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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Ciência em Marx e Engels: Materialismo histórico, experimentação e produção científica


Ciência em Marx e Engels

                  Materialismo histórico, experimentação e produção científica


Resumo: Neste breve ensaio, abordamos a concepção de Marx e Engels sobre ciência e produção científica, ambas compreendidas como desdobramento da atuação da humanidade sobre a natureza. Tomamos por base as obras centrais dos autores, as quais abordam questões metodológicas e de produção teórica. O conhecimento científico é compreendido pelos autores como uma forma de produção de síntese elaborada sobre a realidade material em suas múltiplas determinações sócio-históricas.

Introdução

Marx e Engels analisaram a realidade como um todo estruturado em movimento, considerando que nenhum ser humano está fora da cadeia de relações sociais. Conforme já apontavam na obra A ideologia alemã (2007), todos os seres humanos desenvolvem interpretações acerca do mundo, estabelecendo formas de compreensão e explicação da realidade social, com isso se tornam sujeitos conscientes na transformação da natureza de acordo com suas próprias necessidades. No trabalho Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels denotava que:

(...) de modo algum se pode evitar que tudo quanto move o homem deva, necessariamente, passar-lhe pelo cérebro: até o comer e o beber, processos que começam pela sensação de fome e sede, sentida com o cérebro, e terminam na sensação de saciedade, também sentida com o cérebro. As impressões que o mundo exterior produz sobre o homem exprimem-se no seu cérebro. Nele se refletem sobre a forma de sentimentos, de pensamentos, de impulsos, de atos de vontade; numa palavra, de “correntes ideais” convertendo-se sob essa forma em “fatores ideais”. (ENGELS, 1974, p. 57-58).

De acordo com tal perspectiva: “(...) O ser humano é o único animal capaz de sair por esforço próprio da condição meramente animal – sua condição normal é condição adequada à sua consciência, a ser criada por ele mesmo”. (ENGELS, 2020, p. 35). A humanidade constrói sua própria cultura no processo histórico de intercâmbio com a natureza. Nesse sentido, segundo o autor: “(...) justamente a mudança da natureza pelo ser humano, e não só a natureza como tal, é o fundamento mais essencial e mais imediato do pensamento humano, e a inteligência do ser humano cresceu na mesma proporção em que ele aprendeu a modificar a natureza. (...). (Idem, p. 133).

Marx, em sua tese de doutorado intitulada Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro (2018), já havia chegado à conclusão de que era conhecendo a natureza que os seres humanos desmistificavam seus fenômenos e superavam a insegurança em relação a essa. Com isso, ao mesmo tempo, ampliavam sua cognoscibilidade sobre a natureza. Isso porque a ação de desvelamento e compreensão da natureza transverte-se como possibilidade de conhecer o mundo e a si mesmo, elevando-se a possibilidade de elaboração intelectual de concepções e conceitos sobre o mundo. Desta forma, o que antes era medo em relação à natureza incognoscível, tornava-se vontade e capacidade de conhecer mais. Isso faz do ser humano um sujeito ativo na natureza. Assim, todo o mundo exterior ao sujeito é compreendido como base de todo pensamento e ação. (MARX, 2018: MOURA, 2016: 2022).

Assim sendo, a sociedade é compreendida como fruto da atividade humana concreta, como síntese contraditória da construção cotidiana mediada pela atividade material diária dos seres humanos em constante interação. Para Marx, conforme afirmou na 3ª tese ad Feuerbach, os seres humanos, embora sejam fruto do meio que vivem, são também os mesmos que modificam este meio, constroem-no ativamente de acordo com suas necessidades. (MARX, 2007). A partir de tal perspectiva, a forma de estudo, análise e compreensão científica da realidade sustenta-se sobre a centralidade da atividade prática de estruturação e reestruturação do real, que fundamenta a compreensão crítica-prática. Nessa base de metodológica, as condições sociais e materiais da sociedade devem ser compreendidas como um processo infinito, no qual se plasmam modificações constantes.

Segundo tal perspectiva, analisando as problemáticas sociais e chegando-se a determinadas conclusões, é possível avançar até a raiz das determinações dos objetos em foco, compreendendo as formas de negação e afirmação das tendências presentes em seu desenvolvimento ao longo do tempo, expressos como problemas ou contradições da realidade social. O mundo social: “tem de ser tanto compreendido em sua contradição quanto revolucionado na prática”. (MARX, 2007, Tese 4, p. 534). Para Marx, a realidade social humana não está dada a priori como apreensão abstrata independente, como um modelo próprio individualizado, para o autor: “a realidade é o conjunto das relações sociais” das ações dos indivíduos. Em tal diapasão, todas as determinações sociais são pertencentes ao movimento da totalidade concreta, e assim, de interação entre os seres humanos em sua busca constante por manter e reproduzir sua existência. Na concepção de Marx: “Toda a vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática”. (MARX, 2007, p. 534).

