Combate Classista

Teoria Marxista, Política e História contemporânea.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Ciência em Marx e Engels: Materialismo histórico, experimentação e produção científica


Ciência em Marx e Engels

                  Materialismo histórico, experimentação e produção científica


Resumo: Neste breve ensaio, abordamos a concepção de Marx e Engels sobre ciência e produção científica, ambas compreendidas como desdobramento da atuação da humanidade sobre a natureza. Tomamos por base as obras centrais dos autores, as quais abordam questões metodológicas e de produção teórica. O conhecimento científico é compreendido pelos autores como uma forma de produção de síntese elaborada sobre a realidade material em suas múltiplas determinações sócio-históricas.

Introdução

Marx e Engels analisaram a realidade como um todo estruturado em movimento, considerando que nenhum ser humano está fora da cadeia de relações sociais. Conforme já apontavam na obra A ideologia alemã (2007), todos os seres humanos desenvolvem interpretações acerca do mundo, estabelecendo formas de compreensão e explicação da realidade social, com isso se tornam sujeitos conscientes na transformação da natureza de acordo com suas próprias necessidades. No trabalho Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels denotava que:

(...) de modo algum se pode evitar que tudo quanto move o homem deva, necessariamente, passar-lhe pelo cérebro: até o comer e o beber, processos que começam pela sensação de fome e sede, sentida com o cérebro, e terminam na sensação de saciedade, também sentida com o cérebro. As impressões que o mundo exterior produz sobre o homem exprimem-se no seu cérebro. Nele se refletem sobre a forma de sentimentos, de pensamentos, de impulsos, de atos de vontade; numa palavra, de “correntes ideais” convertendo-se sob essa forma em “fatores ideais”. (ENGELS, 1974, p. 57-58).

De acordo com tal perspectiva: “(...) O ser humano é o único animal capaz de sair por esforço próprio da condição meramente animal – sua condição normal é condição adequada à sua consciência, a ser criada por ele mesmo”. (ENGELS, 2020, p. 35). A humanidade constrói sua própria cultura no processo histórico de intercâmbio com a natureza. Nesse sentido, segundo o autor: “(...) justamente a mudança da natureza pelo ser humano, e não só a natureza como tal, é o fundamento mais essencial e mais imediato do pensamento humano, e a inteligência do ser humano cresceu na mesma proporção em que ele aprendeu a modificar a natureza. (...). (Idem, p. 133).

Marx, em sua tese de doutorado intitulada Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro (2018), já havia chegado à conclusão de que era conhecendo a natureza que os seres humanos desmistificavam seus fenômenos e superavam a insegurança em relação a essa. Com isso, ao mesmo tempo, ampliavam sua cognoscibilidade sobre a natureza. Isso porque a ação de desvelamento e compreensão da natureza transverte-se como possibilidade de conhecer o mundo e a si mesmo, elevando-se a possibilidade de elaboração intelectual de concepções e conceitos sobre o mundo. Desta forma, o que antes era medo em relação à natureza incognoscível, tornava-se vontade e capacidade de conhecer mais. Isso faz do ser humano um sujeito ativo na natureza. Assim, todo o mundo exterior ao sujeito é compreendido como base de todo pensamento e ação. (MARX, 2018: MOURA, 2016: 2022).

Assim sendo, a sociedade é compreendida como fruto da atividade humana concreta, como síntese contraditória da construção cotidiana mediada pela atividade material diária dos seres humanos em constante interação. Para Marx, conforme afirmou na 3ª tese ad Feuerbach, os seres humanos, embora sejam fruto do meio que vivem, são também os mesmos que modificam este meio, constroem-no ativamente de acordo com suas necessidades. (MARX, 2007). A partir de tal perspectiva, a forma de estudo, análise e compreensão científica da realidade sustenta-se sobre a centralidade da atividade prática de estruturação e reestruturação do real, que fundamenta a compreensão crítica-prática. Nessa base de metodológica, as condições sociais e materiais da sociedade devem ser compreendidas como um processo infinito, no qual se plasmam modificações constantes.

Segundo tal perspectiva, analisando as problemáticas sociais e chegando-se a determinadas conclusões, é possível avançar até a raiz das determinações dos objetos em foco, compreendendo as formas de negação e afirmação das tendências presentes em seu desenvolvimento ao longo do tempo, expressos como problemas ou contradições da realidade social. O mundo social: “tem de ser tanto compreendido em sua contradição quanto revolucionado na prática”. (MARX, 2007, Tese 4, p. 534). Para Marx, a realidade social humana não está dada a priori como apreensão abstrata independente, como um modelo próprio individualizado, para o autor: “a realidade é o conjunto das relações sociais” das ações dos indivíduos. Em tal diapasão, todas as determinações sociais são pertencentes ao movimento da totalidade concreta, e assim, de interação entre os seres humanos em sua busca constante por manter e reproduzir sua existência. Na concepção de Marx: “Toda a vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática”. (MARX, 2007, p. 534).

Foi a necessidade histórica de elaboração sobre a realidade material, sobre o vivido e as condições de existência, que produziram as bases para o desenvolvimento da ciência. Ao longo da história, grupos sociais especializaram-se no campo das experimentações e investigações científicas, articulando fundamentos, materiais, hipóteses, resultados e conclusões de suas pesquisas ao conhecimento científico já sintetizado. Ainda, criaram condições educacionais que possibilitaram que tais acúmulos especializados fossem transmitidos de geração para geração por meio da educação institucionalizada. (MOURA, 2022). Nesse sentido, o próprio cientista é formado a partir da interação com determinadas visões de sociedade e de classe, é educado em escolas e universidades com determinada linha de pensamento e "visão de mundo". Notadamente, os profissionais da ciência, no seu "fazer científico", interagem e intercambiam com instituições do Estado, centros de pesquisa, universidades e agências de fomento públicas e privadas. Desta forma, na concepção marxista, o cientista jamais poderá ser neutro. Pelo contrário, como apontou Gramsci, a produção científica está sempre ligada aos grupos sociais e de interesses:

Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de novo direito, etc. (GRAMSCI, 2004, cad. 12, p. 15).

Esse princípio, naturalmente, compreende a produção científica e a própria vida dos cientistas que integram a totalidade social composta de sínteses de múltiplas determinações, englobando as relações econômicas, sociais e políticas.

A ciência em ascensão

Conforme apontado, toda experiência humana com a natureza, na busca pela manutenção de sua própria existência, compõe o saber humano sócio-histórico. A humanidade dedicou milhares de anos de sua existência para elaborar conhecimentos sobre a realidade a sua volta, só com isso pôde edificar, durante a Antiguidade, as chamadas sociedades antigas do Oriente (sobretudo Mesopotâmia, Egito, Kush, Índia e China), mas também as sociedades ameríndias e a sociedade europeia. Como destacou Engels: “(...) A Antiguidade deixara como legado Euclides e o sistema solar ptolemaico; os árabes, a notação decimal, os rudimentos da álgebra, os números modernos e a alquimia (...)”. (ENGELS, 2020, p. 40). Nesse sentido, o fazer científico é fruto da produção e reprodução da vida, afirmando-se como observação e experimentação cuidadosa, sistemática e sistematizada. Para Engels, “o fim de toda ciência” é “investigar justamente o que não conhecemos”. (2020, p. 128). Deste ponto de vista, cada nova geração pode acrescentar novas camadas de conhecimentos na compreensão sobre a realidade. Na perspectiva do autor:

O pensamento teórico de cada época e, portanto, também o da nossa é um produto histórico que, em diferentes épocas, assume formas muito diferentes e, desse modo, conteúdos muitos diferentes. A ciência do pensar é, portanto, como qualquer outra, uma ciência histórica, a ciência do desenvolvimento histórico do pensamento humano. (ENGELS, 2020, p. 76).

Mesmo considerando tais aspectos históricos da produção do conhecimento, Engels na introdução da Dialética da natureza (livro inacabado)[2], destacou que as investigações científicas experimentaram grandes avanços durante o século XV. Com a crise de dominação exercida pela Igreja e as monarquias feudais europeias, abriu-se uma nova fase de desvelamento do mundo por fora dos dogmas religiosos, marcada pela crítica ao teocentrismo, dando espaço para o desabrochar do antropocentrismo que compôs o renascimento humanista. Engels apontou que aquela nascente burguesia travou longas batalhas para separar a ciência dos credos religiosos e dos domínios morais e intelectuais da Igreja. (ENGELS, 2020).

As grandes navegações, marcadas pela busca de novos domínios e riquezas, com uma corrida de velocidades entre os diferentes países, acabou por demandar o desenvolvimento de novas técnicas científicas e produtivas. Muitos se aventuravam pelos campos das investigações buscando formas de compreender e de desvendar os motivos da existência humana, sua evolução e as determinações da natureza. Entre estes, Engels destacou: Da Vince, Durero, Mantelembert, Maquiavel, Lutero, Giordano Bruno, Galileu, Calvino etc. Segundo a perspectiva de Engels:

Foi a maior revolução progressista já vivida pela humanidade até então, uma era que precisou de gigantes e gerou gigantes, gigantes na capacidade de pensar, na paixão e no caráter, gigantes em versatilidade e erudição. Os homens que fundaram o moderno domínio da burguesia eram tudo menos burgueses tacanhos. Ao contrário, o caráter aventureiro da época os bafejou em maior ou menor medida. Naquela época, não houve praticamente nenhum homem importante que não tivesse feito longas viagens, que não falasse quatro ou cinco idiomas, que não brilhasse em várias especialidades. Leonardo da Vinci foi não só um grande pintor mas também um grande matemático, um grande mecânico e um grande engenheiro, ao qual os mais diversos ramos da física devem importantes descobertas; Albrecht Dürer foi pintor, calcogravurista, escultor, arquiteto, e ainda inventou um sistema de fortificação cujas ideias foram retomadas muito tempo depois por [Marc-René de] Montalembert e pela fortificação alemã mais recente. Maquiavel foi estadista, historiador, poeta e, ao mesmo tempo, o primeiro escritor militar digno de menção da época mais recente. Lutero lavou o estábulo de Áugias não só da Igreja mas também da língua alemã, criou a prosa alemã moderna e compôs texto e melodia daquele coral convicto da vitória que se tornou a Marselhesa do século XVI. (...). (ENGELS, 2020, pp.38-39).

