente o imperialismo.
Na definição da
sua táctica, o partido comunista deve ter em conta a situação concreta, interna
e externa, da relação das forças sociais, do grau de estabilidade e de solidez
da burguesia, do grau de preparação do proletariado, da posição das camadas
intermédias, etc. Em função destas condições gerais, o partido formula as suas
palavras de ordem e os seus métodos de luta. Lançando palavras de ordem
transitórias no começo de uma situação revolucionária e formulando
reivindicações parciais determinadas pela situação concreta, o partido deve
subordinar essas reivindicações e essas palavras de ordem ao seu objectivo
revolucionário de tomada do poder e derrubamento da sociedade
capitalista-burguesa. Seria igualmente inadmissível que o partido se abstraísse
das necessidades e da luta quotidiana da classe operária ou se se confinasse
aos limites destas necessidades e desta luta. Partindo destas necessidades
quotidianas, a tarefa do partido é conduzir a classe operária à luta
revolucionária pelo poder.
Num momento de afluxo
revolucionário, quando as classes dirigentes estão desorganizadas, as
massas em estado de efervescência revolucionária, as camadas intermédias
inclinadas para o lado do proletariado, as massas prontas a agir e a
sacrificar-se, perante o partido do proletariado coloca-se a tarefa de conduzi-las
directamente ao assalto do Estado burguês. Isto alcança-se por via da
propaganda, com palavras de ordem transitórias cada vez mais agudizadas
(sovietes, controlo operário da produção, desarmamento da burguesia, armamento
do proletariado, etc.) e da organização de acções das massas, às quais
devem subordinar-se todas as formas de agitação e de propaganda do partido,
incluindo a agitação parlamentar. Estas acções de massas são: as greves, greves
articuladas com as manifestações, manifestações armadas articuladas com greves,
por fim, a greve geral juntamente com a insurreição armada contra o poder do
Estado da burguesia. Esta última forma superior da luta está sujeita às regras
da arte militar, pressupõe um plano militar, operações militares de carácter ofensivo,
a fidelidade incondicional e o heroísmo do proletariado. As acções desta
espécie devem ter como premissas a organização de amplas massas em unidades de
combate, cuja própria forma arrasta e põe em movimento o maior número possível
de trabalhadores (sovietes de deputados operários e camponeses, sovietes de
soldados, etc.), e a intensificação do trabalho revolucionário no exército e na
armada.
No cumprimento
destas tarefas e na passagem a novas palavras de ordem mais agudizadas, é
necessário ter presente a regra fundamental da táctica política do leninismo,
que exige habilidade para conduzir as massas para posições revolucionárias de
forma a que elas se convençam com base na experiência própria da justeza da
linha do partido. A não observação desta regra leva inevitavelmente à ruptura
com as massas, ao «putchismo», à degenerescência ideológica do comunismo num
sectarismo de «esquerda» e num aventureirismo «revolucionário» pequeno-burguês.
Mas não é menos perigoso não aproveitar o apogeu de uma situação
revolucionária, quando é dever do partido atacar o inimigo com audácia e
determinação. Deixar passar esta ocasião, não desencadear a insurreição é
deixar a iniciativa ao adversário e votar a revolução a uma derrota.
Na ausência de
um afluxo revolucionário, os partidos comunistas, partindo das necessidades
quotidianas dos trabalhadores devem formular palavras de ordem e reivindicações
parciais, desenvolvendo-as e encadeando-as com objectivos fundamentais
da Internacional Comunista. Devem no entanto abster-se de palavras de ordem transitórias,
especialmente apropriadas a uma situação revolucionária, e, na ausência
desta, transformá-las em palavras de ordem de integração no sistema das
organizações capitalistas (exemplo: o controlo operário, etc.). Das palavras de
ordem e reivindicações parciais depende em absoluta, e em geral, uma boa
táctica; as palavras de ordem transitórias são inseparáveis de uma situação
revolucionária. Por outro lado, é incompatível com os princípios tácticos do
comunismo renunciar «por princípio» às reivindicações parciais e às palavras de
ordem transitórias, uma vez que, na prática, isso seria condenar o partido à
passividade e isolá-lo das massas. A táctica da frente única, meio mais
eficaz de luta contra o capital e de mobilização das massas num espírito de
classe, de desmascarar e isolar os chefes reformistas, é um dos elementos da
táctica dos partidos comunistas durante todo o período pré-revolucionário.
A aplicação
correcta da táctica da frente única, e mais em geral a solução do problema da
conquista das massas, supõe por seu lado uma acção sistemática e perseverante
nos sindicatos e nas outras organizações de massas do proletariado. Desde que
se trate de uma organização de massas, a filiação no sindicato, seja ele o mais
reaccionário, é o dever imediato de todo o comunista.
Só mediante uma
acção constante e continuada nos sindicatos e nas empresas de defesa enérgica e
firme dos interesses dos operários – combatendo paralelamente sem piedade a
burocracia reformista – é possível colocar-se à cabeça de uma luta operária e
ligar o partido à massa dos sindicalizados.
Ao contrário da
política divisionista dos reformistas, os comunistas defendem a unidade
sindical na base da luta de classes, quer em cada país quer à escala
internacional, apoiando e consolidando com todas as suas forças a acção da Internacional
Sindical Vermelha.