Foi a necessidade histórica de elaboração sobre a realidade material, sobre o vivido e as condições de existência, que produziram as bases para o desenvolvimento da ciência. Ao longo da história, grupos sociais especializaram-se no campo das experimentações e investigações científicas, articulando fundamentos, materiais, hipóteses, resultados e conclusões de suas pesquisas ao conhecimento científico já sintetizado. Ainda, criaram condições educacionais que possibilitaram que tais acúmulos especializados fossem transmitidos de geração para geração por meio da educação institucionalizada. (MOURA, 2022). Nesse sentido, o próprio cientista é formado a partir da interação com determinadas visões de sociedade e de classe, é educado em escolas e universidades com determinada linha de pensamento e "visão de mundo". Notadamente, os profissionais da ciência, no seu "fazer científico", interagem e intercambiam com instituições do Estado, centros de pesquisa, universidades e agências de fomento públicas e privadas. Desta forma, na concepção marxista, o cientista jamais poderá ser neutro. Pelo contrário, como apontou Gramsci, a produção científica está sempre ligada aos grupos sociais e de interesses:

Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de novo direito, etc. (GRAMSCI, 2004, cad. 12, p. 15).

Esse princípio, naturalmente, compreende a produção científica e a própria vida dos cientistas que integram a totalidade social composta de sínteses de múltiplas determinações, englobando as relações econômicas, sociais e políticas.

A ciência em ascensão

Conforme apontado, toda experiência humana com a natureza, na busca pela manutenção de sua própria existência, compõe o saber humano sócio-histórico. A humanidade dedicou milhares de anos de sua existência para elaborar conhecimentos sobre a realidade a sua volta, só com isso pôde edificar, durante a Antiguidade, as chamadas sociedades antigas do Oriente (sobretudo Mesopotâmia, Egito, Kush, Índia e China), mas também as sociedades ameríndias e a sociedade europeia. Como destacou Engels: “(...) A Antiguidade deixara como legado Euclides e o sistema solar ptolemaico; os árabes, a notação decimal, os rudimentos da álgebra, os números modernos e a alquimia (...)”. (ENGELS, 2020, p. 40). Nesse sentido, o fazer científico é fruto da produção e reprodução da vida, afirmando-se como observação e experimentação cuidadosa, sistemática e sistematizada. Para Engels, “o fim de toda ciência” é “investigar justamente o que não conhecemos”. (2020, p. 128). Deste ponto de vista, cada nova geração pode acrescentar novas camadas de conhecimentos na compreensão sobre a realidade. Na perspectiva do autor:

O pensamento teórico de cada época e, portanto, também o da nossa é um produto histórico que, em diferentes épocas, assume formas muito diferentes e, desse modo, conteúdos muitos diferentes. A ciência do pensar é, portanto, como qualquer outra, uma ciência histórica, a ciência do desenvolvimento histórico do pensamento humano. (ENGELS, 2020, p. 76).

Mesmo considerando tais aspectos históricos da produção do conhecimento, Engels na introdução da Dialética da natureza (livro inacabado)[2], destacou que as investigações científicas experimentaram grandes avanços durante o século XV. Com a crise de dominação exercida pela Igreja e as monarquias feudais europeias, abriu-se uma nova fase de desvelamento do mundo por fora dos dogmas religiosos, marcada pela crítica ao teocentrismo, dando espaço para o desabrochar do antropocentrismo que compôs o renascimento humanista. Engels apontou que aquela nascente burguesia travou longas batalhas para separar a ciência dos credos religiosos e dos domínios morais e intelectuais da Igreja. (ENGELS, 2020).

As grandes navegações, marcadas pela busca de novos domínios e riquezas, com uma corrida de velocidades entre os diferentes países, acabou por demandar o desenvolvimento de novas técnicas científicas e produtivas. Muitos se aventuravam pelos campos das investigações buscando formas de compreender e de desvendar os motivos da existência humana, sua evolução e as determinações da natureza. Entre estes, Engels destacou: Da Vince, Durero, Mantelembert, Maquiavel, Lutero, Giordano Bruno, Galileu, Calvino etc. Segundo a perspectiva de Engels:

Foi a maior revolução progressista já vivida pela humanidade até então, uma era que precisou de gigantes e gerou gigantes, gigantes na capacidade de pensar, na paixão e no caráter, gigantes em versatilidade e erudição. Os homens que fundaram o moderno domínio da burguesia eram tudo menos burgueses tacanhos. Ao contrário, o caráter aventureiro da época os bafejou em maior ou menor medida. Naquela época, não houve praticamente nenhum homem importante que não tivesse feito longas viagens, que não falasse quatro ou cinco idiomas, que não brilhasse em várias especialidades. Leonardo da Vinci foi não só um grande pintor mas também um grande matemático, um grande mecânico e um grande engenheiro, ao qual os mais diversos ramos da física devem importantes descobertas; Albrecht Dürer foi pintor, calcogravurista, escultor, arquiteto, e ainda inventou um sistema de fortificação cujas ideias foram retomadas muito tempo depois por [Marc-René de] Montalembert e pela fortificação alemã mais recente. Maquiavel foi estadista, historiador, poeta e, ao mesmo tempo, o primeiro escritor militar digno de menção da época mais recente. Lutero lavou o estábulo de Áugias não só da Igreja mas também da língua alemã, criou a prosa alemã moderna e compôs texto e melodia daquele coral convicto da vitória que se tornou a Marselhesa do século XVI. (...). (ENGELS, 2020, pp.38-39).

Com tudo isso, o continente europeu se fez um importante centro de efervescência, produção e sintetização no campo do conhecimento e das descobertas científicas. De acordo com Engels, o primeiro grande impulso científico deu-se ainda no campo das ciências naturais. Os conhecimentos desenvolvidos nesse campo serviram também como base de reflexão para a filosofia, remontada na tradição de Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito e Epicuro. (ENGELS, 2020).

Tal contexto impulsionou novas investigações e descobertas que fizeram com que o conhecimento humano sobre o mundo avançasse incorporando acúmulos e elementos de sínteses refinadas tomadas da observação e experimentação, que, por sua vez, eram condensavas nos debates teórico-filosóficos. Nesse sentido, Engels reafirma a centralidade das bases materiais na produção da ciência, como substrato para interpretação do movimento concreto em infinitas transformações:

(...) Entrementes, todos concordamos que, no campo científico como um todo, seja na natureza, seja na história, se deve partir dos fatos dados, ou seja, na ciência natural, das diferentes formas concretas e das formas de movimento da matéria; e que, portanto, também na ciência natural teórica, os nexos não devem ser formulados e introduzidos nos fatos, mas devem ser descobertos a partir deles e, quando descobertos, devem ser demonstrados pela experiência, na medida do possível. (ENGELS, 2020, p. 80).

Engels destaca que o próprio método dialético, desenvolvido por Aristóteles, Hegel e Marx, é uma forma de abstração derivada da realidade. Trata-se de uma forma de se partir do concreto real para o concreto pensado. Para o autor: “(...) é da história da natureza e da história da sociedade humana que são abstraídas as leis da dialética. Estas são apenas as leis mais gerais dessas duas fases do desenvolvimento histórico, como do próprio pensamento. (...). (ENGELS, 2020, p. 111). Ou seja, foi a partir do movimento do real, da totalidade concreta da natureza em suas múltiplas determinações, que se derivou, como abstração, os princípios ou as “leis da dialética”, que são: 1) A lei da conversão de quantidade em qualidade e vice-versa. 2) A lei da interpenetração dos opostos, e 3) A lei da negação da negação. (ENGELS, 2020, p. 111).

A análise científica das relações de produção e a centralidade da classe trabalhadora

Já na primeira metade do século XIX, Marx e Engels concentraram suas energias na elaboração de análises sobre a realidade social vivida pela classe trabalhadora. Esses dois teóricos revolucionários buscaram explicações causais para compreensão da estruturação da realidade social, tanto da ascensão e consolidação da dominação burguesa como do surgimento da classe trabalhadora como maioria social expropriada de meios de produção. Apontam que a burguesia em sua fase revolucionária, apoiando-se em concepções científicas sobre o mundo, rasgou o véu da dominação da Igreja e das monarquias. No Manifesto do Partido Comunista, os autores lançam célebres definições:

A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que a atividade humana pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo antigas invasões e as cruzadas. (MARX: ENGELS, 2005, p. 42-43).

Foi por meio da análise concreta da realidade social e política, considerando as formas de existência das classes sociais, do Estado e suas instituições, que Marx e Engels sintetizaram importantes conclusões científicas publicizadas amplamente no Manifesto do Partido Comunista (MARX: ENGELS, 2005), no qual se definia que:

1) Para suplantar o feudalismo e estabelecer sua hegemonia social e política, a burguesia foi uma classe revolucionária.