Com tudo isso, o continente europeu se fez um importante centro de efervescência, produção e sintetização no campo do conhecimento e das descobertas científicas. De acordo com Engels, o primeiro grande impulso científico deu-se ainda no campo das ciências naturais. Os conhecimentos desenvolvidos nesse campo serviram também como base de reflexão para a filosofia, remontada na tradição de Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito e Epicuro. (ENGELS, 2020).

Tal contexto impulsionou novas investigações e descobertas que fizeram com que o conhecimento humano sobre o mundo avançasse incorporando acúmulos e elementos de sínteses refinadas tomadas da observação e experimentação, que, por sua vez, eram condensavas nos debates teórico-filosóficos. Nesse sentido, Engels reafirma a centralidade das bases materiais na produção da ciência, como substrato para interpretação do movimento concreto em infinitas transformações:

(...) Entrementes, todos concordamos que, no campo científico como um todo, seja na natureza, seja na história, se deve partir dos fatos dados, ou seja, na ciência natural, das diferentes formas concretas e das formas de movimento da matéria; e que, portanto, também na ciência natural teórica, os nexos não devem ser formulados e introduzidos nos fatos, mas devem ser descobertos a partir deles e, quando descobertos, devem ser demonstrados pela experiência, na medida do possível. (ENGELS, 2020, p. 80).

Engels destaca que o próprio método dialético, desenvolvido por Aristóteles, Hegel e Marx, é uma forma de abstração derivada da realidade. Trata-se de uma forma de se partir do concreto real para o concreto pensado. Para o autor: “(...) é da história da natureza e da história da sociedade humana que são abstraídas as leis da dialética. Estas são apenas as leis mais gerais dessas duas fases do desenvolvimento histórico, como do próprio pensamento. (...). (ENGELS, 2020, p. 111). Ou seja, foi a partir do movimento do real, da totalidade concreta da natureza em suas múltiplas determinações, que se derivou, como abstração, os princípios ou as “leis da dialética”, que são: 1) A lei da conversão de quantidade em qualidade e vice-versa. 2) A lei da interpenetração dos opostos, e 3) A lei da negação da negação. (ENGELS, 2020, p. 111).

A análise científica das relações de produção e a centralidade da classe trabalhadora

Já na primeira metade do século XIX, Marx e Engels concentraram suas energias na elaboração de análises sobre a realidade social vivida pela classe trabalhadora. Esses dois teóricos revolucionários buscaram explicações causais para compreensão da estruturação da realidade social, tanto da ascensão e consolidação da dominação burguesa como do surgimento da classe trabalhadora como maioria social expropriada de meios de produção. Apontam que a burguesia em sua fase revolucionária, apoiando-se em concepções científicas sobre o mundo, rasgou o véu da dominação da Igreja e das monarquias. No Manifesto do Partido Comunista, os autores lançam célebres definições:

A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que a atividade humana pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo antigas invasões e as cruzadas. (MARX: ENGELS, 2005, p. 42-43).

Foi por meio da análise concreta da realidade social e política, considerando as formas de existência das classes sociais, do Estado e suas instituições, que Marx e Engels sintetizaram importantes conclusões científicas publicizadas amplamente no Manifesto do Partido Comunista (MARX: ENGELS, 2005), no qual se definia que:

1) Para suplantar o feudalismo e estabelecer sua hegemonia social e política, a burguesia foi uma classe revolucionária.

2) O capitalismo inaugurou uma nova época com uma nova ordem social marcada por novas disputas sociais e políticas. Concentraram-se meios de produção nas mãos da burguesa ascendente, apartou-se os trabalhadores do uso das terras, meios de produção e demais formas de autorreprodução da vida. Despossuída de meios de produção, a massa de camponeses, viu-se obrigada a se concentrar nos centros urbanos em busca de trabalho, passando a viver em regiões proletárias e cidades industriais.

3) A burguesia não pôde controlar todas as tendências econômicas e políticas que se desenvolvem sob seu domínio. Os trabalhadores e trabalhadoras se auto-organizam a partir de seus próprios interesses e passam a lutar organizados contra a burguesia: destruíram máquinas, fizeram greves, piquetes, ocupações, criaram sindicatos, ligas revolucionárias e partidos políticos.

4) As crises econômicas, ancoradas em crises produtivas, desdobram-se em crises políticas e sociais. Em meio às disputas intraburguesas, desigualdade nas formas de condições de vida e na distribuição dos frutos do trabalho, emergiu o proletariado como um novo sujeito político independente.

5) As frações da burguesia disputavam o apoio do proletariado para seus próprios empreendimentos e usaram a força do proletariado em proveito próprio. No entanto, o proletariado mantinha condições sociais e políticas de se organizar e de seguir politicamente separado da burguesia. Ainda, para se emancipar política e socialmente, a classe trabalhadora, como maioria social, organizadora e produtora da vida material, sendo sujeito independente, necessita derrotar a forma social de organização da produção imposta pelas necessidades da burguesia.

6) A classe trabalhadora, como maioria social e produtora de valor, é o único sujeito revolucionário capaz de implantar uma nova sociedade. Isso porque: a) está concentrada nos pontos centrais do sistema capitalista; b) por sua posição na sociedade capitalista adquiriu capacidade de organização e planificação da produção; c) tem homogeneidade de condições de vida; d) condensa potencial político de submeter todas as outras classes sociais; e) Está impossibilitada de criar um modo individual de apropriação dos frutos do trabalho; f) é uma classe internacional.

Após a derrota da Primavera dos Povos em 1848, Marx adentrou em uma nova fase de investigação e produção científica durante a década de 1850. (MANDEL, 1968: RUBIN, 2013). Partindo de seus estudos sobre a economia política clássica, colocou-se na tarefa de resolver as principais contradições e insuficiências notadas em Adam Smith e David Ricardo. Com isso pôde chegar às definições científicas sobre o valor, dinheiro, capital e crises econômicas. Essa monumental incursão resultou nos quatro volumes de O Capital. A determinação de Marx em compreender os mecanismos centrais de produção e reprodução da sociedade fez com que se tornasse um dos principais teóricos das ciências humanas. Essa postura inspirou Engels em seu Discurso diante do túmulo de Karl Marx:

Era, assim, um homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar - sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e, por último, ainda as de Mare Deprez. (ENGELS, 2018, pp. 367-368).

Vejamos então, de forma mais cuidadosa como Marx entendia a sociedade, suas contradições e a própria a produção científica.

Sobre o método materialista dialético de Marx

Na exposição de sua forma de análise e produção científica, Marx, no texto O método da Economia Política (1857), expôs como aplicava o seu método materialista, histórico e dialético. Apontou que a economia política clássica trouxe avanços importantes na forma de analisar a realidade social. No entanto, segundo Marx, os teóricos dessa corrente analítica, sobretudo Smith e Ricardo, embora tivessem estabelecido categorias que buscavam apreender as relações produtivas, como relações materiais e concretas da realidade, ainda trabalharam com generalizações demasiado abstratas que prejudicavam as definições mais precisas. Com tipificações gerais, não se podia explicar satisfatoriamente como se desenvolviam as principais contradições, relações sociais de produção, distribuição e reprodução da vida humana e no mundo. De acordo com o autor:

Quando estudamos um dado país do ponto de vista da Economia Política, começamos por sua população, sua divisão de classes, sua repartição entre cidades e campo, a orla marítima; os diferentes ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias, etc. Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, começar-se-ia pela população, que é a base e o sujeito do ato social de produção como um todo. No entanto, graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que isso é falso. A população é uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por outro lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estas pressupõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc. não é nada. (...). (MARX, 1974, p. 122).

Para Marx, a forma como a economia política clássica analisava a sociedade conduzia a uma visão caótica do todo. Não explicitava as relações intrapopulacionais como relações que compõem um todo estruturado em uma série de relações: uma totalidade concreta formada por múltiplas determinações e contradições. Para o autor, o correto seria partir de uma visão da totalidade social, produtiva, econômica e política, mas, dentro dessa totalidade, analisar as especificidades que a compõe, intentando compreender de forma mais precisa possível a “rica totalidade de determinações e relações diversas”. A análise deveria então proceder do geral para o particular, e do particular para o geral.

(...) Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações mais simples. Chegaríamos a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica do todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. (...). (MARX, 1974, p. 122).

Para o autor, o método científico possibilita compreender as determinações abstratas que balizam a reprodução do concreto por meio do pensamento: “o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado”. (MARX, 1974, p. 123). Destarte, pode-se compreender que: “O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação”. (MARX, 1974, p. 122). Em vista disso, as categorias científicas devem buscar apreender a gênese das relações sociais concretas que organizam e reproduzem a vida humana:

A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõem a população produzindo em determinadas condições e também certos tipos de famílias, de comunidades ou Estados. O valor de troca nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral, abstrata de um todo vivo e concreto já dado. (MARX, 1974, pp. 122-123).

