Alessandro de Moura
Embora se deva considerar a influência da
conjuntura, é necessário pontuar a responsabilidades sócio-históricas que o PT
tem no quadro político do presente. Sobretudo por atuar continuamente como um
partido da patronal, dos acordos por cima, negociatas etc., mas também por
fazer uso dos mesmos discursos, das mesmas práticas e até da mesma estética de
campanha. Tudo isso sem projeto nacional que pautasse as demandas populares
históricas e sem se construir trabalhos nas bases.
Assim, o PT atuou como um partido burguês no alto
das superestruturas, tal qual os demais representantes das classes dominantes.
Isso impacta diretamente na construção da sua identidade partidária, na forma
como o eleitorado compreende o perfil do partido e de seus candidatos. Por
isso, é muito difícil diferenciá-lo dos outros partidos burgueses. Agravando o
cenário, como agente coletivo (condutor político), educa as diversas frações da
classe trabalhadora a votarem pelo imediato. Pelo mínimo, perdido na pequena
política. Pelo que se passou nas últimas semanas, pelas últimas política sociais,
sempre segundo as regras e métodos do jogo parlamentar burguês. Isso desarma as
bases partidárias e dificulta qualquer forma de atuação delas na defesa do
partido, com isso, consequentemente, o PT não consegue gerar o engajamento que
precisa nos momentos críticos.
O partido é sujeito ativo na construção da
passividade em seu próprio eleitorado. Ele nem sequer utilizou seu aparato
sindical no impulsionamento necessário, nem nos últimos 4 anos e nem mesmo
nesse ano eleitoral para confrontar o governo direitista. A orientação suprema
era para “esperar o momento das eleições”, “não provocar os adversários”,
enquanto isso, deveria reinar a passividade e a servilidade na luta de classes
e na luta política. Assim se construiu a apatia da ação, tudo foi continuamente
canalizado para as eleições. Parece que não se tem mais sindicato, central
sindical ou federação, deixou-se de falar em greve, ações de rua, mobilização.
Tudo isso soa como palavrão aos dirigentes da sigla. Os chefes do partido sabem
que a luta social educa politicamente, e é determinante para o protagonismo
antagonista, mas, ao mesmo tempo, uma base atuante acaba pressionando o
partido, seu arco de alianças e sua movimentação política. Apartando-se dos
locais de trabalho e da construção corpo a corpo, todo a politização ficou a
cargo do horário eleitoral e dos debates. Tudo por cima. E, ainda assim, se
espera que os setores da classe trabalhadora se engajem simplesmente pelo voto.
Outro aspecto precisa ser considerado em relação
aos candidatos. O PT, nos anos 1980, até a primeira metade da década de 1990,
era um partido de massas, com base sindicais que atuavam nas greves, com base
popular nos movimentos de bairro, lutas populares, na esquerda católica, nas
lutas anti-racistas etc. Os quadros políticos, vereadores e deputados, eram
pessoas oriundas das lutas sociais, da luta de classes ou do combate e
enfrentamento direto, com importante protagonismo social e político. Isso dava
cara de mandato popular a sua atuação nas instituições do Estado. Muito diferente
do que temos hoje. Agora, nas eleições de 2022, o que se pode esperar dos
candidatos petistas? Ninguém sabe... Por que confiar neles? No que eles se
diferenciam das outras candidaturas burguesas? É muito difícil de se precisar.
Como se pode esperar que o partido e seus candidatos sejam acolhidos e
defendidos pelas massas trabalhadoras nesse contexto?
Nos 1980 o PT ganhou influência nas bases
católicas, nesse contexto usou essas bases contra os grupos combativos que
construíam o partido e suas lutas. O projeto da Articulação-PT e da
Articulação-Sindical sempre foi atuar independente do controle das bases
auto-organizadas e isolar as alas combativas que se auto-organizavam em seu
interior. Queriam a autonomia total para negociar com o empresariado e com os
velhos coronéis da política. Fizeram isso tanto no sindicalismo (contra a
Oposição sindical metalúrgica de SP) como nos movimentos de bairro. Nessa longa
batalha conseguiram garantir autonomia quase total em relação ao protagonismo
das bases. Mas o custo dessa prática de esterilização das bases, com atuação
por cima dos interesses históricos da classe trabalhadora, foi alto a longo
prazo. Como uma faca de dois gumes, isso matou o movimento combativo de base,
que era o diferencial do PT no início dos anos 1980, era o seu escudo e sua
lança.
A ausência de um projeto político nacional, de um
programa político-econômico para se enfrentar os principais problemas
históricos e dilemas nacionais, a falta de formas de engajamento para a luta
social, deixou as massas trabalhadoras abandonadas em suas necessidades
estruturais mais profundas. Sobrou um amplo espaço vazio que, no contexto da
crise internacional, acabou sendo ocupado por alas direitistas e de extrema
direita. Essas tendências encontraram espaço de crescimento, dissimularam suas
intencionalidades estratégicas e se colocam na ofensiva em variadas formas de
ativismo, arregimentando apoio para uma crítica geral às instituições do
Estado, ainda que por um viés conservador, os setores da direita e extrema-direita,
ofereceram bandeiras para engajamentos em pautas amplas e relativamente
obscuras contra “a política tradicional”.
Claro que essa intencionalidade de governar
independente das mobilizações de base, sua ausência nas lutas cotidianas e
históricas, bem como os pactos com as classes dominantes, não explicam tudo.
Pois vivemos movimentos de acomodação nas bases também, uma certa apatia
política crescente, fruto de um processo mais longo, com determinantes
nacionais e internacionais. Mas, o que se evidencia é que o PT e seus
dirigentes políticos de destaque não investiram energias para a ativação de
suas bases e nem pretendem fazê-lo. A resposta política que precisamos não pode
então ser dada por este partido ou por seus parceiros políticos. Ou as massas
trabalhadoras constroem alternativas combativas e ocupam as ruas, ou ficarão ao
sabor das disputas nos “andares superiores” das classes dominantes.
Alessandro
de Moura é professor e sociólogo.
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