2) O capitalismo inaugurou uma nova época com uma nova ordem social marcada por novas disputas sociais e políticas. Concentraram-se meios de produção nas mãos da burguesa ascendente, apartou-se os trabalhadores do uso das terras, meios de produção e demais formas de autorreprodução da vida. Despossuída de meios de produção, a massa de camponeses, viu-se obrigada a se concentrar nos centros urbanos em busca de trabalho, passando a viver em regiões proletárias e cidades industriais.

3) A burguesia não pôde controlar todas as tendências econômicas e políticas que se desenvolvem sob seu domínio. Os trabalhadores e trabalhadoras se auto-organizam a partir de seus próprios interesses e passam a lutar organizados contra a burguesia: destruíram máquinas, fizeram greves, piquetes, ocupações, criaram sindicatos, ligas revolucionárias e partidos políticos.

4) As crises econômicas, ancoradas em crises produtivas, desdobram-se em crises políticas e sociais. Em meio às disputas intraburguesas, desigualdade nas formas de condições de vida e na distribuição dos frutos do trabalho, emergiu o proletariado como um novo sujeito político independente.

5) As frações da burguesia disputavam o apoio do proletariado para seus próprios empreendimentos e usaram a força do proletariado em proveito próprio. No entanto, o proletariado mantinha condições sociais e políticas de se organizar e de seguir politicamente separado da burguesia. Ainda, para se emancipar política e socialmente, a classe trabalhadora, como maioria social, organizadora e produtora da vida material, sendo sujeito independente, necessita derrotar a forma social de organização da produção imposta pelas necessidades da burguesia.

6) A classe trabalhadora, como maioria social e produtora de valor, é o único sujeito revolucionário capaz de implantar uma nova sociedade. Isso porque: a) está concentrada nos pontos centrais do sistema capitalista; b) por sua posição na sociedade capitalista adquiriu capacidade de organização e planificação da produção; c) tem homogeneidade de condições de vida; d) condensa potencial político de submeter todas as outras classes sociais; e) Está impossibilitada de criar um modo individual de apropriação dos frutos do trabalho; f) é uma classe internacional.

Após a derrota da Primavera dos Povos em 1848, Marx adentrou em uma nova fase de investigação e produção científica durante a década de 1850. (MANDEL, 1968: RUBIN, 2013). Partindo de seus estudos sobre a economia política clássica, colocou-se na tarefa de resolver as principais contradições e insuficiências notadas em Adam Smith e David Ricardo. Com isso pôde chegar às definições científicas sobre o valor, dinheiro, capital e crises econômicas. Essa monumental incursão resultou nos quatro volumes de O Capital. A determinação de Marx em compreender os mecanismos centrais de produção e reprodução da sociedade fez com que se tornasse um dos principais teóricos das ciências humanas. Essa postura inspirou Engels em seu Discurso diante do túmulo de Karl Marx:

Era, assim, um homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar - sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e, por último, ainda as de Mare Deprez. (ENGELS, 2018, pp. 367-368).

Vejamos então, de forma mais cuidadosa como Marx entendia a sociedade, suas contradições e a própria a produção científica.

Sobre o método materialista dialético de Marx

Na exposição de sua forma de análise e produção científica, Marx, no texto O método da Economia Política (1857), expôs como aplicava o seu método materialista, histórico e dialético. Apontou que a economia política clássica trouxe avanços importantes na forma de analisar a realidade social. No entanto, segundo Marx, os teóricos dessa corrente analítica, sobretudo Smith e Ricardo, embora tivessem estabelecido categorias que buscavam apreender as relações produtivas, como relações materiais e concretas da realidade, ainda trabalharam com generalizações demasiado abstratas que prejudicavam as definições mais precisas. Com tipificações gerais, não se podia explicar satisfatoriamente como se desenvolviam as principais contradições, relações sociais de produção, distribuição e reprodução da vida humana e no mundo. De acordo com o autor:

Quando estudamos um dado país do ponto de vista da Economia Política, começamos por sua população, sua divisão de classes, sua repartição entre cidades e campo, a orla marítima; os diferentes ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias, etc. Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, começar-se-ia pela população, que é a base e o sujeito do ato social de produção como um todo. No entanto, graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que isso é falso. A população é uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por outro lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estas pressupõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc. não é nada. (...). (MARX, 1974, p. 122).

Para Marx, a forma como a economia política clássica analisava a sociedade conduzia a uma visão caótica do todo. Não explicitava as relações intrapopulacionais como relações que compõem um todo estruturado em uma série de relações: uma totalidade concreta formada por múltiplas determinações e contradições. Para o autor, o correto seria partir de uma visão da totalidade social, produtiva, econômica e política, mas, dentro dessa totalidade, analisar as especificidades que a compõe, intentando compreender de forma mais precisa possível a “rica totalidade de determinações e relações diversas”. A análise deveria então proceder do geral para o particular, e do particular para o geral.