Sendo assim, para Marx, a realidade social, como totalidade concreta composta por sínteses multideterminadas, pressupõe uma:

(...) totalidade de pensamentos, como um concreto de pensamentos, é de fato um produto do pensar, do conceber; não é de modo nenhum o produto do conceito que pensa separado e acima da intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas da elaboração da intuição e da representação em conceitos. O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo de pensamentos, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que se difere do mundo artístico, religioso e prático-mental de se apropriar dele. (MARX, 1974, p. 123).

Posto esse método de analisar a realidade social, todo conceito científico é uma tentativa organizada de compreender e explicar de maneira mais precisa possível a realidade social humana em movimento. No mesmo texto, Marx afirmava que “até as categorias mais abstratas – precisamente por causa de sua natureza abstrata -, apesar de sua validade para todas as épocas, são contudo, na determinidade desta abstração, igualmente produto de condições históricas, e não possuem pela validez senão para esta condições e dentro do limites desta". (MARX, 1974, p. 126). Seguindo esta lógica, Marx chega a explicar passo a passo seu método de análise da sociedade:

As seções a adotar devem evidentemente ser as seguintes: 1º as determinações abstratas gerais, que convém, portanto, mais ou menos a todas as formas de sociedade, mas consideradas no sentido acima discutido; 2º as categorias que constituem a articulação interna da sociedade burguesa e sobre as quais se assentam as classes fundamentais. Capital, trabalho assalariado, propriedade fundiária. Os seus relacionamentos recíprocos. Cidade e campo. As três grandes classes sociais. A troca entre estas. A circulação. O sistema de crédito (privado); 3º síntese da sociedade burguesa na forma do Estado. Considerando no seu relacionamento consigo próprio. As classes “improdutivas”. Os impostos. A dívida pública. O crédito público. A população. As colônias. A imigração; 4º as relações internacionais de produção. A divisão internacional do trabalho. A troca internacional. A exportação e a importação. A cotação do câmbio; 5º o mercado mundial e as crises. (MARX, 1974, p. 128-129).

Na Contribuição à crítica da economia política (1859), Marx explicitou que:

Examino o sistema da economia burguesa na seguinte ordem: capital, propriedade, trabalho assalariado, Estado, comércio exterior, mercado mundial. Sob os três primeiros títulos, estudo as condições econômicas de existência das três grandes classes nas quais se divide a sociedade burguesa moderna; a relação dos três outros títulos é evidente. (MARX, 2008, p. 45).

Apenas a partir desse método foi que Marx chegou à definição de que: “a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política”. (Idem, p. 47). Ainda, segundo o autor, esse método é imprescindível para se compreender o ser humano ativo na totalidade social. Consequentemente, Marx sublinhava a importância da investigação científica, analisando que:

Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. (MARX, 2008, p. 48).

No prefácio da segunda edição de O Capital, escrito em 1873, Marx sublinhou que:

(...) A investigação tem de se apropriar da matéria [Stoff] em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Se isso é realizado com sucesso, e se a vida da matéria é agora refletida idealmente, o observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori. 

Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do método hegeliano, mas exatamente seu oposto. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de Ideia, chega mesmo a transformar num sujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo, o qual constitui apenas a manifestação externa do primeiro. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem. (MARX, 2015, p. 90).

O exercício de compreender as determinações reais da sociedade, que são projetadas como conceitos na cabeça dos cientistas, não era entendido por Marx como coisa simples, como um caminho pavimentado para uma nobreza percorrer tranquila e harmonicamente. No prefácio à edição francesa de 1872, o autor alertava que “(...) Não existe uma estrada real para a ciência, e somente aqueles que não temem a fadiga de galgar suas trilhas escarpadas têm chance de atingir seus cumes luminosos". (MARX, 2015, p. 93). 

Materialismo histórico, ciências humanas e ciências exatas

Engels no trabalho intitulado Anti-Duhring, sintetizou muitas das elaborações desenvolvidas ao longo de sua trajetória como produção científica. O autor retomou as definições desenvolvidas em conjunto com Marx, segundo as quais os conhecimentos científicos constituem síntese de processos reais da natureza e da sociedade:

Os esquemas lógicos só podem se referir a formas de pensar; nesse ponto, contudo, trata-se apenas das formas do ser, do mundo exterior, e o pensamento jamais poderá tirar nem derivar essas formas de si mesmo, mas precisamente só do mundo exterior. Desse modo, a relação inteira se inverte: os princípios não são o ponto de partida da investigação, mas o seu resultado final; eles não são aplicados à natureza e à história humana, mas abstraídos delas; não são a natureza nem o reino humano que se orientam pelos princípios, mas os princípios são corretos só na medida em que estão de acordo com a natureza e a história. (ENGELS, 2015, p. 66).

Posto isso, fica claro que os esquemas explicativos não são idênticos à realidade, esses são formas externas de apreensão do real, apresentadas como elaboração teórica. É a partir da investigação dos processos reais, das suas causalidades e desenvolvimento, que se chega a um produto como apreensão do real. Se pressupõe, é claro, que mudando as bases fundamentais das condições sociais, econômicas ou políticas modifica-se também os objetos de análise e logo, os resultados das pesquisas. Reitera-se, aqui, que o conhecimento científico não é estacionário. Em consequência disso, Engels, no trabalho Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, afirmava que todo conhecimento social, toda forma científica, está sujeita a sofrer alterações conforme se modifica a realidade. Em tal perspectiva, toda a ciência é histórica.

Por conseguinte, o autor reafirma a necessidade de se compreender o mundo não como um conjunto de objetos acabados, “mas sim como um conjunto de processos”. Para Engels, uma coisa é observar a realidade, outra, mais complexa, é explicá-la em suas determinações e cadeias causais: “uma coisa é reconhecê-la em palavras, e outra é aplicá-la à realidade em cada caso concreto, e em todos os campos submetidos à investigação (...)”. (ENGELS, 1974). Para o autor, é preciso considerar: “(...) em todos os momentos, a consciência de que todos os resultados que obtemos são forçosamente limitados e se encontram condicionados pelas circunstâncias nas quais os obtemos (...)”. (ENGELS, 1974, p. 85). Assim sendo, a ciência é compreendida como apreensão, compreensão e produção de explicações do ser humano real sobre si, sobre a natureza e sobre o próprio desenvolvimento histórico. (1974, p. 77).

Engels mantem-se como continuador da perspectiva defendida por Marx em O método da economia política, no qual se elucidou que todo resultado científico é produto de condições históricas determinadas, o que implica que todos os resultados do conhecimento constituem fruto de processos ininterruptos e em constante transformação. Segundo Engels:

(...) aquilo que hoje consideramos verdadeiro encerra também um lado falso, oculto no momento, mas que virá à luz mais tarde, do mesmo modo que aquilo que agora reconhecemos como falso mantém seu lado verdadeiro, graças ao qual foi, anteriormente, acatado como verdadeiro; que aquilo que se afirma necessário é composto de toda uma série de meras casualidades, e que aquilo que se julga fortuito não é senão a forma por trás da qual se esconde o necessário, e assim sucessivamente. (ENGELS, 1974, p. 85-86).

Em contrapartida, no Anti-Duhring, Engels criticou a perspectiva aplicada pelo professor Duhring que acreditava ter chegado a soluções definitivas a partir de suas pesquisa. Uma das consequências dessa crença, foi a despreocupação em buscar apreender os novos elementos e desdobramentos que emergiam das constantes transformações sociais, bem como a perspectiva de que já se esgotou a compreensão de determinado objeto pode levar ao desprezo de resultados alcançados por outros pesquisadores:

(...) O sr. Dühring, pelo contrário, oferece-nos frases, declarando que são verdades definitivas de última instância, ao lado das quais, portanto, qualquer outra opinião de saída é falsa; assim como dispõe da verdade exclusiva, ele também possui o único método rigorosamente científico de investigação, ao lado do qual todos os outros não são científicos. (ENGELS, 2015, p. 59). 

Para Engels, o problema em tal postura é que: "Quando se está em poder da verdade definitiva de última instância e da única cientificidade rigorosa, obviamente se deve nutrir pelo restante da humanidade equivocada e não científica uma boa dose de desprezo (...)”. (ENGELS, 2015, p. 59).

Na perspectiva de Engels, o pesquisador necessita então investigar as causas sociais desdobradas nos processos sociais e colocar-se a tarefa de discutir com outros resultados relevantes encontrados por outros pesquisadores, compreendo-os profundamente, apontado seus avanços e suas limitações, e se necessário refutá-los, apresentando novos resultados para serem considerados, testados e mesmo contestados (se for o caso). Foi essa a forma utilizada por Marx e Engels em discussão com os socialistas utópicos, com o idealismo hegeliano, com a economia política clássica e com os anarquistas durante o século XIX.

Naturalmente, sublinha Engels, nem todos os fatos podem realmente ser contrapostos. Existem pessoas vivas e mortas, a água, em determinadas condições de pressão e temperatura, pode se encontrar em estados líquido, sólido ou gasoso, podemos conhecer o mosquito que transmite a doença “X” ou “Y”, existem proprietários de terras e não proprietários, patrões e assalariados. A realidade é o substrato da ciência, mudando a realidade teremos novos substratos para produção científica.