Tomando em toda
a parte a defesa dos interesses imediatos, quotidianos, da massa operária e dos
trabalhadores em geral, explorando para fins de agitação e propaganda
revolucionária a tribuna parlamentar burguesa, subordinando todos os objectivos
parciais à luta pela ditadura do proletariado, os partidos da Internacional
Comunista formulam reivindicações parciais e avançam palavras de ordem nos
seguintes domínios principais:
Questão operária – no sentido estrito da palavra: questões
relacionadas com a luta económica (luta contra a ofensiva do capital dos
trusts, salários, jornadas de trabalho arbitragem obrigatória,
desemprego), que se tornam questões de luta política geral (grandes
conflitos industriais, direitos de coligação e de greve, etc.); questões
nitidamente políticas
(impostos,
carestia da vida, fascismo, repressão contra os partidos revolucionários,
terror branco, política geral do governo); questões de política mundial (atitude
para com a URSS e as revoluções coloniais, luta pela unidade do movimento
sindical internacional, luta contra o imperialismo e ameaças de guerra,
preparação sistemática para a luta contra a guerra imperialista).
Na questão camponesa,
o problema dos impostos, das hipotecas, da luta contra o capital usurário, da
penúria das terras de que sofrem os camponeses pobres, das rendas e foros,
etc., suscitam reivindicações parciais da mesma ordem. O Partido Comunista,
partindo daí, deve acentuar e generalizar as suas palavras de ordem até à
reclamação da confiscação dos domínios pertencentes aos latifundiários e o
governo operário e camponês (sinónimo da ditadura do proletariado nos países
capitalistas desenvolvidos e sinónimo de ditadura democrática do proletariado
nos países atrasados e em diversas colónias).
É necessário,
igualmente, prosseguir uma acção sistemática no seio da juventude operária
e camponesa (principalmente através da ICJ e das suas secções), assim como
entre as mulheres operárias e camponesas, inspirando-se nas suas
condições de vida, nas suas lutas, ligando as suas reivindicações às
reivindicações gerais e às palavras de ordem de combate do proletariado.
Na luta contra
a opressão dos povos coloniais, os partidos comunistas formulam nas
próprias colónias as reivindicações parciais ditadas pela situação particular
de cada país: igualdade completa das nacionalidades e das raças; abolição dos
privilégios dos estrangeiros; liberdade de associação para os operários e
camponeses; diminuição da jornada de trabalho; interdição do trabalho infantil;
abolição dos contratos espoliadores e usurários; redução e supressão das
rendas; diminuição dos impostos; recusa do pagamento dos impostos, etc. Todas
estas palavras de ordem parciais devem ser subordinadas às reivindicações
essenciais dos partidos comunistas: independência completa do país, expulsão
dos imperialistas, governo operário e camponês, a terra para o povo, jornada
das oito horas, etc. Nos países do imperialismo têm o dever de apoiar esta
luta das colónias, de reclamar tenazmente o retorno das tropas imperialistas,
de defender pela propaganda no exército e na armada os países oprimidos lutando
pela sua emancipação, de mobilizar as massas para o boicote do transporte das
tropas e das armas, de organizar, em relação com estas acções, greves e outras
formas de protesto de massas, etc.
A Internacional
Comunista deve dar particular atenção à preparação sistemática da luta contra
os perigos de guerra imperialista. Desmascarar impiedosamente o social-chauvinismo,
o social-imperialismo, as frases pacifistas que dissimulam os desígnios
imperialistas da burguesia; difundir as palavras de ordem essenciais da
Internacional Comunista; prosseguir todos os dias um trabalho de organização
neste sentido e combinar obrigatoriamente as suas formas legais e ilegais;
prosseguir um trabalho organizado no exército e na armada, tal deve ser a
actividade dos partidos comunistas. As palavras de ordem fundamentais da
Internacional Comunista devem ser as seguintes: transformação da guerra
imperialista em guerra civil, derrota do «seu próprio» governo imperialista,
defesa por todos os meios da URSS e das colónias em caso de guerra imperialista
contra elas. A propaganda destas palavras de ordem, a denúncia dos sofismas «socialistas»
e da camuflagem «socialista» da Sociedade das Nações, a recordação constante da
experiência da guerra de 1914-1918 são deveres imperativos que incumbem a todas
as secções e a todos os membros da Internacional Comunista.
A coordenação
do trabalho e das acções revolucionárias e a sua boa direcção impõem ao
proletariado internacional uma disciplina internacional de classe, da
qual a rigorosa disciplina internacional nas fileiras dos partidos comunistas é
a condição essencial. Esta
disciplina comunista
internacional deve traduzir-se pela subordinação dos interesses parciais e
locais do movimento aos seus interesses gerais e permanentes e pela estrita
aplicação de todas as decisões dos órgãos dirigentes da Internacional Comunista
por todos os comunistas.
Ao contrário da
II Internacional social-democrata, em que cada partido se submete à disciplina
da «sua própria» burguesia nacional e da sua «pátria», as secções da
Internacional Comunista não conhecem senão uma disciplina, a do proletariado
internacional que assegura a luta vitoriosa dos operários de todos os países
pela ditadura mundial do proletariado. Ao invés da II Internacional, que divide
os sindicatos, combate os povos coloniais e se une à burguesia, a Internacional
Comunista é a organização que defende a unidade dos proletários de todos os
países, dos trabalhadores de todas as raças e de todos os povos em luta contra
o jugo imperialista.
Qualquer que
seja o terror sangrento da burguesia, os comunistas travam este combate com
abnegação e coragem em todos os sectores da frente internacional da luta de
classes, firmemente convictos da inevitabilidade e da inelutabilidade da
vitória do proletariado.
«Os
comunistas desdenham ocultar as suas opiniões e os seus propósitos. Declaram
abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pela transformação
violenta de toda a ordem social até hoje existente. Podem as classes dominantes
tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a
não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.
«Proletários de
todos os países, uni-vos!»12
12 Manifesto do
Partido Comunista, Marx e Engels, Obras Escolhidas em três tomos,
Edições «Avante!», Lisboa, 1982, pág. 136. (N. Ed.)
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