(...) Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações mais simples. Chegaríamos a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica do todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. (...). (MARX, 1974, p. 122).

Para o autor, o método científico possibilita compreender as determinações abstratas que balizam a reprodução do concreto por meio do pensamento: “o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado”. (MARX, 1974, p. 123). Destarte, pode-se compreender que: “O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação”. (MARX, 1974, p. 122). Em vista disso, as categorias científicas devem buscar apreender a gênese das relações sociais concretas que organizam e reproduzem a vida humana:

A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõem a população produzindo em determinadas condições e também certos tipos de famílias, de comunidades ou Estados. O valor de troca nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral, abstrata de um todo vivo e concreto já dado. (MARX, 1974, pp. 122-123).

Sendo assim, para Marx, a realidade social, como totalidade concreta composta por sínteses multideterminadas, pressupõe uma:

(...) totalidade de pensamentos, como um concreto de pensamentos, é de fato um produto do pensar, do conceber; não é de modo nenhum o produto do conceito que pensa separado e acima da intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas da elaboração da intuição e da representação em conceitos. O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo de pensamentos, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que se difere do mundo artístico, religioso e prático-mental de se apropriar dele. (MARX, 1974, p. 123).

Posto esse método de analisar a realidade social, todo conceito científico é uma tentativa organizada de compreender e explicar de maneira mais precisa possível a realidade social humana em movimento. No mesmo texto, Marx afirmava que “até as categorias mais abstratas – precisamente por causa de sua natureza abstrata -, apesar de sua validade para todas as épocas, são contudo, na determinidade desta abstração, igualmente produto de condições históricas, e não possuem pela validez senão para esta condições e dentro do limites desta". (MARX, 1974, p. 126). Seguindo esta lógica, Marx chega a explicar passo a passo seu método de análise da sociedade:

As seções a adotar devem evidentemente ser as seguintes: 1º as determinações abstratas gerais, que convém, portanto, mais ou menos a todas as formas de sociedade, mas consideradas no sentido acima discutido; 2º as categorias que constituem a articulação interna da sociedade burguesa e sobre as quais se assentam as classes fundamentais. Capital, trabalho assalariado, propriedade fundiária. Os seus relacionamentos recíprocos. Cidade e campo. As três grandes classes sociais. A troca entre estas. A circulação. O sistema de crédito (privado); 3º síntese da sociedade burguesa na forma do Estado. Considerando no seu relacionamento consigo próprio. As classes “improdutivas”. Os impostos. A dívida pública. O crédito público. A população. As colônias. A imigração; 4º as relações internacionais de produção. A divisão internacional do trabalho. A troca internacional. A exportação e a importação. A cotação do câmbio; 5º o mercado mundial e as crises. (MARX, 1974, p. 128-129).

Na Contribuição à crítica da economia política (1859), Marx explicitou que:

Examino o sistema da economia burguesa na seguinte ordem: capital, propriedade, trabalho assalariado, Estado, comércio exterior, mercado mundial. Sob os três primeiros títulos, estudo as condições econômicas de existência das três grandes classes nas quais se divide a sociedade burguesa moderna; a relação dos três outros títulos é evidente. (MARX, 2008, p. 45).

Apenas a partir desse método foi que Marx chegou à definição de que: “a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política”. (Idem, p. 47). Ainda, segundo o autor, esse método é imprescindível para se compreender o ser humano ativo na totalidade social. Consequentemente, Marx sublinhava a importância da investigação científica, analisando que:

Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. (MARX, 2008, p. 48).

No prefácio da segunda edição de O Capital, escrito em 1873, Marx sublinhou que:

(...) A investigação tem de se apropriar da matéria [Stoff] em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Se isso é realizado com sucesso, e se a vida da matéria é agora refletida idealmente, o observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori. 

Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do método hegeliano, mas exatamente seu oposto. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de Ideia, chega mesmo a transformar num sujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo, o qual constitui apenas a manifestação externa do primeiro. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem. (MARX, 2015, p. 90).

O exercício de compreender as determinações reais da sociedade, que são projetadas como conceitos na cabeça dos cientistas, não era entendido por Marx como coisa simples, como um caminho pavimentado para uma nobreza percorrer tranquila e harmonicamente. No prefácio à edição francesa de 1872, o autor alertava que “(...) Não existe uma estrada real para a ciência, e somente aqueles que não temem a fadiga de galgar suas trilhas escarpadas têm chance de atingir seus cumes luminosos". (MARX, 2015, p. 93). 