Engels exemplifica que até mesmo: “(...) Os conceitos de número e figura não são tirados de nenhum outro lugar senão do mundo real. Os dez dedos que os seres humanos usam para contar, com os quais aprenderam a realizar a primeira operação aritmética, são tudo menos criação livre do entendimento. (ENGELS, 2015, p. 69). Ou seja, todas as derivações científicas retratam processos advindos de determinadas condições sociais e históricas. Por isso, a investigação científica deve tomá-las como processos em movimento, não como objetos estáticos, mas sim como processos que transformam constantemente tanto a problemática investigada como o pesquisador que a investiga. De acordo com o autor:

(...) Se a humanidade alguma vez chegasse a operar só com verdades eternas, com resultados do pensamento que tivessem pretensão incondicional à verdade, ela atingiria o ponto em que teria sido levada a cabo, em termos tanto de realidade como de potencialidade, a infinitude do mundo intelectual e, desse modo, o tão afamado milagre da enumeração do inumerável. (ENGELS, 2015, p. 119).

A partir de tais análises, considera que toda forma científica, tanto as matemáticas, biológicas ou humanas, são formas de abstração da realidade social e estão sujeitas a terem seus resultados reconsiderados à luz de novas condições históricas. São aspectos da realidade corporificados em abstrações para compreensão do real. Essas podem e devem chegar a conclusões muito precisas da realidade, mas mesmo estes resultados são passíveis de serem revisados e ampliados. Para o autor, nem mesmo a matemática pura pode ser tomada “como ciência independente do mundo da experiência”. Basta considerar que: "(...) As representações de linhas, superfícies, ângulos, polígonos, cubos, esferas etc. são todas tomadas de empréstimo da realidade (...)”. (ENGELS, 2015, p. 71).

Por consequência, para além das ciências exatas e biológicas, de forma mais radical e profunda, a mesma regra é valida para as ciências históricas (ciências sociais ou ciências humanas). Essas investigam e propõem-se a compreender a movimentação dos seres humanos ao longo de suas relações históricas e transformações sociais, como se organizam, produzem e reproduzem as suas próprias condições de existência em meio às herança histórica, econômica e política.

Recordemos que, no trabalho Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels também afirmava que não se trata de inventar interligações artificiais entre as relações sociais e as problemáticas investigadas, mas sim de buscar descobrir as múltiplas relações reais da sociedade. Para isso, se fazia necessário desvendar as ligações entre o particular e o universal. Conceber as inter-relações do objeto estudado com as “leis gerais do movimento que se impõem, como dominantes, na história da sociedade humana”. (ENGELS, 1974, p. 91). A perspectiva de Engels está em consonância direta com a concepção de Marx, segundo a qual “se aparência e essência coincidissem, não seria necessária a ciência”. Engels reafirma tal prerrogativa analítica afirmando que “onde, na superfície das coisas, parece reinar a casualidade, esta é sempre governada por leis internas ocultas, e o que é necessário é descobrir tais leis” (Idem, p. 93). Trata-se então de buscar investigar as causas determinantes dos fenômenos em processo.

As conclusões de científicas de Marx, construídas desde A ideologia alemã, passando pelo Manifesto Comunista, o Método da economia política e O capital, e as elaboradas por Engels desde a juventude até o Anti-During, permanecem sustentáveis, uma vez que à luz da história, pode-se comparar a transformação dos diversos resultados de pesquisas científicas, de diversas áreas de investigação, ao longo de séculos de pesquisas. No entanto, isso não quer dizer que não se pode chegar a conclusões precisas. Segundo Engels:

Mas existem mesmo verdades tão firmemente estabelecidas que qualquer dúvida a respeito delas parece significar o mesmo que loucura? Por exemplo, que dois mais dois é igual a quatro, que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois ângulos retos, que Paris fica na França, que um ser humano sem alimento morre de fome etc.? Portanto, existem mesmo verdades eternas, verdades definitivas de última instância? Claro que sim. (...)". (ENGELS, 2015, p. 119).

Ainda que se possa propor revisões sobre teorias ou aspectos teóricos, é com a vida real que a ciência tem que se explicar. Não é a simples declaração de algum autor que determina se a história continua ou não existindo, ou se duas classes sociais fundamentais estruturam ou não a realidade social. Não se refuta conclusões científicas com opiniões aleatórias. Para se contrapor uma definição científica é necessário propor novas análises, interpretações e materiais que possam ser testados para superá-la. Conforme Marx definiu na 2ª tese ad Feuerbach,

A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva [gegenständliche Wahrheit] não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior [Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento – que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica. (MARX, 2007, p. 533).

Por conseguinte, todas as formulações de Marx e Engels sobre a ciência e a produção científica são também aplicáveis à produção desses mesmos autores. Os resultados das pesquisas e formulações de Marx e Engels foram e continuam sendo debatidos, testados, contestados, reafirmados e aprofundados, como por exemplo, nas análises filosóficas ou estéticas de György Lukács, nas produções sobre o capital financeiro de Rudolf Hilferding e John Hobson, ou nas elaboração teórico-políticas de Vladimir Lênin e Leon Trotski que também desenvolveram e aperfeiçoaram a teoria do imperialismo, analisando como a partir do final do século XIX abriu-se uma nova época do capitalismo, marcada pelos monopólios e nações imperialistas. Outro exemplo é o das revoluções no século XX, que levaram a diversas formulações e aprofundamentos acerca da teoria da revolução, teoria do Estado, economia planificada, monopólio do comércio exterior etc.  Os estudos e pesquisas científicas foram parte estruturantes dos novos avanços.

Considerações finais

Por conclusão, desta breve incursão em busca de delimitações científicas estabelecidas por Marx e Engels, podemos definir que é possível conhecer a realidade em suas determinações, quando aconteceu a Primavera dos Povos, quais foram os principais beneficiados neste processo, em que condições econômicas viviam, quais as principais ideias e correntes determinantes, bem como as principais lições históricas no campo da teoria política e da estratégia revolucionária. A compreensão científica desses processo possibilitam produzir novas concepção para a ação social e para novos ciclos de transformação da realidade. Isso vale para a Comuna de Paris, para as revoluções proletárias na Rússia de 1905, 1917 e também para o período stalinista.

Podemos descobrir os principais motivos e consequências da Primeira Guerra Mundial e da Segunda Guerra Mundial, do fascismo, do nazismo, da restauração capitalista na antiga URSS, da crise estrutural do capitalismo dos anos 1970 etc. É a partir de investigações sociais que podemos saber quais forças políticas, econômicas e sociais eram representadas por Mussolini na Itália, bem como quais grupos e motivações sustentaram o governo de Hitler, ou as determinações das últimas crises econômicas internacionais.

A determinação que se coloca no campo da investigação científica é que a realidade concreta é produto de condições históricas, por isso o critério da precisão científica é a própria realidade social e não o cérebro do pesquisador, seu caderno de notas ou seus artigos e livros publicados. Ainda, novos fatos, materiais e processos podem lançam luzes que permitem apreender novos problemas, aprofundar análises e chegar a novos resultados, ampliando assim a gama de conhecimento da humanidade em sua marcha histórica complexa. Então, em todo caso, a ciência é um caminho para compreender e explicar a materialidade em seu movimento infinito.

REFERÊNCIAS

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______. Anti-Duhring. Boitempo. São Paulo. 2015.

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KOSIK, K. Dialética do Concreto. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1973.

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MARX, K e ENGELS: A ideologia alemã. 2007.

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______. A ruptura de Marx com Hegel: Crítica da filosofia do direito de Hegel. In: Filosofia política, conhecimento e educação. CHAGAS, F. et ali. Editora Fi, 2020. pp. 30-59.

______. Marx antes do marxismo - Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro (1841). In: Esquerda diário. 2016. Disponível: https://www.esquerdadiario.com.br/Marx-antes-do-marxismo-Diferenca-entre-as-filosofias-da-natureza-em-Democrito-e-Epicuro-1841

RICARDO, D. Princípios de Economia Política e Tributação. Abril cultural. 1982.

RUBIN. I. História do Pensamento Econômico. UFRJ. 2013.

SMITH, A. A riqueza das nações. Editora F.S. 2010.



[1] Professor convidado no Programa de Pós-graduação da PUC-SP. Pós-doutorando em história econômica pela USP. Doutor em ciências sociais pela Unesp-Marília. Estudioso da obra de Marx, marxismo, movimento operário e revoluções.

[2] Esse livro foi redigido entre 1873-1886, mas a sua elaboração foi interrompida porque Engels foi convencido a preparar e publicar outro livro, o Anti-Dühring. No entanto, muitas das conclusões da Dialética da natureza foram expostas na obra requerida. Isso, somado à tarefa de editar os livros inéditos d’O capital, provavelmente desestimulou ou impediu Engels de concluir a Dialética da natureza, que só foi publicada postumamente em 1925. C.f. Engels, 2020.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Golpe de 1964: Não esquecemos a ditadura, assassinatos e torturas!