Materialismo histórico, ciências humanas e ciências exatas

Engels no trabalho intitulado Anti-Duhring, sintetizou muitas das elaborações desenvolvidas ao longo de sua trajetória como produção científica. O autor retomou as definições desenvolvidas em conjunto com Marx, segundo as quais os conhecimentos científicos constituem síntese de processos reais da natureza e da sociedade:

Os esquemas lógicos só podem se referir a formas de pensar; nesse ponto, contudo, trata-se apenas das formas do ser, do mundo exterior, e o pensamento jamais poderá tirar nem derivar essas formas de si mesmo, mas precisamente só do mundo exterior. Desse modo, a relação inteira se inverte: os princípios não são o ponto de partida da investigação, mas o seu resultado final; eles não são aplicados à natureza e à história humana, mas abstraídos delas; não são a natureza nem o reino humano que se orientam pelos princípios, mas os princípios são corretos só na medida em que estão de acordo com a natureza e a história. (ENGELS, 2015, p. 66).

Posto isso, fica claro que os esquemas explicativos não são idênticos à realidade, esses são formas externas de apreensão do real, apresentadas como elaboração teórica. É a partir da investigação dos processos reais, das suas causalidades e desenvolvimento, que se chega a um produto como apreensão do real. Se pressupõe, é claro, que mudando as bases fundamentais das condições sociais, econômicas ou políticas modifica-se também os objetos de análise e logo, os resultados das pesquisas. Reitera-se, aqui, que o conhecimento científico não é estacionário. Em consequência disso, Engels, no trabalho Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, afirmava que todo conhecimento social, toda forma científica, está sujeita a sofrer alterações conforme se modifica a realidade. Em tal perspectiva, toda a ciência é histórica.

Por conseguinte, o autor reafirma a necessidade de se compreender o mundo não como um conjunto de objetos acabados, “mas sim como um conjunto de processos”. Para Engels, uma coisa é observar a realidade, outra, mais complexa, é explicá-la em suas determinações e cadeias causais: “uma coisa é reconhecê-la em palavras, e outra é aplicá-la à realidade em cada caso concreto, e em todos os campos submetidos à investigação (...)”. (ENGELS, 1974). Para o autor, é preciso considerar: “(...) em todos os momentos, a consciência de que todos os resultados que obtemos são forçosamente limitados e se encontram condicionados pelas circunstâncias nas quais os obtemos (...)”. (ENGELS, 1974, p. 85). Assim sendo, a ciência é compreendida como apreensão, compreensão e produção de explicações do ser humano real sobre si, sobre a natureza e sobre o próprio desenvolvimento histórico. (1974, p. 77).

Engels mantem-se como continuador da perspectiva defendida por Marx em O método da economia política, no qual se elucidou que todo resultado científico é produto de condições históricas determinadas, o que implica que todos os resultados do conhecimento constituem fruto de processos ininterruptos e em constante transformação. Segundo Engels:

(...) aquilo que hoje consideramos verdadeiro encerra também um lado falso, oculto no momento, mas que virá à luz mais tarde, do mesmo modo que aquilo que agora reconhecemos como falso mantém seu lado verdadeiro, graças ao qual foi, anteriormente, acatado como verdadeiro; que aquilo que se afirma necessário é composto de toda uma série de meras casualidades, e que aquilo que se julga fortuito não é senão a forma por trás da qual se esconde o necessário, e assim sucessivamente. (ENGELS, 1974, p. 85-86).

Em contrapartida, no Anti-Duhring, Engels criticou a perspectiva aplicada pelo professor Duhring que acreditava ter chegado a soluções definitivas a partir de suas pesquisa. Uma das consequências dessa crença, foi a despreocupação em buscar apreender os novos elementos e desdobramentos que emergiam das constantes transformações sociais, bem como a perspectiva de que já se esgotou a compreensão de determinado objeto pode levar ao desprezo de resultados alcançados por outros pesquisadores:

(...) O sr. Dühring, pelo contrário, oferece-nos frases, declarando que são verdades definitivas de última instância, ao lado das quais, portanto, qualquer outra opinião de saída é falsa; assim como dispõe da verdade exclusiva, ele também possui o único método rigorosamente científico de investigação, ao lado do qual todos os outros não são científicos. (ENGELS, 2015, p. 59). 

Para Engels, o problema em tal postura é que: "Quando se está em poder da verdade definitiva de última instância e da única cientificidade rigorosa, obviamente se deve nutrir pelo restante da humanidade equivocada e não científica uma boa dose de desprezo (...)”. (ENGELS, 2015, p. 59).

Na perspectiva de Engels, o pesquisador necessita então investigar as causas sociais desdobradas nos processos sociais e colocar-se a tarefa de discutir com outros resultados relevantes encontrados por outros pesquisadores, compreendo-os profundamente, apontado seus avanços e suas limitações, e se necessário refutá-los, apresentando novos resultados para serem considerados, testados e mesmo contestados (se for o caso). Foi essa a forma utilizada por Marx e Engels em discussão com os socialistas utópicos, com o idealismo hegeliano, com a economia política clássica e com os anarquistas durante o século XIX.

Naturalmente, sublinha Engels, nem todos os fatos podem realmente ser contrapostos. Existem pessoas vivas e mortas, a água, em determinadas condições de pressão e temperatura, pode se encontrar em estados líquido, sólido ou gasoso, podemos conhecer o mosquito que transmite a doença “X” ou “Y”, existem proprietários de terras e não proprietários, patrões e assalariados. A realidade é o substrato da ciência, mudando a realidade teremos novos substratos para produção científica.

Engels exemplifica que até mesmo: “(...) Os conceitos de número e figura não são tirados de nenhum outro lugar senão do mundo real. Os dez dedos que os seres humanos usam para contar, com os quais aprenderam a realizar a primeira operação aritmética, são tudo menos criação livre do entendimento. (ENGELS, 2015, p. 69). Ou seja, todas as derivações científicas retratam processos advindos de determinadas condições sociais e históricas. Por isso, a investigação científica deve tomá-las como processos em movimento, não como objetos estáticos, mas sim como processos que transformam constantemente tanto a problemática investigada como o pesquisador que a investiga. De acordo com o autor:

(...) Se a humanidade alguma vez chegasse a operar só com verdades eternas, com resultados do pensamento que tivessem pretensão incondicional à verdade, ela atingiria o ponto em que teria sido levada a cabo, em termos tanto de realidade como de potencialidade, a infinitude do mundo intelectual e, desse modo, o tão afamado milagre da enumeração do inumerável. (ENGELS, 2015, p. 119).

A partir de tais análises, considera que toda forma científica, tanto as matemáticas, biológicas ou humanas, são formas de abstração da realidade social e estão sujeitas a terem seus resultados reconsiderados à luz de novas condições históricas. São aspectos da realidade corporificados em abstrações para compreensão do real. Essas podem e devem chegar a conclusões muito precisas da realidade, mas mesmo estes resultados são passíveis de serem revisados e ampliados. Para o autor, nem mesmo a matemática pura pode ser tomada “como ciência independente do mundo da experiência”. Basta considerar que: "(...) As representações de linhas, superfícies, ângulos, polígonos, cubos, esferas etc. são todas tomadas de empréstimo da realidade (...)”. (ENGELS, 2015, p. 71).

Por consequência, para além das ciências exatas e biológicas, de forma mais radical e profunda, a mesma regra é valida para as ciências históricas (ciências sociais ou ciências humanas). Essas investigam e propõem-se a compreender a movimentação dos seres humanos ao longo de suas relações históricas e transformações sociais, como se organizam, produzem e reproduzem as suas próprias condições de existência em meio às herança histórica, econômica e política.

Recordemos que, no trabalho Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels também afirmava que não se trata de inventar interligações artificiais entre as relações sociais e as problemáticas investigadas, mas sim de buscar descobrir as múltiplas relações reais da sociedade. Para isso, se fazia necessário desvendar as ligações entre o particular e o universal. Conceber as inter-relações do objeto estudado com as “leis gerais do movimento que se impõem, como dominantes, na história da sociedade humana”. (ENGELS, 1974, p. 91). A perspectiva de Engels está em consonância direta com a concepção de Marx, segundo a qual “se aparência e essência coincidissem, não seria necessária a ciência”. Engels reafirma tal prerrogativa analítica afirmando que “onde, na superfície das coisas, parece reinar a casualidade, esta é sempre governada por leis internas ocultas, e o que é necessário é descobrir tais leis” (Idem, p. 93). Trata-se então de buscar investigar as causas determinantes dos fenômenos em processo.

As conclusões de científicas de Marx, construídas desde A ideologia alemã, passando pelo Manifesto Comunista, o Método da economia política e O capital, e as elaboradas por Engels desde a juventude até o Anti-During, permanecem sustentáveis, uma vez que à luz da história, pode-se comparar a transformação dos diversos resultados de pesquisas científicas, de diversas áreas de investigação, ao longo de séculos de pesquisas. No entanto, isso não quer dizer que não se pode chegar a conclusões precisas. Segundo Engels:

Mas existem mesmo verdades tão firmemente estabelecidas que qualquer dúvida a respeito delas parece significar o mesmo que loucura? Por exemplo, que dois mais dois é igual a quatro, que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois ângulos retos, que Paris fica na França, que um ser humano sem alimento morre de fome etc.? Portanto, existem mesmo verdades eternas, verdades definitivas de última instância? Claro que sim. (...)". (ENGELS, 2015, p. 119).