Coração? Tambor rufando.
Beba e celebre! Desata
nas veias a primavera!
Coração, bate e combate!
O peito - bronze de guerra.
(Nossa marcha - Mayakovsky)

Alessandro de Moura


A juventude precisa desvelar o passado vorazmente em busca do que pode servir de arma para desatar o futuro e as veias da primavera. Somos parte da juventude que tem memória e tira lições das principais batalhas na luta de classes e dos principais conflitos sociais. Em abril de 2011 completaram-se 47 anos do golpe militar-burguês no Brasil. (Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=7w-jb2NDhdU&feature=player_embedded). A partir do golpe, abriu-se um processo de intensa perseguição às trabalhadoras e trabalhadores agrícolas que lutavam pela reforma agrária, ao movimento operário e demais ativistas que pressionavam o governo contra a desigualdade social, baixos salários e a concentração de terras imposta pelas classes dominantes.
Durante o período 1955-1964 agudiza-se sobremaneira as lutas sociais no Brasil. No inicio da década de 1960 abrira-se no país um processo pré-revolucionário, o proletariado do campo e das cidades recusava-se a aceitar as condições sociais, econômicas e políticas vigentes, ao mesmo tempo, as classes dominantes já não conseguiam manter sua hegemonia. No entanto, o governo não cairia se não fosse derrubado. Na primeira metade da década de 1960 diversas frações do proletariado organizam-se para lutar por melhores condições de vida. Sobre o protagonismo das Ligas Camponesas, desencadeia-se importante luta contra a concentração de terras, latifúndios e a estrutura agrária. Nas forças armadas destacam-se setores rebelados do exército. Também o movimento operário vive um de seus períodos mais ativos, protagonizam passeatas de 500 mil pessoas contra a fome “Passeatas da Panela Vazia” e também a greve dos 300 Mil, de março-abril de 1953. Em outubro de 1957 eclode a greve dos 400 mil. Em outubro de 1962 é desencadeada a greve dos 700 mil. O desenvolvimento do ativismo destes setores sociais, que delineava a crise social, política e econômica, marcará um período pré-revolucionário que se abrirá no Brasil.
Em 1961 tem-se a renuncia de Jânio Quadros, como conseqüência da renúncia, Leonel Brizola e o PTB empreendem no sul grande movimento pela legalidade, para que o vice de Jânio, João Goulart assumisse a presidência. Organiza-se em Porto alegre o “Comitê de Resistência Democrática”, ainda que de forma propagandistica, armas são distribuídas a setores de confiança de Leonel Brizola, que chega a declarar que estava preparado para marchar com 90 mil homens armados contra Brasília e dissolver o Congresso, caso João Goulart fosse impedido de assumir o governo. Jango assume, mas a crise de poder persiste.
Com o golpe militar-burguês, o Estado burguês assume modulo de guerra contra o proletariado organizado. Esta foi a forma a encontrada pela burguesia agrária e urbana para por fim ao ascenso da luta de classes que se desenvolvia no campo e as cidades, ameaçando gravemente a estabilidade do regime. Com a força das armas, o governo buscava fazer refluir a organização crescentes das classes trabalhadoras. Este importante processo histórico carece ainda de estudos críticos que possam averiguar as responsabilidades pelas perseguições, assassinatos e torturas cometidas contra os setores organizados da sociedade. Poder-se-ia clarificar muito as relações da burguesia e do patronato com o golpe militar-burguês se fossem abertos os “arquivos da ditadura”, porém também neste aspecto, exercito e burguesia estão unificados para ocultar seus crimes.
Cabe a juventude mostrar que não esquecemos a ditadura, assassinatos e torturas. Continuamos combatendo os resquícios do regime militar. Temos que derrubar a Lei da Anistia, lutar por uma Comissão Nacional de Memória e Verdade que seja independente do governo, dos militares e das forças repressivas! Só assim podemos punir todos os torturadores, mandantes e empresários que apoiaram a financiaram o regime militar-burguês. Somos pela imediata e irrestrita abertura dos arquivos. Pela investigação, julgamento e condenação de todos os civis e militares envolvidos nos crimes políticos de Estado durante a ditadura. Torturador tem que pagar. Pela dissolução de todos os atuais organismos de vigilância aos movimentos sociais e organizações operárias que são extensão e continuidade dos órgãos criados pelo regime militar-burguês.

OS SUJEITOS

São três os principais sujeitos coletivos que protagonizaram o ascenso proletário anterior ao golpe. As Ligas Camponesas, os militares de baixa patente e o movimento operário.
Já no inicio da década de 1950, parte significativa do proletariado agrícola se re-organiza por meio das Ligas Camponesas. Sendo que “Em fins dos anos 1950, as Ligas Camponesas contavam com 35 mil associados em Pernambuco e 70 mil em todo o Nordeste”. (SALLES & MATOS, 20007[1]). Durante a década de 1960 a organização das Ligas intensifica-se, em 1963 atingiam 18 dos 22 estados brasileiros existentes à época, com 218 Ligas no total concentradas sobretudo no Nordeste, mas também em estados importantes do centro sul, segundo os números que seguem: 64 ligas em Pernambuco, 15 na Paraíba, 12 no Maranhão, 10 no Ceará e 9 na Bahia, 15 em São Paulo, 14 no Rio de Janeiro, 12 em Goiás e 11 Espírito Santo. Em seu momento de auge, as Ligas afirmavam contar com 500 mil afiliados. Além das Ligas Camponesas, também era crescente o número de sindicatos rurais organizados pelo proletariado agrícola, em números oficiais, os sindicatos rurais no país passaram de 6 em 1961, para 60 em 1962 e 270 no inicio de 1963, saltando para 1300 justamente nas vésperas do golpe contra-revolucionário.
O expressivo crescimento das Ligas e sua atividade permanente colocavam em risco a manutenção dos lucros do patronato agrícola, a propriedade privada em posse dos latifundiários, e assim a própria estrutura fundiária no Brasil. Sob o consigna “reforma agrária na lei ou na marra!”, as Ligas reivindicavam a utilização de métodos de guerra civil no campo para impor o fim do latifúndio. Desta forma, exerciam intensa pressão sobre os grandes proprietários, sobre os governos locais, estaduais e o patronato agrícola. Articulado o governo e as classes dominantes, sustentavam grupos paramilitares para combater o proletariado agrícola com métodos de guerra civil, como se dava no caso da região de Alagoas. Ou seja, o patronato e a burguesia do campo respondiam ao ascenso camponês com repressão armada, atentados e assassinatos de militantes e suas famílias.

OS MILITARES

Além dos levantes do proletariado das cidades, também setores do exército estavam se organizando e se rebelando com tendências a unificação de pautas com o conjunto do movimento que se desenvolvia no campo e na cidade; estes deveriam ter sido organizados para atuar em conjunto com o proletariado do campo. A década de 50 e 60 foi marcada por um intenso processo de politização nas Forças Armadas, percorrendo desde o alto-comando até as bases e passando por toda a oficialidade ’ um período marcado por um importante peso dos militares na vida política nacional: a tentativa de golpe militar contra Vargas em 1953, a “Novembrada” em 1954, o peso determinante de Lott na estabilidade do governo JK e a tentativa de golpe militar em 1961. As divisões entre as distintas frações burguesas e a polarização de classes atravessavam o Exército e as demais Armas, reunindo de um lado os setores que se ligavam ao trabalhismo e apoiavam o ascenso popular e de outro os setores mais diretamente pró-imperialistas e que se ligavam à UDN. A partir de 1961, as divisões que até então se expressavam predominantemente entre setores da oficialidade e do alto-comando, passaram a se expressar também com revoltas das bases contra o alto-comando e tendências à ligação dos soldados e sub-oficiais com o movimento operário e camponês.
Em 1962 setores das forças armadas criaram uma forma de sindicato para organizar as reivindicações dos militares, constituíram a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil – AMFNB. Esta associação tinha acordo com as demandas das Ligas Camponesas por reforma agrária e queriam contribuir para a organização dos trabalhadores e trabalhadoras. Os militares de baixa patente eram oriundos da classe trabalhadora e também sofriam intensa opressão nas Forças Armadas, comiam em cozinhas separadas, não podiam ouvir rádio, não podiam se casar, nem votar ou serem eleitos e seus salários não chegavam sequer um salário mínimo. A AMFNB foi a forma sindical encontrada para lutar por suas demandas imediatas. No entanto, com a agudização da luta de classes no país este sindicato politizou-se rapidamente e avançando para constituição de elementos de autorganização, até que em 1963 eclodiu a “revolta dos sargentos”. (SALLES; MATOS, 2007).
Nas cidades, os trabalhadores e trabalhadoras organizam-se contra as condições paupérrimas que lhe eram impostas, utilizando-se de suas tradicionais formas de luta: greves, piquetes e paralisações. Assim, Entre 1961 e 1963, o processo dá um novo salto, quadruplicando o número de greves econômicas nos serviços e na indústria. Os grevistas chegam a 5,6 milhões, caracterizando o maior ascenso grevístico da história do país até aquele momento. Em março de 1963, via Federação de Metalúrgicos do Estado de São Paulo, desencadeia-se uma greve que envolve 220.000 trabalhadores, que durou três dias. Em outubro a greve dos 700 mil atingiu 40 cidades do interior paulista, englobando 80 sindicatos de 11 categorias. Porém o movimento operário, articulado por meio do CGT-PCB, vive os processos organizativos quase que isolado da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) e das Ligas Camponesas. As greves representaram um pico na ação conjunta e organizada da classe a nível nacional, no entanto, foram ainda mobilizações controladas, organizadas pela burocracia do CGT para demonstrar seu apoio político a João Goulart e seus projetos. As direções, em primeiro lugar o PCB, faziam da classe operária um peso a mais na balança da correlação de forças entre as distintas frações das classes dominantes.

O PAPEL DE JANGO E O PCB NO ASCENSO DE 1964

Em meio aos levantes de trabalhadores e trabalhadoras do campo e das cidades, João Goulart assume o leme do Estado. Em um clima social explosivo Jango fica com “um pé em cada barco”, apóia-se sobre setores da classe trabalhadora, mas também das classes dominantes agrárias e industriais. Depois da renúncia de Jânio, e o “golpe da legalidade”, o PCB será uma das instituições política que vai dedicar-se integralmente a luta pela legalidade que garantiria a posse de João Goulart. Buscará ainda garantir-lhe condições mínimas para governabilidade e realização de suas reformas de base. Para o PC Jango era o paladino da revolução por etapas. Desta forma, tanto a luta pela legalidade como as reformas de base, eram entendidas pelo PCB como etapas para consolidar a revolução burguesa, a ante-sala da revolução socialista. Em razão disto, o Partido atuou permanentemente para promover a construção da imagem de Jango como o grande dirigente do proletariado. Goulart tinha o diferencial de defender abertamente reformas básicas no capitalismo brasileiro.
No entanto era um governante que oscilava entre atender ao mesmo tempo interesses dos latifundiários e industriais e parte das pautas do movimento sindical. Nunca teve a intenção de enfrentar-se até as ultimas conseqüências contra as classes dominantes no país. Por isso, mesmo sabendo que setores da burguesia e dos militares articulavam um golpe, negava-se a fornecer armamentos para que as Ligas Camponesas e os sindicatos pudessem defender-se dos ataques das classes dominantes. Mas o PCB acreditava que era possível realizar reformas estruturais por meio de um governo burguês reformista, imaginado que a burguesia retrograda brasileira respeitaria o jogo democrático. Como Jango tinha grande base de apoio, o PCB esperava que João Goulart articulasse e dirigisse a resistência ao golpe que era construído, impedindo assim que as frações mais atrasadas e reacionárias derrubassem o governo. No entanto o PCB, ao apostar todas as fichas em Jango, mantinha-se eqüidistante da estratégia marxista revolucionária. Abria mão da única forma de resistência ao golpe que era a auto-organização do proletariado com um programa independente das classes dominantes.
Durante todo o processo de ascenso das classes trabalhadoras no Brasil, o PCB agiu como importante educador coletivo. Seguindo a estratégia de revolução por etapas, definida por Stalin durante o final da década de 1920, o partido buscava organizar o proletariado rural e urbano para fortalecer setores da burguesia que deveriam protagonizar a primeira fase da revolução no país. Insiste em educar o proletariado para seguir os ânimos de direções reformistas e pequeno-burguesas.

O PCB E SUA FÉ CEGA EM SETORES DA BURGUESIA

Buscando alcançar tais objetivos o partido se articula na Frente de Mobilização Popular (FMP), agregando-se aos grupos orientados pelas posições nacionalistas de esquerda, reunindo a UNE. Em agosto de 1962, o PCB funda em São Paulo o Comando Geral dos Trabalhadores Brasileiros – CGT. Na luta por desenvolver o capitalismo nacional, articula ainda a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN). O PCB busca consolidar apoio às frações da burguesia e ao governo. Luiz Carlos Prestes, dirigente de grande importância do PCB, maior líder popular do país depois de Vargas, apelava as dezenas de milhares de trabalhadores e camponeses a “evitar agitações”, “passar fome se for preciso”.  (Confira: BIANCHI, 2001[2]).
Os sindicatos, federações e demais organizações, sob direção do PCB são colocado a serviço da sua estratégia de apoio a frações da burguesia. Assim o partido acaba por colocar estas instituições a serviço de determinados governantes (como fez em relação ao governo de Vargas, Dutra, Marechal Lott, J. Kubistchek, J. Goulart, Magalhães Pinto, Tancredo Neves, Lula e Dilma). Com isso as instituições da classe trabalhadora, sob direção do PCB, acabam funcionando como ala esquerda da manutenção do Estado burguês. Foi sempre buscando conciliar os interesses de frações da burguesia que o PCB impulsionou o MUT, Movimento Unificado dos Trabalhadores, a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), depois o Pacto da Unidade Intersindical (PUI) em São Paulo, e o Pacto de Unidade e Ação (PUA). Frente de Mobilização Popular (FMP), o Comando geral dos Trabalhadores Brasileiros – CGT , a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), e posteriormente na CUT.
Tratava-se, no entanto, de buscar desenvolver e aprofundar os acordos programáticos entre os militares insurrectos e o proletariado do campo. Porém, a direção política mais influente no exército também era o PCB que era contrário a qualquer radicalização das lutas sociais, queria que tanto os camponeses como os militares seguissem as alas janguistas e as frações da “burguesia democrática”. Amplos setores em luta deveriam ser contidos para seguir as determinações da base de João Goulart, e foi neste sentido que trabalhou CGT-PCB. A atuação do PCB em busca de solidificar uma aliança do proletariado com setores da burguesia, construindo mecanismos políticos e sindicais para que a burguesia nacional dirigisse a classe trabalhadora, impediu que o proletariado desenvolvesse um programa e uma atuação política independente das frações da burguesia que pudesse desarticular as classes dominantes. O Partido garantiu que o movimento operário, articulado por meio do CGT-PCB, vivesse os processos organizativos quase que isolado da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) e das Ligas Camponesas.
A determinação de seguir os setores janguistas e sua “burguesa nacional” impediu que se desenvolvesse um trabalho intenso para a unificação das principais lutas proletárias que se desenvolviam. Sem isso, não se constituiu uma sólida base programática pautada na independia de classe que pudesse ser assimilada amplamente pela classe trabalhadora. Assim, dificultava-se sobremaneira a possibilidade da unidade do proletariado em uma plataforma política própria que refletisse suas principais necessidades históricas.
E novamente, depois de constatada a ofensiva operária por meio de uma série de greves, o Estado, a burguesia e o patronato reagem, e reagem duramente em defesa dos seus lucros, da dominação de classes e da estabilidade do sistema capitalista brasileiro. Assim, o golpe militar-burguês que figurava como risco eminente concretizou-se, mas Jango optou pelo não resistir, e a partir do golpe de 1964 o processo de desenvolvimento da organização do movimento sindical e proletário foi interrompido, abre-se uma intensa onda governamental repressiva.
Além da FIESP, muitas outras organizações apoiavam o golpe militar-burguês, como no caso do movimento “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade”, que reuniu cerca de 500 mil pessoas em São Paulo no dia 19 de março de 1964. O objetivo central desta marcha era demonstrar repúdio às reformas de base propostas elo governo João Goulart e exigir controle sobre as mobilizações e jornadas de greves, piquetes, paralisações e enfrentamentos que eram desencadeados continuamente.
Ou seja, o golpe foi uma forma radical de manter a ordem de classe, dissolvendo sindicatos, partidos políticos e demais organizações proletárias que pressionavam as classes dominantes e seu governo em busca de transformações estruturais. Desta forma podemos dizer que a ditadura militar era também uma ditadura burguesa, tínhamos na verdade um Estado burguês em módulo de guerra contra o proletariado e suas instituições (partidos, sindicatos e correntes políticas). O golpe teve um destinatário certo: o proletariado brasileiro. A burguesia entendia que era preciso frear o avanço organizativo-contestatório dos trabalhadores. Para conter o ascenso proletário advindo do campo e das cidades a burguesia adentra uma nova fase da dominação de classe pelas armas, o Estado burguês assume o módulo de guerra. Havia ainda relações de troca de favores entre o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e as empresas montadoras de veículos do ABC, que forneciam veículos ao departamento em troca de sua atuação na região do ABC para coibir e dispersar ações grevistas. (Lisboa, 2009[3] ).
O golpe militar-burguês visava fazer refluir o período pré-revolucionário que se abria no País desde o inicio da década de 1960. Em síntese, no caso do Brasil, os principais elementos constitutivos deste período pré-revolucionário seriam: a) a crise econômica, com explosão inflacionária e déficits na balança de pagamentos. b) organização e radicalização do campesinato, com a insígnia“reforma agrária na Lei ou na marra”. c) organização, radicalização dos trabalhadores, em greves políticas contra as políticas governamentais, bem como contra os “arrochos”, expressa pela deflagração de greves massivas no período d) insubordinação, organização e radicalização nas Forças Armadas, com tendência a unificação de operários e camponeses.
Sobretudo nestas circunstâncias, caberia a um partido marxista revolucionário ajudar desenvolver a organização da classe trabalhadora por meio de reivindicações transitórias e medidas de auto-defesa. Para se assegurar trabalho e existência digna para toda população era necessário exigir um amplo plano de obras públicas de longa duração para criar empregos e distribuir moradias, lutar pela escala móvel de salários e escala móvel das horas de trabalho,redução da jornada de trabalho sem redução salarial, como forma de combater o desemprego, e ainda com aumento automático dos salários em relação aos preços, divisão das terras, estatização das empresas privatizadas e dos bancos, sobre controle dos trabalhadores etc. Em meio à intensa luta de classes que estava em processo era necessário, além de retomar os sindicatos das direções pelegas, organizar comitês de greve independentes, tratava-se de desenvolver a dualidade de poder por meio de comissões de fábrica e por, enfim, os conselhos operários (sovietes). Nos campos era necessário criar os comitês de pequenos lavradores.
Ainda, Trotsky no Programa de Transição alerta que as crises políticas e sociais tendem a exasperar ao máximo o ritmo da luta de classes. Desta forma não deve esperar que a situação revolucionária apareça de uma só vez. Na realidade, sua aproximação é marcada por toda uma série de convulsões. A onda de greves com ocupação de fábricas é, precisamente, uma delas. O aprofundamento da luta do proletariado provoca a exacerbação dos métodos de contra-ataque por parte das classes dominantes, do patronato, setores da pequena burguesia e das classes médias. O ascenso da luta de classes provocam reações enérgicas por parte da burguesia. Para conter a classe trabalhadora, movimentos sociais e demais setores em luta, a burguesia não se limita em utilizar apenas a polícia e o exército oficiais, lança mão corriqueiramente de exércitos privados, sustenta destacamentos militarizados e bandos armados para sufocar as manifestações do proletariado rural e urbano. Para resistir aos ataques dos bandos armados da burguesia os trabalhadores e trabalhadoras necessitam prevenir-se, formando sua própria auto-defesa. Em períodos como os que antecederam o golpe militar burguês de 1964, o proletariado precisa necessariamente formar praticamente os destacamentos de auto defesa em todo o lugar onde for possível. Só assim é possível defender os piquetes, as organizações dos trabalhadores rurais no campo e os bairros proletários. Sem isso não se pode ter nenhuma garantia para a inviolabilidade das organizações, reuniões e imprensa operárias.
A partir das contradições econômicas, políticas e sociais postas pelo ascenso proletário, tratava-se de constituir um programa que permitisse à disposição de luta crescente dos trabalhadores e trabalhadoras adentrar em um patamar superior de organização e atuação. Oposto á esta tarefa política, social e histórica, um partido oportunista, que sustente ilusões em frações da burguesia, tende a funcionar como principal freio no desenvolvimento da situação revolucionária. E foi justamente este papel que desempenhou o PCB, uma vez que levou o proletariado a distanciar-se sobremaneira da consolidação de um programa transitório. Evitou com isso a possibilidade do que Lênin chamava de transcrescimento da revolução democrática em revolução socialista.
Uma vez consolidado o golpe, o PCB adota a perspectiva da convivência pacifica com nova ordem social, política e econômica imposta pelo Estado burguês-militarizado. Esta opção política tem como uma de suas conseqüências a fragmentação do Partido em uma série de dissidências, que embora rompessem com o pacifismo proposto pelo partido, conservaram os elementos centrais do stalinismo e da conciliação com setores da burguesia. Estes grupos dissidentes não rompem com a estratégia stalinista de revolução em etapas, primeiramente vinha a revolução burguesa, depois a proletária. Mesmo frente à ditadura militar-burguesa, estes grupos guerrilheiros orientavam-se a partir das determinações dos congressos de 1925 e 1928 da Internacional Comunista já stalinizada, o que caracterizava-os como uma espécie de “reformismo armado”. A luta armada significava que para os guerrilheiros, frente ao golpe, para efetivar esta primeira etapa democrática era necessário “pegar em armas”. (SALLES; MATOS, 2007).
Entre as principais correntes formadas a partir da fragmentação do partido, além do racha de 1962, quando se forma o PC do B, forma-se a partir do racha pós-golpe militar: Ação Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), Ala Vermelha (AV), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Estas frações, embora rompam com o PCB, não rompem com a estratégia da revolução por etapas, nem com a busca de realização de alianças com a burguesia nacional. Ou seja, enquanto parte da esquerda organiza-se a partir do movimento operário para construir greves, piquetes e ocupações, como forma de unificar a classe operária contra a ditadura, outros setores, oriundo de rachas do PCB e PC do B organizam grupos de guerrilha urbana, na sua maioria lutando ainda por uma revolução democrático-burguesa em etapas, na tentativa de substituir a ditadura militar-burguesa, por uma democracia burguesa, buscando organizar a burguesia progressista, que deveria ser respaudada pelo proletariado e pelos camponeses.
No entanto, mesmo com os equívocos e desvios do PCB, PC do B e demais grupos stalinistas, o movimento operário consegue se reorganizar a partir da segunda metade da década de 1960 por meio das comissões de fábrica e o movimento de Oposição Sindical Metalúrgica. O processo grevista na cidade de Contagem tornou-se rapidamente o centro irradiador do enfrentamento contra o patronato e o Estado burguês-militarizado. Quatro meses depois das mobilizações massivas do operariado em Contagem, em agosto de 1968, milhares de metalúrgicos de Osasco deflagram outra greve que começou a espalhar-se para outros setores, esta também foi considerara ilegal sendo arrasada pela Ditadura. Ainda neste ano é organizada a “marcha dos cem mil”. Colocava-se como eminente o risco das lutas contra o regime generalizarem-se pelo país. As mobilizações no Brasil desenvolvem-se em paralelo com outros levantes internacionais. Na França em 1968 decorriam ações radicalizadas de operário e estudantes, que ficou conhecida como “o maio Francês”, além da “Primavera de Praga” na Tchecoslováquia e o “outono quente” na Itália, também desencadeavam-se insurgências na Argentina e na Líbia em 1968. Frente à nova conjuntura aberta, o governo militar-burguês move seu aparato repressivo para conter as mobilizações proletárias no Brasil. Além de reprimir e prender grevistas, em dezembro de 1968 o governo decreta o Ato Institucional nº5 - AI-5. Este será base importante para a sustentação do “milagre econômico” pró-burguês e anti-operário durante o regime militar. Ainda assim, as greves de Osasco e Contagem tornaram-se dois símbolos de luta contra a ditadura em 1968, pois mesmo derrotados marcaram um real processo de ruptura do proletariado com as velhas direções e aparatos (PC, varguismo, sindicalismo oficial), apontando para a auto-organização e o classismo.