Ainda que se possa propor revisões sobre teorias ou aspectos teóricos, é com a vida real que a ciência tem que se explicar. Não é a simples declaração de algum autor que determina se a história continua ou não existindo, ou se duas classes sociais fundamentais estruturam ou não a realidade social. Não se refuta conclusões científicas com opiniões aleatórias. Para se contrapor uma definição científica é necessário propor novas análises, interpretações e materiais que possam ser testados para superá-la. Conforme Marx definiu na 2ª tese ad Feuerbach,

A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva [gegenständliche Wahrheit] não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior [Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento – que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica. (MARX, 2007, p. 533).

Por conseguinte, todas as formulações de Marx e Engels sobre a ciência e a produção científica são também aplicáveis à produção desses mesmos autores. Os resultados das pesquisas e formulações de Marx e Engels foram e continuam sendo debatidos, testados, contestados, reafirmados e aprofundados, como por exemplo, nas análises filosóficas ou estéticas de György Lukács, nas produções sobre o capital financeiro de Rudolf Hilferding e John Hobson, ou nas elaboração teórico-políticas de Vladimir Lênin e Leon Trotski que também desenvolveram e aperfeiçoaram a teoria do imperialismo, analisando como a partir do final do século XIX abriu-se uma nova época do capitalismo, marcada pelos monopólios e nações imperialistas. Outro exemplo é o das revoluções no século XX, que levaram a diversas formulações e aprofundamentos acerca da teoria da revolução, teoria do Estado, economia planificada, monopólio do comércio exterior etc.  Os estudos e pesquisas científicas foram parte estruturantes dos novos avanços.

Considerações finais

Por conclusão, desta breve incursão em busca de delimitações científicas estabelecidas por Marx e Engels, podemos definir que é possível conhecer a realidade em suas determinações, quando aconteceu a Primavera dos Povos, quais foram os principais beneficiados neste processo, em que condições econômicas viviam, quais as principais ideias e correntes determinantes, bem como as principais lições históricas no campo da teoria política e da estratégia revolucionária. A compreensão científica desses processo possibilitam produzir novas concepção para a ação social e para novos ciclos de transformação da realidade. Isso vale para a Comuna de Paris, para as revoluções proletárias na Rússia de 1905, 1917 e também para o período stalinista.

Podemos descobrir os principais motivos e consequências da Primeira Guerra Mundial e da Segunda Guerra Mundial, do fascismo, do nazismo, da restauração capitalista na antiga URSS, da crise estrutural do capitalismo dos anos 1970 etc. É a partir de investigações sociais que podemos saber quais forças políticas, econômicas e sociais eram representadas por Mussolini na Itália, bem como quais grupos e motivações sustentaram o governo de Hitler, ou as determinações das últimas crises econômicas internacionais.

A determinação que se coloca no campo da investigação científica é que a realidade concreta é produto de condições históricas, por isso o critério da precisão científica é a própria realidade social e não o cérebro do pesquisador, seu caderno de notas ou seus artigos e livros publicados. Ainda, novos fatos, materiais e processos podem lançam luzes que permitem apreender novos problemas, aprofundar análises e chegar a novos resultados, ampliando assim a gama de conhecimento da humanidade em sua marcha histórica complexa. Então, em todo caso, a ciência é um caminho para compreender e explicar a materialidade em seu movimento infinito.

REFERÊNCIAS

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SMITH, A. A riqueza das nações. Editora F.S. 2010.



[1] Professor convidado no Programa de Pós-graduação da PUC-SP. Pós-doutorando em história econômica pela USP. Doutor em ciências sociais pela Unesp-Marília. Estudioso da obra de Marx, marxismo, movimento operário e revoluções.

[2] Esse livro foi redigido entre 1873-1886, mas a sua elaboração foi interrompida porque Engels foi convencido a preparar e publicar outro livro, o Anti-Dühring. No entanto, muitas das conclusões da Dialética da natureza foram expostas na obra requerida. Isso, somado à tarefa de editar os livros inéditos d’O capital, provavelmente desestimulou ou impediu Engels de concluir a Dialética da natureza, que só foi publicada postumamente em 1925. C.f. Engels, 2020.

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