SOBRE AS GREVES DO ABC

Por motivações políticas, econômicas e sociais, constitui-se base para uma série de movimentos que pressionam o governo, tal como o Movimento Negro Unificado, Pastoral da Terra, Juventude Universitária Católica, Ação Católica Operária, Comunidades de Bairro, Clube de Mães, Movimento Estudantil, Novo Sindicalismo, O Movimento Grevista do ABC paulista, União Metalúrgica de Luta, Mulheres Operárias. Uma série de movimentos sociais articula-se também a partir da Igreja católica e das Comunidades Eclesiais de Base, por meio da Operação Periferia, estimulada pela igreja católica e levada a cabo por adeptos a Teologia da Libertação, que defendiam “luta terrena pela justiça social”. Esta ruptura das classes médias deixaram o regime no ar e abriram as brechas nas alturas que a classe operária aproveitou para retomar o caminho iniciado em 1968. O ano de 1974 marca o início de uma nova contra-ofensiva proletária.
Em meio a tais processos, os trabalhadores organizam a interfábricas. Esta foi expressão da construção autônoma pelos trabalhadores e sindicato de base. Era por meio da interfábricas que se dava a difusão de informações sobre as mobilizações proletárias. Muitos dos operários que organizavam a interfábricas haviam vivido os ascenso proletários da década de 1960. A interfábricas era composta pela Oposição Metalúrgica de São Paulo que também difundia informações acerca dos acontecimentos do ABC entre os metalúrgicos da grande São Paulo. Com essa rede de solidariedade a efervescência operária atinge importantes segmentos do proletariado da capital paulista.
A Oposição Metalúrgica buscava estreitar sua articulação com os sindicatos do ABC. Compunha-se uma aliança estratégica, pois a Oposição formada por trabalhadores e trabalhadoras de diversos setores, existia na região Sul e Leste da grande São Paulo. Com o ascenso das lutas operárias no ABC paulista, decorridas no período 1978-1980, constituíam-se elementos palpáveis para a construção de um forte movimento operário nucleado em SP. Em maio de 1978, sem consultar o sindicato do ABC dirigido por Lula, operários da Scania decidem passar por cima da Lei anti-greve desencadeiam uma greve na empresa. A partir disso, uma série de outras mobilizações, paralisações e greves serão desencadeadas no País.
Estas mobilizações marcavam a intensificação da disposição de organização e luta por parte do operariado. Em julho de 1978 foi realizado no Rio de Janeiro o V congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Industriais. É a partir deste congresso que se consolida o bloco dos autênticos. Estes iriam torna-se mediadores entre a base operária radicalizada e o patronato. Também neste ano o PCB, capitulando ao projeto de autoreforma do Regime Militar, articula-se com uma das frações dos militares e da burguesia em apoio à candidatura de Magalhães Pinto que havia sido um dos articuladores do golpe em 1964. Este era apoiado pelo PCB em oposição à sucessão João Batista Figueiredo. No entanto o candidato do PCB foi derrotado.
No ano seguinte, 1979 uma nova greve massiva será preparada no ABC. Esta será mais organizada do que as greves ano anterior, envolvendo milhares de grevistas. A polícia e o exercito tomam as ruas do ABC e reprimem brutalmente os operários e operárias. Esta greve só conquistará parte de suas demandas. Mesmo com derrotas o proletariado do ABC ainda encontra disposição para desencadear uma greve maior ainda em 1980. Apenas no dia 11 de maio de 1980, grevista voltaram ao trabalho. A nota do boletim do comando de greve ainda ameaçava o patronato “atrás de cada máquina eles terão um trabalhador em guerra. Voltamos apenas para evitar a repressão da polícia do governo, face a face e desarmados”. O movimento grevista, mesmo isolado, lutando contra a vontade do governo ditatorial-burguês, do patronato, sob intensa repressão, violência policial e prisões, resistiu durante 41 dias. Desde o inicio Lula e os autênticos, buscavam uma saída negociada com a ditadura e o patronato, sobretudo porquê temiam a radicalização da luta operária.
 Para que o movimento obtivesse maior êxito em sua organização e reivindicações, era necessário que o sindicato do ABC se articulasse às dezenas e comissões de fábrica que já existiam, fomentando ainda a organização de novas comissões nos locais de trabalho. Com isso seria possível dotar o movimento grevista de maior coesão e organicidade. O sindicato deveria ser dirigido por estas comissões. Porém, os autênticos combatiam a formação de comissões de fábrica, o que pode ser verificado nos boletins do sindicato no período. Os autênticos alegavam as comissões dividiam a categoria. O próprio Lula concede entrevista em 1978 afirmando que não apenas foi contrário à “criação de comissões”, como ainda “(...) e em algumas empresas em que elas surgiram nós procuramos acabar com elas. E por que? Porque o problema era de todos e não era de meia dúzia”.
Em resumo, três os mecanismos centrais que permitiram aos autênticos controlar o ascenso dos operários e operárias do ABC: 1) combate as comissões de fábrica, 2) monopólio da representação nas negociações, e por fim a 3) exclusividade do direito de expressar propostas nos fóruns de deliberação coletiva, nas assembléias plebiscitárias apenas a direção do sindicato é que tinha direito a fala. Somados estes monopólios, tinha-se uma blindagem que garantia grande vantagem aos autênticos em relação a outras direções alternativas. A direção do sindicato do ABC não aceitava que a articulação com as propostas oriundas das diversas comissões de fábrica era uma forma de expandir a greve para além dos interesses imediatos da gestão do sindicato. Embora Lula e a diretoria do sindicato do ABC não falassem contra a greve, desde o inicio preparavam seu fim. As greves deveriam limitar-se a funcionar como um instrumento para pressionar o patronato a sentar-se à mesa de negociações. Estas direções nem sequer cogitavam a hipótese de unificação das greves para lutar efetivamente pela derrubada da ditadura militar-burguesa. Lula inclusive se dizia contra uma greve geral alegando que as reivindicações dos metalúrgicos do ABC eram diferentes das dos metalúrgicos do interior e de outras categorias. Ao invés de isolar e sufocar as comissões era necessário assegurar que em cada local de trabalho se votassem delegados revogáveis para constituir um fórum de frente única, democrático, que servisse como centro organizador das lutas que se abriam.
Se os autênticos, dirigidos por Lula não eram alternativa para organização da derrubada da ditadura, as frações stalinistas também não o eram. Os partidos stalinistas, ao invés de se aliarem com o proletariado em ascenso preferiram manter-se nas fileira dos setores “mais democráticos” do movimento sindical, como forma de enfraquecer a ala representada pelos “autênticos”. Com isso, as organizações stalinistas acabaram por organizar-se com o setor dos “pelegos”. Esta fração reformista era a mais expressiva preocupada em não afrontar o regime.

MOVIMENTO OPERÁRIO DURANTE A DÉCADA DE 1980

Durante toda a década de 1980 o país vivenciará um novo período de crise econômica, conhecido como crise da divida externa. A inflação crescente corroerá os salários, e será o motivo principal das quatro greves gerais que serão desencadeadas durante a década de 1980 (1983, 1986, 1987 e 1989). Desta forma, a crise política aberta pelo protagonismo do proletariado do ABC somou-se à crise econômica (Confira: A classe operária na luta contra a ditadura[4] e Movimento operário no ABC e na Volkswagen (1978-2010)http://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciasSociais/Dissertacoes/moura_a_me_mar.pdf ). Decorrem-se então uma série de mobilizações, greves e ocupações desencadeadas a partir dos diversos locais de trabalho. Ente exemplos mais importantes estão; a greve dos operários da Ford em 1981, a greve geral de 1983, a segunda greve geral em 1986, a ocupação com enfrentamento armado com o exército na Companhia Siderúrgica Nacional em 1988, onde os trabalhadores resistiram à repressão durante 17 dias. Esta greve com ocupação foi seguida ainda pelas greves com ocupações da Belco-Mineira e da Mannesmann em 1989. Também em 1989 é desencadeada a terceira greve geral da década de 1980. Além da multiplicação de confrontos radicalizados, a classe trabalhadora brasileira construiu também organizações de massa, como o PT (fundado em 1980), a CONCLAT (1981), a CUT (1983), o MST e a CGT (1986).
Nesse contexto, o PCB mantém sua posição estratégica stalinista de subordinar a classe trabalhadora ao programa da dita ''burguesia progressista'' que defendia na década de 1980, a partir do MDB, que a saída da ditadura se daria de maneira pactuada com os setores do regime. Esta política se manifesta no apoio ao articulador do Golpe de 64 Tancredo Neves, nas eleições no colégio eleitoral em 1985, política que se contrapõe frontalmente a perspectiva revolucionária da derrubada violenta do poder de Estado burguês pela classe trabalhadora em aliança com os setores pobres do campo e da cidade, que no período se encontrava extremamente radicalizada em seus métodos. Em outras palavras, o PCB assim como em 64 com o apoio a Jango, alimenta no seio da classe trabalhadora esperanças frente aos setores da ‘’burguesia nacional’’ representados pelo MDB desviando desta maneira o processo de ação direta nas ruas com a utilização dos métodos de luta revolucionários de classe (greve, piquete e ocupação) para uma via pacifista parlamentar.
Desta forma, o PCB[5] optou por apoiar o colégio eleitoral dirigido pelos militares a as classes dominantes, ao invés de construir a Diretas Já. Adotou para isso a palavra de ordem “lutar para negociar, negociar para mudar”. Tal política foi levada a cabo pela CGT, dirigida pelo PCB, PC do B e PMDB durante a década de 1980. Em 1988 a CGT racha, e um setor do partido, dirigido por Luís Antonio Medeiros, membro do Comitê Central do PCB, funda a Força Sindical. Com todos estes equívocos políticos, o PCB busca entrar na CUT, mas o faz já no período em que a CUT começa a fazer mais giros à direita. Esta passava a defender o sindicalismo propositivo. O PCB, PC do B, MR8 e PT acabaram por ser avalistas da transição pactuada, que permitiu que os militares transferissem o poder para a burguesia sem se apurar os crimes cometidos durante a ditadura militar-burguesa. A saída pactuada igualava torturadores e torturados, mortos e assassinos. E ainda sustentava o acordo de enclausuramento dos arquivos da ditadura. Os partidos stalinistas ainda não fizeram um balanço profundo do reformismo em sua atuação teórica e prática. Exemplo disso é seu apoio a governo burgueses e nacionalistas que reprimem o movimento operário, movimentos sociais e demais lutadores. O PCB ainda hoje reivindica Kadafi, Fidel e Raul Castro, Evo Morales, Hugo Chavez, governos repressores e aliados a setores da burguesia. (Confira: http://www.ler-qi.org/spip.php?article2648).
É necessário romper com qualquer tentativa de conciliação proposta por tais partidos, retomar as discussões sobre o caráter da ditadura militar burguesa e exigir a punição de todos os culpados. No Brasil, não haverá apuração nem punição com uma comissão moldada e controlada pelos militares, políticos, juízes e empresários ou representantes destes criminosos; não haverá apuração nem punição sem a abertura incondicional dos arquivos, sem investigação independente do governo. É necessário exigir o fim da impunidade e conclamamos as organizações de direitos humanos, de ex-presos e familiares de desaparecidos, organizando-se com sindicatos, partidos e centrais sindicais que se reivindicam classistas, de esquerda e democráticos para apurar, julgar e punir os criminosos, mandantes e apoiadores militares e civis, não permitindo que mais uma vez o pacto de governabilidade-impunidade se imponha contra a memória, verdade, justiça e castigo[6].
A militarização de setores da sociedade brasileira permaneceu como claros ecos dos resquícios da ditadura militar ocorrida no Brasil, que não foi apurada, deixando de punir seus culpados. Basta recordarmos dos fuzilamentos de trabalhadores na CSN (1988). Massacre do Carandiru (1992). Candelária (1993). Vigário Geral (1993). Repressão aos petroleiros (1995). Massacre de Corumbiara (1995). Eldorado do Carajás (1996). Massacre no Morro do Alemão (2007). (confira: http://marecrescente.blogspot.com/2011/11/10-chacinas-e-massacres-policiais-no.html)
Em outro nível tivemos a invasão da UNESP Araraquara pela tropa de choque em 2007 reafirma os resquícios da ditadura militar-burguesa, que trata as mobilizações sociais como crime político. No mesmo ano a Policia tentou acabar com a ocupação da USP, mas foi impedida pela auto-organização de estudantes e trabalhadores do SINTUSP. Em 2009, em meio a uma greve a polícia invadiu a USP, utilizando-se de bombas de gás, balas de borracha e cassetete prendeu e espancou estudantes e trabalhadores. Ainda no dia 8/11/2011, mais de 400 policiais da Tropa de Choque invadem a USP e prendem 73 estudantes. Milhares de estudantes e trabalhadores vão às ruas para protestar contra a presença da PM na USP (confira o vídeo:http://www.youtube.com/watch?v=qV5yRShuRHE). Assistimos ainda a militarização constante de morros e favelas, expressa pela política de Estado em manter as UPPs (Unidade de policia pacificadora). Sem as armas não é possível manter o proletariado superexplorado sobre controle.
Não esquecemos a ditadura, assassinatos, chacinas, massacres e torturas. O aparato policial é parte imprescindível da dominação burguesa. É utilizado pelo patronato do campo e das cidades, pelos latifundiários, pela burguesia industrial e financeira para reprimir e assassinar brutalmente os trabalhadores e trabalhadoras. É parte elementar dos mecanismos de manutenção da subalternização dos despossuidos de meios de produção. Constituí parte fundamental da manutenção do latifúndio e da superexploração do trabalho. Devemos nos posicionar contra todos os resquícios ditatoriais, contra qualquer forma de repressão as atividades políticas e organizativas da classe trabalhadora urbana e rural, da população pobre, d@s estudantes secundaristas e universitários.

 
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